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I. A SITUAÇÃO ECUMÊNICA ATUAL

Não temos a intenção, neste capítulo, de nos alongar sobre a origem, o desenvolvimento e a problemática do movimento ecumênico[7]. No entanto, parece que uma descrição rápida da situação ecumênica atual serviria como uma boa introdução ao conjunto desta obra.

O movimento ecumênico deixou de ser, há muitos anos, um campo restrito ao domínio puramente acadêmico, reservado a um pequeno número de especialistas interessados nas diferenças confessionais, eclesiásticas e teológicas, que trocavam opiniões sobre essas questões sem acreditar na possibilidade de superar as oposições e vencer a desunião. A situação em que as Igrejas se encontram, em todo o mundo, tornou-se muito grave para permitir considerações puramente teóricas, como mero passatempo acadêmico.

Estamos agora na «décima primeira hora» ecumênica. Estamos atravessando, no plano religioso, uma crise que o cristianismo talvez nunca tenha experimentado antes. Muitos têm a impressão de que se trata de uma questão de "ser ou não ser". Em círculos cada vez mais amplos, muitos começam a considerar a possibilidade de um fim próximo.

Essas circunstâncias excluem considerações e palavras vazias; exigem soluções e ações. É por isso que o movimento ecumênico só faz sentido como um movimento prático, em busca de resultados tangíveis. Ele deve promover uma mudança na atitude das Igrejas e incentivar um progresso claramente perceptível no caminho que leva à união perfeita na fé e na organização eclesiástica.

a) A Assembleia de Nova Délhi.

Entre os resultados alcançados até agora pelo movimento ecumênico, destaca-se em primeiro lugar a criação do Conselho Ecumênico das Igrejas em 1948. Esse Conselho realizou sua terceira Assembleia em Nova Délhi no final de 1961. O número de Igrejas membros naquele momento era de 198[8].

Um olhar sobre os anos 1948 a 1961 revela que, em um período de tempo tão curto, ocorreram uma clarificação e uma ampliação notáveis da ideia ecumênica. As Igrejas avançaram na compreensão mútua de suas convicções religiosas e eclesiásticas.

Em Nova Délhi, em particular, ficou claro que as Igrejas estão agora unidas por um vínculo mais sólido e estreito. Um certo número de ressentimentos e preconceitos se dissiparam.

Os esforços árduos dos primeiros pioneiros do ecumenismo começam a dar frutos visíveis e duradouros. Vemos sinais claros disso, como a entrada da Igreja Russa do Patriarcado de Moscou no Conselho Ecumênico das Igrejas e a compreensão que ela conseguiu inspirar em relação à sua posição particular. Da mesma forma, a maneira como as Igrejas membros do Conselho Ecumênico souberam acolhê-la. Além disso, houve a recepção cordial dada aos primeiros observadores católicos oficiais, bem como os diálogos que estes mantiveram com os diversos delegados.

Muito se comentou sobre a impressão causada nos representantes das mais diferentes Igrejas pelo serviço de comunhão anglicana. O acesso foi permitido a todos os que não tinham objeções a essa participação. Certo número de delegados, é claro, sentiu-se obrigado a abster-se por motivos ditados pela fé de sua Igreja. Para todos, no entanto, esse ofício de comunhão se mostrou como uma prefiguração do que, um dia, voltará a ser realidade para todos os cristãos e que é objeto de nossa fé, esperança e oração.

A liturgia anglicana alcança uma elegante harmonia entre os elementos oriundos do catolicismo clássico, aqueles da Reforma e aqueles do renovamento litúrgico atual. Muitos viram nela, sem dúvida, o protótipo da liturgia futura da Igreja reunida. Pois o renovamento litúrgico, em curso em quase todas as Igrejas, envolverá precisamente uma síntese e uma integração de tudo o que é verdadeiro, bom e belo na maneira como as diferentes Igrejas, ainda separadas, rendem a Deus louvor, honra, ação de graças e adoração na celebração da santa Eucaristia.

