O ITINERÁRIO AGOSTINIANO e suas CONSEQUÊNCIAS INTELECTUAIS
A visita de um amigo inspirou estas páginas. Independentemente da antiga amizade que nos une na fé sobrenatural, ela tinha por objetivo uma certa repreensão: a de deixar pairar, em nosso artigo que inaugurava a "COLUNA FILOSÓFICA"(1), uma espécie de responsabilidade do agostinismo no advento do luteranismo e do cartesianismo. Trataremos disso mais tarde. Meu amigo é agostiniano de coração e espírito. Eu o sou de coração, mas menos de espírito. Eis o que alimenta nossas "disputationes".
Amo em Santo Tomás de Aquino esse equilíbrio, essa dosagem exata do místico e do positivo, do metafísico e do concreto, do espiritual e do material, em todos os sentidos diversos dessas palavras, e que procedem de um ser moldado de carne e espírito que não se quer nem anjo decaído, nem besta acabada, mas homem.
Também amo nele essa posição inexpugnável, precisa até no último detalhe, que ele estabelece entre tendências que, quando não compreenderam nossa unidade de natureza, nossa unidade de substância, parecem dividir os espíritos: um empirismo tão frio quanto um cadáver destinado à dissecação, culminando num naturalismo materialista, por um lado, e, por outro, um idealismo com dupla tendência aberrante, racionalista e mística.
Amo nele, enfim, essa capacidade de dar vida ao sonho eterno da Igreja, onde o discurso universal de Deus teria dois profetas: a inteligência humana, filha de Deus, e o Verbo, Filho de Deus e Sua imagem igual, colaborando para uma revelação tanto natural quanto sobrenatural do saber.
Meu velho amigo, embora seja sensível a esse equilíbrio, a essa posição, a esse poder da abordagem tomista, de certa forma, se assusta com ela. Para ele, parte-se de um ponto muito baixo: a matéria. De tão baixo, cansa-se ao tentar subir até Deus, quando é ao homem, melhor, à sua alma, à sua alma somente, que se pede para realizar essa ascensão em direção ao seu divino criador. É assim que meu amigo tem uma ternura particular por Agostinho.
Agostinho é menos um filósofo do que uma alma no rastro de Deus. Agostinho pensa, claro, e pensa intensamente, mas não há, nele, nada de sistemático: ele registra seu pensamento na ordem em que emerge, muito mais do que numa ordem didática. A ponto de que, se há uma metafísica em Agostinho, é a de sua própria conversão.
É esse movimento de pensamento que meu amigo ama, onde a pesquisa filosófica se confunde com a busca pela vida feliz da alma: a beatitude. O que meu amigo ama em Agostinho é talvez, sobretudo, reencontrar essa vontade de ser autossuficiente e essa incapacidade de viver sem Deus, essa ambição e esse fracasso, esse orgulho e essa miséria de cada um de nós, que sua doutrina confessa.
Esta não nos descreve um combate de Titãs, mas o combate de um homem, de um jovem, infatuado de si mesmo, que, arrastado por seus desequilíbrios precoces do coração e da razão, busca sua estrela polar: ele sabe que ela existe, caso contrário não a procuraria; e ele sabe que é Deus — esse Deus de quem sua mãe lhe havia falado, quando era criança. Agostinho não é um cético. Agostinho não compreende; pois há nele um materialismo radical que sustenta sua razão. Agostinho não é sensível ao espiritual!
Na verdade, o que é ele, senão um jovem de palavra fácil e charmosa; mas para além do domínio da palavra, ele nada sabe. Aos dezesseis anos, deixou Tagaste, sua cidade natal, para ir a Cartago: ali aprendeu a retórica; agora, de dia, a ensina ali; à noite...
Aos vinte anos, lê Cícero. Aprende que existe uma sabedoria imortal, bem supremo de todo homem razoável. Com a mesma fúria que o arrasta em seus desequilíbrios, ele quer alcançar, adquirir, possuir essa sabedoria. Ele rompe com tudo, despreza as vãs esperanças do mundo e reencontra até as orações que sua mãe lhe havia ensinado.
