Análise do conteúdo
Creio que neste documento já está suficientemente descrita a problemática dos dois principais articuladores do ICLS, Tales e Luiz Gonzaga. Também, creio que esteja suficientemente detalhado as circunstâncias dos alunos e o modus operandi adaptado para a circunstância brasileira. Resta-nos, fazer uma análise detalhada do conteúdo ensinado.
Muito se fala (e principalmente, se ri) de que “como assim os professores do ICLS querem islamizar o Brasil ensinando-nos a sermos bons cristãos?”. Pois bem, ensina-se corretamente os símbolos a estes cristãos? Quantos, dentre estes cristãos, não estão subjugados a autoridade de Tales e de Luiz Gonzaga? Não se trata, tão somente, de uma conversão, mas também de colocar sob a sua autoridade uma série de cristãos que estão por aí ganhando mais e mais respeito diante da comunidade. Martin Lings não precisou proclamar nas praças para islamizar a Inglaterra, precisou, tão somente, da família real, o restante do país está sendo mera conseqüência.
Analisarei a aula “O Que é o Pão”, que foi um marco ao longo do tempo de vida do ICLS. Outro motivo para analisar esta aula é que ela é, para a massa de alunos do ICLS, o motivo da treta com o Italo Marsili (sei que não é, o problema é bem mais embaixo, mas sigamos).
Farei um breve resumo para que confirmemos que não estou criando um espantalho e, em seguida, tratarei de pontos específicos:
Em primeiro lugar, devemos procurar Missas sem sacrilégios (é esta a palavra usada por ele ao longo da aula). E Luiz Gonzaga acrescenta (daqui para baixo as citações são da aula sobre o Pão):
Se alguém frequenta a missa no domingo, o seu dever é procurar por uma missa válida o dia inteiro. Se alguém procurou o dia inteiro e não achou nenhuma, então essa pessoa cometeu apenas um pecado venial. Essa é a lei, é assim que funciona. Isso dá trabalho? Claro que sim, mas queremos o Céu, a felicidade eterna, e não queremos ter trabalho ao menos uma vez por semana? Uma vez por semana é muito pouco!
Numa Missa válida recebemos trigo espiritual que, nas palavras ditas por ele, “em termos técnicos, em linguagem jurídica da Igreja, se chama graça santificante”. E se a Missa for inválida, o trigo vem com veneno.
E Luiz Gonzaga acrescenta: “E também devemos ser sensatos e prudentes como serpentes. O que é uma pessoa sensata e prudente como uma serpente? Quando encontrarmos uma missa em que recebamos trigo limpo, não devemos parar de procurar outras missas limpas”, O número, ao longo da aula, varia de vinte à duzentas missas (e claro, considero que há um fundo hiperbólico neste número).
O segundo passo é moer este trigo que significa o esforço constante e cotidiano e, também, a intenção de a pessoa praticar a religião até a morte.
O terceiro passo é acrescentar água à farinha, ato relacionado ao jejum, pois, da mesma forma que a água reúne a farinha, a fome reúne todos os desejos em um único desejo: o de alimento. Resistindo ao desejo de alimentos, é como se resistíssemos aos demais desejos reunidos na fome.
O quarto passo está relacionado ao ato de sovar a massa, em que, através do esforço, acrescentamos ar à mistura. Tal passo está relacionado com a constância na oração, pois “sopramos” sobre esta massa. Luiz Gonzaga acrescenta:
Ter uma religião é ter de fazer essas coisas. E, fazendo isso, a religião recebe o Espírito de Deus. A palavra espírito significa ar, e é esse ar que fará com que a nossa massa cresça e fique macia. Se não fizermos isso, o que acontece? Nosso pão ficará duro como pedra e se não poderá ser comido.
O quinto passo está relacionado com o elemento fogo, quando pomos o pão para assar. O fogo retira o excesso de água do pão (os desejos reunidos anteriormente), expande o ar e transforma aquela massa em alimento verdadeiramente humano. Assar o pão está relacionado com o ato de dar esmolas, em que retiramos o nosso “excesso” (nossos desejos e assemelhados) ao ministrar esmola àqueles que precisam.
