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B. Primeiras Falsificações (640-649) Contra Honorius, Desmascaradas pelos Contemporâneos do Papa Falecido

Honorius respondeu, portanto, que em Nosso Senhor não havia duas vontades humanas opostas (espírito e carne). Por um MAL-ENTENDIDO, algumas pessoas alegaram então que o papa teria negado a existência das duas vontades humana e divina!

Três anos após a morte de Honorius, seu secretário, ao descobrir o abuso que alguns monotelitas começavam a fazer no Oriente com a correspondência de seu antigo mestre, escreveu ao imperador Constantino: "Quando falamos de 'uma única vontade' no Senhor, não estávamos nos referindo à 'sua dupla natureza', mas apenas à 'sua humanidade'. Pois Sérgio, ao afirmar que em Jesus Cristo havia duas vontades contrárias, dissemos que não podíamos reconhecer nele essas duas vontades, ou seja, 'a da carne e a do espírito', como nós mesmos temos desde o pecado" (em: Mgr de Ségur: O Sumo Pontífice, em: Obras Completas, Paris 1874, vol. III, p. 269).

O papa João IV, segundo sucessor de Honorius, corroborou o mesmo em uma carta notável, ditada ao mesmo padre que havia sido secretário de Honorius. João IV também lamentou um MAL-ENTENDIDO: "Meu predecessor acima mencionado, portanto, disse em seu ensinamento sobre o mistério da encarnação de Cristo que não existiram nele, como em nós pecadores, duas vontades contrárias, a do espírito e a da carne. Alguns, porém, interpretaram isso à sua maneira e pensaram que ele teria ensinado uma única vontade de sua divindade e humanidade, o que é totalmente contrário à verdade" (João IV: carta Dominus qui dixit ao imperador Constantino III, primavera de 641).

Um santo canonizado, o abade Maximo, o Confessor, defendeu vigorosamente a memória do papa contra a tentativa dos monotelitas de se apropriarem dela. 'Deve-se rir, ou melhor, deve-se chorar ao ver esses desgraçados [bispos Sérgio e Pirro] que se atrevem a citar supostas decisões favoráveis à ímpia Ekthesis [manifesto monotelita de Sérgio, aprovado pelo imperador em 638], tentando incluir entre eles o grande Honório, e se adornam diante do mundo com a autoridade de um homem eminente na causa da religião. [...] Quem então pode ter inspirado tanta audácia a esses FALSÁRIOS? Que homem piedoso e ortodoxo, que bispo, que Igreja não os exortou a abandonar a heresia! Mas sobretudo, o que não fez o divino Honório!' (em: Ségur, p. 269).

Esse famoso santo (que mais tarde seria martirizado pelos monotelitas) analisou os escritos de Honório e concluiu que o papa reconheceu em Cristo duas vontades, a vontade divina e a vontade humana não corrompida. Ele relata que a tentativa fraudulenta dos hereges gregos de reivindicar o nome de Honório para a causa monotelita provocou indignação no clero de Roma. 'O excelente abade Anastácio, ao voltar de Roma, nos relatou que havia discutido com os sacerdotes mais respeitados de todas as grandes igrejas sobre a questão da carta que eles escreveram a Sérgio, perguntando-lhes: 'Como devemos entender a expressão: uma vontade em Cristo, contida nesta carta?' Anastácio descobriu que esta questão os afligia e que estavam prontos para defender Honório. Anastácio também conversou com o abade João Symponus, que havia redigido esta carta em latim por ordem de Honório. A opinião deste abade foi: 'Quod nullo modo mentionem in ea per numerum fecerit unios omnimodae voluntatis', ou seja, que em sua carta Honório nunca sustentou que se deveria contar apenas uma única vontade em Cristo, e esta opinião lhe foi atribuída por aqueles que traduziram a carta para o grego. Não se devia negar em Cristo a existência da vontade humana em geral, mas apenas a existência da vontade corrompida pelo pecado." (São Máximo: Tomus endereçado ao padre Marinos, 640/641, em: Charles Joseph Hefele: História dos Concílios de acordo com os documentos originais, Paris 1909, vol. III, p. 382).

