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Capítulo 2

Tendo em vista, então, o que se entende pelo nome de essência nas substâncias compostas, é necessário considerar como ela se relaciona com o conceito de gênero, espécie e diferença.

Uma vez que o conceito de gênero, espécie ou diferença é algo que se predica deste ou daquele indivíduo particular, é impossível que o conceito de universal, seja ele gênero ou espécie, possa se aplicar à essência enquanto significada como uma parte, como ocorre com os termos "humanidade" ou "animalidade". É por isso que Avicena afirma que a racionalidade não é uma diferença em si, mas um princípio de diferença; e, da mesma forma, a humanidade não é uma espécie, nem a animalidade é um gênero.

Também não se pode dizer que o conceito de gênero ou espécie se aplica à essência como uma entidade existente fora dos indivíduos, como postulavam os platônicos, pois, desse modo, o gênero e a espécie não seriam predicados do indivíduo em questão; afinal, não se pode dizer que Sócrates seja algo separado dele mesmo, e aquilo que está separado não contribuiria para o conhecimento deste indivíduo particular.

Resta, portanto, que o conceito de gênero ou espécie se aplica à essência, enquanto esta é significada como um todo, como pelo nome "homem" ou "animal", e assim contém, de maneira implícita e indistinta, tudo aquilo que se encontra no indivíduo.

A natureza ou essência assim concebida pode ser considerada de duas maneiras: de um modo, segundo o conceito próprio, que é a consideração absoluta da essência. E assim, nada é verdadeiro sobre ela, a não ser aquilo que lhe convém enquanto tal. Portanto, qualquer outra coisa que lhe seja atribuída, será uma atribuição falsa. Por exemplo, ao homem, enquanto homem, convém ser racional e animal, e todos os demais aspectos incluídos em sua definição. Já o ser branco ou negro, ou qualquer outra coisa do tipo, que não faz parte da natureza da humanidade, não se aplica ao homem enquanto homem. Se perguntarmos se essa natureza, assim considerada, pode ser dita uma ou muitas, nenhuma das opções é aceitável, pois ambas estão fora do entendimento da humanidade e ambas podem ocorrer. Se a pluralidade fizesse parte do entendimento da humanidade, ela nunca poderia ser uma, embora o seja quando se encontra em Sócrates. Da mesma forma, se a unidade fizesse parte de sua definição, então haveria uma única humanidade de Sócrates e Platão, e não poderia haver pluralidade entre eles.

De outro modo, a natureza é considerada segundo o ser que ela possui neste ou naquele, e assim algo é predicado dela de maneira acidental, em razão daquele em que ela se encontra, como se diz que o homem é branco, porque Sócrates é branco, embora isso não se aplique ao homem enquanto homem.

Esta natureza possui dois modos de ser: um nos indivíduos e outro na alma, e em ambos os casos ela possui acidentes que a acompanham. Mesmo nos indivíduos, ela possui modos de ser variados de acordo com a diversidade dos indivíduos; ainda assim, não se pode atribuir a nenhum desses modos de ser à essência em sua consideração primeira, ou seja, em sua consideração absoluta. É falso dizer que a essência do homem, enquanto tal, possui ser em um indivíduo específico, pois se o ser em tal indivíduo fosse atribuído ao homem enquanto homem, ele nunca poderia estar fora daquele indivíduo específico. Do mesmo modo, se não ser em um determinado indivíduo fosse atribuído ao homem enquanto homem, ele nunca estaria presente naquele indivíduo. Logo, é verdade que o homem, enquanto homem, não possui ser em um determinado indivíduo, nem na alma. Portanto, fica claro que a natureza do homem, considerada de modo absoluto, abstrai de qualquer ser, mas sem excluir nenhum desses modos de ser.

Esta natureza assim considerada é aquela que é predicada de todos os indivíduos. Contudo, não se pode dizer que o conceito de universal se aplica a essa natureza tomada dessa forma, pois do conceito de universal decorrem a unidade e a comunidade. Nenhum desses atributos pertence à natureza humana, enquanto ela é considerada de modo absoluto. Se a comunidade fizesse parte do entendimento do homem, então onde quer que houvesse humanidade, haveria também comunidade. E isso é falso, pois em Sócrates não se encontra comunidade alguma; tudo o que está nele é individuado.

Tampouco se pode dizer que o conceito de gênero ou espécie seja um acidente da natureza humana em função do ser que ela possui nos indivíduos, pois a natureza humana não é encontrada nos indivíduos como uma unidade que é compartilhada por todos, algo que o conceito de universal exige.

Portanto, resta que o conceito de espécie é um acidente da natureza humana em razão do ser que ela possui no intelecto.

A própria natureza humana, no intelecto, possui um ser abstraído de todas as características individuantes, e por isso ela tem uma relação uniforme com todos os indivíduos que estão fora da alma, uma vez que é a imagem de todos e conduz ao conhecimento de todos, na medida em que são homens. E é em razão de tal relação com todos os indivíduos que o intelecto descobre o conceito de espécie e lhe atribui essa característica. É por isso que o Comentador, no início do "De Anima", diz que o intelecto é quem dá universalidade às coisas. Avicena também afirma isso em sua metafísica.

