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9. Anexo 9 - Antonio Rosmini: um sacerdote filósofo nos altares - pela revista modernista conciliar ‘Liberté politique’ – Novembro de 2007

Antonio Rosmini: um sacerdote filósofo nos altares

Bertrand de Belval*

No dia 18 de novembro, o filósofo italiano Antonio Rosmini (1797-1855) será beatificado em Novara (Itália). Ou seja, um desconhecido para o público francês. Afinal, quem conhece esse intelectual brilhante, cuja obra é a de um precursor e cuja vida, marcada pela busca da verdade e da liberdade política, foi inteira a expressão da caridade?

Rosmini não é uma figura irrelevante. Marie-Catherine Bergey-Trigeaud, sua biógrafa francesa, o apresenta como “o mais importante filósofo italiano e um dos principais mestres da história da filosofia católica”. Chaix-Ruy o considerava “um dos maiores espíritos de todos os tempos”. Na sua encíclica Fides et Ratio (n. 74), João Paulo II fala dele como um mestre. Bento XVI o cita frequentemente. E João XXIII fez de um de seus livros, Maximes de perfection chrétienne, sua leitura de cabeceira durante o Concílio Vaticano II. Para os italianos esclarecidos, Rosmini é indispensável...

A beatificação de Rosmini é, acima de tudo, a de um sacerdote filósofo a serviço da Igreja, um observador exigente que, em seu tempo, denunciou as falhas (especialmente do clero) (cf. sua obra Les Cinq Plaies de l’Église). Era para amá-la melhor, para proclamar melhor sua Santidade, convidando seus servos a estarem mais próximos dela. Mas, como veremos, Rosmini era, antes de tudo, um espírito universal, sempre alerta. Ele foi um verdadeiro filósofo, buscando abranger tudo. Liberal, seu engajamento o levou a servir a causa da unidade italiana e do rei Carlos Alberto (a Itália estava então sob domínio austríaco).

Se sua abordagem o aproximava de Deus, ela passava necessariamente pelo homem ou pela pessoa. É isso que torna sua atualidade extraordinária: como advogado de Deus, ele pleiteou pela pessoa humana e sua liberdade, sinal e caminho do Criador. Como filósofo, interpretou as palavras de Cristo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Para ele, cada “ovelha” é única. Rosmini era, em essência, um contemplativo ativo: de uma fé fervente e de uma ação transbordante, para sempre melhor penetrar o rosto de Cristo no coração de cada pessoa.

Um filósofo injustamente desconhecido

Portanto, sua ocultação parece ainda mais injusta. Na verdade, isso não foi sempre assim. Os espíritos superiores, em nosso país, perceberam sua potência. Em seu curso de Filosofia do Direito, Boistel, no final do século XIX em Paris, falava de Rosmini nestes termos: “Eu já conhecia esse eminente filósofo e, sem compartilhar todas as suas doutrinas, admirava a potência de concepção, a vigorosa argumentação e a riqueza de argumentação que caracterizam suas obras, notadamente seu tratado fundamental, Nouvel Essai sur l’Origine des idées”. Podemos mencionar também, em Lyon, o Monsenhor Régis Jolivet, que frequentemente mencionou Rosmini em seus escritos e até lhe dedicou uma notável introdução em sua Antologia filosófica. Mas é forçoso constatar que esses pensadores também caíram no esquecimento e não conseguiram estabelecer o pensamento rosminiano no panorama intelectual francês.

Por isso, deve-se esperar que a beatificação de Rosmini tire o filósofo de uma confidencialidade totalmente injustificada. A esse respeito, é importante destacar o trabalho salutar e muito importante do professor Jean-Marc Trigeaud (Bordeaux) e de sua esposa Marie-Catherine Bergey que, há muitos anos, na aridez do deserto francês, se dedicam a reabilitar Rosmini, por meio de publicações, traduções e um centro francês de estudos rosminienses.

Em 2000, devemos a Mme Bergey a primeira biografia de Rosmini, La Robe pourpre, vie d’Antonio Rosmini (Ed. Bière). A leitura dessa rica biografia perfeitamente controlada é um pré-requisito para descobrir um pensamento que não é uma construção intelectual dissociada de sua vida concreta. O que dá força a Rosmini é fundamentalmente a participação de sua vida em sua obra, a encarnação de seu pensamento. Rosmini fez corpo com sua obra. Não se pode compreender seu pensamento sem conhecer sua vida.

