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A GNOSE, UM TUMOR NO SEIO DA IGREJA

DADOS HISTÓRICOS

A descoberta no Egito, perto de Nag Hammadi, de uma biblioteca gnóstica em língua copta, renovou nosso conhecimento sobre a Gnose. Anteriormente, era comum definir a Gnose como uma penetração do pensamento grego no Cristianismo primitivo ou como o resultado de um sincretismo oriental, com as religiões da Índia, da Pérsia e do Egito esforçando-se para penetrar a jovem Igreja e fazer germinar nela suas próprias crenças.

Desde a descoberta desses manuscritos, devemos revisar esses temas e reconduzir a Gnose a uma origem mais próxima do Cristianismo; ela nasceu em meio judaico-cristão, alimentou-se de um pensamento especificamente judeu, extraído de toda uma bagagem literária do Antigo Testamento, mesmo que tenha buscado seu vocabulário no grego e fórmulas de aparência filosófica no Egito e no Irã. É preciso, de fato, distinguir cuidadosamente um pano de fundo cultural ou religioso sobre o qual um novo ensinamento se desenvolverá e o que constitui o caráter específico deste último: não são as semelhanças de vocabulário, as fórmulas retomadas aqui ou ali que o constituem, mas sim a nova ordenação do conjunto.

Ora, o ensinamento gnóstico é original. Ele não é encontrado em nenhum outro lugar, nem nas religiões pagãs conhecidas naquela época, nem na filosofia grega, nem na astrologia.

A Gnose não é uma Igreja: ela não provocou o surgimento de um clero, com uma hierarquia, nem de rituais litúrgicos. (1)

A Gnose não é uma filosofia: ela não pretende demonstrar, com a ajuda da razão, verdades universais, acessíveis a todos os homens de reflexão. Ela não oferece do Universo uma visão racional. Ela recusa um ensinamento comum difundido por uma escola.

A Gnose é essencialmente uma vegetação religiosa parasitária, alimentando-se do Cristianismo para extrair dele um certo número de elementos os quais ela irá desviar de seu sentido natural para lhes dar uma nova significação totalmente oposta ao ensinamento da Igreja.

A Gnose é uma seita de iniciados, pretendendo ter recebido uma revelação mais perfeita que a de Jesus, reservada a espíritos de elite que serão desviados do ensinamento ordinário da Igreja e constituirão como uma chaga roedora dentro da comunidade cristã.

1º A Revelação de Jesus Cristo

Os milagres de Jesus na Palestina foram o ponto de partida de um imenso espanto: não se podia negá-los; até mesmo os Fariseus e os Saduceus assistiam a eles como que tomados de estupor; dizia-se: "De onde, então, lhe vem seu poder? Quem é ele para que as ondas e os ventos lhe obedeçam? Jamais vimos tal prodígio!" O primeiro gnóstico, mestre de todos eles, Simão Mago, pretendia ser capaz de provocar milagres por meio de uma encenação engenhosa, mas diante dos verdadeiros milagres de São Pedro na Samaria, ele ficou propriamente sufocado: assim, pediu a São Pedro que lhe vendesse seu poder, que lhe revelasse seus "truques" de mágico. Após o espanto, veio a indignação; dizia-se: "É por Belzebu que ele expulsa os demônios!"

Seu ensinamento também provocava um estupor bem justificado: "De onde, então, lhe vêm sua ciência e sua sabedoria? Não era ele o filho de um carpinteiro?" Pode-se fazer uma distinção nesse ensinamento: de um lado, as parábolas, verdades morais simples, acessíveis aos espíritos mais rudes, mas também verdades profundas acessíveis às mais altas inteligências; e, de outro lado, seu ensinamento propriamente divino: os grandes mistérios sobre Deus, superando infinitamente as capacidades de toda inteligência. Quando os Apóstolos forem espalhar esse ensinamento pelo mundo, ele tomará um impulso extraordinário. Alcançará em um século todo o império romano e todas as classes da sociedade. Eis novamente a fonte de um profundo espanto: "Como simples pescadores galileus puderam assim ser ouvidos e seguidos por comunidades numerosas e por mentes de todos os níveis? Ali também deve haver uma causa secreta, oculta, que é preciso descobrir!"