Embora esta natureza, enquanto concebida pelo intelecto, possua o conceito de universal, enquanto relacionada às coisas fora da alma, uma vez que é uma única imagem de todos, ela é, segundo o ser que possui em um determinado intelecto, uma espécie particular concebida. Por isso, fica evidente a falha do Comentador no "De Anima" III, que, ao derivar a universalidade da forma concebida, conclui que há uma unidade do intelecto em todos os homens, pois a universalidade dessa forma não decorre do ser que ela possui no intelecto, mas da relação que possui com as coisas como imagem das coisas.

Se houvesse uma estátua que representasse vários homens, seria claro que aquela imagem ou espécie da estátua teria um ser singular e próprio segundo o material em que fosse composta, mas teria o conceito de comunidade na medida em que representasse várias pessoas.

Como a natureza humana, enquanto considerada em sua forma absoluta, é predicada de Sócrates, e o conceito de espécie não se aplica a ela em sua forma absoluta, mas é um acidente que ocorre a ela segundo o ser que ela possui no intelecto, o nome de espécie não se predica de Sócrates, de modo a dizer: "Sócrates é uma espécie", o que necessariamente aconteceria se o conceito de espécie fosse atribuído ao homem segundo o ser que ele possui em Sócrates ou segundo sua consideração absoluta, ou seja, enquanto é homem. Tudo o que se aplica ao homem enquanto homem é predicado de Sócrates.

Ainda assim, a predicação é um atributo do gênero em si, uma vez que é incluída na definição de gênero. A predicação é algo que se completa pela ação do intelecto ao combinar e separar, e tem seu fundamento na própria realidade como uma unidade daquilo que se diz de algo. Portanto, o conceito de predicabilidade pode ser entendido dentro do conceito de gênero, que também se completa pela ação do intelecto. No entanto, aquilo a que o intelecto atribui a intenção de predicabilidade, ao combiná-la com outra coisa, não é a própria intenção de gênero, mas sim aquilo a que o intelecto atribui o conceito de gênero, como o que se significa pelo nome "animal".

Assim, fica claro como a essência ou natureza se relaciona com o conceito de espécie, uma vez que o conceito de espécie não pertence à essência em sua consideração absoluta, nem é um acidente que ocorre a ela segundo o ser que possui fora da alma, como a brancura ou a negritude, mas é um acidente que ocorre a ela segundo o ser que possui no intelecto, e é por esse mesmo modo que o conceito de gênero ou diferença também se aplica a ela.

Latim
Caput 2

Viso igitur quid significetur nomine essentiae in substantiis compositis videndum est quomodo se habeat ad rationem generis, speciei et differentiae.

Quia autem id, cui convenit ratio generis vel speciei vel differentiae, praedicatur de hoc singulari signato, impossibile est quod ratio universalis, scilicet generis vel speciei, conveniat essentiae secundum quod per modum partis significatur, ut nomine humanitatis vel animalitatis. Et ideo dicit Avicenna quod rationalitas non est differentia, sed differentiae principium; et eadem ratione humanitas non est species nec animalitas genus.

Similiter etiam non potest dici quod ratio generis vel speciei conveniat essentiae, secundum quod est quaedam res exsistens extra singularia, ut Platonici ponebant, quia sic genus et species non praedicarentur de hoc individuo; non enim potest dici quod Socrates sit hoc quod ab eo separatum est; nec iterum illud separatum proficeret in cognitionem huius singularis.

Et ideo relinquitur quod ratio generis vel speciei conveniat essentiae, secundum quod significatur per modum totius, ut nomine hominis vel animalis, prout implicite et indistincte continet totum hoc, quod in individuo est.

Natura autem vel essentia sic accepta potest dupliciter considerari: uno modo, secundum rationem propriam, et haec est absoluta consideratio ipsius. Et hoc modo nihil est verum de ea nisi quod convenit sibi secundum quod huiusmodi. Unde quicquid aliorum attribuatur sibi, falsa est attributio. Verbi gratia, homini in eo quod est homo convenit rationale et animal et alia, quae in diffinitione eius cadunt. Album vero aut nigrum vel quicquid huiusmodi, quod non est de ratione humanitatis, non convenit homini in eo quod homo. Unde si quaeratur utrum ista natura sic considerata possit dici una vel plures, neutrum concedendum est, quia utrumque est extra intellectum humanitatis et utrumque potest sibi accidere. Si enim pluralitas esset de intellectu eius, nunquam posset esse una, cum tamen una sit secundum quod est in Socrate. Similiter si unitas esset de ratione eius, tunc esset una et eadem Socratis et Platonis nec posset in pluribus plurificari.