Uma vida atormentada

Muito brevemente, lembramos que Rosmini esteve envolvido em eventos, às vezes muito violentos, que conduziram à unidade italiana. Ele estava próximo dos papas, a quem aconselhou. Fundador de uma congregação religiosa (o Instituto da Caridade), ele tinha relações com Lamennais, Cousin, na França. Admirador de Tocqueville, ele chegou até a ser membro da Academia de Ciências Morais e Políticas (o que indica que sua notoriedade não foi total na época na França). O padre teve uma vida tudo menos tranquila, por assim dizer, pois nunca renunciou a correr riscos pelo que considerava justo.

Ele se dedicou intensamente ao trabalho (cerca de 80.000 páginas escritas), enfrentando as intrigas de outros clérigos que tentaram comprometer suas obras, algumas das quais foram provisoriamente colocadas no índice (sendo consideradas demasiado liberais), mas cujos principais escritos foram salvos pelo próprio Papa alguns tempos antes de sua morte. Isso não o impediu de ser contestado novamente algumas décadas após sua morte. Contudo, ao longo do tempo, as críticas feitas a Rosmini derreteram-se como neve ao sol, não conseguindo resistir à crítica. Como Santo Tomás de Aquino, Rosmini teve, de certo modo, o “erro” de estar certo antes dos outros!

Homem plenamente enraizado na realidade, ator de seu tempo, com conhecimentos enciclopédicos, Rosmini era um moderno voltado para o futuro, esse eterno presente, para retomar a expressão agostiniana. As obras que nos legou aparecem proféticas. Para se convencer disso, e como primeira abordagem, sugerimos a leitura das magistral introduções redigidas pelo Professor Trigeaud de duas obras-primas de Rosmini, Introdução à filosofia e Filosofia da política (aguardando a próxima publicação de sua Teodicéia).

A experiência do ser e a comunhão das pessoas

A força da filosofia rosminiana reside em seu reflexo da experiência do ser. Enquanto seu tempo estava, para expressar de forma ampla, estirado entre o idealismo e a escolástica que havia “petrificado” (Prof. Trigeaud) o tomista, Rosmini buscou transcender esses obstáculos revelando o substrato fundamental de toda filosofia: a pessoa humana. O que pode parecer comum era verdadeiramente original. A Ideia e o Método ofuscavam o fim da filosofia: a busca do ser, da verdade, de sua ontologia bem compreendida. Rosmini contribuiu para dar vida ao Logos, que havia derivado para uma lógica idealo-materialista. Ao fazer isso, ele mostrava que a filosofia é indissociável de uma teologia – ao menos cristã. O que é o Verbo encarnado, senão a participação do ser no Ser, como disse, entre outros, o padre Joseph de Finance? À sua maneira, Rosmini antecipou os existencialistas do século XX, em especial Gabriel Marcel, ao pleitear uma redescoberta da pessoa que, em sua humildade, vive e permanece um mistério.

Na hora da repetição dos direitos do “homem”, onde a pessoa humana é empunhada como um estandarte, a mensagem rosminiana é singularmente estimulante. Ela permite separar o bom grão da palha, evitando confundir a verdade da pessoa. Para Rosmini, a pessoa é o todo antes das partes, cada pessoa tem um fim próprio. Em outras palavras, a pessoa não deve ser assimilada à humanidade, que é um gênero. A pessoa integra o singular do “eu” e o universal do “nós” – que não é “nós”. Ela é única, ao mesmo tempo em que participa dessa humanidade.

Por isso, é preferível falar de comunhão das pessoas, em vez de alter ego, de pluralidade de pessoas — conceitos que apagam a singularidade de cada um. As pessoas parecem mais estar na ordem do reconhecimento – dignidade e respeito – do que na ordem da igualdade – todos iguais. Essa alteridade bem compreendida também era profética em relação ao que a história produziu: o choque entre o socialismo e o liberalismo. Rosmini saiu dessa dialética que muitas vezes leva ao erro, lembrando que a natureza da pessoa não opõe o um e o plural. Ela associa a liberdade e a sociedade, na medida em que a pessoa, cada pessoa, é singular e a pessoa remete à alteridade, a outras pessoas, como Pedro, Paulo e Tiago, etc., que assim se reconhecem. Isso implica não negar a sociedade invisível sob a sociedade visível, não reduzir a pessoa ao social, como faz Marx, nem conceber a liberdade como uma autonomia.

A serviço da verdade que se busca

Rosmini, portanto, combateu os sofismas de seu tempo, que são também os nossos. Ele os enfrentou através do testemunho de sua vida e do esforço intelectual, levando a reflexão até suas últimas consequências, diríamos hoje. Em outras palavras, ele se preocupava com a verdade, com a verdade que se busca e não com a que se fabrica. Era necessário, ao mesmo tempo, esse esforço que demanda muita energia, mas também coragem para combater os erros. Como escreve o Prof. Trigeaud, "os pensamentos falsos são pensamentos injustos".