Os Gnósticos não compreenderam isto: as verdades mais simples, apreendidas pelos espíritos mais simples no nível do senso comum, são também as verdades mais profundas que só podem ser apreendidas no nível mais elevado por meio de uma elaboração intelectual difícil, uma reflexão sustentada, uma sabedoria adquirida por uma longa experiência. Eles irão, portanto, buscar a causa dessa expansão em um ensinamento secreto, reservado por Jesus a alguns discípulos privilegiados: Tiago, João, Matias ou Tomé. Eles irão distinguir o ensinamento exotérico, difundido pelos Apóstolos às pessoas comuns, e um ensinamento esotérico, reservado por Jesus e alguns Apóstolos a iniciados superiores.

Eis a origem da Gnose.

Precisemos ainda isto: o ensinamento de Jesus e dos Apóstolos também esteve na origem de uma grande decepção: o Cristianismo não pretende dar de imediato, por uma simples afirmação gratuita, a certeza imediata e definitiva da salvação eterna: é preciso, para alcançá-la, uma vida de virtude, de renúncia, de ascese; ela pode sempre ser posta em xeque pelo pecado. Essa salvação final é conquistada pelo esforço constante de todo o ser em direção à perfeição. Isso é singularmente exigente, difícil, árduo.

Os Gnósticos irão, portanto, buscar um meio de salvação imediato, definitivo, que evite essa obrigação de um esforço constante sobre si. Eles o apresentarão como um segredo cuja posse deve libertá-los de toda inquietação e assegurar-lhes um repouso na certeza.

Finalmente, Cristo não deu uma resposta plenamente satisfatória sobre a existência do mal no mundo. Digo satisfatória para o Gnóstico, que irá, portanto, buscar a origem do mal não no homem, mas no mundo divino, não sendo o homem pecador e, portanto, culpado, mas vítima de um mal que lhe foi imposto do alto. Será preciso esperar os grandes doutores cristãos e precisamente São Tomás de Aquino para encontrar essa resposta adequada à dificuldade levantada.

A partir dessas considerações sobre o ensinamento de Jesus, deduzir-se-ão todas as afirmações dos Gnósticos. Mas antes de desenvolvê-las, será bom examinar seus procedimentos:

2º Os procedimentos gnósticos:

O exame dos fatos mostra que a Gnose seguiu em seu desenvolvimento a expansão do Cristianismo, acompanhando os passos dos discípulos e levantando as objeções de que falamos, seja diretamente, seja indiretamente, sussurrando-as aos primeiros convertidos entusiasmados.

Após o assassinato de Santo Estêvão, São Pedro se refugia na Samaria e se encontra imediatamente diante de Simão Mago, pai da Gnose. A Igreja se desenvolve em Antioquia, na Síria; imediatamente, vê-se aparecer Nicolau, um dos diáconos, que deu seu nome aos Gnósticos Nicolaitas, depois Menandro, Satornilo. O Evangelho é pregado no Egito, em Alexandria. Ouve-se então o ensinamento de Basilides, cujas fórmulas são tão próximas do Budismo, depois de Valentim, o maior dos Gnósticos. Em Roma, ouve-se o de Marcião; em Lyon, o de Marcos, etc.

Os Gnósticos se infiltram no meio das comunidades cristãs. Eles dão um ensinamento individual, discretamente. Tertuliano nos diz que eles começavam "por enunciar a fé comum em fórmulas equívocas!... para induzir os fiéis ao erro". Santo Irineu nos conta: "que eles atraem as pessoas falando-lhes como nós mesmos falamos. Eles se queixam de que os tratamos como excomungados, enquanto, de parte a parte, as doutrinas são as mesmas. E depois abalam pouco a pouco a fé por meio de suas perguntas. Daqueles que não resistem, eles fazem seus discípulos. Eles os levam à parte para lhes desvendar o mistério inenarrável de seu Pléroma."