Ele quer conhecer esse Cristo de quem ela lhe fala, essa Igreja onde ela reza. Essa Igreja o decepciona: ali se propõe a fé como condição da inteligência. Ele quer ler a Escritura. É esse o Deus de sua mãe, esse homem semelhante a nós que passeia no jardim do Éden e conversa com Adão, como um velho faria com seu neto? Agostinho está decepcionado.
Ele prefere voltar aos seus desequilíbrios e iniciar-se nesse ideal de sabedoria, tal como é cantado por Epicteto, Sêneca, Dion Crisóstomo, Marco Aurélio, tal como ecoa nas mentes dessa intelligentsia cosmopolita de sua época, que quer se alinhar com os tempos romanos. Ali, está-se no concreto. Fala-se de um dinamismo de forma materialista. Tudo é matéria; tudo é corpo — tudo é "cósmico". A matéria tem uma Razão; o universo tem uma alma, adornada com atributos divinos.
Tal é a filosofia geral dos Estoicos — tão próxima da filosofia geral do primitivo, ainda que empregue um vocabulário mais erudito. Ali se chama de espírito o dinamismo racional manifestado em todas as coisas, particularmente no homem, e ali se chama Deus a esse "espírito". Esse "espírito", esse "Deus", é entendido como uma substância material mais sutil que a dos corpos: ela não tem existência subjetiva, mas adivinha-se sua presença em toda parte e ela desempenha em toda parte o papel de Providência, ou seja, de Natureza, no sentido poético e antropomórfico dessa palavra. O que o decepciona é que ali não se fala do Deus dos Cristãos.
É então que ele encontra os Maniqueus. Eles se dizem cristãos e invocam o testemunho da Escritura. Professam uma doutrina dualista e, em sua essência, um materialismo radical. Dois princípios cósmicos dividem o todo do real: um, o Pai da Luz e da Grandeza, o Deus bom, cujo Jesus Cristo dos Evangelhos é apenas a emanação aparente; o outro, o Príncipe das Trevas, Satanás, de quem Eva, a tentadora e a matriz universal da humanidade, é a aliada. Entre essas duas potências, uma guerra encarniçada que eclodiu no dia em que o Caos original gerou nosso mundo, esse mundo que se abriu à luz e sonha em aceder à pureza da Luz.
Para impedir essa proliferação do mundo material, o Pai da Luz, o Deus bom, gerou o homem, puro filho de luz, pura substância luminosa; mas este foi vencido pelas forças tenebrosas, revestidas de matéria e, a partir desse dia, permanece assujeitado à propagação material. Por essa propagação, por essa geração sexual, perpetua-se a transmissão do Mal, gera-se essa humanidade emaranhada na matéria, princípio de todo pecado, e essa impotência para dela se libertar e recobrar sua origem luminosa, divina.
Tal é o verdadeiro Saber, constitutivo da Salvação. A difusão desse Saber é a obra da Redenção, iniciada por todos os "enviados" da Luz, dos quais Jesus Cristo é apenas o maior, e que só atingirá toda a sua extensão salvífica com o advento do Paráclito.
Essa epopeia cósmica inflama a imaginação de Agostinho, ele que, já antes, só se deleitava com as ficções de poetas, com o incêndio de Troia ou com a morte de Dido. Ele é seduzido por essa doutrina cujo princípio e fim é a Salvação, procedendo do Conhecimento, operando por ele e nele, com a ajuda da razão somente — expressão do Cristianismo perfeito, audível apenas à elite, inacessível ao povo, apenas capaz de divinizar tudo o que não compreende — de divinizar o Jesus Cristo das Escrituras.
Agrada-lhe ouvir que o homem, como o mundo, é o joguete de uma luta eterna entre duas forças cósmicas infinitas. Agrada-lhe deixar-se convencer de que não somos nós que pecamos, mas alguma natureza estrangeira que peca em nós. Quem não encontraria ali desculpa para seus próprios desequilíbrios, para suas próprias impotências em vencê-los? Durante doze anos, Agostinho faz parte da seita.
Em 384, ele parte de Cartago e vai a Roma, a fim de ali brilhar: tem trinta anos. Símmaco, governador de Roma, o envia a Milão, então capital administrativa do Império. Curioso, ele vai ouvir Santo Ambrósio, cuja celebridade atravessara os mares. Ele o escuta como retórico, para julgar sua eloquência... Contudo, os sermões do Bispo de Milão têm uma riqueza, uma tonalidade que o perturbam.