Nestes tempos em que a democracia tende a se dissolver na lei do mais forte, Rosmini se apresenta como um guardião da razão que protege a verdade objetiva inscrita na natureza da pessoa da lei da maioria.

A beatificação de Rosmini aparece, portanto, como duplamente oportuna. Ela deve permitir tirar do esquecimento um pensamento rico e produtivo, e contribuir, sobretudo, para aproximar a fé e a razão, pelo modelo de vida que a Igreja oferece como exemplo para se comprometer ao serviço da verdade, o que não é uma missão desprovida de interesse hoje — basta lembrar o discurso de Ratisbona. O compromisso que a Igreja chama os cristãos a assumirem através do bem-aventurado Rosmini é um exercício da inteligência. Não há diálogo sem uma busca, sem uma autêntica dialética, sem um debate que mereça esse nome. E quando se sabe o quanto os desvios teológicos são o efeito de lacunas filosóficas, e o quanto a Igreja (notadamente na França) carece desesperadamente de filósofos, tendo negligenciado essa disciplina em favor da exegese e da própria teologia, mede-se o quanto a beatificação de um filósofo é sinal dos tempos. Rosmini será seguramente um companheiro neste trabalho de desbravar a verdade, desmascarar as falsas verdades, abrir o caminho do real e da vida.

Em suma, sejamos mais filósofos para sermos mais cristãos. Em seu leito de morte, Rosmini expirou deixando três instruções a seus amigos: « Adorare, tacere, gaudere — adorar, calar, alegrar-se». Essas foram suas últimas palavras.

Essa falta de filosofia…

“Essa falta de filosofia, dessa filosofia que considera o homem como um todo com as exigências de seu coração e os desejos de sua natureza, é uma das principais e mais profundas razões dos males das sociedades civis atuais.

O estado das coisas chegou a tal ponto que falar sobre as necessidades reais do homem inteiro e sua plena satisfação é considerado por muitos um argumento antigo e trivial; o escritor atual tem vergonha de abordá-lo: teme não parecer suficientemente progressista para seus leitores. É uma pena que ele não perceba que o primeiro passo realmente progressista que se dará depois dele mostrará sua ignorância!”

Antonio Rosmini,

Philosophie de la politique

Para saber mais:


[1] Citamos um autor da filosofia do direito italiano que o menciona, embora não compartilhe sempre de sua opinião: G. Del Vecchio_, Filosofia do direito_, Dalloz, reimpressão, 2003.

[2] A. Boistel, Curso de filosofia do direito, Paris, 1899, prefácio XI.

[3] Por ex. R. Jolivet, Tratado de filosofia, volume IV, Moral, Emmanuel Vitte, 1966, Antonio Rosmini, Antologia filosófica, sob a direção de R. Jolivet, Emmanuel Vitte, 1954.

[4] Cf. www.philosophiedudroit.org, link para o Centro francês de estudos rosminianos.

[5] Edições Bière, BP 27, 33023 Bordeaux cedex. Tel/fax: 05.56.72.91.88. M.-C. Bergey, A Robe Púrpura, Vida de Antonio Rosmini, Ed. Bière, coleção Biblio. Phil. Comp., Clássicos – 2, 2000.

[6] A. Rosmini, Introdução à filosofia, Ed. Bière, coleção Biblio. Phil. Comp., Clássicos – 1, 1992.

[7] A. Rosmini, Filosofia da política, Ed. Bière, coleção Biblio. Phil. Comp., Filosofia política – 2, 2000.

[8] J. de Finance, sj, Conhecimento do Ser, tratado de ontologia, DDB, 1966.

[9] J.-M. Trigeaud, na introdução, Filosofia da política, op. cit., p. 23.

[10] Cf. a obra coletiva reunindo notadamente Maritain, Journet, De Corte, De Greef, Vignaux, Reuter, e G. Marcel, Os homens são iguais?, Edições carmelitanas, 1939. Ver notadamente a contribuição de G. Marcel, Considerações sobre a igualdade, p. 161 sq, espec. p. 168. O autor indica que « o termo que expressa mais fielmente essa interdependência ativa [n.e.d.l.r.: das pessoas] e mesmo criadora não é o termo igualdade, mas sim o termo fraternidade » [nós sublinhamos]. Citamos outra passagem com acentos rosminianos de G. Marcel, p. 170: « Os sujeitos entre os quais se pretende instaurar uma igualdade metafísica ou originária não são, portanto, mais sujeitos que nominalmente, uma vez que estão ipso facto despojados do índice metafísico que é um índice de criatividade, do qual se reduzem a dados, à inércia, à morte. Se o igualitarismo se revela mortificante em suas consequências, é porque repousa sobre um ato de desvitilização inicial do sujeito. »

[11] Filosofia da política, op. cit., p. 20.