Eis, não é verdade, um interessante texto tirado do "Contra as Heresias" de Santo Irineu. Dir-se-ia escrito hoje. Assistimos ainda hoje a tais manobras!

Os Gnósticos praticam "o anonimato" como um sistema de ensinamento. Eles não assinam seus escritos. Conhecemos seus nomes apenas por meio dos heréticos, e estes tiveram muita dificuldade para descobri-los. Eles tiveram tanta dificuldade para conseguir seus manuscritos secretos. Santo Epifânio nos conta como ele mesmo frequentou por um tempo os Gnósticos do Egito, atraído para seu covil por alguma mulher: "Se escapei de suas garras, diz ele, isso não se deveu apenas à minha virtude pessoal, mas à ajuda divina que respondeu então às minhas orações."

Graças à sua passagem entre eles, temos muitas informações sobre as diferentes seitas e os manuais utilizados. Santo Epifânio cataloga com uma precisão notável os mestres, suas escolas, seus manuscritos.

Os Gnósticos não assinam seus escritos, mas fabricam escritos "aos quais, diz Santo Atanásio, atribuem antiguidade e dão os nomes dos Santos" (isto é, dos Apóstolos). São "pseudepígrafos" e não "apócrifos". Conhecemos os verdadeiros autores desses livros, mas os autores designados neste texto são mentirosos: são eles "O Livro Secreto de João" - "A Sofia de Jesus" - "O Apocalipse de Tiago" - "O Discurso de Zaratustra" - "O Apocalipse de Adão" - "O Discurso de Hermes" - "O Evangelho de Tomé" - "As Palavras Secretas de Jesus", etc.

Em geral, Jesus, após a ressurreição, chamou à parte alguns discípulos, Tiago, João, Tomé, e, sentado sob uma árvore, revela-lhes um ensinamento que deverão guardar para si mesmos e para aqueles que julgarem dignos de compreendê-lo.

A leitura do "Evangelho de Tomé" é, em particular, muito sugestiva. Este Evangelho era uma obra base dos Gnósticos e particularmente dos Maniqueístas.

Uma primeira leitura superficial do texto deixa na mente a impressão geral de que se trata de uma obra perfeitamente ortodoxa, sendo três quartos das palavras de Jesus substancialmente idênticas às dos Evangelhos canônicos; mas uma releitura mais atenta faz aparecer certas insistências que denotam uma intenção subjacente: são, por exemplo, repetições frequentes: "Que aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça." – "Assim, vocês acessarão a contemplação do que nenhum olho viu." – "Conheçam a si mesmos e o que está oculto lhes será revelado." (Subentendido: saibam que vocês têm em si mesmos a divindade) – fórmulas panteístas: "Quando vocês fizerem com que os dois sejam um, vocês se tornarão filhos do Homem" (isto é, seu retorno à unidade primordial fará aparecer sua essência divina). – "Racha a madeira, eu estou lá; levanta a pedra e me encontrarás nela!" – "O reino está dentro de vocês" – "Toda mulher que se tornar masculina entrará no reino dos céus!"...

Assim, a partir de fórmulas ortodoxas, por insistências seletivas, por adições de fórmulas de aparência obscura ou misteriosa, já se delineiam as principais teses gnósticas que parecem então ter emanado da própria boca de Cristo. Restaria apenas desenvolver essas fórmulas, afirmando-se fiéis discípulos de Jesus.

Finalmente, um procedimento notável, utilizado com grande sucesso pelos Gnósticos, foi o de "resgatar" para reforçar seu prestígio os Grandes Iniciados do paganismo: Orfeu, Pitágoras, Hermes, Zaratustra, até mesmo Homero.

Não se trata de um sincretismo religioso, ou seja, os Gnósticos não se divertem em amalgamar doutrinas religiosas variadas ou contraditórias para delas tirar uma doutrina de "denominador comum". Não se trata de uma super-Igreja "mistura de tudo".