Alio modo consideratur secundum esse quod habet in hoc vel in illo, et sic de ipsa aliquid praedicatur per accidens ratione eius, in quo est, sicut dicitur quod homo est albus, quia Socrates est albus, quamvis hoc non conveniat homini in eo quod homo.

Haec autem natura duplex habet esse, unum in singularibus et aliud in anima, et secundum utrumque consequuntur dictam naturam accidentia. Et in singularibus etiam habet multiplex esse secundum singularium diversitatem et tamen ipsi naturae secundum suam primam considerationem, scilicet absolutam, nullum istorum esse debetur. Falsum enim est dicere quod essentia hominis in quantum huiusmodi habeat esse in hoc singulari, quia si esse in hoc singulari conveniret homini in quantum est homo, nunquam esset extra hoc singulare. Similiter etiam si conveniret homini in quantum est homo non esse in hoc singulari, nunquam esset in eo. Sed verum est dicere quod homo non in quantum est homo habet quod sit in hoc singulari vel in illo aut in anima. Ergo patet quod natura hominis absolute considerata abstrahit a quolibet esse, ita tamen quod non fiat praecisio alicuius eorum.

Et haec natura sic considerata est quae praedicatur de individuis omnibus. Non tamen potest dici quod ratio universalis conveniat naturae sic acceptae, quia de ratione universalis est unitas et communitas. Naturae autem humanae neutrum horum convenit secundum suam absolutam considerationem. Si enim communitas esset de intellectu hominis, tunc in quocumque inveniretur humanitas inveniretur communitas. Et hoc falsum est, quia in Socrate non invenitur communitas aliqua, sed quicquid est in eo est individuatum.

Similiter etiam non potest dici quod ratio generis vel speciei accidat naturae humanae secundum esse quod habet in individuis, quia non invenitur in individuis natura humana secundum unitatem, ut sit unum quid omnibus conveniens, quod ratio universalis exigit.

Relinquitur ergo quod ratio speciei accidat naturae humanae secundum illud esse quod habet in intellectu.

Ipsa enim natura humana in intellectu habet esse abstractum ab omnibus individuantibus, et ideo habet rationem uniformem ad omnia individua, quae sunt extra animam, prout aequaliter est similitudo omnium et ducens in omnium cognitionem in quantum sunt homines. Et ex hoc quod talem relationem habet ad omnia individua intellectus adinvenit rationem speciei et attribuit sibi. Unde dicit Commentator in principio de anima quod intellectus est qui agit universalitatem in rebus. Hoc etiam Avicenna dicit in sua metaphysica.

Et quamvis haec natura intellecta habeat rationem universalis secundum quod comparatur ad res extra animam, quia est una similitudo omnium, tamen secundum quod habet esse in hoc intellectu vel in illo est quaedam species intellecta particularis. Et ideo patet defectus Commentatoris in III de anima, qui voluit ex universalitate formae intellectae unitatem intellectus in omnibus hominibus concludere, quia non est universalitas illius formae secundum hoc esse quod habet in intellectu, sed secundum quod refertur ad res ut similitudo rerum,

sicut etiam, si esset una statua corporalis repraesentans multos homines, constat quod illa imago vel species statuae haberet esse singulare et proprium secundum quod esset in hac materia, sed haberet rationem communitatis secundum quod esset commune repraesentativum plurium.

Et quia naturae humanae secundum suam absolutam considerationem convenit quod praedicetur de Socrate, et ratio speciei non convenit sibi secundum suam absolutam considerationem, sed est de accidentibus, quae consequuntur eam secundum esse, quod habet in intellectu, ideo nomen speciei non praedicatur de Socrate, ut dicatur: Socrates est species, quod de necessitate accideret, si ratio speciei conveniret homini secundum esse, quod habet in Socrate vel secundum suam considerationem absolutam, scilicet in quantum est homo. Quicquid enim convenit homini in quantum est homo praedicatur de Socrate.

Et tamen praedicari convenit generi per se, cum in eius diffinitione ponatur. Praedicatio enim est quiddam, quod completur per actionem intellectus componentis et dividentis, habens fundamentum in re ipsa unitatem eorum, quorum unum de altero dicitur. Unde ratio praedicabilitatis potest claudi in ratione huius intentionis, quae est genus, quae similiter per actum intellectus completur. Nihilominus tamen id, cui intellectus intentionem praedicabilitatis attribuit, componens illud cum altero, non est ipsa intentio generis, sed potius illud, cui intellectus intentionem generis attribuit, sicut quod significatur hoc nomine animal.

Sic ergo patet qualiter essentia vel natura se habet ad rationem speciei, quia ratio speciei non est de his, quae conveniunt ei secundum suam absolutam considerationem, neque est de accidentibus, quae consequuntur ipsam secundum esse, quod habet extra animam, ut albedo et nigredo, sed est de accidentibus, quae consequuntur eam secundum esse, quod habet in intellectu, et per hunc modum convenit etiam sibi ratio generis vel differentiae.