Ele duvida da interpretação gnóstica e maniqueia da fé cristã; mas é incapaz de ir além: a própria espiritualidade do catolicismo lhe escapa.
O que é esse Deus, de quem fala Santo Ambrósio, de quem nossa alma é, por sua natureza espiritual, à imagem, desse Deus, isto é, desse Altíssimo e Muito Próximo, Muito Misterioso e Muito Presente, que está em toda parte sem estar em lugar nenhum, visto que nada tem em comum com a forma corpórea? O que é esse Deus? O que é essa alma? Agostinho sente tragicamente sua impotência para ultrapassar o horizonte turvo de suas pálpebras.
Contudo, é nesse instante que ele percebe o quanto toda filosofia, como a sabedoria — essa sabedoria à qual ele aspira — se resume a essas duas questões, e que elas estão indissoluvelmente ligadas. Plotino lho revelará com toda a rigorosidade. Ele se lembrará disso quando escrever mais tarde: "Desejo conhecer duas coisas: Deus e a alma. Nada mais. Não, absolutamente nada mais!" Ele conhece Santo Ambrósio; ele se emociona com a amizade que esse grande prelado lhe dedica; mas é incapaz de se desvencilhar desse materialismo que lhe fecha as pálpebras.
Essa impotência, é a leitura de Plotino que a abalará. Plotino lhe ensina a distinguir a matéria do espírito, a alma do corpo. Nem a alma, nem Deus são substâncias corpóreas, ainda que sejam infinitamente sutis, nem mesmo "incorpóreas", como imaginam os gnósticos. Eles são imateriais, intemporais. Eles são da natureza do espírito, do pensamento, essa luz do espírito, não essa "luz sensível" que é apenas um refluxo dos nossos sentidos até a nossa alma, mas essa "luz inteligível" que é o fluxo da nossa alma, do nosso espírito, que é pensamento puro.
É Plotino quem lhe ensina — e esta será a marca indelével de todo agostinismo de ontem e de hoje — que a alma, e a alma sozinha, é o homem, e que a alma, por sua origem e sua natureza, é divina, porque espiritual. É ele ainda quem lhe ensina que é porque a alma se deixa ofuscar pelo refluxo nela das imagens sensíveis que ela a esquece e se torna incapaz de se entregar à "luz inteligível", de apreendê-la em si mesma e de fazê-la subir até sua fonte, Deus.
É ele ainda quem lhe ensina que é por um ato de vontade da alma que a alma pode realizar esse "retorno sobre si mesma" que a restitui à sua natureza, à sua finalidade: beber da "luz" que a habita, e da qual ela participa — para não dizer, como Plotino, da qual ela emana. Aqui, a razão não atua, mas a vontade. Por ela, a inteligência se apaga, e a alma, desde então, se entrega ao que lhe pertence por estado, por natureza, Deus, essência de toda "luz inteligível", pois é Inteligível em si e por si, essência de toda verdade, pois é Verdade em si e por si.
União fugidia, certamente, mas primícias da união definitiva, quando nossa alma, liberta de sua ganga terrosa que não é outra senão o corpo que ela habita, será uma essência livre e incorpórea e que residirá natural e pacificamente onde está a "essência das essências", onde está o ser, onde está o divino em sua plenitude, isto é, em Deus, sua pátria. Tal é a célebre teoria da conversão ou do retorno a Deus, peça fundamental da filosofia de Plotino, que os pensadores cristãos retomarão e conduzirão à sua verdadeira finalidade.
Compreendemos, por aí, o quanto o agostinismo será marcado pelo selo plotiniano. Mas Plotino não é marcado pelo selo cristão? Contudo, ele, que soube admiravelmente integrar em Deus o ponto de vista de Platão (o Um), o ponto de vista de Aristóteles (o Pensamento do pensamento), o ponto de vista dos Estoicos (Deus, alma do mundo), e cuja obra é animada por uma misticidade sem subterfúgios que ele toma emprestado dos místicos cristãos, não compreendeu o cristianismo: falta-lhe um Deus criador; falta-lhe o Cristo. É o que Agostinho sente; pois se Plotino foi, para Agostinho, uma etapa necessária, até mesmo fundamental, não será senão uma etapa.