Pelo contrário, trata-se muito precisamente de atribuir a essas personalidades célebres da antiguidade, cujo ensinamento havia sido oral, a própria linguagem da doutrina gnóstica. É o apelo a uma autoridade incontestada no passado e a redação de textos fictícios, atribuídos a posteriori a esses ancestrais distantes.

Assim, vemos Orfeu representando o Cristo nas antigas catacumbas romanas, numa época em que era difícil separar os verdadeiros Cristãos dos Gnósticos. Os hereiologistas os repreendiam por representarem o Cristo sob faces pagãs: Hermes, Orfeu, Homero, Pitágoras. Santo Irineu conta que uma mulher, Marcelina, havia levado para Roma um oratório com as figuras de Jesus, Homero e Pitágoras. Os sectários tinham medalhas ou estatuetas representando Platão, Pitágoras. O imperador Alexandre Severo era igualmente gnóstico. Ele venerava em seu larário Jesus Cristo, Abraão, Orfeu e Apolônio de Tiana.

Na primeira catacumba, a de São Sebastião, encontra-se em um hipogeu dos Inocentes inscrições cristãs onde se veem os sobrenomes de Hermes, Hermésio, Hermêsiano. Carcopino descreve um túmulo de Ravena do século III: a pequena defunta, Juliana, é interpelada no masculino: "Salve, Eugamio"; ela é representada sentada e Hermes lhe toca os olhos, para despertá-la, com uma varinha de mágico. Trata-se muito certamente de um túmulo cristão gnóstico. O Cristo é por vezes representado sob a forma de um Deus pagão, armado de uma varinha com a qual ele não ressuscita o morto, mas o chama ao "Despertar": "Abre os olhos! Vê! Tu és divino!"

Carcopino descreve uma basílica pitagórica de Roma, bastante semelhante a um hipogeu de um cemitério cristão. Ele relata uma cerimônia litúrgica que parece calcada na Ceia cristã.

Homero era interpretado por eles assim: Ulisses, retido na ilha de Calipso, designava a alma, centelha divina, prisioneira do corpo material e ainda hesitante em se libertar de seu carcereiro.

Os textos de Hermes Trismegisto (= três vezes grande) foram encontrados na biblioteca gnóstica copta. Da mesma forma, os "Versos Dourados", atribuídos a Pitágoras, são bem posteriores ao início do Cristianismo; eles datam ao menos do final do século I e contêm fórmulas propriamente gnósticas: "Saberás que a natureza é UMA e semelhante em tudo" (panteísmo) – "Aquele que transmitiu à nossa alma a TETRAKTYS, fonte da natureza infinita" (o nome divino é a natureza da nossa alma) – "Àqueles que sabem despertar o que há de sagrado em sua alma, a natureza mostra todas as coisas" – "Quando abandonares teu corpo, serás imortal, um deus imortal e não mais um mortal"... Etc.

Assim, esta primeira parte de nosso estudo terá permitido situar bem a Gnose em relação ao mundo pagão e ao Cristianismo, dentro do qual ela se desenvolveu como uma seita parasitária para subverter todo o seu ensinamento. Reconhecem-se já os procedimentos de nossos modernistas na arte de seduzir e desviar as almas da Verdade; reconhece-se ainda a Lenda nascente dos "Grandes Iniciados" que transmitem de geração em geração uma doutrina secreta.

O ENSINAMENTO DA GNOSE

Para bem compreender as "Revelações" dos Gnósticos, é necessário despojá-las de todo o fatras mitológico de que são ornadas ou, antes, emaranhadas, e também de um vocabulário obscuro que tinha a pretensão de as tornar veneráveis. Não falaremos nem de Éons, nem de Arcontes, nem de Pléroma, etc.

Monsenhor LAGIER, em sua obra sobre "O Oriente cristão", apresenta 7 proposições nas quais se pode resumir todo o ensinamento de nossos heréticos. Veremos que, a partir dessas afirmações estranhas, é possível extrair todos os grandes erros do mundo moderno.