Luiz Gonzaga ressalta a importância de que desses três desses três últimos atos sejam feitos em segredo, pois assim, Cristo recompensa em segredo. Curiosamente, durante a aula, é dito “Agora, honestamente, aqui temos pessoas que se dizem católicas, pessoas que se dizem evangélicas e pessoas que se dizem ortodoxas, mas a realidade é que ninguém de fato tem religião. Quem é que jejua em segredo aqui? Ninguém!”. Mas como ele vai saber disso se é para fazer em segredo? Continuemos.
E depois continua: depois de cinco anos praticando consistentemente, seremos “padeiros”, nos alimentamos de pão espiritual, ficamos fortes, nosso cônjuge e filhos terão religião, pois se alimentarão de pão. Esse é o primeiro estágio da vida cristã e, se não cumprirmos nem isso, os Santos, ele cita Santo Antão, nos bateriam a porta na cara. Felizmente Santo Ambrósio nunca fizera isso com Santo Agostinho, situação na qual, parece ter sido o contrário.
Segue-se a aula com algumas sugestões de jejum e orações e começa a introdução do vinho:
como dissemos, fazer o pão é o estágio inicial da vida cristão, e quem quiser alcançar a santidade deverá aprender também a fazer o vinho. Por quê? Porque não há consagração, não há Eucaristia, não há o Verbo de Deus encarnado para nós sem o pão e sem o vinho. Se perguntarmos a um padre se é possível fazer a consagração somente com o pão ou somente com o vinho, ele nos dirá que isso não é possível. Assim é com a nossa alma. Se ela não produzir esses dois materiais, nunca será transformada em Jesus Cristo. Sem isso, nunca poderemos dizer o que disse São Paulo: ‘Não sou eu mais quem vivo, é o Cristo quem vive em mim’.
Há um ponto bastante importante em seguida sobre “devemos ajudar os piedosos. Devemos ‘comprar’ esses amigos com o dinheiro da iniquidade”, no qual nos é advertido que ajudemos aqueles que sabem fazer pão, mas passam por necessidades financeiras. Segue um trecho muito bonito:
O interessante sobre isso é que o próprio Cristo vivia de esmola! Então, quando ajudamos essas pessoas, é como se tivéssemos ajudado o próprio Nosso Senhor Jesus. E, se pensarmos bem, não fomos nós que O ajudamos, mas sim nós que fomos ajudados, pois ganhamos em troca uma coisa de valor imensamente maior!
E acrescenta:
Não gostamos de ajudar os piedosos, porque eles não afagam o nosso ego. Quando os ajudamos, eles não nos dizem: “Caramba, como você é maravilhoso!”. A única coisa que nos dizem é: “Obrigado.”. Um simples “obrigado”. Por que isso? Pois eles são melhores do que nós, e seria uma falsidade para com Deus que se colocassem numa posição inferior a pessoas que são piores do que eles. No momento em que agradecem a ajuda que receberam, é muito possível que pensemos: “Ele nem me agradeceu direito!”. Mas o que estávamos esperando? Uma medalha, um brilho nos olhos e uma massagem no nosso ego? Tenha santa paciência! Nós é que saímos ganhando nessa troca!
No decorrer da segunda aula esse ressalta a questão da Graça Santificante:
O trigo é aquilo que tecnicamente, em Teologia Católica, chamamos de Graça Santificante; ele é a Graça que recebemos e que vem nos sacramentos. A Graça é como um trigo que ficou em nossa alma. Esta era uma terra vaga e vazia na qual Deus despejou Sua luz. A Graça despejada é um alimento que Ele entrega a nós. Só que temos de pegar e elaborar esse alimento. Porém, devemos notar que Cristo não chega para os apóstolos, pega um monte de trigo e diz “esse é meu corpo”, não pega um monte de uvas e diz “esse é meu sangue”. Esse trigo e essas uvas já foram elaborados pela ação humana. Para que cheguemos a Deus – e não estamos falando de desaparecer em Deus, mas em formar uma unidade com Ele – temos que cooperar. Isso é o que, também em Teologia Cristã Tradicional, chamamos de sinergia ou cooperação: um trabalho cooperativo entre o homem e Deus. [...]
