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O Docetismo de Basílides

É evidentemente na Samaria que se encontra o primeiro foco gnóstico. Após a morte do casal fundador, os adeptos honraram estatuetas de Simão com as características de Júpiter e de Helena com as de Minerva.

Também é na Samaria que encontramos Menandro, o primeiro sucessor de Simão. Temos informações sobre ele, como sempre em questões de gnose, por meio de São Irineu, bispo de Lyon, e de uma compilação muito antiga conhecida como "Philosophoumena". Menandro exigia de seus discípulos a recepção de um batismo especial que ele havia instituído (uma espécie de iniciação) e a prática da magia. Magia que ele elevava ao nível de um meio necessário de salvação. Em seu ensino geral, ele insistia especialmente na formação da humanidade pelos anjos.

Por sua vez, Menandro da Samaria teve dois discípulos: Saturnino, que fundou uma escola gnóstica em Antioquia, e Basílides, que levou a gnose para Alexandria.

Saturnino, fundador da "gnose síria", se limitou a transmitir os ensinamentos de Simão e de Menandro. Mas ele deu um destaque maior a um ponto de doutrina que mais tarde seria amplamente desenvolvido, a tese chamada de antinomia.

É a teoria segundo a qual o Deus dos judeus, o Yahweh da Bíblia, não é outro senão o mais poderoso dos anjos que criaram o homem desajeitadamente tal como o vemos, infeliz e ignorante; e Jesus Cristo vem precisamente combater o Deus dos judeus e salvar o homem trazendo-lhe a centelha divina que seus criadores não lhe deram.

É nisso que consiste a "antinomia" de Saturnino, ou seja, o antagonismo entre o Deus dos judeus e Jesus. Essa teoria será retomada mais tarde por Cerdon e Marcião, que dela tirarão consequências extremas.

O sistema de Saturnino também contém a condenação da instituição do casamento, com o argumento de que ele perpetua uma raça má e infeliz. Deve-se abster de procriar.

Basílides, o segundo discípulo de Menandro, veio se instalar em Alexandria e logo se tornou o chefe da "gnose egípcia", a mais brilhante de todas. Ele não abandona, pelo contrário, a prática mágica de seus predecessores. Quanto ao seu ensino propriamente dito, ele introduz muitas noções filosóficas que vêm enriquecer sua teogonia. Ele admite, como já fazia Simão, o Mago, a existência de três mundos sobrepostos: um mundo hipercósmico ou divino, um mundo intermediário ou supralunar, e um mundo sublunar que é o dos homens.

No mais elevado desses três mundos, Basílides colocava o Deus-Nada, o "nada que existe", o "Deus-Devir" que contém todos os germes. Este Deus é mais um princípio abstrato do que um ser vivo. No entanto, a noção de "Pai Celestial", que o cristianismo impunha cada vez mais, não é abandonada; embora não tenha um ponto de aplicação muito preciso nesta teogonia, ela reaparece em várias circunstâncias do raciocínio gnóstico.

O mundo intermediário, segundo Basílides, englobava 365 céus, dos quais o mais elevado era a ogdóade (construída sobre o número oito) e o mais inferior a hebdómada (sobre o número sete). Cada um desses céus possui um chefe chamado Arconte (em lembrança dos Arcontes da cidade grega). Todos esses céus são povoados por éons emanados do Deus-Nada.

Mas, coisa estranha, o grande Arconte da ogdóade desconhece a existência do Deus-Nada e transmite essa ignorância para os céus abaixo dele. Quanto ao Arconte da hebdómada, ele não é outro senão o Deus dos judeus, o criador do mundo sublunar e, portanto, da humanidade. É ele que está na origem da ignorância em que a humanidade se encontra: ele não podia, de fato, transmitir um conhecimento superior que ele próprio não possuía.

Basílides introduz em seu sistema a ideia de redenção, que ele obviamente toma emprestada do cristianismo e que não pode mais ser ignorada. Um Salvador, curiosamente chamado "Evangelho", nasce no mundo divino hipercósmico e desce, de céu em céu, através do mundo intermediário. Ele chega ao mundo sublunar e traz à humanidade o conhecimento do Deus-Nada, do qual ela estava até então privada. Este é o salvação. A salvação é "gnóstica" pois consiste em um conhecimento.

Um dos primeiros, Basílides fez uso do docetismo, tese segundo a qual Jesus Cristo não se encarnou realmente. Ele se manifestou apenas em aparência, mas não na realidade. O docetismo tornou-se um dos elementos doutrinários mais constantes da gnose. Ele aparece até mesmo em algumas heresias. Era uma maneira astuta de sugerir que Nosso Senhor não sofreu durante a Paixão, a qual foi apenas fictícia. Mas então, se a Paixão foi sem dor, também é sem méritos. Vê-se que o docetismo destrói completamente o culto do Redentor.

A gnose alexandrina (ou egípcia), que Basílides fundou, vai produzir um rebento de audácia particular: Carpócrates. Ele vai tomar emprestado de Saturnino (da escola síria) sua tese antinomista, e de Pitágoras sua metempsicose.

E aqui está o resultado desse amálgama: Jesus, filho de Maria e José, lembrando-se do que viu em uma vida anterior (metempsicose), eleva-se acima dos outros homens e empreende lutar contra o Deus de Moisés, que criou o homem ignorante (antinomia); mas então, desprezando o Deus de Moisés, ele também despreza a lei de que ele é autor. Violar a lei torna-se um dever e até mesmo um meio de salvação. Os adeptos de Carpócrates se destacaram, como se pode entender, por suas "ágapes fraternas", que se tornaram orgias. Mas esses mesmos desvios também se encontram em todos os grupos gnósticos que professavam a antinomia, e não apenas entre os discípulos diretos de Carpócrates.