7. Em que consiste provavelmente a essência ou razão intrínseca do liberalismo católico
Se refletirmos sobre a essência do liberalismo chamado católico (comumente chamado “catolicismo liberal”), veremos que, provavelmente, ela consiste apenas num falso conceito do ato de fé. Os católicos liberais parecem fundamentar toda a razão de sua fé não na autoridade de Deus, infinitamente veraz e infalível, que Se dignou revelar-nos o caminho único que nos há de conduzir à bem-aventurança sobrenatural, mas na livre apreciação de um juízo individual, que dita ao homem ser melhor uma crença do que qualquer outra. Não querem reconhecer o magistério da Igreja como único autorizado por Deus a apresentar aos fiéis a doutrina revelada e a determinar-lhe o verdadeiro sentido. Ao contrário, fazendo-se a si mesmos juízes da doutrina, aceitam dela o que lhes agrada, reservando-se porém o direito de crer no contrário, sempre que supostas razões pareçam demonstrar como falso hoje o que parecia verdadeiro ontem.
Para refutar essa pretensão basta conhecer a doutrina fundamental de Fide, exposta sobre esta matéria pelo Santo Concílio Vaticano [1].
Ademais, os católicos liberais se intitulam católicos porque crêem firmemente que o catolicismo é a verdadeira revelação do Filho de Deus; mas se intitulam católicos liberais, ou católicos livres, porque julgam que uma crença não lhes pode ser imposta, a eles nem a ninguém, por nenhum motivo senão o da sua livre apreciação. De maneira que, sem perceberem, o diabo maliciosamente substituiu neles o princípio sobrenatural da fé pelo princípio naturalista do livre exame. Com isso, ainda que julguem ter a fé das verdades cristãs, não a têm verdadeiramente, mas possuem simples convicção humana, a qual é essencialmente distinta daquela.
Por conseguinte, julgam a sua inteligência livre para crer ou não crer, e igualmente livre a de todos os outros. Na incredulidade, pois, não vêem um vício, enfermidade, ou cegueira voluntária do entendimento e mais ainda do coração, mas um ato lícito do foro interno de cada um, tão senhor de si para crer em certa coisa, como para não crer em coisa alguma. O seu horror à toda pressão exterior moral ou física, que previna ou castigue a heresia decorre dessa doutrina, e produz entre eles o seu horror às legislações civis francamente católicas. Daí o profundo respeito com o qual querem sempre tratar as crenças alheias, mesmo as mais opostas à verdade revelada; porque, para eles, as mais falsas são tão sagradas quanto as verdadeiras, já que todas nascem de um mesmo princípio igualmente sagrado: a liberdade individual. É assim que se erige em dogma o que se chama tolerância, e que se impõe à apologética católica contra os hereges um novo código de leis, que nunca conheceram na antiguidade os grandes polemistas do catolicismo.
Sendo essencialmente naturalista seu conceito primário da fé, segue-se que é naturalista também todo seu desenvolvimento no indivíduo e na sociedade. Daí resulta que a apreciação primeira e, às vezes, exclusiva que os católicos liberais fazem da Igreja, se limita às vantagens culturais e civilizacionais que proporciona aos povos. Esquecem e quase nunca citam seu fim primário, sobrenatural, que é a glorificação de Deus e a salvação das almas. Diversas apologias católicas escritas na época presente estão repletas deste falso conceito. De modo que, para tais pessoas, se o catolicismo por infelicidade tivesse sido causa em algum tempo de atraso material para os povos, já não seria verdadeira nem louvável, em boa lógica, essa religião. E, com certeza, assim já se passou [na história], pois que, para alguns indivíduos e famílias, o ser fiéis à sua religião é ocasião de verdadeira ruína material; e nem por isso deixa ela de ser menos excelente e divina.
Este critério é o que dirige a pluma da maior parte dos periódicos liberais; se eles lamentam a demolição de um templo, só assinalam ao leitor a profanação da arte. Se advogam em favor das ordens religiosas, é apenas para ponderar os benefícios que prestaram às letras; se exaltam as Irmãs da Caridade, é tão-só em consideração aos serviços humanitários com que suavizam os horrores da guerra; se admiram o culto, não é senão por causa de seu brilho exterior e poesia; se na literatura católica respeitam as Sagradas Escrituras, é porque se fixam apenas em sua majestosa sublimidade.
Deste modo de louvar as coisas católicas apenas por sua grandeza, beleza, utilidade ou excelência material, resulta logicamente que o erro, quando reunir essas condições, merece iguais louvores, como sem dúvida as reúne, aparentemente e em certos momentos, algumas das falsas religiões.
A maléfica ação deste princípio naturalista chega até mesmo à piedade, e a converte em verdadeiro pietismo, quer dizer, em falsificação da piedade verdadeira. Vemos isto em tantas pessoas que não buscam nas práticas devotas senão a emoção, o que é puro sensualismo da alma e nada mais. Também vemos inteiramente enfraquecido hoje em muitas almas o ascetismo cristão, que é a purificação do coração por meio da repressão dos apetites, e desconhecido o misticismo cristão, que não é a emoção, nem a consolação interior, nem outra dessas delícias humanas, mas a união com Deus por meio da sujeição à sua santíssima vontade e do amor sobrenatural.
Por isso, o catolicismo de um grande número de pessoas em nosso tempo é um catolicismo liberal, ou, mais exatamente, um catolicismo falso. Não é catolicismo, mas um simples naturalismo, um racionalismo puro; é, numa palavra, se nos permitem a expressão, paganismo com linguagem e formas católicas.
[1] Vaticano I (1870-1871).