Georg Kreuzer (A Questão de Honório na Idade Média e Moderna (Papas e Papado, vol. VIII), tese de doutorado, Stuttgart 1975) editou um texto grego da carta de Honório. Ele especifica que este texto apresenta nada menos que QUARENTA variantes em relação a outras versões gregas do mesmo texto!

Há um contraste evidente entre o original em latim, que é diotelita, e a tradução grega monotelita: a palavra latina "discrete" (= de forma distinta) é traduzida por um termo grego que significa exatamente o oposto: (= sem distinção)! Honório escreveu: Cristo "operou o que é humano pela carne assumida de maneira inefável e única e preenchida pela divindade de forma distinta". O falsário grego traduziu: Cristo "operou o que é humano pela carne assumida de maneira inefável e única e preenchida pela divindade sem distinção" (original latino, cópia grega infiel e tradução francesa desses dois textos em Heinrich Denzinger: Símbolos e Definições da Fé Católica, Paris 1996, p. 176). Quem é mais credível: o secretário do papa que escreveu o original em latim em Roma, ou os copistas de Constantinopla que traduziram mal a carta para o grego?

São Maximo registrou um diálogo que teve em 645 em Cartago com o monotelita Pyrrhus, que sucedeu ao bispo de Constantinopla, Sérgio, mas que foi deposto por crime de heresia e exilado na África. Após o diálogo com São Maximo, Pyrrhus renunciou aos seus erros, mas posteriormente recaiu neles, o que lhe rendeu um anátema do papa. Este diálogo é muito instrutivo, pois mostra como os monotelitas manobraram fraudulentamente para se adornar com a autoridade de Honório, que estaria (supostamente) do lado deles.

"- Pyrrhus: O que tens a dizer sobre Honório, pois ele ensinou claramente ao meu predecessor que só há uma vontade em Cristo."

·Maxime: À qui faut-il demander le sens des proposi­tions d’Honorius, à celui qui a rédigé la lettre, ou bien à ceux de Constantinople, qui rapportent les faits en les dénaturant d’après les désirs de leur cœur?

· Pyrrhus: Claramente para aquele que a redigiu.

· Maxime: Esse ainda vive e ilustrou o Ocidente com suas virtudes e também com suas definições em matéria de fé, em conformidade com a piedade [o antigo secretário de Honório tornou-se papa com o nome de Teodoro I (642 - 649) na época (645) em que São Maximo escrevia seu Diálogo com Pyrrhus]. Eis o que ele escreveu ao falecido imperador Constantino: "Nós afirmamos que há apenas uma vontade no Senhor, não a da divindade e da humanidade, mas apenas a da humanidade; pois Sergius nos escreveu que alguns afirmavam duas vontades opostas em Cristo. Respondemos que Cristo não possui duas vontades opostas, a carne e o espírito, mas apenas uma vontade que naturalmente caracteriza sua humanidade. A prova disso é que foi mencionado membros e carne, coisas que não é lícito atribuir à divindade. Mas por que Honório não mencionou a divindade? Porque ele se limitou a responder à solicitação de Sergius, e então nos mantivemos no costume das Escrituras, que falam às vezes apenas da divindade, às vezes apenas da humanidade. Com o mesmo objetivo de evitar a divisão da pessoa de Cristo, Honório defende que não se fale de uma ou duas operações, mas afirma que Cristo age de várias maneiras" (São Maximo: Diálogo com Pyrrhus).


Jean IV (640 - 642) realizou um sínodo romano em 640: condenação do monotelismo, mas silêncio sobre Honorius!

Pouco depois da morte de Honorius, as Igrejas da África e do Oriente afirmaram a infalibilidade papal em duas cartas ao Papa São Teodoro I, terceiro sucessor de Honorius (em: Dom Prosper Guéranger: A Monarquia Pontifical, Paris e Le Mans 1869, p. 172 - 175). Portanto, Honorius não poderia ter errado!

