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Parte VI: Rumo a uma Síntese Tradicionalista-Modernista?

Até aqui tenho apresentado uma pesquisa bem limitada, longe de ser completa, sobre os discursos inter-relacionados, Perenialistas, Cabalistas e Hermetistas, que penetraram no movimento tradicional Católico – mais notavelmente via Angelico Press (ver Partes Um, Dois, Três e Cinco). Duas óbvias e importantes questões surgem: Por que alguns Católicos tradicionais se mostram suscetíveis a essas influências ocultas, e por que outros de fato aderem? E como isso poderia afetar o futuro desenvolvimento do tradicionalismo Católico e, finalmente, a própria Igreja? Nas últimas três partes dessa monografia, me empenho em articular algumas ideias que eu – como leigo sem formação – tenho a oferecer e que penso ser de valor aos esforços de comentadores melhor qualificados para responder a essas questões primordiais.

Esteticamente falando, ocultistas e tradicionais Católicos tem muito em comum; ambos tem um profundo respeito e aspiração pelo ritual, mistério e tradição transcendente, e um correspondente profundo desdém pelo materialismo, racionalismo e secularismo crasso da espiritualidade árida de nosso mundo moderno. Alguém pode certamente considerar, portanto, como uma predileção por esse “ambiente espiritual” poderia facilmente, na ausência da fé sobrenatural, excitar a curiosidade por “feitiçaria”. Isso não é hipotético. Um artigo na Anglicana Church Times ilustra o quanto disseminado esse fenômeno pode se tornar:

EM 1978, A. N. Wilson publicou ‘Unguarded Hours’, uma sátira da vida em um seminário Anglo-Católico... No clímax do livro, um reitor liberal, visitando o seminário, encontra alguns seminaristas envolvidos em um ritual mágico...

“Wilson sabia sobre o que estava escrevendo ...”

O envolvimento Anglo-Católico com o ocultismo é maior e mais profundo do que a maioria das pessoas poderia suspeitar. Considere, por exemplo, a Ordem Hermética da Golden Dawn... [a qual] recruta pesadamente membros do clero...”

“Leigos Anglo-Católicos destacados como Evelyn Underhill, Arthur Machen e Charles Williams se arriscaram no ‘misticismo’ iniciático da Golden Dawn, formando suas próprias ideias a respeito da relação entre hermetismo e Cristandade em conversas com seu amigo comum A. E. Waite (1857-1942). Waite, embora não pessoalmente crente, mantinha um saudável respeito por formas rituais da Cristandade – especialmente a missa em Latim...”

“Essas figuras tão diferentes foram unidas por dois segmentos normalmente considerados como mutuamente exclusivos. Primeiro, todos ele compartilham um comprometimento com a tradição Católica Anglicana. Eles também têm um profundo interesse em (e, em alguns casos, participam) várias crenças e práticas ocultistas.”

“As fronteiras entre essas duas tendências provaram ser permeáveis. O Anglo-Catolicismo e o ocultismo tiveram, âmbos, um senso do ritual, com frequência um romantismo Gótico, e uma visão de mundo sacramental. Ambos sugeriram que o sobrenatural poderia perpassar o mundo material, e ambos ofereceram suas próprias vias de ‘misticismo’ para penetrar além do mundo material...”

“O ocultismo Anglo-Católico era, nas mentes de muitos de seus praticantes, uma censura ao mundo descrente exterior ao claustro e ao sanctum... O Ocultismo poderia aumentar a religião convencional, e não era de forma alguma tão marginal quanto se pudesse supor.”

Isso deveria ser lido pelos Católicos tradicionais como uma lição; aconteceu com o Anglicanismo, mas poderia facilmente acontecer com a gente. Pode ser considerado que a multiplicação de heresias entre hereges é esperada – o que é bem verdade – mas não deveríamos ser tão complacentes; a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, diferentemente da Anglicana, é indefectível, mas seus membros individuais não. Católicos tradicionais e os chamados “Anglo-Católicos” – embora não compartilhemos nenhuma comunhão (nem “imperfeita”, nem de qualquer forma) – têm, no nível natural, mais do que alguns traços, atitudes e preferências em comum, e isso nos torna vulneráveis aos mesmos perigos espirituais; consequentemente foi dado o alerta do Ven Papa Pio XII contra qualquer indulgência ao misticismo exótico como “uma censura ao mundo descrente”, em sua encíclica Mystici Corporis Christi de 1943:

“Enquanto ainda sobrevive um falso racionalismo, que ridiculariza qualquer coisa que transcenda e desafie a genialidade humana, o qual é acompanhado de um erro cognato, o assim chamado naturalismo, que vê e deseja ver na Igreja nada além de uma união social e jurídica, há por outro lado um falso misticismo se infiltrando, o qual, na sua tentativa de eliminar a inamovível fronteira que separa as criaturas do seu Criador, falsifica as Sagradas Escrituras.”

