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A Devotio Moderna e a Obediência Cega

30/12/2024

Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia

Autor: Pe. Javier Ravasi

Devotio Moderna e a Obediência Cega

Já analisamos em outro lugar os traços característicos da Devotio Moderna, uma corrente de espiritualidade que, especialmente no século XV, começou a se infiltrar lentamente nos melhores círculos católicos e que ainda persiste nos dias atuais1.

Entre suas principais características, mencionávamos um excessivo regulamentarismo que acabava por anular a pessoa, minando literalmente a consciência. Como atenuante, é importante reconhecer que Lutero nasceu em uma época que lhe permitiu absorver tanto o melhor quanto o pior de seu tempo: uma teologia escolástica decadente e, consequentemente, uma espiritualidade afastada da tradição católica. Não por acaso, Taulero era seu "místico favorito"2.

Além disso:

**"O célebre Gerardo Groote gozava de grande autoridade até mesmo para Lutero. É sabido o quanto a influência de Groote foi poderosa sobre a vida monástica de sua época (...) Com o espírito de Rusbrokio (Ruysbroeck) foi escrito o livrinho Imitação de Cristo, que no tempo de Lutero já estava amplamente difundido, tanto manuscrito quanto impresso. Ele estava nas mãos de todos, inclusive dos protestantes"**34.

A obediência segundo Lutero

No início de sua vida religiosa, o frade alemão era um firme defensor da virtude (e do voto) da obediência, que ele entendia como "a maior das virtudes". Antes de sua ruptura com a Igreja de Roma:

**"Ele enfatizava com toda a sua força que os súditos deveriam cultivar a obediência, sem a qual não há salvação, sacrificando seus exercícios privados aos gerais e claustrais, ou seja, aos prescritos pelas regras – em uma palavra, à obediência: 'ninguém é justo, exceto o obediente'"**5.

Os perigos da obediência cega

Em linhas gerais, é inegável que Lutero tinha razão ao valorizar a obediência. Contudo, em nome dessa virtude, não foram poucas as atrocidades cometidas nos claustros, transformando "inferiores" em "superiores" que agiam como tiranetes. Como observava Castellani, muitos que não quebravam a castidade frequentemente falhavam na caridade e na prudência.

O Lutero agostiniano e extremamente observante acreditava que a salvação podia ser alcançada pela consciência do prelado, ou seja, do superior, colocando a própria alma em "modo obediência" – por assim dizer:

**"Por muitos anos, vemos Lutero no claustro exercitando exteriormente e nas observâncias exteriores uma obediência cega (...). Pelo que podemos rastrear em seus escritos, ele sempre defendia a necessidade da obediência cega no claustro (...). Interpretando o versículo 2 do Salmo 1: 'Na lei do Senhor está sua vontade', Lutero escreve: 'Hoje em dia, especialmente, muitos religiosos reservam para si o juízo sobre aquilo que seus superiores lhes mandam. Isso não é estar sob o superior, mas acima do superior. Ao religioso deve bastar um único motivo para obedecer: ter prometido obediência. Ele não deve, como a serpente no paraíso, perguntar 'por quê?'. Deus não quer sacrifícios, mas obediência; Ele não precisa de nossas grandes obras, pois pode fazer muito maiores. Ele nos pede apenas obediência. Até o menor e mais desprezível mandamento tem valor, enquanto a desobediência é infinitamente vil, mesmo nas obras mais grandiosas e importantes.' No ano seguinte, Lutero repete a mesma ideia: *'Qualquer coisa que façamos sem relação à obediência é uma obra defeituosa'"**6.

A posição de Santo Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino, referência constante e indispensável, já afirmava no século XIII que é a consciência – mesmo quando errônea – que obriga a alma mais do que o preceito de um superior1. Por isso, é impossível suspender o exercício da consciência em virtude de uma ordem superior.

Mas poderíamos nos perguntar: de onde surge esse regulamentarismo ou obediencialismo, tão distante da concepção tradicional? Não seria mais lógico um "subjetivismo" em pleno Renascimento? A resposta é não. Quando o homem se afasta de Deus como princípio e fim e se coloca no ápice da realidade natural e sobrenatural, nada pode estar acima da lei positiva. É esse afastamento que levará Luís XIV a declarar: "L'État c'est moi!"

O homem moderno posiciona o próprio homem como origem da lei. Por outro lado, a espiritualidade tradicional via a obediência de forma muito diferente, como proclamava São Bernardo ao professar:

"Prometo... obediência segundo a Regra de São Bento" – e, portanto, não segundo a vontade ou o capricho do superior2.

Santo Tomás era ainda mais claro:

**"Quem faz profissão não promete observar todas e cada uma das coisas prescritas pela regra, mas a observância da vida regular, cuja essência está compreendida nesses votos. Faz-se voto, não à regra, mas de viver segundo a regra, ou seja, ajustar os costumes à regra como a um modelo"**3.

