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C. A constituição apostólica Cum ex apostolicum (1559) do papa Paulo IV

Esse ensinamento tradicional foi codificado juridicamente no século XVI pelo papa Paulo IV. O papa Paulo IV redigiu um texto legislativo para evitar que um cardeal suspeito de heresia pudesse ser eleito papa. Ele confidenciou a um de seus próximos: "Para dizer a verdade, queríamos nos opor aos perigos que ameaçavam o último conclave e tomar em vida precauções para que o diabo não coloque no futuro um dos seus no Trono de São Pedro" (in: Louis Pastor: Histoire des papes depuis la fin du Moyen Âge, Paris 1932, vol. XIV, p. 234).

O que aconteceu "no último conclave"? O cardeal herético Morone, que fazia ecumenismo com os protestantes, quase foi eleito papa, mas foi afastado após a intervenção enérgica do prefeito do Santo Ofício da Inquisição, o cardeal Carafa (futuro Paulo IV). Carafa abriu secretamente processos contra alguns cardeais, incluindo Morone. Com a morte do papa Júlio III (1555), os cardeais Carafa, Pio de Carpi e Juan Alvarez trouxeram ao conclave um dossiê dos processos contra vários papáveis. As acusações graves e documentadas de heresia contra Morone, Pole e Bertano impediram sua eventual eleição (cf. Massimo FIRPO: Inquisizione romana e Controriforma. Studi sul cardinal Giovanni Morone e il suo processo di eresia, Bolonha 1992, p. 312).

Carafa foi eleito e tomou o nome de Paulo IV. Ele encarcerou Morone e redigiu a bula Cum ex apostolatus (15 de fevereiro de 1559), segundo a qual a eleição de um homem que, mesmo que apenas uma vez, tenha errado em matéria de fé antes da eleição, não poderia ser válida.

A constituição apostólica na forma de bula Cum ex apostolatus de 15 de fevereiro de 1559 do papa Paulo IV estipula, no § 6, que um homem que tenha se desviado da fé não pode de forma alguma se tornar pontífice, mesmo que todos os cardeais estejam de acordo, mesmo que os católicos de todo o mundo lhe prestem alegre obediência durante décadas. Todos os atos e decisões de tal pseudo-pontífice seriam juridicamente nulos e sem efeito, e isso ipso facto, sem que seja necessária outra declaração por parte da Igreja.

Aqui estão os principais trechos do texto de Paulo IV[^1]:

« A carga apostólica, confiada a nós por Deus apesar de nossa indignidade, nos impõe o cuidado geral do rebanho do Senhor. Para guardá-lo na fé e conduzi-lo no caminho da salvação, devemos, como pastores atentos, vigiar constantemente e cuidar diligentemente de afastar do aprisco do Senhor aqueles que, em nossa época, entregues aos pecados, confiando em suas próprias luzes, se insurgem com uma rara perversidade contra a regra da verdadeira fé e, distorcendo a compreensão das Sagradas Escrituras, esforçam-se por dividir a unidade da Igreja Católica [...]. Se desdenham ser discípulos da verdade, não devem continuar a ensinar o erro.

§ 1. Diante da situação atual tão grave e perigosa, não se deve permitir que se acuse o pontífice romano de desviar na fé. Ele é na terra o Vigário de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo; ele possui a plenitude da autoridade sobre as nações e os reinos; ele é o juiz universal e não deve ser julgado por ninguém nesta vida. Além disso, quanto maior é o perigo, maior deve ser a vigilância completa e atenta, para que os falsos profetas, ou mesmo outros homens, revestidos de autoridade secular, não possam lamentavelmente capturar nas suas redes as almas simples e arrastar consigo para a perdição e a ruína da condenação os inúmeros povos confiados ao seu cuidado e direção, tanto espiritual como temporal; também para que nunca sejamos testemunhas da "abominação da desolação no lugar santo" anunciada pelo profeta Daniel, enquanto desejamos com todo o nosso poder, com a ajuda de Deus, segundo nosso encargo pastoral, capturar as raposas que se esforçam por devastar a vinha do Senhor e afastar os lobos dos apriscos, para não nos assemelharmos a cães mudos incapazes de latir, nem nos perdermos com maus agricultores, nem sermos comparados a mercenários.

§ 2. Após madura deliberação sobre este assunto com nossos veneráveis irmãos, os cardeais da Santa Igreja Romana, por seu conselho e com seu assentimento unânime, pela nossa autoridade apostólica, aprovamos e renovamos todas e cada uma das sentenças, censuras e penas de excomunhão, suspensão, interdição e privação que foram promulgadas e decretadas, de qualquer maneira que seja, contra os hereges e os cismáticos: [...] »

· todos os pontífices romanos, nossos predecessores [...] até através de suas cartas extravagantes;

· os sagrados concílios da Igreja de Deus;

· os santos Padres em seus decretos e estatutos;

· os sagrados cânones, constituições e ordenanças apostólicas;

e desejamos que sejam observados perpetuamente e reintegrados em pleno vigor, se necessário, e que permaneçam assim.