1º "O Deus de quem nos fala o Antigo Testamento é talvez uma divindade inferior, não é o verdadeiro Deus. Muito acima Dele se encontra o Ser supremo, único princípio de tudo o que existe".

Os Gnósticos praticaram um antibiblismo sistemático. Eles inverteram todas as afirmações do Gênesis. Sua cosmologia é uma máquina de guerra erguida contra Yahvé, o Deus criador. O mundo em sua essência é divino. O ser supremo é um Abismo original de onde emergiram todas as potências espirituais. Esta é já uma primeira forma de Panteísmo. Yahvé Sabaoth, o Deus criador do Gênesis, é uma emanação do ser supremo; ele se revoltou contra este ao aprisionar, em uma matéria degradada e má, os seres puros, espirituais emanados do Grande Abismo. Foi um demiurgo (= arquiteto) desajeitado. Ele é a fonte de todos os males. Eis uma explicação da origem do Mal e a designação do Grande Culpado, o Deus que os Cristãos adoram.

2º "A matéria, em si, se opõe a Deus".

Compreendamos bem que esta matéria não é uma emanação da alma suprema, mas uma criação do Demiurgo, obra desajeitada que se oporá à perfeição do poder divino, impedindo sua expansão. Houve, portanto, nesse ato criador um erro, uma degradação dos seres espirituais, uma "queda original", não a do pecado de Adão, mas a do Pecado de Yahvé.

3º "Deus se desdobra e se revela gradualmente por potências celestes, por seres divinos em sua origem".

Esta é a doutrina da emanação (emanar = espalhar-se para fora de si). O mundo é uma divindade que se espalha para fora de si mesma, por uma extensão de seu ser; o mundo é um Deus-Ser supremo em perpétuo crescimento. Do abismo original, este Deus engendra uma multidão de seres que são apenas parcelas de si mesmo. O mundo está em perpétuo devir. É divino por natureza, pois é gerado e não criado. Infelizmente! Yahvé formou a matéria, ele degradou este mundo, ele impediu assim a expansão, a evolução para essa plenitude divina que os Gnósticos chamam de "Pléroma".

Além disso, Deus se revela dentro do mundo por seus enviados, seres divinos, gerados por ele, que, em intervalos regulares, irão lembrar aos homens decaídos e prisioneiros da matéria que eles também são divinos. É necessária, portanto, uma revelação contínua: vemos surgir aí os primeiros lineamentos da Lenda dos Grandes Iniciados. A Gnose é, de fato, uma "revelação" de uma realidade oculta.

4º "A matéria é misturada com centelhas divinas (2); essas centelhas saem de sua prisão material graças ao Cristo que age nos ritos sagrados da magia".

A alma humana é, portanto, divina (centelha ou esplendor de um Deus que se estende a todos os seres). O corpo é uma ganga terrestre, uma prisão da qual é preciso se livrar para fazer aparecer essa divindade que reside em nós. Cristo é o maior dos Iniciados enviados do alto. Ele ensinará aos homens que eles são divinos: "Olhem para dentro de si mesmos e verão sua própria divindade", tal é a fórmula repetida no evangelho de Tomé. Para isso, é preciso se livrar dessa prisão material que lhes esconde sua verdadeira natureza. Acordem! Compreendam, finalmente! Conheçam, pois, seu caráter divino! Não há necessidade de conquistar pela força de sua ascese uma semelhança com Deus. Vocês já são divinos, mas não o sabem. Esse conhecimento os libertará. "A Salvação pela Gnose" (= conhecimento).

Encontramos aqui quase as fórmulas modernistas da imanência vital: Deus permanece no homem (manere in = habitar em), o homem só precisa voltar seu olhar para dentro de si mesmo para encontrá-Lo lá.

5º "A ação de Cristo foi real, mas sua humanidade carnal nunca foi senão aparência enganosa: a paixão e a ressurreição são apenas símbolos sem realidade".

