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IV. APRESENTAÇÃO DA COMUNHÃO ANGLICANA

Gostaríamos, para ajudar o leitor a se orientar, de terminar este capítulo com uma breve apresentação da Igreja da Inglaterra e da Comunhão Anglicana.

A Comunhão Anglicana é constituída por uma série de Igrejas que têm entre si a plena intercomunhão e que, todas, reconhecem a Igreja da Inglaterra como sua Igreja-mãe e concedem ao arcebispo de Cantuária o posto de "primus inter pares" dos bispos anglicanos.

O anuário oficial da Igreja da Inglaterra para 1962 contava dezessete Igrejas independentes, membros da Comunhão Anglicana, com um total de 298 dioceses[23].

Quarenta e três dessas dioceses pertencem à Igreja da Inglaterra. A elas devem ser acrescentados catorze dioceses situadas fora da Grã-Bretanha, mas que não fazem parte de nenhuma das outras Igrejas independentes. Essas dioceses estão sob a jurisdição metropolitana imediata do arcebispo de Cantuária. Cinco delas foram agrupadas em 1957 para formar a arquidiocese de Jerusalém, mas esta ainda não chegou ao status de Igreja autônoma. Ela permanece, em última instância, sob a responsabilidade do arcebispo de Cantuária.

A Igreja da Inglaterra compreende duas províncias, a de Cantuária e a de Iorque. O arcebispo de Cantuária tem o título de Primate of All England, o de Iorque tem o título de Primate of England[24].

O princípio sobre o qual se baseia a Igreja da Inglaterra é que a Reforma do século XVI não ocasionou descontinuidade na organização da Igreja, apesar das mudanças introduzidas na doutrina e na liturgia. Estas foram, no entanto, realizadas em pleno acordo com os princípios fundamentais dos reformadores continentais.

A Sé de Cantuária, erigida em 597 por Agostinho, por ordem do Papa Gregório, o Grande, permaneceu a principal Sé arquiepiscopal da Ecclesia anglicana. O Dr. A.M. Ramsey, que foi empossado em 1961, é o centésimo arcebispo de Cantuária. O Dr. F.D. Coggan o sucedeu na Sé arquiepiscopal de Iorque, que foi erigida em 627. Londres, Durham, Winchester e vários outros Sés estão entre as dioceses que datam de antes da Reforma. Por outro lado, os bispados de Birmingham, Blackburn, Bradford, Guildford, Leicester, Portsmouth e alguns outros datam apenas do século XX.

Apenas a Igreja da Inglaterra (propriamente dita) é Igreja "estabelecida" (Igreja de Estado). É evidente que esse caráter não tem nada de essencial, é puramente acidental. Aliás, esse caráter pertenceu, e ainda pertence em certos países, à Igreja que está em comunhão com Roma. Ele também vale para a maioria das Igrejas luteranas, e foi o de Igreja reformada das Províncias Unidas, assim como de outras Igrejas reformadas. Um estudo publicado na Alemanha em 1953 e baseado na correspondência trocada no século XVI entre bispos anglicanos e os líderes da comunidade de Zurique, mostrou a origem suíça do caráter de Igreja de Estado. Esse caráter atingiu seu apogeu no final do século XVI, sob a influência do arcebispo Whitgift[25].

Todos os países protestantes conheceram, desde o século XVI, uma estreita associação entre a Igreja e o Estado. O fenômeno da separação entre a Igreja e o Estado não tem sua origem na Reforma, é muito mais tardio. Ele se deve, principalmente nas Igrejas "reformadas", à influência do pietismo e do liberalismo.

As relações entre a Igreja e o Estado na Inglaterra também se modificaram de forma significativa, especialmente com a instituição da Church Assembly e com a introdução do Enabling Act de 1919. A Igreja da Inglaterra esforça-se atualmente para se livrar dos últimos resquícios da tutela exercida pelo Estado sobre a Igreja.