Todo falso misticismo (como eu o entendo) é, fundamentalmente, uma consequência da fusão das ordens natural e sobrenatural – ou seja, natureza e graça – (a qual o Professor “Católico tradicional” Jean Borella, por exemplo, parece culpado; ver a Parte Dois), porque fazendo isso nos incentiva – ao invés de olhar ao alto para Deus – a olhar para dentro, para a auto deificação; ou para fora, para um cosmos divinizado – de qualquer modo, uma negação implícita do Pecado Original. (O Budismo seria o exemplo perfeito). O Papa São Pio X visa os propagadores desse tipo de erro em sua encíclica anti-Modernista Pascendi Dominici Gregis:

“E sobre este ponto nos vemos de novo obrigados a lamentar que não faltem católicos que, conquanto rejeitem a doutrina da imanência como doutrina, todavia se utilizam dela na apologética; e fazem-no tão incautamente, que parecem admitir não somente certa capacidade ou conveniência na natureza humana para a ordem sobrenatural, (o que os apologetas católicos com as devidas restrições sempre demonstram), mas também uma estrita e verdadeira exigência. Para sermos mais exatos, dizemos ainda que esta exigência da religião católica é sustentada pelos modernistas mais moderados. Pois, aqueles que podem ser denominados integralistas, pretendem que se deve mostrar ao homem que ainda não crê, como se acha latente dentro dele mesmo o gérmen que esteve na consciência de Cristo, e que Cristo transmitiu aos homens. Eis aqui, Veneráveis Irmãos, sumariamente descrito o método apologético dos modernistas, em tudo conforme com as doutrinas; e tanto o método como as doutrinas estão cheios de erros, capazes só de destruir e não de edificar, não de formar católicos, mas de arrastar os católicos à heresia...

Não é essa uma refutação direta, antecipada, da afirmação do Professor Wolfgang Smith, “de que há um ingrediente sobrenatural no homem,” a “pequena centelha” teorizada por Mestre Eckhart (veja a Parte Dois), da qual ele presume “uma natural disposição para o sobrenatural”? Desse modo Smith, o Cabalista (veja a Parte Três) – juntamente com o Perenialista (e acusado de Gnóstico) Jean Borella, com o Hermetista Valentin Tomberg, e sua turma – se junta à tradição de falsos místicos proto-Modernistas que “desejam eliminar a inamovível fronteira que separa as criaturas de seu Criador” e, assim fazendo, “falsificam as Sagradas Escrituras.” O Ven Pio XII iria mais tarde dar continuidade à sua Mystici Corporis Christi com Humani Generis em 1950, na qual ele reforça a crítica de que “novidades deste tipo já deram seus frutos mortais” por, inter alia, “destruir a gratuidade da ordem sobrenatural” e “perverter o conceito de pecado original...”

Um perfeito exemplo desse “falso misticismo insinuante” aparece no artigo de Church Times citado acima, pois entre os “ocultistas Anglo-Católicos” citados, Dom Aelred Carlyle – um entusiasmado estudante de Voodoo – iria mais tarde “cruzar o Tibre,” com a comunidade Beneditina que ele fundou em Caldey Island. A boa fé tradicionalista do abade (ele amava a liturgia Tridentina) nada fez para prevení-lo de abastecer a biblioteca de seu mosteiro com uma “enorme seleção de livros e panfletos que abordavam a Teosofia, o Rosacrucismo, a reencarnação, e formas similares de misticismo não-cristão”, nem de procurar o que ele dizia serem as relíquias do Bl Richard Whyting por meio de uma sessão espírita. (E eu sou inclinado a acreditar que os múltiplos escândalos de abuso sexual de crianças que abalaram Caldey Abbey – que agora aloja uma comunidade de monges Trapistas – em 2017, não foram desvinculados das atividades ocultistas que lá ocorreram um século antes. Os exorcistas conhecidos meus, estou certo, concordariam).

A fortaleza da Tradição Católica, nós sabemos, tem estado sob contínuo ataque por, no mínimo, os últimos cem anos – pelas forças nominalmente Católicas do Modernismo em uma frente, e de legiões de racionalistas expressamente anti-Católicos em outra. Condições de cerco como essas podem produzir estranhas companhias, e há sempre a tentação de compromisso, especialmente quando o compromisso oferecido se reveste de uma síntese simpática (como aquela sustentada por Charles A. Coulombe, por exemplo; veja a Parte Cinco). Uma vez mais Roma nos alertou antes exatamente a respeito dessa ameaça, dessa vez através do Papa Pio XI, em uma carta de 1926 para o Cardeal Andrieu, Arcebispo de Bordeaux:

“Nós lemos com alegria a resposta de Sua Eminência para o grupo de jovens Católicos que lhe questionaram a respeito da ‘Action Française’... Sua eminência indica... um perigo que... toca, mais ou menos diretamente, e sem parecer, a moral e a fé Católicas; poderia involuntariamente causar o desvio do verdadeiro espírito Católico...”