Elas se aplicam a todos aqueles que, até agora, tenham sido pegos em flagrante, confessado ou sido convencidos de terem se desviado da fé católica, caído em alguma heresia, incorrido em cisma ou o terem suscitado ou cometido. Elas se aplicam ainda [...] àqueles que, no futuro, ou se desviarem, ou caírem em heresia, ou incorrerem em cisma [...].

§ 3. [...] De acordo com esta nossa constituição, VÁLIDA PARA SEMPRE, por repulsa a um crime tão grande, o mais grave e pernicioso possível na Igreja de Deus, na plenitude de nosso poder apostólico, nós decidimos, estabelecemos, decretamos e definimos:

[§ 4 e 5: os clérigos ou príncipes seculares hereges são depostos de seus cargos; o § 6 trata do conclave:]

§ 6. [...] que se acontecer que um bispo, mesmo exercendo a função de arcebispo, patriarca ou primaz; que um cardeal da Igreja romana, mesmo legado; que um soberano pontífice, mesmo antes de sua promoção ou elevação ao cardinalato ou ao pontificado supremo, tenha se desviado da fé católica ou caído em alguma heresia, a promoção ou elevação, mesmo que tenha ocorrido com o consentimento unânime de todos os cardeais, é NULA, INVÁLIDA, VAZIA, e não se poderá dizer que se tornou válida ou que se tornaria válida porque o interessado aceita a carga, recebe a consagração, ou assume depois o governo e a administração ou pela entronização do pontífice romano, ou pelo ato de ajoelhar-se diante dele, ou pelo ato de obediência prestado por todos, independentemente da duração dessa situação.

A eleição não poderá ser considerada legítima em qualquer uma de suas partes, e ela não confere nem pode ser considerada conferir qualquer poder de comando, seja no campo espiritual ou temporal, a tais homens promovidos a bispos, arcebispos, patriarcas ou primazes, ou elevados ao cardinalato ou ao pontificado supremo. Todas as suas palavras, todos os seus atos e gestos, todos os seus atos administrativos, com tudo o que deles decorre, NÃO TÊM O MENOR EFEITO JURÍDICO, e não conferem a ninguém o menor direito. Tais pessoas assim promovidas ou elevadas seriam, por esse fato mesmo, SEM QUE NECESSITE DE QUALQUER OUTRA DECLARAÇÃO ULTERIOR, privadas de toda dignidade, posição, honra, título, autoridade, função e poder ao mesmo tempo [...].

§ 7. É lícito se desvincular impunemente da obediência e do serviço para com eles [os não-católicos promovidos como pseudo-papa] e evitá-los como mágicos, pagãos, publicanos, hereges [...]; e para maior confusão daqueles homens assim promovidos ou elevados, se eles desejarem continuar a governar ou administrar, será lícito apelar contra eles ao braço secular [...].

§ 8. Não obstante... etc. [fórmula habitual de promulgação; o mesmo para o § 9]

§ 10. Portanto, a nenhuma pessoa será permitido violar este texto de nossa aprovação, inovação, sanção, estatuto, derrogação, vontade e decreto com temerária audácia. Se alguém tiver a presunção de tentar isso, saiba que atrairá sobre si a indignação de Deus Todo-Poderoso e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.


[1] Cette bulle figure dans les Codicis Juris Canonici Fontes, Typis Polyglottis Vaticanis, Rome 1947, t. 1, p. 163 - 166. Comme l’indique le titre de ce recueil, il s’agit d’une collection des « sources » (fontes) ofticielles du droit ecclé­siastique, édité par le cardinal Gasparri, membre de la commission pontificale (présidée par SI. Pie X) qui élabora le code de 1917. Typis Polylottis Vaticanis est la maison d’édition du Saint-Siège. Dans ce recueil, le texte de la bulle est reproduit jusqu’au § 7 in­clusivement. Le contenu est ainsi repris, car les § 8 sqq. sont seulement les/ormu­_les stéréotypées de promulgation,_ identiques pour tous les textes pontificaux. Afin de gagner de la place, ces paragraphes stéréotypés finaux ne sont pas imprimés dans les Fontes, mais seulement sous-entendus par un début de citation suivi de la mention « etc. ». Le Bullarium roman/IIII reproduit la bulle en entier (§ 1 - 10, plus les signatures du pape et des cardinaux).

[2] On appelle « lettres extravagantes » celles qui ne sont pas contenues dans le droit canonique.

[3] « … perpetuum valitura constitutione [...], de apostolicae potestatis plenitudine sancimus, statuimus, decernimus et definimus... »

[4] « … si ullo umquam tempore apparuerit [...] romanum pontificem ante eius pro­motionem [...] a fide catholica deviasse, aut in aliquam haeresim incidisse, promo­lio, seu assumptio de eo etiam in concordia, et de unanimi omnium cardinalium assensu facta, nulla, irrita, et inanis existat… »