E. Os galicanos
O conciliarismo, heresia baseada em uma falsificação, tornou-se infelizmente a tese oficial dos doutores galicanos em 1682, durante o reinado de Luís XIV.
No século XVII, de fato, Luís XIV quis espoliar o papa de uma renda[1] e, para se justificar, fez com que o clero francês redigisse a declaração de 1682, que negava a infalibilidade do papa. A declaração do clero galicano de 1682 fazia depender do consentimento da Igreja universal, reunida em concílio, a validade irreformável dos julgamentos doutrinais do papa.
Essa declaração estava em contradição com a antiga crença da Igreja da França (leia os numerosos testemunhos e citações em Mgr de Ségur: Le souverain pontife). A faculdade de teologia de Paris havia até condenado várias vezes como herética a opinião de certos doutores partidários do "papa falível" (Marsílio de Pádua em 1330, Jean Morand em 1534, Marc Antoine de Dominis mais tarde).
A declaração de 1682 "não havia sido emitida em total liberdade e consciência, mas sim sob o império do medo ou com vista ao favor real [...]. Ela não foi para a Igreja galicana fonte de nenhuma glória, de nenhuma liberdade, mas sim uma mancha e uma verdadeira servidão" (Pio IX: breve dirigido em 17 de fevereiro de 1869 a Charles Gérin, autor de muito interessantes Recherches historiques sur l’assemblée du clergé de France de 1682, Paris 1869).
Tournély, que era um teólogo partidário da heresia galicana, admitiu ainda assim que esta declaração tinha sido subscrita por medo do todo-poderoso rei-sol: "Não podemos esconder, diante da massa de testemunhos reunidos por Bellarmino, Launoy e outros, que é muito difícil não reconhecer como certa e infalível a autoridade da Sé Apostólica ou da Igreja Romana; mas é ainda mais difícil conciliar esses testemunhos com a declaração do clero de França [de 1682], da qual não nos é permitido afastar-nos" (Tournély: Praelect. theol. De Ecclesia Christi, q. 5, a. 3, Paris 1727, 1. II, p. 134).
Por servilismo ao rei, praticamente todos os bispos da França (eram mais de uma centena) assinaram - exceto três defensores intrépidos da fé. Luís XIV secretamente desprezava os bispos-cortesãos e admirava a firmeza dos três prelados que ousaram enfrentá-lo. Ele disse com um toque de humor: "Tenho três bispos em meu reino".
A declaração do clero galicano foi revogada e anulada por Inocêncio XI (breve Paternae caritati, 11 de abril de 1682) e por seu sucessor Alexandre VIII (constituição Inter multiplices, 4 de agosto de 1690). Em um decreto de 7 de dezembro de 1690, Alexandre VIII condenou 33 proposições heréticas, incluindo a 29ª: "O poder do pontífice romano sobre o concílio, e sua infalibilidade na decisão das questões de fé, é uma afirmação fútil e refutada centenas de vezes". Esta proposição condenada resumia o pensamento galicano.
En 1684, Luís XIV encarregou Monsenhor Bossuet de defender os princípios galicanos anti-infaibilistas. O Papa Bento XIV criticou severamente a Defensio cleri gallicani de Monsenhor Bossuet em uma bula de 13 de julho de 1748, dirigida ao inquisidor geral da Espanha: "Seria difícil encontrar uma obra que seja tão contrária à doutrina recebida em todos os lugares, exceto na França, sobre a infalibilidade do Sumo Pontífice definindo ex cathedra, e sobre sua superioridade sobre todo concílio ecumênico. No tempo de Clemente XII, nosso predecessor de feliz memória, houve a intenção de proibir esta obra, e acabou-se por decidir não fazer nada a respeito, não apenas por causa da reputação do autor que tanto mereceu da religião em muitos outros aspectos, mas também por receio fundado de provocar novos distúrbios". Muitas obras que exaltavam as "liberdades da Igreja galicana" (na verdade, sua subserviência ao rei da França) foram colocadas no Índice.
Em 1693, é verdade, os bispos da França se retrataram, enviando uma carta coletiva ao Papa Inocêncio XIII. Luís XIV também acabou por revogar a declaração de 1682. No entanto, essa declaração herética teria consequências funestas no futuro:
· ela deu origem, no século seguinte, ao "febronianismo" (uma heresia que contaminou o Império Germânico: ver abaixo);
· inspirou a "Constituição Civil do Clero", que precipitou a França no cisma durante a Revolução Francesa;
· foi propagada pelos teólogos franceses (Napoleão Bonaparte até ordenou expressamente aos professores de seminário que ensinassem a declaração de 1682 aos futuros padres), o que fortaleceu consideravelmente o movimento anti-infaibilista.
Notáveis obras foram escritas no século XIX contra o galicanismo. Esta heresia foi definitivamente derrotada por Pio IX e os Padres do Vaticano, que especificaram claramente, contra os galicanos, que uma decisão do Sumo Pontífice é "irreformável por si mesma, e não em virtude do consentimento da Igreja" (Pastor aeternus, cap. 4).
[1] O rei queria privar a Santa Sé das receitas dos bispados vacantes, chamadas "annates". As "annates" são uma taxa sobre os rendimentos atuais de certos benefícios eclesiásticos vacantes, destinada à "Câmara Apostólica". A Câmara Apostólica é um tribunal da Cúria Romana responsável pela gestão do tesouro e dos bens do Estado Eclesiástico, bem como por certas questões relacionadas aos benefícios. É presidida por um cardeal chamado "camerlengo".
[2] Dom Prosper Guéranger: A Monarquia Pontifical, Paris e Le Mans 1869
Joseph de Maistre: Do Papa (muitas edições)
Joseph de Maistre: Da Igreja Galicana em sua relação com o Sumo Pontífice, Lyon e Paris 1821
Mgr de Ségur: O Sumo Pontífice, em: Obras Completas, Paris 1874, vol. III