Étienne Gilson o salienta muito bem (2): há, em Agostinho, um movimento contínuo que começa com a leitura do Hortênsio, se prolonga, após a leitura de Plotino, pela descoberta do sentido espiritual das Escrituras e atinge o ato de fé no Cristo e em sua Igreja.
Que itinerário! Mas um itinerário que não se pode compreender se esquecermos a explosão nas mentes que a Revelação cristã gerou, esse movimento intelectual que ela suscitou no pensamento pagão, o qual buscou reduzi-la às suas compreensões filosóficas ou religiosas. Agostinho foi apanhado nesse estado e, em toda a sua obra, dele restarão vestígios.
Nada de inútil nesse itinerário que ele percorre depois de ter lido o Hortênsio. Agostinho reconhecerá nele mesmo a obra da Providência. Cada etapa lhe arrancou em pedaços esse materialismo que cobria seu pensamento como uma capa de chumbo; mas a trama desse itinerário movimentado se desenha pela vontade de alcançar a verdade.
É Plotino quem lhe demonstra que essa verdade que ele busca só pode ser obtida depois de ter restituído sua alma à natureza, seu pensamento à sua finalidade: a verdade, não a verdade que os homens imaginam ou concebem, mas essa verdade, nutrição própria da alma enquanto alma, que é, por essência, una, imutável, eterna e necessária, em uma palavra, Deus mesmo. É Santo Ambrósio quem lhe mostra que essa verdade divina tem um nome, um rosto, em suma, que ela é uma Pessoa, o Cristo, Filho de Deus.
Assim, compreende-se por que a filosofia de Agostinho é mais, propriamente falando, uma filosofia da verdade do que uma filosofia do ser enquanto tal. Ele, que buscou a verdade, estará, pelo próprio fato de a descobrir em sua fonte, menos preocupado com as provas da existência de Deus do que com as da verdade divina, causa transcendente de toda verdade, umas conotando as outras.
Agostinho, em sua essência, jamais deixou de crer no Cristo; mas não sabia que crer no Cristo requer crer com o Cristo, pelo Cristo e no Cristo. É isso que ele finalmente compreende. E é então esse grito de união que ressoará até o fim dos tempos em todo homem que descobre essa exigência: não se compreenderia jamais nada, se não se tivesse compreendido primeiro que é preciso crer... Crede ut intelligas!
Milão, 387. Ele tem trinta e três anos. Está na Igreja: recebeu o batismo da própria mão de Santo Ambrósio. Ele tem fé... A fé, luz da razão. Mas essa fé está ali ainda informe, carregada de ignorâncias. Essas ignorâncias, tão pesadas quanto recusas, ele ainda precisa vencê-las.
A fé é apenas um meio; a fé não é um fim, caso contrário, como seria ela luz da razão? É preciso que a fé busque, pois se a fé não se preencher de Deus e da verdade de Deus, e da caridade de Deus, o que é ela? É próprio da fé buscar; mas é a inteligência que encontra: fides quaerit, intellectus invenit. A inteligência — a inteligência das coisas divinas, a inteligência da vida divina, a inteligência da caridade divina, a inteligência de Deus — é a recompensa da fé: intellectus merces est fidei.
Assim, essa Sabedoria à qual Cícero o havia despertado e que ele havia procurado nas fontes das vaidades humanas, é São João quem lha revela em toda a sua corporificação: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... E o Verbo se fez carne e habitou entre nós". Talvez seja neste instante que Agostinho compreenda o quanto, sem essa Sabedoria, sem essa Verdade que se fez carne, o homem jamais saberia não apenas o que é Deus, mas o que é o próprio homem, o homem em sua vontade de se bastar e sua impotência de viver sem Deus.
Agostinho deverá compreender ainda mais, a saber, que essa fé que o anima, mesmo que a tivesse em toda a plenitude, mesmo que o abrisse à compreensão de todos os mistérios e lhe desse toda a ciência, se ele não tiver a caridade, ele não é nada.