“Sua Eminência corretamente lista e condena... os sinais de um novo sistema religioso, social e moral, por exemplo no que se refere à noção de Deus, da Encarnação, da Igreja e, genericamente, da moral e do dogma Católicos... Em substância, há, nessas manifestações [da Ação Francesa], traços de um renascimento do Paganismo, ao qual está ligado o Naturalismo... contra os quais eles mesmos sempre combateram tão ardentemente...”

Muitos Católicos tradicionais – incluindo o santo Marcel Lefebvre[1] – argumentaram que Pio XI agiu imprudentemente ao condenar a Action Française, cujos líderes positivistas eram pragmaticamente pro-Católicos (reconhecendo, como fizeram, a Igreja como um pilar essencial da sociedade Francesa) mas privadamente detestavam a Fé e achavam o paganismo mais apto para gerar uma civilização grandiosa. É possível que ele tenha de fato errado em seu julgamento, talvez tendo exagerado a percepção do risco para a fé dos piedosos Católicos franceses que se juntaram ao movimento, dos quais havia muitos. De qualquer modo, algum risco realmente existia, embora a aliança entre Católicos e positivistas representada pela Action Française fosse somente um síntese política. Quanto mais, então, devemos nós, Católicos tradicionais, estarmos de alerta em relação à síntese teológica proposta por Perenialistas, Gnósticos, Cabalistas e Hermetistas?

Tal síntese pode muito bem ser sedutora. Ela pode apelar para o nosso orgulho intelectual, como o Gnosticismo sempre faz, nos tentando com a promessa de um conhecimento secreto, e a iniciação em um círculo mais interno de uma elite de crentes “iluminados”. (Fr Chad Ripperger notou a particular vulnerabilidade dos Católicos tradicionais a essa tentação em uma palestra da Sensus Fidelium, “10 Problemas no Movimento Tradicionalista,” cujo primeiro é “Tornar-se Gnóstico e Elitista.”) Ou, como no Perenialismo, que parece nos trazer o luxo de manter os aspectos “positivos” da Tradição – a antiga liturgia e os costumes da Igreja pré-Conciliar – e ao mesmo tempo desprezando (ou ao menos mitigando) os aspectos “negativos”: extra Ecclesiam nulla salus, o escândalo da particularidade, e o Pecado Original. Mas nunca devemos oferecer nem um grão de incenso aos falsos deuses do ocultismo: “O que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mateus 16:26)

Não adianta combater o Modernismo com o Martinismo, ou qualquer outra teosofia, assim como não é prudente tratar enjôos matinais com talidomida; poderia ser eficaz, mas a que custo? Muitas das mulheres grávidas a quem foi administrada talidomida tiveram, em consequência, crianças horrivelmente deformadas. Se a Igreja “se apropriasse da Cabala,” como o Prof Smith esperançosamente previu (veja a Parte Três), o que poderia resultar desse casamento? Pensando sobre a questão, me lembrei do Segredo de La Salette:

 “Antes que isto aconteça [a era do Anticristo], haverá uma espécie de falsa paz no mundo. Não se pensará em outra coisa, senão em se divertir. Os maus se entregarão a toda sorte de pecados...”

“Tremei, ó Terra, vós que fizestes profissão de servir a Jesus Cristo, mas que no vosso íntimo adorais a vós próprios. Tremei, pois Deus vos entregará a seu inimigo, porque os lugares santos estão imersos na corrupção. Muitos conventos não são mais casas de Deus, mas pastagens de Asmodeu e os seus [demônios].

Durante esse tempo nascerá o Anticristo de uma religiosa hebraica, uma falsa virgem que terá comunicação com a velha serpente. E o mestre da impureza, seu pai, será bispo. Ao nascer, vomitará blasfêmias e terá dentes. Numa palavra, será o diabo encarnado. Dará gritos aterrorizadores, fará prodígios, alimentar-se-á só de impurezas.”

“Roma perderá a fé e se tornará sede do Anticristo...”

A Igreja será eclipsada, o mundo estará na consternação... Todo o universo será tomado de terror, e muitos se deixarão seduzir, porque não adoraram o verdadeiro Cristo vivo entre eles. Chegou a hora, o sol se obscurece, só a fé viverá...”

