Capítulo 3
Agora resta ver de que maneira existe a essência nas substâncias separadas, ou seja, na alma, na inteligência e na causa primeira.
Embora todos admitam a simplicidade da causa primeira, alguns se esforçam por induzir a composição de forma e matéria nas inteligências e na alma, cuja posição parece ter sido defendida por Avicebron, autor do livro "Fonte da Vida".
No entanto, isso é comumente contrário ao que dizem os filósofos, que nomeiam essas substâncias como separadas da matéria e provam que existem sem qualquer matéria. A demonstração mais poderosa disso é a partir da virtude de entender, que existe nelas. Vemos que as formas não são inteligíveis em ato, exceto na medida em que são separadas da matéria e das suas condições; nem se tornam inteligíveis em ato, exceto pela virtude da substância inteligente, na medida em que são recebidas nela e na medida em que são agidas por ela.
Assim, deve ser que em cada substância inteligente exista uma imunidade total da matéria, de modo que não tenha nenhuma parte materiana e também não seja como a forma impressa na matéria, como ocorre com as formas materiais.
Nem pode alguém dizer que a inteligibilidade não é impedida por qualquer matéria, mas apenas pela matéria corporal. Pois, se isso se desse apenas por causa da matéria corporal, tendo em vista que a matéria não é chamada corporal a não ser na medida em que está sob a forma corporal, então seria necessário que essa matéria, que impede a inteligibilidade, viesse da forma corporal. E isso não pode ser, porque a própria forma corporal é inteligível em ato, assim como as outras formas, na medida em que se abstraem da matéria. Assim, na alma ou na inteligência, de modo algum existe composição de matéria e forma, como esta compreensão da essência nelas se daria como nas substâncias corporais,
mas existe ali uma composição de forma e de ser. Assim, no comentário da nona proposição do livro das causas, diz-se que a inteligência é aquilo que tem forma e ser, e ali a forma é entendida como a própria quiddidade ou natureza simples.
E como isso seja claro pode ser visto. Pois tudo o que tem a relação entre si, de modo que um é a causa de ser do outro, aquele que tem a razão de causa pode ter ser sem o outro, mas não se inverte. Tal é a relação entre matéria e forma, pois a forma dá ser à matéria. Portanto, é impossível existir matéria sem alguma forma. No entanto, não é impossível existir alguma forma sem matéria. A forma, de fato, não tem em sua própria essência uma dependência da matéria, mas se algumas formas forem encontradas, que não podem existir senão na matéria, isso ocorre a elas na medida em que estão distantes do primeiro princípio, que é o ato primeiro e puro. Portanto, aquelas formas que são as mais próximas do primeiro princípio são formas que existem por si mesmas, sem matéria (pois uma forma, segundo todo o seu gênero, não necessita de matéria, como foi dito), e essas formas são as inteligências. Portanto, não é necessário que as essências ou quiddidades dessas substâncias sejam diferentes da própria forma.
Dessa maneira, portanto, difere a essência da substância composta da substância simples, pois a essência da substância composta não é apenas forma, mas inclui forma e matéria; já a essência da substância simples é somente forma.
E disso derivam duas outras diferenças: uma é que a essência da substância composta pode ser significada como um todo ou como parte, o que ocorre devido à designação da matéria, como foi dito. E por isso, a essência da coisa composta não pode ser predicada da coisa composta de qualquer maneira; não se pode dizer que o homem é a sua quiddidade. Mas a essência da coisa simples, que é a sua forma, não pode ser significada senão como um todo, uma vez que não há nada ali além da forma como forma que recebe; e, portanto, de qualquer maneira que se tome a essência da substância simples, ela é predicada dela. Daí Avicebron diz que a quiddidade do simples é o simples em si, porque não é outra coisa que recebe a si mesma.
A segunda diferença é que as essências das coisas compostas, por serem recebidas na matéria designada, se multiplicam segundo a divisão desta, de modo que é possível que algumas sejam idênticas em espécie e diversas em número. Mas como a essência do simples não é recebida na matéria, não pode haver tal multiplicação; e, portanto, deve ser que não se encontrem nessas substâncias vários indivíduos da mesma espécie, mas quantos forem os indivíduos, tantas serão as espécies, como Avicebron diz expressamente.
Assim, essas substâncias, embora sejam apenas formas sem matéria, não têm em si uma simplicidade absoluta, nem são atos puros, mas possuem uma mistura de potência. E isso é assim evidente.