É isso que São Paulo lhe ensina: a caridade! Não essa caridade que seria tornar nossas lágrimas sinônimas das dos outros, mas essa caridade que resplandece do fogo do Amor, porque inflamada pelo próprio Espírito Santo, essa caridade que nos torna alimento de Deus e alimento dos homens.
Então somente — sim, somente — se adota o caminho da humildade, aquele que leva à vida feliz, à beleza santificante; pois não há mais nenhuma recusa à graça. Como poderíamos amar a nós mesmos melhor do que Deus nos ama? Imaginá-lo — mesmo no seio da fé, como com demasiada frequência nós mesmos o imaginamos — é próprio de um coração corrompido.
Com meu velho amigo, nossas controvérsias não se referem à conversão de Santo Agostinho, a essa jornada que começa no nível do chão e termina em uma ascensão, às vezes vertiginosa — como em Óstia — até esse Deus que reivindicou para si o grito fulgurante que nos pulveriza em nossa insignificância: Ego sum qui sum! Compartilhamos a mesma admiração por esse gigante do Cristianismo que foi e permanece Santo Agostinho.
Nossas "disputas" decorrem de nosso diagnóstico do homem contemporâneo. Para meu amigo, o homem não mudou. Tal como era ontem, tal é hoje, e tal será amanhã: o homem em sua vontade de se bastar e sua impotência de viver sem Deus. Isso é verdade; mas é um lugar-comum. Seria preciso ser evolucionista para não o compreender.
Provocado, meu amigo passa a me descrever em todos os detalhes o paralelismo que ele percebe entre o paganismo de ontem e o de hoje, e a me descrever até o totemismo clerical de certos católicos. Em suma, para ele, os homens voltaram a ser pagãos. Se eu lhe digo que João Paulo II, para encontrar alguns espécimes, teve que se embrenhar nas serras do México, porque em todo o resto do mundo o ensino laico e obrigatório extinguiu até a sua espécie, ele tem um gesto de impaciência como faria um professor que acredita nas virtudes civilizadoras de seu ensino.
Pagãos... Não, hoje, já nem existem! Dia e noite, a cada toque de gongo em nosso peito, milhões e milhões de homens morrem vazios de crença, vazios de Deus.
O pagão, por sua vez, acreditava em um Ser supremo e criador. Mesmo que ressoasse em sua cabeça toda uma herança de vinte milênios de crenças mágicas ou míticas, essa própria herança, por mais heteróclita que fosse, testemunhava-lhe o quanto esse Deus, tão puro, tão elevado, tão distante, não podia ser do nosso mundo: Ele era o Inominável, o Imóvel, o Deus, bem além dos deuses que assombravam seus medos. Bastava ao homem olhar o mundo e o que ele contém para se convencer de sua existência necessária. O menor uso do princípio de causalidade o fazia compreender isso.
O que ele não compreendia bem, na verdade, era essa oscilação perpétua das coisas deste mundo da vida à morte e da morte à vida. Daí, esse sentimento confuso e pesado de um Destino, de uma Fatalidade, de uma Necessidade que, à mercê de forças contrárias, enlaça o mundo como um torno, sujeitando-o por completo à sua lei inexorável – e do qual alguns, um dia, chegarão a crer que Deus é também o joguete.
Os Gnósticos não serão senão a continuação dessa corrente blasfematória, na verdade, bem afastada da tradição "pagã": eles a adaptarão à Revelação cristã. Hegel apenas a recolocará em circulação e lhe dará a aparência de racionalidade pelo uso de um vocabulário emprestado da filosofia moderna, nascida de Descartes. Mas essa é outra história...
O pagão acreditava em um Deus supremo, Pai dos homens! Ele conhecia até a Culpa original, aquela que um dia um homem, do qual ele perpetuava a raça, havia cometido, jurando bastar-se a si mesmo. Ele conhecia até a imortalidade da alma, até a ressurreição dos corpos. Por que, senão, essa comida nos túmulos? Sim, ele esperava confusamente ver um dia Aquele que desceria do céu para lhe abrir novamente as portas. Basta ler a história da humanidade, escrita por todos os povos, para se convencer disso.