Estamos familiarizados com os quatro sentidos da Sagrada Escritura; poderia aí também haver múltiplas camadas de significado, além do histórico-literal, nesta revelação privada para Melanie Calvat? Claro que eu posso apenas especular, mas eu pergunto se essa aterrorizante mensagem de Nossa Senhora, entendida como alegoria pressagia uma tentativa de cruzamento entre a Cabala Judaica (personificada como “uma religiosa hebraica”) e o Catolicismo Romano (“um Bispo”) – com desastrosas consequencias para a Igreja.

Notas:

[1] “Não era um movimento Católico, mas era um movimento contra a desordem semeada por Francomaçons no país, na França: era uma reação saudável, uma determinação para reestabelecer a ordem e a disciplina, um retorno à moralidade e para a moralidade Cristã... Pio XI não era um liberal. Mas ele era fraco, muito fraco na esfera prática e, ao contrário, inclinado para o compromisso com o mundo...”

Parte VII: A Letal Eclesiologia do Neo-Tradicionalismo Tomberguiano

No curso de minha investigação sobre a influência do oculto no discurso Tradicional Católico, o Hermetista Valentin Tomberg – cujas Meditations on the Tarot eu apresento, devem ser estudadas e criticadas por estudiosos Católicos fiéis à Tradição – surgiu como o denominador comum, ao qual quase todos os tradicionais Católicos citados nessa monografia estão ligados ou são por ele inspirados.

A força da atração de Tomberg entre tradicionalistas, apesar de seu ecletismo, está nas suas notáveis credenciais contra-revolucionárias. Tomberg se opunha consistentemente e veementemente não somente às revoluções políticas da América, França e Rússia, mas também às revoluções religiosas de Martinho Lutero e, mais relevantemente, o Concílio Vaticano Segundo. Em seu livro (póstumo) de 1985, Lázaro, Saia!, ele escreve:

“O Concílio foi convocado pelo Papa João XXIII por um desejo de renovação, ou seja, aprofundar, elevar e expandir a herança tradicional da Igreja. Uma tremendo mal-entendido então surgiu; ao invés da renovação da Igreja no sentido de aprofundamento, elevação e expansão da tradição, surgiu um esforço para revisar a tradição...”

“O Concílio não refletiu as inspirações atemporais do céu, mas, ao contrário, as necessidades, queixas, desejos terrenos e aspirações da época. Tornou-se uma espécie de ‘parlamento religioso’ com uma ‘esquerda progressista’, ‘uma direita conservadora’, e um ‘centro moderado’. Então se falou de uma ‘democratização’ da Igreja, agora se realizando. O ‘mundo’ notou com satisfação: a Igreja Católica está se aproximando de nós; sim, mais um pouco e ela será parte de nós – o Concílio exala um ‘vento fresco’, o vento de um espírito livre e moderno! E um ‘vento fresco’ de fato soprou do Concílio. Ele detonou problemas como: a abolição do celibato dos padres, de repente se tornando urgente; o problema dos casamentos mistos com pessoas de outra fé; o problema da aceitação da ‘pílula’ e outros métodos de contracepção; o problema da ‘desmitilogização’ da Sagrada Escritura e da tradição; o problema da Missa, no sentido de abolir o Latim como a língua litúrgica e sagrada, e a substituição por diversas línguas nacionais; e muitos outros problemas associados com a conformidade ao espírito da época, ao custo da tradição.”[1]

A ladainha de queixas sentidas de Tomberg mexerá com qualquer tradicional Católico digno do nome. Mas nem tudo que brilha é ouro; o que achamos nos textos de Tomberg, se pode ser chamado de tradicional, é extremamente heterodoxo, e mesmo um “tradicionalismo Católico” dubiamente Católico, o qual Roger Buck (que venera Tomberg como “um autêntico gênio e santo”) caracteriza “ao mesmo tempo menos que tradicional e extremamente tradicional.” Um outro Tomberguiano declarado, Dr Michael Martin – para quem _Meditations é “_uma fonte de constante renovação e companheirismo espiritual” e “o trabalho mais radicamente ortodoxo... do último século” – coloca da seguinte forma:

Parte da maravilha presente em ‘Meditations’ é a forma como ele equilibra um sutil (ainda que altamente idiossincrático) tradicionalismo com algumas proposições ousadas a respeito de astrologia, reencarnação e, mais importante para sua mensagem, a sofiologia...”

“O tradicionalismo não-tradicional de Tomberg (para resumir numa frase) reside em sua devoção aos dogmas da Igreja, sua defesa do papado, e sua veneração pelos santos, doutores e professores de Catolicismo (ele é particularmente afeiçoado a João da Cruz, Tereza de Ávila, Boaventura e Bernardo de Claraval, entre outros) – enquanto ao mesmo tempo expressa sua admiração por certas figuras do Reavivamento Ocultista Francês do século dezenove (por exemplo, Joséphin Péladan, Eliphas Levi, Louis-Claude de Saint-Martin, e assim por diante). Seu tradicionalismo, de fato, vai tão longe a ponto de questionar o Vaticano II...”

