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VIII - Como as areias do mar ... Como as estrelas do firmamento...

A resposta, vós me direis, é que a misericórdia de Deus é grande. Sim, mas para aquele que o teme: "Misericordia Domini super timentes eum", diz o Profeta; mas Sua justiça é grande para aquele que não o teme, e ele reprova todos os pecadores teimosos: "Discedite a Me, omnes operarü iniquitatis".

Mas então, vós me direis, para quem é, então, o Paraíso, se ele não é para todos os cristãos? Ele é para os cristãos, sem dúvida, mas para aqueles que não desonram esse seu carácter e que vivem como cristãos. E, além disso, se ao número de cristãos adultos que morrem na graça de Deus vós acrescentardes aquela multidão inumerável de crianças que morreram depois do Batismo, antes de terem chegado ao uso da razão, vós não vos surpreendereis mais do que o Apóstolo São João disse falando dos eleitos: "Eu vi uma grande multidão que ninguém poderia contar".

E é aí que erram aqueles que pretendem que o número dos eleitos entre os católicos é maior que o de reprovados. É certo que, se vós tomardes todos os católicos juntos, a maior parte se salva, porque, após as observações que foram feitas, a metade das crianças sobre as que morrem depois do batismo, morreram antes do uso da razão. No entanto, se a esse número vós ajuntardes os adultos que conservaram o vestido da inocência, ou que, após ter contaminado, lavaram-se nas lágrimas da penitência, é certo que a maior parte está salva; e é isso que explica essas palavras do Apóstolo São João: "Eu vi uma grande multidão", e essas outras de Nosso Senhor: "Muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se repousarão com Abraão, Isaac e Jacó no reino dos Céus", e essas outras figuras que temos costume de citar em favor dessa opinião. Mas se falamos dos cristãos adultos, a experiência, a razão, a autoridade, a conveniência e a Escritura se concordam em provar que a maior parte se condena. Não acrediteis por isso que o paraíso seja deserto; é, antes, o contrário, é um reino muito populoso; e se os reprovados são também tão numerosos quanto as areias do mar, os eleitos os são o tanto quanto as estrelas do firmamento, quer dizer então que tanto uns como os outros são inumeráveis, embora em proporções muito diferentes. São João Crisóstomo, pregando um dia na catedral de Constantinopla e considerando essa proporção, não pode conter-se de tremer de horror: "Quantos, diz ele_, entre esse povo tão numeroso,_ acrediteis vós que haverão de eleitos?" E sem esperar a resposta, acrescentou: "Entre tantos milhares de pessoas, não acharás cem que se salvem, e entre esses cem eu ainda tenho dúvida". Que coisa terrível! O grande santo acreditava que em um povo tão numerosos teria apenas cem que deveriam se salvar, e ainda não estava ele certo desse número. Que acontecerá de vós que me escuteis? Ó Deus Grande? Não posso nisso pensar sem tremer. É uma coisa bem difícil, meus irmão, o negócio da salvação; pois segundo a máxima dos teólogos, quando um fim exige grandes esforços, poucos somente o atingem. "Deficit in pluribus, contingit in paucioribus"

É por isso que o Doutor Angélico Santo Tomás, depois de ter, com sua imensa erudição, pesado todas as razões pró e contra, conclui no fim que a maior parte dos católicos adultos se perdem: "A beatitude eterna excede o estado comum da natureza, sobretudo desde que ela está privada da graça original, e por isso é pequeno o número dos que se salvam" (2)