Pois tudo o que não está no intelecto da essência ou da quiddidade é algo que advém externamente e faz composição com a essência, porque nenhuma essência pode ser compreendida sem aquelas que são partes da essência. No entanto, toda essência ou quiddidade pode ser entendida sem que algo seja entendido sobre seu ser; posso entender o que é um homem ou um fênix, e, no entanto, ignorar se ele tem ser na realidade das coisas. Portanto, é claro que o ser é diferente da essência ou quiddidade, a não ser que exista algum ser cuja quiddidade seja o seu próprio ser;
e esse ser não pode ser senão um e único, porque é impossível que algo se multiplique exceto pela adição de alguma diferença, assim como a natureza de um gênero se multiplica em espécies, ou pela forma sendo recebida em diferentes matérias, assim como a natureza de uma espécie se multiplica em diferentes indivíduos, ou porque um é absoluto e outro é recebido em algo, como se houvesse um calor separado, seriam diferentes do calor não separado pela própria separação. Se, porém, se considerar algum ser que seja apenas ser, de modo que o próprio ser seja subsistente, esse ser não receberá adição de diferença, porque já não seria apenas ser, mas ser e, além disso, alguma forma; e muito menos receberia adição de matéria, porque já seria um ser não subsistente, mas material.
Portanto, resta que tal ser, que é seu próprio ser, não pode ser senão um único. Assim, é necessário que em qualquer outro ser, além desse, haja um ser distinto e outra quiddidade ou natureza ou forma sua. Assim, deve haver um ser no âmbito das inteligências além da forma; e portanto é dito que a inteligência é forma e ser.
Tudo o que convém a alguém ou é causado por seus princípios naturais, como a risibilidade no homem, ou advém de algum princípio externo, como a luz no ar proveniente da influência do sol. Porém, não pode ser que o próprio ser seja causado pela própria forma ou quiddidade da coisa (digo como por uma causa eficiente), porque assim alguma coisa seria causa de si mesma, e alguma coisa se produziria a si mesma no ser, o que é impossível. Portanto, é necessário que toda tal coisa, cujo ser seja distinto da sua natureza, tenha seu ser de outro. E como tudo o que é por outro se reduz àquilo que é por si mesmo como à causa primeira, deve haver alguma coisa que seja causa do ser de todas as coisas, porque ela mesma é apenas ser. Caso contrário, estaria se indo ao infinito nas causas, já que toda coisa que não é apenas ser tem a causa do seu ser, como foi dito. Portanto, é evidente que a inteligência é forma e ser e que o ser provém do primeiro ente, que é apenas ser. E essa é a causa primeira, que é Deus.
Além disso, tudo o que recebe algo de outro está em potência em relação a esse algo, e o que é recebido nele é seu ato. Portanto, a própria quiddidade ou forma, que é a inteligência, deve estar em potência em relação ao ser, que é recebido de Deus; e esse ser recebido é por modo de ato. Assim, encontra-se potência e ato nas inteligências, não obstante a forma e matéria apenas em sentido análogo.
Portanto, também sofrer, receber, ser sujeito e todas essas coisas, que parecem convenir às coisas em razão da matéria, convenhem analogicamente às substâncias intelectuais e corporais, como diz o Comentador em "Sobre a Alma", III.
E porque, como foi mencionado, a quiddidade da inteligência é a própria inteligência, a essência ou quiddidade dela é o que é ela mesma, e seu ser é recebido de Deus e é aquilo que subsiste na realidade das coisas. Por esta razão, tais substâncias são ditas compostas do que é e do que é, ou do que é e do ser, como Boécio diz.
E porque nas inteligências se pressupõe potência e ato, não será difícil encontrar uma multiplicidade de inteligências; o que seria impossível se não houvesse potência nelas. Daí o Comentador diz em "Sobre a Alma", III, que, se a natureza do intelecto possível fosse desconhecida, não poderíamos encontrar multiplicidade entre as substâncias separadas. Portanto, há uma distinção entre elas de acordo com o grau de potência e ato, de modo que uma inteligência superior, que é mais próxima do primeiro, tem mais ato e menos potência, e assim por diante.
E isso se concretiza na alma humana, que ocupa o grau final entre as substâncias intelectuais. Assim, o intelecto possível dela se relaciona às formas inteligíveis como a matéria prima, que ocupa a última posição no ser sensível, em relação às formas sensíveis, como diz o Comentador em "Sobre a Alma", III. E por isso o filósofo a compara a uma tábua na qual nada está escrito.
E por esta razão, como entre as outras substâncias intelectuais tem mais potência, se torna tão próxima das coisas materiais, que a coisa material é atraída a participar de seu ser, de modo que da alma e do corpo resulta um único ser em um composto, embora esse ser, na medida em que pertence à alma, não dependa do corpo.
E por isso, após essa forma, que é a alma, encontram-se outras formas que têm mais potência e estão mais próximas da matéria, de modo que seu ser não existe sem matéria. Entre elas também se encontra uma ordem e graus até as formas primordiais dos elementos, que são as mais próximas da matéria. Portanto, não têm nenhuma operação, exceto segundo a exigência das qualidades ativas e passivas e outras, pelas quais a matéria é disposta à forma.