“Desnecessário dizer que uma boa parte do mais zelozos leitores de Tomberg seguem essa mesma trilha... e se juntam ao coro dos detratores do Vaticano II, quando não flertando com o Sede-vacantismo ou outras bizarrices da direita Católica. Mas o desgosto com o Vaticano II não é tudo o que há em Valentin Tomberg.”

“Mais importante, Tomberg era também um inovador religioso que nutria uma profunda admiração por Teilhard de Chardin..., Henri Bergson e C. G. Jung. Ele também entendia a reencarnação como uma realidade metafísica e reconhecia a influência das estrelas sobre a vida humana... De forma que ele não era tão tradicional assim. Tomberg é um paradoxo.”

“O que Tomberg faz, eu penso, é sugerir noções complacentes com aquilo que significa ser ‘Católico’...”

Tomberg deplorava toda novidade – religiosa, política ou outra qualquer – e isso pesa a seu favor, mas seu zelo desordenado pela tradição levou ele à rejeição dos erros modernos (e.g. o racionalismo) com a adoção de erros antigos (falso misticismo; ver a Parte Seis). Nem tudo que é antigo e venerável é útil para a salvação pois, de fato, que criatura pode reclamar uma maior antiguidade do que a serpente primordial? Todo erro, não importa se antigo ou moderno, procede em última instância do demônio, “o pai da mentira,” (cf. João 8:44) e no fim conduz de volta a ele – o verdadeiro paradigma emanacionista-apocatastático (veja a Parte Três), o diabólico solve et coagula do credo dos alquimistas. Esse é o infeliz resultado que decorre necessariamente de todo tradicionalismo não-Católico, como São Paulo – um ex tradicionalista não-Católico se é que havia existido algum – bem compreendeu: “Vede que ninguém vos engane por meio da filosofia inútil e enganadora, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo.” (Colossenses 2:8)

Nós podemos justificadamente suspeitar, portanto, que quando Tomberg expressa sua esperança por “um aprofundamento, elevação e expansão da tradição,” e especialmente quando, algumas linhas depois em Lázaro, Saia!, ele substitui a palavra “tradição” por “revelação,” e começa, ao invés, a falar “do ‘milagre do segundo Pentecostes’ esperado e rogado pelo Santo Padre [Papa João XXIII] – a proclamação pelo Concílio Mundial de um tesouro aprofundado, elevado e expandido da revelação da Igreja...” A era da revelação pública não terminou definitivamente com a morte do Apóstolo São João na ilha de Patmos, por volta do ano 100? O que precisamente, então, significa este “aprofundamento, elevação e expansão da tradição” e/ou “revelação”? Dado que Tomberg está agora há 50 anos no túmulo (e era para a maioria um escritor impenetrável, de qualquer forma), a questão deva ser colocada para seus discípulos. Então voltemos, mais uma vez, ao Dr Martin:

“Em 1986, o ano seguinte ao da publicação pela primeira vez em inglês, eu me deparei com ‘Meditations on the Tarot’ de Tomberg. Além de meu espanto em relação à largura e profundidade do conhecimento do autor sobre as tradições espirituais, tanto do Ocidente como do Oriente (Budismo, Vedanta, yoga, Cabala, misticismo Católico, Ortodoxia Oriental, Sufismo, Teosofia, Antroposofia, e assim por diante), sem mencionar sua familiaridade com ciências, política e as artes e suas discussões sobre reencarnação, astrologia e alquimia, eu fui particularmente surpreendido por sua visão expansiva do Catolicismo. Em resumo, após ler o texto tive um entendimento de que o Catolicismo era algo muito maior do que... meu limitado contato com a ‘tradição’ foi capaz de me mostrar. Muito, muito maior. ‘Na casa de meu pai há muitas moradas’. [João 14:2]”

Falar de “uma visão expansiva do Catolicismo” englobando um vasto conjunto de crenças e práticas pagãs e ocultistas é alarmante, para dizer o mínimo – especialmente quando o Catolicismo “expansivo” e contrastado, favoravelmente, com o que Martin, no mesmo post, chama “o terrível Catecismo de Baltimore,” do qual ele teve seu “limitado contato com a ‘tradição’...” Esta noção de uma tradição Católica escondida mais profunda, mais rica e mais autêntica – da qual o ignorante “Trad,” agarrado miseravelmente a sua cópia do Catecismo de Baltimore, é inteiramente e lamentavelmente ignorante – é o sine qua non do Catolicismo “esotérico”. Isso pode ser percebido, por exemplo, nos escritos do “bispo” reformado Sedevacantista [2] Jason Spadafore, que promove o que ele chama de “Ocultismo Católico” em seu website:

“As fontes do Ocultismo Católico são as mesmas fontes da religião Católica: A Bíblia, o Credo, os Padres da Igreja, os Concílios Ecumênicos, os escritos dos Místicos e Santos, os Manuais (livros texto dos seminários), a Liturgia, as devoções Católicas e os Decretos Papais. Essas fontes são consultadas juntamente com o ‘paradigma científico’ [i.e. Hermetismo] tal como conhecidas e entendidas pela Igreja Medieval (quatro elementos, sete planetas, doze signos, as ervas e outros conhecimentos disponíveis naquele tempo)...”

“O Ocultismo Católico é um produto do Catolicismo pré-Vaticano II, o que significa que ele é compatível com o Catolicismo Tradicional e mais compatível ainda com o Catolicismo pré-Tridentino...”

“Ao contrário do Católico exotérico, o Ocultista Católico... não tem medo de se envolver com o ensino ou a prática espiritual de outros períodos da história da Igreja (em relação à qual o Católico exotérico médio ou desconhece ou se sentiria desconfortável), ou fazer uma sóbria análise do ‘joio versus o trigo’ em sistemas não-Católicos...

“Como os Católicos Ocultistas buscam suas práticas diferentemente, o primeiro livro que nós recomendaríamos é ‘A Mágica do Catolicismo: Mágica Real para Católicos Devotos’ (Irmão A.D.A. [um dos pseudônimos de Spadafore], 2015), o qual apresenta o conceito de Catolicismo como um sistema mágico, discute suas iniciações e práticas, e dá um quadro claro para alguém iniciar sua própria prática.”

A semelhança deste “Ocultismo Católico” com o “Hermetismo Católico” de Charles A. Coulombe (discutido na Parte Cinco) é imediatamente óbvio, especialmente na sustentação de ambos escritores de que o Concílio de Trento, ao invés de revivificar uma Igreja mergulhada no escândalo e heterodoxia, representou um infeliz estreitamento da Tradição Católica. Do mesmo modo Dr Martin lamenta “o reacionarismo da Contra Reforma Católica... que posteriormente sempre denegriu [a astrologia] como sendo ‘ocultismo’ e ‘esoterismo’...”

“Como [o historiador] Ioan Couliano escreveu, ‘Como resposta a Lutero e ao Puritanismo, a Igreja empreendeu sua própria reforma... Longe de consolidar as posições assumidas pelo Catolicismo durante a Renascença, esse movimento se separou completamente delas e foi nas mesmas direções tomadas pelo Protestantismo. Foi tomando uma linha de severidade e dureza que a Reforma se desenvolveu, tanto do lado Protestante quanto do lado Católico’... Eu acho que é o momento de recapturar uma relação saudável com o cosmos.

Um outro escritor, o teólogo Oriental Ortodoxo David Bentley Hart (publicado duas vezes pela Angelico Press) exibe o mesmo viés anti-Tridentino em seu ensaio, “O Mito do Cisma,” no qual ele venenosamente zomba de “um certo tipo de extremismo eclesial...”

...quem pode imaginar uma versão da fé Católica que não esteja conforme, em cada detalhe, com as práticas e preconceitos de sua infância... De fato, em quase todos os casos, a grande ironia dessas pessoas... é que o que elas geralmente assumem ser a herança imemorial da fé Católica é a forma distintamente moderna da Igreja que manteve o controle nos dias em que suas mentes infantis ainda tinham uma flexibilidade idílica. Então quando um determinado padre Católico militantemente conservador ensinava que o celibato sacerdotal era a prática universal da igreja primitiva, estabelecida por Cristo em seus apóstolos..., alguém historicamente astuto entre nós reconhece que tal delírio é possível somente para uma pessoa sem compreensão de um sacerdócio mais sofisticado do que as memórias imaculadas de menino de Fr O´Reilly, e o exemplo brilhante de seu celibato, e a calma autoridade com a qual ele comandou a vida da igreja paroquial de St Anne of Green Gables. E quando esse mesmo padre se aventura a dar opiniões teológicas ou eclesiológicas, é quase certo que o que ele entende ser Catolicismo apostólico na verdade é um tipo de Catolicismo Barroco pós-Tridentino, mantido a partir de princípios sacramentais e eclesiológicos não anteriores a 1729...”