Evidentemente, um enviado divino não pode ter sofrido a degradação de um corpo material. Foi preciso que ele tomasse forma material para se fazer conhecer e poder agir eficazmente junto a homens que também são prisioneiros de seu corpo físico. Mas Cristo não tinha que resgatar por uma paixão os pecados dos homens, já que estes não existem. Há apenas um único pecado, o "pecado do mundo", o pecado desse Yahvé que deteriorou pela sua criação a expansão da divindade. Cristo não veio libertar os homens de suas faltas: Ele não lhes ensinou uma "via", um caminho a percorrer para alcançar uma perfeição possível a vir. Ele lhes "revelou", isto é, "desvelou" o que eles não sabiam, que eles eram Deus, já, desde sempre. O homem é vítima da Criação de Yahvé, não é culpado dela.

6º "O divino que está acorrentado na matéria, ou seja, a alma humana, não é responsável pela carne que o oprime. O espírito permanece puro: ele não é solidário das paixões, nas faltas cometidas."

Eis, finalmente, onde era preciso chegar! O Gnóstico recusa aos homens a responsabilidade por seus atos. Já que a matéria é má, nosso corpo de carne só pode produzir atos maus. Mas este corpo é nossa prisão. Nossa alma, "centelha divina", não pode ter a menor relação com qualquer mal. Como explicar tudo isso? Decompondo o homem em três partes: um corpo material, o "soma", uma animação propriamente fisiológica, a "psique", e uma alma espiritual de essência divina, o "pneuma". Essa estrutura ternária do homem é uma invenção genial: a sede das paixões, a "psique", é uma potência má ligada à matéria que ela sustenta na existência; é preciso se livrar dela o mais rápido possível. O "pneuma", por sua vez, permanece impassível, espectador indiferente das vãs agitações do corpo.

Essa divisão ternária do homem se reencontra no ocultismo moderno que utiliza outro vocabulário para designar as mesmas realidades: eles concebem um mundo espiritual, um mundo astral, um mundo material. O homem é composto de um corpo, de um duplo e de uma alma! Velho processo para tirar do homem sua verdadeira responsabilidade e negar-lhe o domínio de seus atos.

Encontra-se nesta exposição todo o protestantismo. Não afirmou Lutero que o homem era incapaz de um ato bom, que as obras são inúteis e que se é salvo apenas pela fé?

Encontra-se ainda aí os primeiros elementos da psicanálise moderna cuja função essencial é a de pesquisar a sede do subconsciente na "psique", motora das paixões, e de "liberar" o homem desvelando-lhe que ele não é culpado, mas sempre vítima inocente de pulsões instintivas às quais deve dar livre curso, já que elas não alteram sua natureza: libertação sexual, etc.

7º "As leis escritas e as leis naturais foram concebidas por deuses inferiores e nem sempre são homologadas pelo verdadeiro Deus, cuja essência transcende todo pensamento e cuja natureza é indizível."

Os Gnósticos são por definição antinomistas, ou seja, recusam toda lei. Um ser de essência divina não precisa de lei, sendo esta um meio para atingir um fim. Ora, o ser divino é para si mesmo seu próprio fim. Além disso, uma lei é recebida de uma autoridade que o submete a ela. Um ser divino é totalmente senhor de si e não precisa de submissão. Esta lei natural de que falam os Gnósticos é uma construção arbitrária de um espírito mal-intencionado querendo submeter os outros seres aos seus caprichos, é uma sujeição indigna de uma "centelha divina". Yahvé quis aprisionar nossa natureza divina em um corpo material e nos impor seus caprichos. Eis um grande motivo de indignação para nossos sectários. O verdadeiro Deus é a plenitude da Divindade, o "Pléroma": sua essência é conter todos os seres, englobá-los em um imenso "Tudo". Não se pode defini-lo, pois ele transcende todos os limites: é o "Grande Tudo", o "Abismo Inominável"; a salvação para a alma divina é perder-se nele.

Encontra-se nesta última proposição a revolta daquele que pronunciou o "non serviam" e que disse a Adão e Eva: "Eritis sicut Dei", se comerem da Árvore do Conhecimento (= Gnose).