Os relatos dos testemunhos mencionam unanimemente a cordialidade espontânea com a qual delegados, observadores e representantes da imprensa interagiram entre si durante a Assembleia de Nova Délhi. Os jornalistas destacaram o espírito de cordialidade e franqueza que prevaleceu entre todos os participantes, bem como o interesse e a paciência demonstrados por todos ao ouvir os outros exporem suas ideias, experiências e projetos.

Certamente, isso poderia ser dito também, em certa medida, das assembleias e outras conferências anteriores. Mas a impressão de muitos foi que, em Nova Délhi, mais do que nunca, todos demonstraram uma evidente disposição para reconhecer e tratar os outros como verdadeiros cristãos, apesar de todas as diferenças, e até mesmo para suportar uns aos outros nos casos em que o acordo ainda não havia sido alcançado.

A Assembleia de Nova Délhi marcará a história do Conselho Ecumênico, em particular pelos seguintes três eventos: a aceitação de uma nova base, ampliada no sentido trinitário; a integração do Conselho Internacional de Missões; e a entrada da Igreja Russa do Patriarcado de Moscou no Conselho. Mas um dos principais ganhos da Assembleia de Nova Délhi foi também a já mencionada experiência de unidade e comunhão, na qual todos aqueles que acreditam em Cristo e são batizados em seu nome se reconhecem unidos.

Alguns, às vezes, expressaram o temor de que, ao se dar demasiada importância à unidade e à cooperação já alcançadas, se favoreça o indiferentismo doutrinário. Esse temor, parece-me, tem sua origem em uma mentalidade tipicamente pré-ecumênica. Certamente, a vigilância é necessária, como destacou o arcebispo de Cantuária. O objetivo a ser alcançado não é uma unidade qualquer e indeterminada, mas precisamente uma «unidade na verdade e na santidade»[9], ou seja, uma unidade da qual nada é excluído do que está contido na revelação divina e nas palavras e obras de Cristo.

Feita essa ressalva, podemos confiar que toda experiência séria e profunda da unidade já realizada entre os cristãos evidenciará a absurda situação da atual desunião e impedirá que se acomode a ela. Os cristãos que compreendem o quão insuportável é essa situação não serão inclinados a ignorar os fatos. Pelo contrário, serão motivados a realizar um estudo minucioso das causas históricas, psicológicas, teológicas e outras que estão na origem da desunião.

Esse estudo terá, entre outras consequências, o efeito de abrir os olhos para este ou aquele elemento essencial da pregação, da estrutura ou da prática de outras confissões, elementos que talvez faltem na Igreja à qual se pertence. Cada vez mais também ficará claro que a Igreja futura, resultante da reunião, não será idêntica a nenhuma das Igrejas atuais, mas abraçará as riquezas de fé e de vida de todas as Igrejas, desde que se respeite a harmonia com a revelação de Deus e o desígnio de Cristo. Dessa forma, uma valorização positiva da unidade e comunhão já alcançadas não terá o efeito de superficializar; ao contrário, incitará à ampliação e ao aprofundamento.

Ainda precisamos chamar a atenção para duas mudanças notáveis que ocorreram nos últimos anos no pensamento ecumênico.

A primeira dessas mudanças é a seguinte: em círculos cada vez mais amplos, começa-se a perceber que a herança do passado que molda a situação atual não é apenas algo que se aceita e aprecia, mas também algo que deve ser examinado com um olhar crítico, à luz das exigências do presente e do futuro. Os cristãos valorizam o papel conservador da tradição e a durabilidade de certas contribuições anteriores, que destacam um ou outro aspecto do conteúdo da Revelação. No entanto, a convicção está se espalhando de que, em muitos aspectos, o passado é, para as Igrejas, um fardo sob o qual, como disse um dia um bispo holandês, "a Igreja já teria sucumbido há muito tempo, se não fosse a Igreja".