Os sacramentos são sinais visíveis de graças invisíveis: essa é definição católica mais básica, que também vale para a Igreja Ortodoxa, e que, em última análise, também vale para as igrejas protestantes – embora estas últimas não tenham todos os sacramentos católicos e ortodoxos, elas têm alguns sacramentos e atividades sacramentais. A leitura coletiva do Evangelho, por exemplo, é uma atividade sacramental. Se fizerem isso juntos, pensando em Jesus Cristo e com a intenção de cumprir o Evangelho: “Onde houver dois ou três reunidos em Meu nome, Eu estarei lá”. É Ele quem está dizendo que enviará a Graça sobre tal grupo. Claro, isso não é um sacramento no sentido estrito, mas é uma atividade sacramental. É uma maneira que Ele mesmo indicou, e, se assim fizermos, Ele nos dará a Sua Graça.
Na segunda aula muitos dos temas são retomados, mas acrescenta algo novo:
Devemos lembrar que muito antes do Cristo fazer isso, Deus-Pai também ensinou o homem a fazer pão. Quando Adão caiu do Éden, o que Deus lhe disse? “Ganharás o teu pão com o suor do teu rosto”. Ou seja, a partir daí o homem teria que comer pão, e este seria um alimento que ele sozinho teria de produzir, enquanto no Éden não havia essa necessidade de trabalhar e de produzir o próprio alimento. [...]
Também é por isso que, se não fizermos pão, não temos religião, porque o pão é o alimento para o ser caído. Se ele está caindo, ele precisa de um alimento que é enviado pelos Céus e sobre o qual terá de colocar o próprio esforço e suor. E é esse alimento que segura o movimento da queda.
Essas duas imagens correspondem exatamente àquilo que o Cristo fala para o jovem rico. Este pergunta para Aquele: “Senhor, como faço para obter a salvação?”. Jesus diz: “Faça isso, isso, isso e isso”. Ao que o jovem responde: “Ah! Senhor, já faço isso desde a juventude!”. Então Cristo replica: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e depois vem e me segue”. Se alguém então quer vinho, então “vai, vende tudo que tens, dá aos pobres e depois vem e me segue”. O vinho só será dado a quem largou o mundo e entrou solitário numa arca; depois da tormenta, a essa pessoa será dado um novo mundo no qual ela aprenderá a vinicultura. Isso quer dizer o quê? Que o pão é um dever de todos, ou seja, todo mundo deve escapar do Inferno. Por que é um dever de todos? Porque isso é uma necessidade universal. Se não o fizermos, pior para nós. Deus, quando deu o pão a Adão, disse: “Você é um pecador e acabou de inventar o pecado, mas ainda assim te dou o pão, e você vai ter que fazê-lo, porque se não o fizer morrerá de fome”. Já o vinho não, ele é um extra, digamos assim. O vinho é dado na circunstância contrária: é para o sujeito que se separou completamente do pecado e entrou numa arca apertadinha após perder tudo.
E sobre o efeito do vinho acrescenta:
Mas por que isso é assim? Bem, para sabermos isso, temos que nos remeter mais uma vez ao simbolismo do vinho. Qual é a sua característica? Qual é o efeito do vinho em quem o bebe? Imaginemos que um sujeito saiu do trabalho muito bravo e quer brigar com a esposa, e que antes de voltar para casa ele passa no bar e enche a cara. O que ele fará em seguida? Ele voltará para casa e baterá na esposa. Agora, imaginemos outra situação: uma pessoa está muito triste, deprimida e frustrada. Se ela encher a cara, o que acontecerá? Ela certamente irá chorar. Uma última situação: um indivíduo está muito contente e quer festejar, mas está com vergonha. Então ele enche a cara. O que acontecerá? Ele festejará.
E expressa a quem é dado o vinho:
o vinho só pode ser concedido para alguém que sofreu uma profunda transformação espiritual. A partir do momento em que as paixões, representadas pela humanidade do tempo de Noé, representam as paixões humanas, são eliminadas, só então é possível que se revele o que está dentro do sujeito, porque nele sobrou apenas aquilo que é de natureza excelente.
Algumas explanações e detalhes importantes seguem, até que chegamos à explicação do que seria o reino. Cesso o resumo e citações aqui para nos concentrarmos em alguns poucos pontos: Graça Santificante, Pão e Vinho.
Dividirei esse estudo em duas partes: (1) O efeito geral do que aconteceu e (2) análise dos símbolos.