Esse é o mesmo David Bentley Hart cuja coleção de ensaios, _The Dream-Child’s Progress, pertence ao vasto catálogo da seção de “_Esoterismo Cristão”, que tem mais de 30 títulos, da Angelico Press, incluindo trabalhos do filósofo Perenialista Prof Jean Borella (veja a Parte Dois), do Cabalista Prof Wolfgang Smith, do entusiasta de Tomberg Roger Buck, de Stratford Caldecott, e – o mais expressivo de todos, com nove volumes “esotéricos” em seu nome – o “Rosacruciano” Dr Michael Martin. Esses escritores Católicos “esotéricos”, ainda que convenientemente tradicionais em muitos aspectos, são muitas vezes descritos como neo-tradicionalistas – um rótulo que eu teria dificuldade em definir exatamente, mas que parece ser caracterizado em primeiro lugar por uma eclesiologia inédita, quase-Joaquimita – os quais, com seu pai espiritual, Valentin Tomberg, avidamente esperam aquele “milagroso segundo Pentecostes” (a ser introduzido pelo “batismo” do Hermetismo e da Cabala), através do qual “um tesouro aprofundado, elevado e expandido da revelação da Igreja” emergirá, das cinzas do Catolicismo Tridentino, cuja era acabou.

O que isso significa para o futuro da Igreja? O falecido Caldecott, ‘luz-guia” da Angelico, sugere enigmaticamente em uma resposta:

Cristo veio uma vez como homem, e isso foi no meio do inverno. A vida que ele trouxe criou – do chão estéril, logo encharcado com o sangue dos mártires – uma civilização reconhecidamente Cristã, ainda que profundamente imperfeita. Aquela civilização tinha sua vida natural, com altos e baixos e, após 2.000 anos, foi em grande parte reduzida a cinzas. Mas seu propósito foi atingido; ela deu nascimento a muitos santos. Suas sementes foram plantas para dar origem a uma nova primavera, que desta vez não irá suceder e sim preceder sua Vinda. A Segunda Vinda é causada pelas energias dispensadas na terra pela Cruz, e pelo grão que tem que morrer para frutificar cem vezes mais. Seu propósito é preparar os vales e as colinas para Aquele que vem. Ele virá num momento que não esperamos. Mas quando ele vier, as flores desabrocharão, de modo que caminharemos nos prados, não em terra nua.”

Esta enigmática previsão, em si, desafia uma interpretação fácil. Mas eu suspeito que Tomberg, a quem Caldecott tanto admira, tem a chave para decifrar seu significado. E quem melhor para manejar esta chave do que o colega e amigo de Caldecott, o esotérico mor da Angelico, Dr Michael Martin, inspirado como é pelas “formas espiritualmente enriquecedoras de Catolicismo... dos trabalhos de Stratford Caldecott”; e cujo livro de Sofiologia, A Realidade Submersa, Roger Buck “plenamente recomenda... a qualquer um que esteja tentando entender o projeto de Tomberg para curar o Oeste”? Martin escreve:

“Pode ser que nem mesmo Tomberg percebeu a força do que propôs. [Sua] Sofiologia, no contexto da Cristandade contemporânea, traz uma completa mudança de paradigma. Ninguém gosta de mudanças, muito menos de mudar paradigmas, mas isso é claramente com o que somos confrontados no trabalho de Tomberg. Mais uma vez, para citar [o Marxista filósofo Eslavo] Zizek:

“... ‘É possível hoje redimir a essência do Cristianismo somente com uma atitude de abandono da carapaça de sua organização institucional (e, ainda mais, de sua específica experiência religiosa). A lacuna é irredutível: ou se cai na forma religiosa, ou se mantém a forma mas se perde a essência. Esse é o último gesto heróico que espera a Cristandade: para salvar seu tesouro, ela tem que sacrificar a si própria – como Cristo, que teve que morrer para que a Cristandade pudesse emergir’.”

Se a consequência lógica do neo-tradicionalismo Tomberguiano é nada menos do que a morte da Santa Madre Igreja então o que realmente, em última análise, o diferencia do Modernismo – que é a “síntese de todas as heresias”, e cujos adeptos “se vangloriam de serem reformadores da Igreja” enquanto pedem, invariavelmente (conscientemente ou não) “a destruição... da religião Católica,” como o Papa São Pio X astutamente observou? É um Modernismo “da Igreja Conservadora”, na melhor das hipóteses. Ainda que redigido em termos que apelam para as naturais simpatias entre tradicionalistas e conservadores, a pretensão de Tomberg do “aprofundamento, elevação e expansão da tradição,” como foi concebida, resulta na prática em um deliberada eliminação (ou uma “reinterpretação”) de, no mínimo, quatro séculos de desenvolvimento eclesiástico e maturação doutrinária do período entre os Concílios de Trento e Vaticano II – indiscutivelmente uma idade de ouro do Catolicismo, como de fato argumentou o grande Servo de Deus Prosper Gueranger em sua obra prima de quinze volumes, O Ano Litúrgico:

“[O Bispo Jacques-Benigne] Bossuet, falando do Concílio de Trento..., afirma que ele trouxe a Igreja para a sua pureza original, na medida em que a iniquidade do tempo permitiu. E quando as sessões ecumênicas do [Primeiro Concílio] Vaticano foram iniciadas, o Bispo de Poitiers, o futuro Cardeal Pie, falou ‘daquele Concílio de Trento, que mereceu, mais verdadeiramente mesmo do que o de Nicéia, ser chamado o grande Concílio; aquele Concílio, no que se refere ao que nós podemos afirmar com confiança, que desde a criação do mundo nenhuma assembleia de homens teve sucesso em comunicar à humanidade tamanha perfeição; aquele Concílio a respeito do qual tem sido dito que, como uma árvore da vida, restaurou para sempre na Igreja o rigor de sua juventude. Mais de três séculos se passaram desde que seus trabalhos foram acabados, e sua virtude de cura e fortalecimento ainda é sentida’.”

Há um nome para o tipo de ideologia, que ficaria adormecida ao lado de séculos de tradição, e que pede a restauração dessa tradição; e vem a nós através do Papa Pio XII, e é enfaticamente não o piedoso tradicionalismo, mas impiedoso antiquarianismo. Em sua encíclica de 1947 sobre a liturgia (mas cujos princípios não são menos aplicáveis a qualquer outro aspecto do patrimônio da Igreja), Mediator Dei, o último dos pontífices pré-Conciliares escreve:

A Igreja é sem dúvida um organismo vivo, e como um organismo, também quanto à sagrada liturgia, ela cresce, amadurece, se desenvolve, se adapta e se acomoda às necessidades e circunstâncias temporais, desde que a integridade de sua doutrina seja preservada. Não obstante isso, a temeridade e o atrevimento daqueles que... solicitam a restauração de ritos obsoletos sem harmonia com as leis e rubricas em vigor, merecem severa reprovação...”

“A liturgia dos primeiros tempos é certamente digna de toda veneração. Mas o uso do que é antigo não deve ser estimado como mais próprio e adequado, tanto em seu próprio direito ou em sua significância para tempos futuros e novas situações, com base simplesmente no fato de que ele tem sabor e aroma de antiguidade. Os ritos litúrgicos mais recentes merecem, do mesmo modo, reverência e respeito. Eles, também, devem sua inspiração ao Espírito Santo, que assiste a Igreja em cada época até o fim do mundo...”

Não é também sábio nem louvável reduzir tudo à antiguidade de qualquer modo que seja...”

“Claramente nenhum Católico sincero pode recusar aceitar a formulação da doutrina Cristã elaborada mais recentemente e proclamada como dogmas pela Igreja, sob a inspiração do Espírito Santo com abudantes frutos para as almas, porque lhe agrada se voltar para as velhas fórmulas...

“Esse modo de agir considera justo reviver o antiquarianismo exagerado e sem sentido, o qual o ilegal Concílo de Pistóia fomentou. Tenta igualmente restituir uma série de erros que foram responsáveis pela convocação daquele encontro, assim como os resultados dele, com graves danos para as almas, e aos quais a Igreja, a guardiã sempre atenta do ‘depósito da fé’ e que recebeu essa tarefa de seu divino Fundador, tinha todo direito e razão de condenar...

O que faz os neo-tradicionalistas antiquarianos, penso eu, é que ao invés de genuínos tradicionalistas, sua ideia de Igreja (pelo menos nos resultados práticos) não é “um organismo vivo” que “cresce, amadurece, se desenvolve e se adapta” – sua “Tradição” somente sempre esmaece e decai – mas como algo morto e enterrado, a ser exumado e reanimado. Eles são os Victor Frankensteins do Catolicismo – e os resultados de sua necromancia Prometeana (como veremos na Parte Oito), não importa quão bem intencionados, são previsivelmente mostruosos.

Notas:

[1] Tomberg, V., Lazarus, Come Forth! Meditations of Christian Esotericist (SteinerBooks, 2006)

[2] A propósito, um dos pensadores principais da Escola Perenialista de origem ocultista é Rama Coomaraswamy, outro Sedevacantista. Ele foi ordenado padre pelo bispo da linha de Thuc (embora a validade de sua ordenação tenha sido questionada) em 1997, após romper com a SSPX, em cujo seminário de Connecticut ele tinha ensinado durante cinco anos. Desse modo, parece que a influência do ocultismo não está limitado ao tradicionalismo Católico mainstream, mas se estende também fora de suas fronteiras.