Mas as Igrejas não estão apenas sobrecarregadas pelo fardo do passado. Elas também estão presas no impasse da divisão, consequência de eventos antigos, às vezes de muitos séculos atrás. Nenhuma força humana pode tirá-las dessa situação. E, no entanto, assim como acontece com o homem curvado sob o peso de seu pecado e responsabilidade, um recomeço e um caminho para um novo futuro são possíveis. Isso pode acontecer em Cristo, que, por sua palavra de perdão e reconciliação, remove o pesado fardo dos ombros do homem e faz com que todas as coisas sejam como se a culpa nunca tivesse existido. As Igrejas, todas e cada uma, precisam dessa libertação pela palavra e pelo espírito de Cristo.

Nesse sentido, vemos melhor a necessidade de uma reformulação completa da história eclesiástica. Toda história é construída a partir de pontos de vista preconcebidos. Atualmente, deseja-se uma "história da Igreja em uma perspectiva ecumênica"[10].

Antigamente, não apenas as pesquisas históricas, mas também os estudos fenomenológicos, teológicos e dogmáticos sobre a Igreja eram frequentemente realizados com intenções polêmicas e apologéticas. Hoje em dia, esses estudos precisam cada vez mais ser situados em uma perspectiva ecumênica, revelando as causas da desunião e os caminhos para a unidade (incluindo a unidade teológica) sob uma luz mais claramente ecumênica.

Aqui está a outra mudança: os círculos ecumênicos estão percebendo cada vez mais que a união interior entre os cristãos, por meio do amor, da compreensão e da cooperação, não deve esperar que uma solução definitiva seja encontrada para os difíceis problemas que ainda persistem. Certamente, uma solução precisará ser alcançada um dia. Mas, a longo prazo, essa solução só parecerá possível se for baseada em uma verdadeira unidade interior, já descoberta e já experimentada.

A Assembleia de Nova Délhi, conforme mencionamos, contribuiu amplamente para a formação dessa unidade interior. Toda a Assembleia aprovou o relatório da terceira seção sobre o objetivo ecumênico a ser buscado e o caminho a seguir, e recomendou-o para exame atento das Igrejas. Isso é um fato importante.

O objetivo final do ecumenismo é descrito da seguinte forma no relatório da seção Unidade:

2. Cremos que a unidade, que é ao mesmo tempo o dom de Deus e a sua vontade para a sua Igreja, se torna manifesta quando todos aqueles que, em um mesmo lugar, são batizados em Jesus Cristo e o confessam como Senhor e Salvador, são conduzidos pelo Espírito Santo a uma comunidade total, confessam a mesma fé apostólica, pregam o mesmo Evangelho, partilham o mesmo pão, se unem em uma oração comum, visando uma vida comunitária que resplandece no testemunho e no serviço de todos e, ao mesmo tempo, estão em comunhão com toda a comunidade cristã, em todos os lugares e em todos os tempos, de modo que o ministério e a qualidade de membros são reconhecidos por todos e todos podem agir e falar juntos, conforme as circunstâncias, para que as tarefas às quais Deus chama seu povo sejam cumpridas. Cremos que devemos orar e trabalhar por tal unidade[11].

Este parágrafo, o principal do relatório, pode justamente ser considerado a Magna Charta do movimento ecumênico. Ele resume os resultados das deliberações da seção Unida. Seu objetivo é acima de tudo expressar a visão comum da fé na Igreja do futuro. Ele busca afirmar a convicção, fundamentada na fé, de que a plena unidade visível será um dia restaurada. Aqueles que já estão unidos pela fé e pelo batismo estão a caminho da manifestação plena e visível dessa comunhão, na Igreja una, santa, católica e apostólica.

A primeira parte do relatório da seção Unida explica o significado dos termos e expressões comumente usados no parágrafo principal. A segunda parte faz uma análise minuciosa e detalhada das implicações concretas, para o Conselho e para as Igrejas membros, do objetivo final exposto acima. Ela indica uma série de questões que permanecem em aberto. O relatório também faz sugestões sobre os meios concretos a serem empregados para facilitar a realização do objetivo proposto.

