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Os Hílicos, os Psíquicos e os Pneumáticos

Abaixo do Pléroma divino, Valentim coloca, como os outros gnósticos, o mundo intermediário. Nele, encontramos dois grupos de éons que Basílides já nos apresentou: os oito éons da Ogdoade e os sete éons da Hebdomade. Portanto, neste nível médio, prevalece o mesmo simbolismo numérico que acabamos de encontrar no Pléroma.

O que é curioso na gnose valentiniana é a importância dada à personagem de Sophia. A Sabedoria, Sophia, é um dos éons femininos da Hebdomade. De natureza ardente, ela deseja gerar sozinha. Mas, não sendo incriada como o Pai, ela só consegue produzir um ser informe chamado ectroma, que é, portanto, fruto de sua ignorância. Esta espécie de aborto causa um profundo distúrbio entre todos os éons do mundo intermediário. É então que, para reparar o erro de Sophia (em suma, os infortúnios de Sophia), o casal celestial "Espírito-Verdade" (que pertence ao Pléroma) produz um novo casal de éons: Christos-Pneuma, que realiza uma espécie de redenção do mundo intermediário afastando o aborto ectroma.

Quanto ao mundo terrestre de Valentim, ele não difere radicalmente daquele de seus antecessores. Ele é produzido pelo Demiurgo, sempre organizador de uma "matéria prima" eterna e preexistente. No entanto, no sistema valentiniano, a humanidade é obra de vários demiurgos porque há vários tipos de homens que não poderiam ter sido feitos pelo mesmo "artesão".

Um demiurgo produziu os homens hílicos (hulé = matéria), ou seja, os materialistas grosseiros cuja alma é totalmente animal. Um segundo demiurgo formou os homens psíquicos (psiqué = alma), cujas almas, desta vez, são mais sutis, mas ainda ignorantes; são os cristãos, por exemplo. Um terceiro demiurgo finalmente criou os homens pneumáticos (pneuma = espírito), que são os espirituais possuindo o "conhecimento do Pléroma", como os gnósticos.

O mundo terrestre é o cenário de uma indiscutível redenção (esta é uma ideia que não pode mais ser evitada), mas no sistema de Valentim, ela é obra de um segundo Jesus, bem diferente do "Christos-Pneuma" que reparou o erro de Sophia afastando o ectroma do mundo intermediário. O segundo Jesus, aliás, veio à terra, não de verdade, mas em aparência, segundo o docetismo agora constante entre os gnósticos.

Não terminaríamos nunca se quiséssemos expor o mecanismo dessas duas redenções. É uma verdadeira mitologia tão complicada quanto a de Hesíodo. Onde Valentim buscava todas essas noções e todos esses episódios simbólicos? Ele se baseava em suas leituras, certamente, pois era um erudito (gnóstico significa erudito). E entre essas leituras, não devemos esquecer os hermética. Os "hermética" eram as traduções e adaptações gregas de antigos papiros egípcios dos quais Hermes Trismegisto era considerado o autor; eles transmitiam um paganismo ao mesmo tempo filosófico e lírico, que fazia enorme sucesso nos círculos intelectuais.

Mas Valentim também se baseava, como faziam todos os gnósticos desde Simão e Helena, na meditação filosófica intensa, que era considerada capaz de fornecer um "conhecimento intuitivo direto" das coisas do Pléroma divino. É evidente, para um cristão, que tal método de inspiração, praticado fora da Fé e da disciplina eclesiástica, não estava isento de uma séria influência demoníaca, influência que se reconhece na heterodoxia manifesta de todas essas cogitações gnósticas.