Hoje, o homem não sabe erguer suas pálpebras para contemplar o céu e a terra e lançar esse grito de admiração, misturado com temor: há um só Deus que possa ser o Criador! O que o homem de ontem, o que o homem de todos os tempos passados já não sabia mais não era crer na existência de Deus (credere Deo), mas crer em Deus (no sentido de adesão e fé – credere in Deum). Bastava solicitar esse movimento, essa passagem do credere Deo ao credere in Deum! Hoje, como solicitar crer em Deus, quando se é impotente para crer na existência de Deus?
Para meu amigo, como para Agostinho, não há, de fato, nenhuma dúvida de que alguns ignoram esse Deus que nos habita, de alguma maneira, mas ignorá-lo era ignorar como se o ignora, ou seja, como nos recusamos a ouvi-lo, a nos entregar a Ele, a fim de viver com Ele, por Ele e n'Ele.
Para Agostinho, sua experiência o prova, como a Escritura o prova a ele: Dixit insipiens in corde suo: non est Deus, non est verum Deus! Agostinho sabe, porque o viveu, que o homem pode chegar a esse grau de cegueira onde nega Aquele que vive em nós e sem o qual nem o céu nem a terra, nem o homem e seu pensamento, nem o pensamento e a verdade que o rege e o julga, existiriam.
Mas para Agostinho – como para meu amigo – tais homens são tão raros que é quase impossível encontrá-los. É por isso que, quando ele busca a razão desse desregramento, logo lhe aparece que aqueles que desconhecem a Deus são corações corrompidos.
Hoje, já não se trata apenas de corações corrompidos... é a própria razão que está corrompida! Atualmente, de fato, o que é quase impossível encontrar em todo o nosso planeta são homens – o que digo? – adolescentes, que não sejam agnósticos, e que não o sejam "racionalmente", a ponto... a ponto de o próprio crente ser incapaz de provar o caráter racional de sua crença. Como, então, viver nossa fé e combater aqueles que a corrompem?
Não digamos que provar o caráter racional de nossa crença exija ser um "letrado", como se dizia ontem, de ser um "intelectual", como se diz hoje. Atualmente, não há ninguém que não conheça a teoria de Einstein, a de Darwin, de Freud ou de Marx, e, portanto, que não seja capaz, se assim o desejar, de conhecer o caráter racional da fé sobrenatural, de conhecer a filosofia de São Tomás de Aquino, a qual é a filosofia da Igreja, a filosofia de toda a catolicidade, e a qual, por fim, é a única filosofia capaz de esvaziar de suas vaidades ilusórias as doutrinas e teorias que enchem nossas cabeças. Hoje, não há ninguém que não seja um "intelectual", que não tenha um certificado de inteligência e não tenha preenchido, até a idade de dezesseis anos, milhares de páginas de escrita – dezesseis anos! Dez anos de escolaridade!
Essa recusa de Deus e de crer em Deus, essa ignorância culpável da fé sobrenatural, não são o efeito de um impulso, de uma distração provocada por nossas desordens da carne e do espírito, o espírito desculpando a carne, e a carne desculpando o espírito!
Essa recusa, essa impotência é o fruto de um ensino deliberado inculcado em todas as mentes pelo ensino laico e obrigatório, por seu "programa", imposto a todos os estabelecimentos "privados" ou estatais de nosso planeta.
Ainda que confusamente, quem não sabe, por seus esforços (desse ensino), que as provas racionais da existência de Deus são insuficientes, a metafísica, uma cogitação vazia, a ontologia, uma ciência vã, etc., e que de Deus não há outras provas senão a prova prática, ou moral que produz a fé moral, cuja certeza é subjetivamente suficiente, embora objetivamente insuficiente?
Isso, nós o lemos no primeiro capítulo da "Crítica da Razão Pura", mas o encontramos também, sob mil pretextos e mil faces, em todos os nossos manuais escolares, em todos os nossos livros e jornais, e o ouvimos até no microfone dominical de nossos padres mitrados ou não (3).
De tudo isso, fomos advertidos. La Salette, Lourdes, Fátima, o que pensamos que isso seja? Sim, Aquela que deu à luz em sua virgindade o Filho do Homem-Filho de Deus, esforçava-se para despertar as consciências para esse trágico advento. Ela sabia que iriam atacar não só a inteligência católica, mas até a inteligência simples, espontânea – os "pobres de espírito" do Evangelho – e que a menor aldeia, em nome da universalidade e da neutralidade do Saber, teria sua escola de ateísmo, de modo que a inteligência, dia após dia, afundaria mais profundamente nas trevas, trevas mais escuras que aquelas que os pagãos haviam vivido.