Obediência na espiritualidade tradicional

A obediência, na espiritualidade tradicional, não era cega, idiota ou absoluta, mas visava seguir o essencial da regra sob a guia prudente de um superior, que governava com caridade e confiança mútua. Lutero, no entanto, entendia a obediência sob os moldes da Devotio Moderna:

**"Eis que eu fiz voto de toda a Regra de Santo Agostinho", jurando cumprir cada artigo e exortação da regra, de modo que seria impossível considerar a regra algo amável. Na Regra de Santo Agostinho, por exemplo, está escrito: 'Não tomem banho, a menos que seja necessário, e, ao menos, de dois ou três juntos.' Assim, se alguém, sendo eremita, não se banhasse em companhia de outros, estaria violando o voto"**4.

O declínio da obediência na Devotio Moderna

Como observa o Pe. Denifle:

**"Em suas obras e sermões posteriores, a ideia que Lutero mais repete em todos os tons é que os religiosos colocam seus fundadores no lugar de Deus e de Cristo"**5.

Embora houvesse casos que justificassem essa crítica, Lutero acabou, com o tempo, abraçando o extremo oposto. Ele declarou:

**"Quando penso que nada justifica diante de Deus, senão o sangue de Cristo, surge-me a seguinte conclusão: nesse caso, os estatutos dos papas e as regras dos fundadores nos desviam do caminho verdadeiro, sendo motivo suficiente para que todos os conventos sejam destruídos"**6.

Esse declínio reflete não apenas uma deterioração da vida religiosa, mas também um juridicismo e até mesmo uma interpretação farisaica das leis, promovidas pelo regulamentarismo indecente da nova espiritualidade.

Lutero afirmava:

**"Sob o papado, aterrorizavam-se as consciências, porque, por exemplo, se eu, enquanto monge, saísse da cela sem escapulário, acreditaria ter cometido pecado mortal, pois um monge não pode andar sem escapulário"**7.

De obediencialista, Lutero passou ao extremo oposto. Em 1531, ele ironizou:

**"A Igreja permite ensinar e acreditar que quem solta um prisioneiro na sacristia comete pecado mortal, e quem flatula no altar é condenado. Ouçamos ainda este insigne artigo de fé: aquele que, ao lavar a boca com água, engole uma gota, não pode celebrar missa. E se um mosquito entrar em sua boca enquanto está aberta, não poderá receber o Sacramento naquele dia. E assim, eles têm uma infinidade de artigos esplêndidos sobre os quais sua Igreja imunda está fundada"**8.

A diferença com a espiritualidade tradicional

Para entender a diferença entre essa concepção rigorista da lei e a devoção tradicional, é necessário voltar a Santo Tomás, que, ao tratar do jejum eucarístico, afirmou:

**"Se o sacerdote lembrar, após a consagração, que comeu ou bebeu algo, deve completar o sacrifício e assumir o sacramento. Da mesma forma, se lembrar de que cometeu um pecado, deve arrepender-se com o propósito de confessar e satisfazer, assumindo o sacramento não de forma indigna, mas frutífera. E se lembrar que está excomungado, deve propor-se a pedir absolvição. Assim, será absolvido pelo Pontífice invisível, Jesus Cristo, para completar os mistérios divinos"**9.

Onde está o rigorismo? Apenas na concepção de Lutero.

Que não lhe contem uma história diferente...

- Pe. Javier Olivera Ravasi

Notas de Rodapé

  • Seguimos aqui as fontes citadas e cotejadas a partir da monumental obra de Fray Heinrich Denifle (já disponível em castelhano aqui e em francês aqui). Os originais de Lutero consultados, tanto em alemão quanto em latim, encontram-se aqui.
  • Cf. Heinrich Denifle, Lutero e o luteranismo: Estudados em suas fontes, Tip. Col. Santo Tomás de Aquino, Manila, 1920, p. 175.
  • Em seu comentário sobre a Carta aos Romanos, c. 5, fol. 167, Lutero considera que ninguém explicou tão bem quanto Gerardo Groote a natureza do pecado original.
  • Heinrich Denifle, op. cit., p. 185.
  • Weim., IV, 405 (Heinrich Denifle, op. cit., p. 35).
  • Dictata in Psalterium, Weim., III, 18 e IX, 306, ano 1513 (Heinrich Denifle, op. cit., pp. 455-456).
  • Cf. Santo Tomás de Aquino, De veritate, q. 17, a. 5.
  • "Non ergo secundum voluntatem praepositi". De praecepto et dispensatione, c. 4, n. 10 (Heinrich Denifle, op. cit., p. 59).
  • Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 186, art. 9, ad 1um.
  • Heinrich Denifle, op. cit., p. 60.
  • Heinrich Denifle, op. cit., p. 80.
  • Weim., XX, 622 (Heinrich Denifle, op. cit., p. 404).
  • Cf. Erl., 44, 347; 48, 203; Tischr. ed. Foerstemann, III, p. 239 (Heinrich Denifle, op. cit., p. 62).
  • Erl., 25, 75 (Heinrich Denifle, op. cit., p. 64).
  • Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III pars, q. 83, a. 6, ad 2um.