A pedido dos bispos africanos, São Teodoro I publicou uma carta sinodal, exigindo que Paulo (bispo de Constantinopla, sucessor de Pirro que havia sido deposto pela segunda vez) abandonasse a doutrina monotelista. Paulo respondeu que reconhecia apenas uma vontade (monotelismo) e teve a audácia de invocar a autoridade de Honorius a favor de sua heresia. São Teodoro I obviamente não deu crédito a essa nova tentativa de envolver o falecido papa na causa do monotelismo. Ele anatematizou Paulo - mas não Honorius! Este fato foi relatado pelo Papa Martinho I (649 - 653) no Concílio de Latrão (em: Jean Dominique Mansi: Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio, Florença 1764 - 1765, reedição Paris 1901, reedição Graz 1960, vol. X, p. 878) e pelo autor da Vita Theodori (em: Liber Pontificalis).


O Concílio de Latrão, realizado em Roma em 649, reuniu 105 bispos, em sua maioria italianos, mas também gregos (!). O nome de Honorius foi mencionado neste concílio. Durante o concílio, o Papa Martinho I leu uma carta do bispo monotelita Paulo de Constantinopla para o Papa São Teodoro I. Nesta carta, Paulo afirmava se apoiar em Sérgio de Constantinopla e Honorius de Roma. Paulo escreveu: "Mas todos os piedosos doutores e pregadores retiveram em sua mente desta maneira uma vontade [= heresia monotelita: uma única vontade de Cristo]. Sobre isso, [...] temos testemunhos: com este fato concordam Sérgio e Honorius de piedosa memória, que adornam a Sé sacerdotal suprema, um aquele da Nova Roma [= Constantinopla], o outro da Antiga Roma; portanto, recebemos isto [= a doutrina monotelita] deles" (em: Mansi: Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio, vol. X, col. 1026). Esta carta claramente visava Honorius como monotelita. O que fez o concílio então? Anatematizou Paulo e Sérgio, mas não Honorius, indicando que os Padres de Latrão consideravam absolutamente infundada a equação "Honorius = monotelita"!

Na 5ª sessão (31 de outubro de 649, cânone 18), foram anatematizados os líderes da seita monotelita: Teodoro de Faran, Cirilo de Alexandria, Sérgio de Constantinopla e seus sucessores Pirro e Paulo - mas de forma alguma Honorius I!

Ninguém cogitava condenar este papa de santa memória, muito pelo contrário! No mesmo Concílio de Latrão, o bispo Estêvão de Dor deu um testemunho de extrema importância. São Sofrônio (bispo falecido em 638, principal adversário do monotelita Sérgio), ainda durante a vida do papa, tinha sido informado da carta de Honorius pedindo a Sérgio que guardasse silêncio. Como Sérgio continuava a propagar suas heresias, São Sofrônio então disse a Estêvão para ir de Jerusalém a Roma para informar o papa. "Marche do nascer do sol até o pôr do sol, até que chegue ao Sé apostólico, onde está o fundamento da doutrina ortodoxa, e não cesse de revelar aos homens santos que lá estão as maquinações dos hereges, até que a nova heresia seja completamente aniquilada" (em: Gerhard Schneemann: Estudos sobre a Questão de Honorius, Freiburg 1864, p. 20). Este testemunho constitui uma prova formal da ortodoxia de Honorius e do clero romano.


O sínodo reunido em Roma em 680 pelo Papa São Agatão também não condenou Honorius! São Agatão teve até a prudência de redigir expressamente duas cartas para remover qualquer possibilidade de acusação contra o falecido papa. "Com razão se acredita que o Papa Agatão fez esta declaração para remover qualquer suspeita de erro por parte de Honorius" (São Afonso: Dissertação sobre a Autoridade do Papa, artigo 1, § 3, em: Obras Completas, 1887, reeditado na Bélgica em 1975, vol. IX, p. 330). Sabendo que um concílio ecumênico estava prestes a se abrir em Constantinopla, e que os monotelitas desta cidade já haviam tentado duas vezes usar o nome de Honorius (cf. acima), o papa estabeleceu uma espécie de "certificado de ortodoxia" para todos os papas que reinaram antes dele. A autenticidade dessas duas cartas não é contestada por NENHUM historiador, enquanto muitos historiadores afirmam que os atos do Sexto Concílio Ecumênico de Constantinopla são interpolados. Portanto, na dúvida, devemos nos ater a essas duas cartas de Agatão, cuja autenticidade foi verificada e certificada PELOS PARTICIPANTES DO PRÓPRIO CONCÍLIO!