O relatório lembra que o reconhecimento mútuo da validade do batismo sempre foi a base (foundation stone) de todo encontro e diálogo ecumênico. Ele conclui com a necessidade de um exame cuidadoso das consequências que decorrem, para o diálogo e seus parceiros, da pertença de todos os batizados à Igreja Católica e de sua união ao Corpo Místico de Cristo. A unidade e a comunhão que já são reais devem ser levadas muito a sério por todos os envolvidos.

O relatório também enfatiza, como já fazia a encíclica Mystici Corporis, que o vínculo da fé e do batismo, por si só, não é suficiente para expressar plenamente a unidade da Igreja. As Igrejas devem examinar cuidadosamente o que é essencial e, portanto, necessariamente exigido para a restauração completa da unidade:

Nossa união com Deus é um mistério que supera nosso entendimento; ela frustra nossos esforços para expressá-la perfeitamente. Mas, assim como Cristo veio a este mundo de forma visível e salvou seres de carne e osso, essa união deve encontrar sua expressão visível[12].

O relatório adverte contra uma desvalorização da visão da unidade final. É preciso evitar o erro antigo de imaginar a Igreja unida como uma organização humana ou uma instituição jurídica. A Igreja é, antes de tudo, um organismo que nasce e vive pela ação do Espírito Santo. Ela é uma realidade dinâmica, na qual se fala e se escuta, se recebe e se dá. Por isso, os autores do relatório descreveram a Igreja do futuro em termos de "comunhão" em vez de "Igreja", como se poderia esperar.

b) Desenvolvimentos recentes

O movimento ecumênico está claramente no início de uma nova fase de sua existência. Isso se deve, entre outras coisas, ao fato de que as duas mais importantes Igrejas de tipo católico expressaram claramente sua intenção de contribuir de maneira oficial e construtiva para a busca da unidade cristã.

A Igreja Ortodoxa Russa, no momento de sua admissão ao Conselho Ecumênico, declarou que sua intenção não era permanecer como um membro passivo; ela expressou a esperança de poder contribuir positivamente para a unidade, participando das conversas e outras atividades do Conselho.

A Igreja Católica em comunhão com a Sé Apostólica de Roma não se contentou em enviar observadores oficiais à Assembleia do Conselho Ecumênico em Nova Délhi. Ela criou um "Secretariado para a Unidade dos Cristãos", tornando possível a continuidade das relações oficiais com o Conselho Ecumênico e, quando necessário, com as diversas Igrejas membros[13].

Nos Países Baixos, observa-se uma clara melhoria nas relações entre a Igreja Católica e as Igrejas da Reforma. Estas últimas enviaram delegados à reunião na qual a nova tradução católica do Novo Testamento foi apresentada ao cardeal Alfrink. Elas também participaram da inauguração, pelo cardeal, do centro ecumênico "Den Eikenhorst", próximo a Boxtel, em novembro de 1961.

As cartas pastorais, coletivas ou não, dos bispos holandeses, assim como os discursos do cardeal Alfrink em 1960 e 1961, testemunham a atenção dada pelo episcopado aos princípios ecumênicos. Os bispos têm a convicção de que as relações entre as Igrejas e entre os cristãos devem estar enraizadas na caridade. Eles estão cientes de que uma consciência autêntica e uma verdadeira mentalidade ecumênica levariam a uma mudança radical na atitude dos cristãos uns em relação aos outros. Eles também sabem que uma convicção firme é necessária para que o movimento ecumênico seja fortemente apoiado e estimulado[14].

Dando diretrizes sobre "os limites e as possibilidades de comunhão religiosa entre católicos e protestantes", os bispos holandeses rejeitam como não ecumênica qualquer conversa que ainda não tenha superado o estágio da controvérsia e da polêmica ou que seja "animada pela esperança de se converter mutuamente a seu respectivo modo de pensar e viver, considerando-o como a vida e o pensamento cristãos em sua totalidade, em toda a sua pureza e plenitude"[15].

A nova fase do movimento ecumênico é caracterizada por uma verdadeira reviravolta nas relações interconfessionais.