Desse despertar das consciências, nasceu o Concílio Vaticano I, o qual era doutrinal e teve como tema essencial a condenação dessa afirmação multicefálica, segundo a qual Deus, pela luz natural da razão, não pode ser conhecido com certeza, por meio dos seres criados, e alcançando as perfeições invisíveis. O objeto das condenações reiteradas das "doutrinas modernistas" – das quais ninguém mais parece saber hoje o que são – não é outro senão denunciar sua negação da demonstrabilidade da existência de Deus, princípio e fim de todas as coisas.
Que evento extraordinário! A Igreja se ergue para salvar a inteligência humana do perigo que a assola. Ela não condena apenas, uma a uma, as doutrinas que a matam, mas até a sociedade moderna da qual ela é oriunda. Ora, para salvar o mundo, para salvar a inteligência, o que a Igreja exige? Instruir e ensinar, em toda parte e em todos os graus do ensino, a metafísica e a teologia tomistas, em suma, a doutrina de Santo Tomás. Que estranha fantasia querer voltar a Aristóteles e a Santo Tomás, quando ninguém ignora que a filosofia e a ciência nasceram com Descartes!
Quem se lembra do "juramento antimodernista", exigido de todo católico docente e, implicitamente, de todo escritor católico: "Professo que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido e demonstrado, por meio dos seres que Ele fez, ou seja, das obras visíveis da criação, como a causa é conhecida e se demonstra por seus efeitos".
"Como a causa é conhecida e se demonstra por seus efeitos"... O mundo, a criação... um Criador, fonte tanto do ser quanto da inteligibilidade de todas as coisas! Seria preciso que tudo isso fosse anterior ao meu pensamento; mas, meu pensamento é primeiro, indubitavelmente primeiro.
Isso é indubitavelmente demonstrado pelo Cogito de Descartes – Descartes, ex-aluno do colégio jesuíta de La Flèche, ex-capitão de artilharia pensionado pelo cardeal Bérulle, editado em Amsterdã por nossos queridos irmãos maçons, e finalmente consagrado "filósofo", por toda a clique protestante inglesa, escocesa, holandesa, prussiana e alemã.
Deslumbrados por tal panóplia, não nos surpreendamos que os Jesuítas, desde o início do século XVII, tenham ensinado, na França, em seus célebres colégios, o "Discurso do Método", apesar da proibição reiterada de Roma e de seu próprio Geral. Mas sua divisa não é que é preciso estar no compasso da História, mesmo que seja preciso fabricá-lo?
"Como a causa é conhecida e se demonstra por seus efeitos"... Isso, de fato, tornou-se ininteligível em nossa época cartesiana. Lembremo-nos! Do racionalismo, Descartes estabelece as condições metafísicas, melhor que Parmênides e Platão: meu pensamento é primeiro! Lembremo-nos! Duvido, donde penso. Penso, logo existo. Eu sou e sei que sou! Mas o que sou? Uma coisa cuja essência e existência não é propriamente conhecer, mas pensar, melhor, PENSAR-SE! A existência do pensamento puro que sou, da "consciência" (eu sou e sei que sou), do "eu", do "mim" que sou, é primeira, indubitavelmente primeira. Todo o resto – se é que há resto, incluindo meu corpo, incluindo o mundo, incluindo Deus – é segundo, suspenso à existência do pensamento que sou. A finalidade do meu pensamento, seu objeto é o meu próprio pensamento...
Mas o racionalismo de Descartes não é apenas uma ressurgência do racionalismo de Parmênides. Parmênides era filósofo; Descartes é matemático. Parmênides dizia, conforme sua afirmação da identidade do pensamento e do ser: não há de real senão o que penso, e tal como o penso. Descartes diz ao mesmo tempo a mesma coisa e mais: não há de real senão o que penso, e o que penso matematicamente. Desde então, do pensamento que sou, só há um único modo de pensar, o modo de pensar matemático.
