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III. PONTO DE VISTA E MÉTODO DESTE ESTUDO

Os fatos, as circunstâncias e as possibilidades mencionadas até agora, consideradas em conjunto, são mais do que suficientes para justificar amplamente uma descrição do anglicanismo sob o ângulo do ecumenismo.

Não nos enganaremos, estamos seguros disso, sobre o móvel deste estudo. Ele não procede de uma preocupação apologética ou dogmática. Não temos de modo algum a intenção de provar qualquer coisa, a favor ou contra o anglicanismo. A Igreja que está em comunhão com a Sé de Cantuária é, ou não, a verdadeira Igreja? O anglicanismo é, ou não, a única forma de cristianismo que seja pura e fiel à Escritura? Tais questões são estranhas às nossas preocupações.

O propósito desta obra pertence diretamente à fenomenologia. Seu objetivo é expor, analisar e explicar os caracteres próprios, as posições, as maneiras de ver do anglicanismo e as propostas que ele sugere, na medida em que tudo isso apresenta um interesse para o ecumenismo e na medida em que se possa encontrá-lo nos documentos oficiais.

O anglicanismo de que trata este livro é o anglicanismo oficial, autêntico, aquele no qual a maioria dos anglicanos se reconhece. Sem dúvida, acontecerá de nos ocuparmos das "modalidades" extremas, as dos evangélicos, dos modernistas e dos anglo-católicos. Mas essas formas extremas não são representativas do anglicanismo como tal.

Um estudo estritamente fenomenológico pode cumprir uma função importante na preparação do encontro e do diálogo ecumênicos. Ele ajuda a torná-los possíveis, contribui para seu significado e fecundidade. O fracasso das conferências ecumênicas é com muita frequência atribuível a um conhecimento insuficiente da situação concreta que forma o quadro do diálogo e à ignorância das armadilhas e possibilidades contidas nessa situação.

Uma das condições a serem cumpridas pela fenomenologia para que ela seja capaz de desempenhar seu papel com utilidade é que ela se abstenha de antecipar os resultados eventuais do encontro ecumênico. Ela deve deixar o cuidado integral disso aos parceiros do diálogo. A fenomenologia não tem a tarefa de fornecer soluções antecipadamente.

O serviço que o fenomenólogo procura prestar exige da sua parte objetividade e imparcialidade. Sem dúvida, ele possui pessoalmente uma convicção religiosa e uma filiação eclesial. No entanto, isso não impede que, no exercício de sua função de fenomenólogo, ele só possa se tornar útil se se esforçar conscienciosamente em expor "o fenômeno" de uma maneira plenamente conforme à realidade. Por mais penoso que lhe seja, ele deve, enquanto oferecer seus serviços de fenomenólogo, abstrair de sua convicção pessoal. O leitor, portanto, não deve esperar encontrar neste livro nem uma apologia nem uma refutação do anglicanismo. Tampouco deve pedir ao autor que apresente uma justificativa de sua própria fé.

O autor tem a intenção de estudar o anglicanismo a partir das contribuições que este trouxe, desde o século passado, para a solução do problema ecumênico. Em contrapartida, ele deseja iluminar o problema ecumênico a partir da natureza própria do anglicanismo. Em outras palavras, o problema ecumênico será tratado na perspectiva anglicana, e o anglicanismo será estudado na perspectiva ecumênica.

Essa abordagem certamente não é a única possível. Ela não pretende ser a melhor, nem a única correta. Desejamos simplesmente fazer uso desse método, raramente utilizado, para tentar esclarecer o caráter muitas vezes controverso do anglicanismo. Queremos também, com a ajuda desse mesmo método, tentar clarificar a natureza complexa e multiforme do problema ecumênico.

Os próprios anglicanos escreveram muito sobre o anglicanismo, sobre seu lugar e sua vocação, e sobre seu pensamento e ação ecumênicos dos últimos anos[21].

A "abrangência" (comprehensiveness) quase ilimitada do anglicanismo permite que todas as vozes se façam ouvir. Disso resulta uma certa dificuldade em determinar o que, nessa produção, é tipicamente anglicano. Nem sempre é fácil saber também se as opiniões pessoais dos autores e as sugestões que eles fazem encontram a aprovação das autoridades oficiais.

Foi necessário, portanto, escolher um método que assegure o máximo de objetividade e que permita, consequentemente, traçar do anglicanismo uma imagem fiel à realidade e, ao mesmo tempo, recolocar o anglicanismo no conjunto do Ecumenismo.

Para chegar a esse objetivo, uma pesquisa limitada apenas à Igreja da Inglaterra não poderia ser suficiente. Pelo contrário, foi necessário ampliar o ponto de partida para o conjunto da Comunhão Anglicana. Esta conta com dezessete Igrejas anglicanas autônomas, distribuídas por toda a Terra. O sentimento comum a todas essas Igrejas se expressa melhor nos relatórios das assembleias decenais realizadas por seus bispos. Conhecidas como Conferências de Lambeth, essas assembleias, inauguradas em 1867, foram realizadas nove vezes, a última em 1958.

Os relatórios publicados após as Conferências de Lambeth serão a principal fonte de nosso estudo[22]. Cada um desses relatórios se divide em três seções: primeiro, uma carta encíclica, depois as resoluções adotadas pelo conjunto da Conferência, e finalmente o texto completo dos relatórios apresentados à Conferência pelas diversas comissões.

Na utilização dos materiais retirados desses relatórios, seremos guiados pelos três documentos confessionais, considerados como as fontes autorizadas da doutrina e da prática anglicanas. São eles: o Book of Common Prayer, os 39 Artigos da Religião e o Ordinal (ou livro das ordenações). Os dois últimos textos são reproduzidos nos exemplares correntes do Book of Common Prayer da Igreja da Inglaterra.

Também utilizaremos os relatórios, oficiais ou oficiosos, apresentados ao longo dos anos ao arcebispo de Cantuária e que tratam das relações entre a Igreja Anglicana e as outras Igrejas.

Finalmente, faremos referência a publicações de autores particulares na medida em que elas ajudem a apreciar corretamente os dados retirados das fontes oficiais.