A reviravolta foi preparada pela obra de pioneiros católicos do ecumenismo, entre os quais se destacam Pribilla, Congar, Lortz, Karrer, Couturier, Boyer, Sartory, Tavard, Leeming e outros. O choque decisivo, no entanto, veio do Papa João XXIII, considerado com razão como um Papa de um "novo" tipo. Ele foi o primeiro Papa a insistir na conexão entre renovação e reunião**. Ele não parou de repetir sua esperança de que o Concílio Vaticano II, por meio de uma verdadeira renovação da Igreja, criaria a possibilidade de relações ecumênicas renovadas e frutíferas.**

Em várias ocasiões, João XXIII declarou-se convencido de que a Igreja Católica, em sua realidade humana, merecia censura pela origem e continuação da desunião**. Por** seu lado, o Papa Paulo VI expressou publicamente o arrependimento pelo que outros cristãos tiveram que suportar por parte dos católicos.

Os protestantes expressam muitas vezes a queixa de que seus correligionários sofrem perseguições ou vexames em certos países católicos. Será necessário examinar a validade dessa queixa. O Vaticano certamente tomará as medidas necessárias para o desaparecimento de eventuais abusos. O Vaticano não deseja nada mais do que viver em paz com todos os cristãos, de acordo com as exigências da caridade cristã. Que os protestantes estejam plenamente certos disso[16].

Na Inglaterra, a visita do anterior arcebispo de Cantuária ao Papa resultou na melhoria desejada nas relações entre católicos e anglicanos. D. Heenan, arcebispo de Westminster, depois de ter sido bispo de Liverpool, disse dessa visita que ela foi "o gesto mais forte desde séculos (the most powerful gesture for centuries)".

O mesmo arcebispo é membro do Secretariado para a Unidade. Ele criou na Inglaterra um secretariado nacional semelhante. Este pode ser considerado o homólogo católico do "Conselho de Relações Exteriores" da Igreja Anglicana, sob a autoridade do arcebispo de Cantuária. O Conselho Anglicano, aliás, instituiu recentemente uma comissão para as relações com os católicos romanos.

A reviravolta nas relações entre as Igrejas é, certamente, um motivo de nova esperança. Contudo, ela não torna o caminho da unidade mais curto ou mais fácil. Ela não elimina a necessidade de se precaver contra esperanças prematuras e aventuras irresponsáveis. A moderação, a prudência, o autocontrole e a sabedoria permanecem necessários. Eles só podem beneficiar o progresso do ecumenismo.

O progresso atual do movimento ecumênico assume três formas diferentes.

  1. A primeira é a mudança profunda que se introduziu na atitude das Igrejas. A maneira como elas se encontram, se julgam e se tratam mutuamente é diferente da de antigamente. As Igrejas ganharam em modéstia em suas relações com as outras. Elas tomaram consciência dos limites e do caráter relativo dos elementos humanos de sua vida. Elas têm, menos do que antes, a tendência de se glorificar por possuir a verdade, porque perceberam que é a verdade que as possui. Mesmo sem serem perturbadas em sua confissão de fé, elas veem, melhor do que no passado, que outras Igrejas não são menos sincera e firmemente apegadas à verdade de suas crenças.

A verdade de Deus é absoluta em sua imutabilidade. No entanto, as Igrejas não conseguem se acordar sobre o conteúdo da revelação divina, nem sobre a maneira pela qual esta nos é transmitida. O diálogo é destituído de sentido, a menos que seja concedida plena liberdade a todos os parceiros de expor e defender suas convicções mais profundas. Todos os participantes do diálogo devem também estar dispostos a levar a sério o testemunho prestado por cada um dos outros. Eles precisam ouvir esse testemunho, não apenas pro forma, mas de maneira existencial.

A discussão polêmica e a intenção manifesta de apanhar os outros em falta revelam-se cada vez mais contrárias ao espírito ecumênico. Anti-ecumênica também aparece a pretensão de uma Igreja que se eleva acima das outras e que, recusando ouvi-las, decreta o que elas devem crer e fazer. As Igrejas estão cada vez mais dispostas a retornar à Sagrada Escritura como "o ponto de partida, a base e o centro de todo diálogo ecumênico"[17], e a partir dela iniciar um intercâmbio franco e leal.