O título de "chefe supremo da Igreja da Inglaterra", que Henrique VIII havia se arrogado, foi modificado para o de "Soberano supremo" durante o reinado de Elizabeth I. Esse título significa simplesmente que nenhum aspecto da existência nacional pode se subtrair à soberania do príncipe, como aliás diz o direito eclesiástico em sua revisão de 1959:

Nós reconhecemos que a Muito Excelente Majestade da Rainha****, agindo de acordo com as leis do país, é o poder mais elevado depois de Deus neste reino, e que ela possui a autoridade suprema sobre todas as pessoas em todos os assuntos, tanto eclesiásticos quanto civis[26].

A separação (disestablishment) e a desapropriação (disendowment) da Igreja já foram realizadas na Igreja Episcopal da Escócia (em 1689 pelo rei Guilherme III), na Igreja da Irlanda (em 1871) e na Igreja do País de Gales (em 1920). Essas três Igrejas anglicanas da Grã-Bretanha e da Irlanda são totalmente independentes da Igreja da Inglaterra.

As outras treze Igrejas membros da Comunhão Anglicana são: a Igreja Episcopal Protestante da América, que conta com cerca de cem dioceses e aproximadamente 3 milhões e meio de batizados, dos quais dois milhões bons de comungantes; a Igreja da Índia, do Paquistão, de Birmânia e do Ceilão; a Igreja Anglicana do Canadá (a única a se dar oficialmente o epíteto de anglicana); a Igreja da Inglaterra na Austrália e Tasmânia; a Igreja da Província da Nova Zelândia; a Igreja da Província das Índias Ocidentais; a "Chung Hua Shang Kung Hai" (a Santa Igreja Católica na China); a "Nippon Sei Ko Kai" (a Igreja Católica japonesa); a Igreja da Província da África Central; a Igreja da Província da África Oriental; e a Igreja de Uganda e Ruanda-Burundi.

Todas essas Igrejas formam juntas a Comunhão Anglicana. Elas nasceram da Igreja da Inglaterra, seja pela emigração de cristãos anglicanos para os territórios ultramarinos, seja pela atividade das Sociedades missionárias anglicanas. Embora, no direito eclesiástico, elas sejam totalmente independentes da Igreja da Inglaterra, elas mantiveram a plena comunhão eclesiástica com esta.

Uma aberração da consciência continental às vezes leva a classificar os anglicanos junto com os membros das Igrejas livres da Inglaterra e da América (metodistas, batistas, etc.) sob a denominação comum de "cristianismo anglo-saxão". Mas isso cria confusão nos espíritos. Pois o anglicanismo está enraizado de maneira muito profunda e sólida no cristianismo continental há quase vinte séculos, para que possa ser colocado no mesmo plano que as Igrejas "livres", que se separaram mais ou menos da tradição da Igreja.

Quanto ao nome oficial das Igrejas anglicanas, uma delas se dá ao mesmo tempo por episcopal e protestante (a dos Estados Unidos), outras duas se qualificam explicitamente de católicas, duas de episcopais e apenas uma (a do Canadá) retoma, desde 1955, o epíteto de anglicana.

No entanto, todas as Igrejas anglicanas têm em comum a preocupação consciente de preservar a fé apostólica e o tipo de culto da Igreja dos primeiros séculos, ao mesmo tempo em que assimilam ao máximo tanto as contribuições da Reforma quanto as das correntes atuais, na medida em que estas últimas possuem um valor positivo e permanente.

O anglicanismo tem assim uma atitude característica em relação à tradição e às novas contribuições. Essa atitude está na base de sua moderação e de sua "comprehensiveness". Ela confere ao anglicanismo mundial a figura de uma antecipação da Una Sancta do futuro.

Isso não é diminuído em nada pela importância numérica reduzida do universo anglicano. Estima-se o número total de seus batizados em cerca de quarenta milhões, o de seus comungantes em no máximo vinte e cinco milhões.

