A Carne se fará Verbo
Embora R. Abellio conteste as explicações de Balzac quanto à origem da loucura de Louis Lambert, ele, no entanto, não lhe retira a sua confiança gnóstica e continua a considerá-lo um verdadeiro vidente. Ele dá como prova dessa inspiração uma frase que Balzac faz seu herói dizer e que reproduzimos aqui sem alteração, apesar de sua sintaxe um pouco desordenada:
"Também talvez um dia, o sentido inverso de 'et Verbum caro factum est' será o resumo de um novo evangelho que dirá: 'e a carne se fará Verbo', ela se tornará a Palavra de Deus".
Trata-se, como se vê, de uma inversão completa da fórmula evangélica. Balzac evoca aqui um tempo futuro em que a carne se fará Verbo, ou seja, em que o homem se fará Deus. Diante dessa profecia balzaquiana, bastante gnóstica, de fato, R. Abellio inclina-se com admiração; e eis, em substância, o comentário que ele lhe dedica.
Certamente, ele não o nega, houve "uma encarnação do espírito a serviço da vida, uma descida do espírito na matéria". E ele faz algumas alusões, nebulosas, aliás, para permanecer no estilo gnóstico, à Natividade e ao Pentecostes. Então ele dá a essa encarnação e a essa descida do espírito o lugar que lhes cabe na perspectiva esotérica: elas constituem os "pequenos mistérios", ou seja, os mistérios que a Igreja cristã exotérica compreendeu bem e dos quais ela se contenta.
Mas além desses pequenos mistérios, há os "grandes mistérios", ou seja, a revelação do fenômeno inverso da encarnação, a saber, o fenômeno da assunção da matéria no espírito, assunção que se traduz pela transfiguração da carne e a espiritualização da matéria. Claro, os cristãos exotéricos não atingem essas alturas. Os "grandes mistérios" são propriamente gnósticos.
Em resumo, os cristãos sabem que o espírito desceu na matéria, o que não é falso (pequenos mistérios) e os gnósticos sabem que, ao mesmo tempo, a matéria é "assunta" no espírito, o que é ainda mais fundamental (grandes mistérios). Essa é a opinião de Abellio.
Assim, nossos dois gnósticos, Balzac e Abellio, concordam em anunciar um "novo evangelho", o da carne que se torna palavra de Deus por suas próprias forças. Bravo! Nada poderia ser melhor escolhido para fazer os verdadeiros cristãos se sobressaltarem. Eles não podem deixar de reagir vigorosamente contra uma pretensão tão grande. É bem evidente que, se lhes falam de um "novo evangelho", sua desconfiança é imediatamente despertada, advertidos como estão pelas exortações de São Paulo:
"...mesmo que um anjo vindo do céu vos anuncie um evangelho diferente daquele que vos anunciamos, seja ele anátema". (Gal. I, 8)