  1. O progresso se refere então a um segundo aspecto. Meio século de diálogo ecumênico mostrou progressivamente às Igrejas que nenhuma união se fará enquanto cada Igreja acreditar que é seu dever se apegar a um ponto de vista adotado no passado, a uma característica fixada de uma vez por todas, a uma tradição e uma prática eclesiásticas a nunca sacrificar.

A permanência dessa noção estática da Igreja limitará as trocas àquelas de informações e manterá as Igrejas no status quo. Todas as coisas permanecerão em seu estado antigo e nenhum progresso será possível.

Alguns indícios permitem acreditar que o movimento ecumênico superou essa fase estática e puramente informativa. Cada vez mais, é possível falar de uma dinâmica do ecumenismo. Um fator notável da mudança de mentalidade foi a descoberta feita pelas Igrejas de que elas tinham que largar muito lastro de natureza convencional e que elas deveriam reconsiderar sua doutrina, sua vida, sua liturgia e sua constituição. Elas também percebem que precisam estar abertas às contribuições recentes nos campos da exegese, da teologia e das ciências afins. Elas finalmente veem que devem dar mais atenção ao conjunto do Ecumenismo do que a si mesmas, que devem se interessar mais pelo crescimento da Igreja do futuro do que por seu particularismo pertencente ao passado.

Cada vez mais também, as Igrejas se tornaram dinâmicas internamente. Em quase todas elas está atualmente em curso uma revisão das estruturas, da liturgia e das fórmulas de fé. Em quase todo lugar, manifesta-se a influência de novas noções teológicas. Essa mobilidade torna mais fácil para as Igrejas, em suas relações mútuas, adotar uma atitude desapegada em relação a suas próprias características. Isso também lhes permite ser mais livres para adotar mudanças importantes em sua doutrina, estrutura e liturgia que atendam às necessidades de nosso tempo e favoreçam a aproximação e a união. Sem essa flexibilidade, sem essa renovação, sem essa abertura para o futuro, a fé na união não passa de uma ilusão.

  1. Em terceiro lugar, torna-se cada vez mais evidente que a reunião depende da disposição das Igrejas, não apenas para ouvir, mas também para reconhecer quando necessário seu caráter unilateral e, se for o caso, seus próprios erros. Ela depende de sua prontidão em se deixar instruir pelos outros e receber deles o que lhes falta. A união é um processo de crescimento pelo qual tudo o que havia de verdadeiro, bom e belo nas Igrejas separadas é integrado na plenitude da Igreja futura.

A unidade não exige uma rígida uniformidade. Basta simplesmente tornar o olhar da fé mais penetrante, para que seja capaz de distinguir claramente o que, por um lado, é essencialmente dado na Revelação e, portanto, pertence necessariamente à fé, e, por outro lado, as muitas formas de expressão que são acidentais. As Igrejas devem refletir juntas sobre essa distinção. Com os olhos voltados para a Igreja do futuro, se perguntará: quais são os elementos essenciais que não se podem perder, porque são dados na Revelação? Quais são as expressões da fé e da vida que são acidentais, deixando, portanto, grande latitude ao julgamento das comunidades e dos indivíduos?

Os progressos das Igrejas no caminho da integração dinâmica tornarão cada vez mais evidente que se trata, em definitivo, da relação entre a Igreja e o Evangelho. A própria Igreja tem um lugar no Evangelho; seu ser mais profundo só pode ser compreendido a partir do Evangelho. Por sua vez, o Evangelho só ressoa no interior da Igreja; ele não pode ser anunciado em toda a sua pureza e verdade senão na Igreja e por ela. A Igreja e o Evangelho se exigem mutuamente, assim como Palavra e Sacramento. A reunião dos cristãos se identificará em grande parte a uma nova e completa integração da Igreja e do Evangelho[18].