O princípio de causalidade... O racionalismo o nega. Para ele, o princípio de identidade é a lei única do pensamento e do real: "Pensar e ser são uma só e mesma coisa... O pensamento e seu objeto são idênticos", dizia Parmênides, e repete Descartes. Mas, para Descartes, o mesmo acontece, e mais ainda; pois, em matemática, o princípio de causalidade não desempenha nenhum papel; é inútil.
Assim, do cartesianismo, quer se tome a via filosófica ou a via matemática, desemboca-se necessariamente no racionalismo radical e em sua negação do valor ontológico do princípio de causalidade.
Ele não ignora que esse "intuicionismo" é especificamente condenado pelo Vaticano I, mas sua desconfiança em relação à razão é tal que ele tenta trapacear. Daí, seu desejo secreto de me convencer de que a "intuição do coração" não é outra coisa, em sua essência, senão a "iluminação interior" de Agostinho.
Ele sabe que não tenho muita afeição por essa teoria agostiniana, emprestada de Plotino e, mais além, de Platão – refutada por São Tomás. Se Agostinho dizia que a alma se conhece e assim conhece a Deus, pois Deus coincide de alguma maneira com ela, meu amigo diria antes – mas para ele é a mesma coisa – que o coração se conhece e assim conhece a Deus, pois Deus coincide de alguma maneira com ele.
Seja qual for a escolha das palavras, eu me recuso: é – como farão tantos agostinianos – ser tentado a colocar Deus em pé de igualdade conosco. Se queremos respeitar esse abismo infinito – que a própria experiência mística autêntica prova – entre o Incriado e o Criado, não podemos falar assim. Somos deste mundo, e este mundo não é Deus!
Como chegamos a este ponto? É a isso que o filósofo e o historiador da filosofia devem responder.
Independentemente de nossos orgulhos, de nossos desregramentos do coração e do espírito, há condições "filosóficas" que os sustentam. Toda filosofia parte de uma teoria do conhecimento, definida ou não, pois é verdade que é segundo como se pretende perceber ou conceber o mundo, alcançá-lo e conhecê-lo, que nos situamos em relação a ele, e que podemos ou não conhecer a Deus.
Uma vez que o pensamento atingiu racionalmente a certeza da existência necessária de Deus, como princípio e fim de todas as coisas, de sua transcendência e de suas perfeições invisíveis, partindo do mundo que Ele fez, a razão, já que crê na existência de Deus, inclina-se naturalmente a crer em Deus (no sentido de adesão e fé), isto é, a crer que Ele falou por seus profetas, que Ele nos enviou seu Filho, Jesus Cristo, a fim de nos fazer participar de seu desígnio benevolente sobre nós. Tal é a passagem natural do credere Deo ao credere in Deum: passagem da razão, dom de Deus, à fé, outro dom de Deus, pela qual Deus fecunda a razão.
O filósofo, o historiador da filosofia (não se pode ser um sem o outro) é forçado a reconhecer que a teoria do conhecimento, mais intuitiva que racional em seu modo, própria de Platão e de Plotino, retomada por Santo Agostinho (o que nenhum de seus predecessores fez), mesmo que ele se esforce para "cristianizá-la", gera as condições do idealismo místico ou racionalista (4), em suma, do advento do luteranismo e do cartesianismo.
Mesmo que eu deva incorrer nas críticas de meu velho amigo, tal é e será o tema de nossa participação na "Rubrica filosófica" desses Cadernos.
H. P.
(1) cf. Boletim nº 1, o artigo "Nas raízes filosóficas da crise contemporânea". (2) Etienne Gilson em Introdução ao estudo de Santo Agostinho - Livraria Filosófica Vrin - 1949 (p. 299/323: Conclusão). (3) É ali o fundamento sutil do modernismo e é também, infelizmente! a opinião, inconfessada e implícita, de muitos espíritos que lhe são opostos ou que acreditam sê-lo. (4) Emile Baudin em Pesquisas das ciências religiosas destaca este fenômeno do agostinianismo: "Pode-se discernir, ao longo de toda a especulação agostiniana, a presença de dois agostinianismos diferentes que geram dois intuicionismos diferentes, o da razão pura e o do coração".