Uma recente carta pastoral dos bispos da Igreja Episcopal Protestante da América (setembro de 1961) fala longamente sobre a vocação da Comunhão Anglicana:

Somos uma Igreja pequena. Nossa Comunhão Anglicana é apenas uma parte restrita do conjunto da comunidade cristã. Mas a vocação e a missão de uma Igreja não podem ser medidas apenas por números. Com sentimentos mistos de orgulho e humildade, podemos reconhecer que entre nossos membros há um número proporcionalmente elevado de homens e mulheres que ocupam, em nosso mundo atribulado, postos influentes e de grande responsabilidade. Nossa visão da Grande Igreja cuja missão se dirige a todos os homens sem distinção, está solidamente enraizada em nossa herança do passado. É isso que nossos símbolos de fé históricos e nossa liturgia nos conservam. Nossa fidelidade mais profunda não é a que nos liga à Igreja Episcopal, nem tampouco a que nos une à Comunhão Anglicana, mas sim a que nos liga à Igreja Católica e Apostólica"[27].

As Igrejas membros da Comunhão Anglicana possuem uma estrutura episcopal. Esta se baseia na convicção de que

para quem quer que leia com cuidado a Sagrada Escritura e os autores antigos, é evidente que desde a época apostólica esses três ordens de ministros: bispos, presbíteros e diáconos, existiram na Igreja de Cristo[28].

Os anglicanos consideram as funções, os ofícios e o culto público como pertencentes à Igreja universal, embora revestidos de uma forma tradicional própria das Igrejas anglicanas. É assim que o título completo do Book of Common Prayer é: "O livro da Oração Pública e outros ritos e cerimônias da Igreja (ou seja, da Igreja universal), segundo o uso da Igreja da Inglaterra (ou da Escócia, etc.)"[29].

Segundo a concepção anglicana, a continuidade de toda a Igreja de todos os séculos encontra sua fonte, sua garantia e sua expressão no episcopado histórico, ou seja, no cargo episcopal na medida em que este se apoia em uma sucessão episcopal ininterrupta. A eclesiologia dos episcopais implica que somente os bispos detêm o poder de ordenar certas pessoas ao ministério pela imposição das mãos acompanhada de orações (ordenar, consagrar). A ordenação conferida por presbíteros comporta de fato uma certa sucessão no ministério, mas, aos olhos da Igreja Anglicana, ela não deixa de constituir uma ruptura e, portanto, uma falha na continuidade histórica com o conjunto da Igreja de todos os séculos.

À parte o anglo-catolicismo, o anglicanismo oficial se caracteriza por sua relutância em tirar as conclusões decorrentes, para certas Igrejas, da ruptura na continuidade histórica. Em termos positivos, as Igrejas da Comunhão Anglicana gostam de repetir que as funções do ministério nas Igrejas não episcopais não são menos evidentemente abençoadas por Deus, embora não repousem sobre uma ordenação ou consagração. Um defeito desse tipo na designação do ministério à função eclesiástica, se estiver de acordo com a legislação da Igreja em questão, não deve levar à conclusão de que a pregação, os atos sacramentais e o culto público estão desprovidos de frutos ou vazios de todo "efeito de graça".

As Igrejas anglicanas concordam entre si sobre a estrutura episcopal da Igreja. Elas têm ainda em comum uma concepção da natureza, da forma ou do conteúdo do culto tal como este se expressa no Book of Common Prayer (chamado, brevemente, de Prayer Book). Cada Igreja independente possui seu próprio Prayer Book, de estrutura semelhante ao das outras Igrejas, mas comportando muitas particularidades de detalhe nos textos e nas orações. O mesmo se aplica à organização episcopal das Igrejas. Cada uma, de fato, incorporou o episcopado à sua maneira em uma ou outra forma de sistema sinodal, no qual é representado o elemento leigo, tanto masculino quanto feminino.

Apesar da unidade que reina entre elas, as Igrejas anglicanas se diferenciaram progressivamente umas das outras. Essa diferenciação pode ser devida em parte à sua evolução própria: algumas delas revestem um caráter evangélico-protestante bastante acentuado, enquanto outras se orientam mais ou menos claramente no sentido do anglo-catolicismo. As diferenças crescentes devem ser atribuídas, principalmente, ao fato de que quase todas as Igrejas seguem seus próprios caminhos na revisão em andamento da liturgia, da doutrina e do direito eclesiástico. Se ainda se mantém uma certa linha de conduta comum nessas questões, ela é assegurada principalmente pelas deliberações dos bispos nas Conferências de Lambeth.

