A Confecção dos Apócrifos
Antes de testemunharmos a entrada em cena da gnose moderna, é necessário responder, em relação à gnose antiga, a algumas perguntas que nos permitirão compreender melhor sua filiação. Perguntemo-nos primeiro como os gnósticos podiam se declarar cristãos, eles cuja filosofia permanecia tão impregnada de panteísmo, politeísmo e mitos emanatistas. Para se passarem por cristãos, utilizavam documentos recentemente constituídos por eles, mas que apresentavam todas as aparências da autenticidade cristã.
As doutrinas gnósticas sempre se apresentavam como provenientes tanto de um raciocínio filosófico, visto que a gnose era a "ciência por excelência", quanto de uma revelação sobre-humana, ou seja, de um "conhecimento intuitivo" e direto dos mistérios celestes que ultrapassam o entendimento humano ordinário. Esta inspiração mística, os visionários da gnose a consignavam em uma multitude de pequenos tratados, supostamente revelados, e que se atribuía, para lhes conferir peso, a redatores ilustres, universalmente conhecidos por seu comércio com o além.
Alguns desses tratados eram supostamente compostos por Zoroastro, o fundador do mazdeísmo na Pérsia, pouco antes do reinado de Dario. Outros se apresentavam como escritos por Manés, o restaurador, então contemporâneo, do velho dualismo persa, sob o nome de maniqueísmo. Outros emanavam, dizia-se, do próprio Orfeu. Outros só poderiam ter como autor Buda. Outros ainda, os mais numerosos, eram devidos ao estilete do "secretário dos deuses", Hermes Trismegisto, o antigo sábio do Egito; esses constituíam o que se chamava os "Hermetica".
Como os gnósticos se comportariam em relação aos livros sagrados do cristianismo? Certamente utilizariam aqueles que a Igreja reconhece como verdadeiros. Mas, para fazê-los coincidir com suas doutrinas, teriam que se entregar a interpretações violentamente tendenciosas, que não seriam muito convincentes. O melhor, portanto, seria redigir pseudo-livros sagrados cristãos como já se fazia para as outras religiões: esses seriam os famosos "apócrifos", apresentados como revelados e dos quais alguns chegaram até nós.
Vê-se assim germinar, na penumbra da floresta gnóstica, "evangelhos", "epístolas" e "apocalipses" que a Igreja não reconhece como autênticos, mas que, não obstante, possuem títulos prestigiosos. Certamente circulou um grande número desses textos, pois as nomenclaturas fornecidas pelos Padres diferem notavelmente umas das outras. Existem muitas coletâneas de apócrifos, mas todas são incompletas, pois ainda hoje se descobrem novos textos, como veremos.
Um dos apócrifos mais conhecidos é a "Pistis Sophia", que é um suposto diálogo, totalmente romanesco, entre Jesus Cristo e Seus apóstolos após a Ressurreição, continuado mesmo após a Ascensão, diálogo durante o qual Ele lhes teria ensinado, como era de se esperar, uma doutrina secreta que a Igreja não conhece e à qual apenas os gnósticos têm acesso.
Citam-se também alguns "evangelhos apócrifos", por exemplo, o de Tomé, o de Filipe, o de Matias e o chamado "dos Egípcios", cujo exemplar foi recentemente encontrado em Nag-Hammadi, no alto Egito.
As "epístolas apócrifas" são menos numerosas: conhecemos a de Pedro a Filipe e a chamada "de Eugnosto". Em contrapartida, os "apocalipses" são abundantes: ao de Nicoteu, ao de Adão, ao de Abraão, a de Elias, etc. Citam-se ainda "assunções apócrifas", como a de Paulo e a de Isaías. Também possuímos "paráfrases", como a de Sete, texto que deu seu nome a uma das seitas gnósticas, os setianos, que atribuíam a esta paráfrase uma importância maior.
Este método dos apócrifos atraiu inicialmente um grande número de adeptos para a gnose porque, naquela época, os tratados que se apresentavam como cristãos e, a fortiori, como apostólicos (ou seja, como tendo um dos apóstolos por autor) eram cercados de um enorme prestígio. Graças aos apócrifos, os gnósticos se faziam passar por cristãos, pois exibiam documentos aparentemente idênticos aos da Igreja.
O magistério eclesiástico teve de empreender uma luta árdua para livrar as Escrituras Sagradas de toda essa vegetação parasitária e para fixar definitivamente a lista dos Livros autenticamente inspirados, ou seja, "o cânone das Escrituras". Esta foi uma das operações mais delicadas e necessárias que o magistério romano teve de realizar durante os primeiros séculos.
Ora, hoje precisamente, assistimos a um reaparecimento dos apócrifos. Esse reaparecimento é um dos sintomas do retorno ofensivo da gnose. Consulte, por exemplo, a bibliografia de um desses livros esotéricos dos quais estamos sobrecarregados, e você encontrará, na maioria das vezes, uma lista abundante de apócrifos, geralmente citados sob a rubrica "Escrituras Sagradas", juntamente com as referências bíblicas.
O sinal desse renascimento foi dado por Papus quando ele publicou uma tradução da "Pistis Sophia" acompanhada de seus comentários. Coletâneas de apócrifos circulam novamente, com destaque para os "Evangelhos da Infância", que constituem, reconheçamos, um dos apócrifos menos nocivos.