"A autenticidade da carta de Agatão ao imperador foi certificada na quarta sessão; seu conteúdo foi aprovado pelos bispos na décima oitava sessão: esta carta foi 'escrita por Deus [...] e por Agatão Pedro falou'. Portanto, esta é a carta que deve servir como guia."

O papa exortou o imperador a manter a fé "definida pelos predecessores santos e apostólicos e pelos cinco concílios ecumênicos". Esta fé, "recebemos pela tradição dos apóstolos e dos pontífices apostólicos", ou seja, pelos papas. Em seguida, Agatão expôs a sã doutrina (refutação do monotelismo) e acrescentou: "Eis a verdadeira e imaculada profissão da religião cristã, que não é inventada pela malícia humana, mas ensinada pelo Espírito Santo pela boca dos pontífices romanos" (incluindo Honorius!). Agatão, ciente de que Teodoro e Macário (e antes deles Pirro e Paulo) haviam acabado de invocar o nome de Honorius em favor da causa monotelita, tomou a iniciativa e inocentou antecipadamente o papa Honorius.

"Sob a presidência de São Pedro, esta Igreja apostólica, que é a sua, nunca se desviou do caminho da verdade para se alinhar com algum partido de erro. Em todos os tempos, a Igreja católica de Cristo inteira e os concílios universais abraçaram fielmente a sua autoridade e a seguiram em todas as coisas, como sendo a do príncipe de todos os apóstolos. Todos os veneráveis Padres se conformaram a esta doutrina apostólica [...]. Esta é a doutrina que os santos doutores ortodoxos veneraram, enquanto os hereges a perseguiram com suas acusações e a repeliram com todo o seu ódio [...]. Pela graça do Deus todo-poderoso, jamais se poderá demonstrar que esta Igreja tenha se desviado do caminho da tradição apostólica, nem que tenha sucumbido à corrupção diante das novidades heréticas, mas, graças ao príncipe dos apóstolos, ela permanece imaculada, segundo a promessa divina do Senhor [segue a citação de Lucas XXII, 32]."

O Cristo prometeu que a fé de Pedro não falhará; exortou-o a confirmar seus irmãos, O QUE OS PONTÍFICES APOSTÓLICOS, MEUS ANTECESSORES, SEMPRE FIZERAM COM AUDÁCIA. Meus predecessores 'nunca negligenciaram exortar os hereges e admoestá-los com súplicas para que abandonassem os erros dogmáticos da heresia, ou, ao menos, que se calassem', e não causassem assim um cisma ao ensinar uma vontade e uma operação em Nosso Senhor Jesus Cristo. Agatão fez aqui uma clara alusão a Honorius, que tinha pedido a Sérgio que se calasse.

Em seguida, ele prosseguiu:

"Ai de mim se eu negligenciar pregar a verdade do Senhor que estes [meus predecessores, DOS QUAIS HONORIUS] pregaram sinceramente. Ai de mim se eu enterrar a verdade com meu silêncio' (Agatão: carta Consideranti mihi ao imperador, 27 de março de 680, em: Mansi, vol. XI, col. 234 e seguintes). Como se vê, nem sequer se pode reprovar Honorius por ter guardado o silêncio, pois Agatão diz que todos os seus predecessores sem exceção pregaram a verdade e repreenderam os hereges. Já se viu um melhor certificado de bom comportamento? Lembre-se: este certificado de bom comportamento foi exaltado pelos Padres do concílio: 'Por Agatão Pedro falou!' Portanto, como poderiam eles condenar um papa por crime de heresia???"