De tempos em tempos, manifestam-se tensões entre uma das Igrejas anglicanas e o conjunto dessa Comunhão. É assim que muitos anglicanos da tendência evangélica sentem descontentamento, insatisfação e decepção diante das atitudes contraditórias que se manifestaram em relação ao projeto de Igreja unida de Ceilão (Lanka). Com efeito, esse projeto recebeu o apoio de toda a Comunhão Anglicana na Conferência de Lambeth de 1958, enquanto a proposta de admitir a Igreja de Lanka na plena comunhão, submetida em 1961 aos sínodos (Convocações) da Igreja da Inglaterra, não obteve adesão unânime. Voltaremos a esse assunto no capítulo intitulado "União na Índia"[30].

A "comprehensiveness" do anglicanismo o obriga a levar em conta todos os matizes na tomada de decisões. Ela é também a fonte de problemas e tensões de natureza ecumênica no seio mesmo da Comunhão Anglicana. Nesse sentido, a Comunhão Anglicana representa um microcosmo do Ecumenismo.


[23] The Official Year-Book of the National Assembly of the Church of England 1962, Londres, 1962, pp. 25 e ss.

[24] O leitor continental fará bem em se desfazer da ideia corrente que confunde Inglaterra e Grã-Bretanha. A Igreja da Inglaterra (ou anglicana no sentido primitivo e estrito) cobre apenas a Inglaterra propriamente dita, excluindo, portanto, o País de Gales e a Escócia. Esses dois últimos "países" têm cada um sua Igreja (anglicana no sentido amplo de membro da Comunhão Anglicana) independente. (Nota do tradutor.)

[25] KRESSNER, Schweizer Ursprrünge des anglikanischen Staatskirchentums, Gütersloh, 1953.

[26] "Reconhecemos que Sua Majestade a Rainha, agindo de acordo com as leis do reino, é o mais alto poder sob Deus neste reino e tem autoridade suprema sobre todas as pessoas em todas as causas, tanto eclesiásticas quanto civis" (Canon Law Revision 1959, art. I, Londres, 1960, p. 2)

[27] "Somos uma pequena igreja. Toda a nossa Comunhão Anglicana é uma pequena parte da comunidade cristã total. Mas o chamado e a missão de uma igreja não podem ser medidos apenas pelo número. Com orgulho e humildade misturados, podemos reconhecer que em nossa filiação se encontra uma parcela desproporcional de homens e mulheres que ocupam posições de grande responsabilidade e influência em nosso mundo tão atribulado.

"Secularmente consagrado em nossa herança está nossa visão da Grande Igreja, cuja missão é para todos os tipos e condições de homens. Isso é preservado para nós em nossos credos históricos enraizados nas Escrituras e em nossa oração comum. Nossa mais profunda lealdade não é para a Igreja Episcopal nem para a Comunhão Anglicana, mas para a única Igreja Católica e Apostólica" (The Christian Century, Chicago, 1961, p. 1306, col. 1).

[28] "É evidente para todos os homens que leem diligentemente as Sagradas Escrituras e os Autores antigos, que desde o tempo dos Apóstolos houve três Ordens de Ministros na Igreja de Cristo: Bispos, Sacerdotes e Diáconos". (Prefácio do Ordinal, intitulado: "A Forma e Maneira de fazer, ordenar e consagrar Bispos, Sacerdotes e Diáconos, de acordo com a Ordem da Igreja da Inglaterra".) Este prefácio faz parte do Ordinal de 1549 e foi reproduzido sem modificação em todas as edições posteriores. O Ordinal atualmente em vigor é o de 1662. Pode ser encontrado no final do Prayer Book.

[29] "O Livro de Oração Comum e Administração dos Sacramentos e outros Ritos e Cerimônias da Igreja de acordo com o uso da Igreja da Inglaterra".

[30] Ver capítulo VI, pp. 187-197.