8º O culto da serpente.

Existia entre as seitas gnósticas a dos Ofitas ou Naassenos (ophis em grego e naas em hebraico significam serpente): estes são os Grandes Gnósticos, aqueles que penetraram mais profundamente no Mistério das Revelações: "Veneraremos a serpente, dizem eles, porque Deus a fez causa da Gnose para a humanidade: ela ensinou ao homem e à mulher o completo conhecimento dos mistérios do alto". Eles se reúnem em torno de uma mesa, dispõem os pães, depois chamam com incantações a serpente que vem se aninhar entre as oferendas. Só então, eles partilham os pães... "É aí, pretendem eles, o sacrifício perfeito, a Verdadeira Eucaristia..."

Assim, o círculo se fecha. Todas essas elaborações pretensamente sábias destinam-se, na realidade, a desviar os Cristãos da adoração do verdadeiro Deus e a levá-los à adoração da Serpente, supremo objetivo da Seita: esta celebração satânica assemelha-se, a tal ponto que se pode confundir, à ceia rosacruz praticada na Sexta-feira Santa nos rituais maçônicos do 18º grau. (3)

AS RESSURGÊNCIAS DA GNOSE

O maior Gnóstico do mundo moderno é Hegel, o mestre do Marxismo.

Ouçamos estas fórmulas: elas são copiadas, quase palavra por palavra, dos primeiros gnósticos!

1º "A essência divina é a mesma coisa que a natureza em toda a sua amplitude" (eis o pléroma do Panteísmo).

2º "Deus, na origem, não era senão uma solidão sem vida" (eis o Abismo original).

3º "Não se pode conceber que haja queda a partir da essência divina; a verdade é simplesmente que essa essência divina se aliena a si mesma a principio". O mundo divino cindiu-se, gerou o mundo a partir do "nada superessencial" ou da "sombra incriada anterior". Este ato é um "pecado original cósmico" e um "sacrifício divino": Deus dividiu-se de si mesmo.

4º O homem sozinho é espírito... Ele é um momento de Deus... o momento crucial...

5º Este mundo gerado da Divindade é um "parto doloroso", uma "doença", uma "prova" de Deus. Não há pecado original do homem. "O mal está em Deus".

6º A dialética hegeliana é "a história vista sob o ângulo da serpente". A revolta de Adão é o início de uma "legítima recuperação" de sua essência divina... a reconquista de sua divindade original.

Assistimos, sobretudo desde o século XVIII, a um retorno em força dos temas gnósticos no pensamento ocidental. Essa tendência se reencontra antes da Revolução na proliferação dos altos graus maçônicos, em meados do século XIX no panteísmo dos poetas românticos, no final do século XIX, na invasão dos pensamentos orientais na Europa, na teosofia, por exemplo, no século XX no pseudo-Tradicionalismo de René Guénon e de seus discípulos, hoje mesmo em diversos movimentos como "Nova Acrópole", "Graça", e outros.


Notas

(1) É necessário precisar aqui que, por um fenômeno secundário e derivado, surgiram mais tarde Igrejas gnósticas com hierarquia e liturgia: os Maniqueístas, os Mandéanos; mas é preciso sublinhar então que essas Igrejas não puderam desenvolver uma religião de caráter universal por deficiência de natureza: um ensinamento que se quer secreto, reservado a iniciados, não pode levar a tal resultado. O Maniqueísmo acabou por se dissolver em seitas esotéricas, e os Mandéanos são hoje apenas uma minúscula comunidade, testemunhas de um passado do qual perderam o verdadeiro significado.

(2) Lembremos a fórmula de Cristo: "Levanta a pedra, eu estou lá, racha a madeira, eu estou lá igualmente". (Evangelho de Tomé). Isso remete a tal fórmula de cântico moderno: "Ele está em cada pedra... no centro da terra, no fundo dos oceanos, ele faz germinar as sementes, dirige os riachos... etc." Da mesma forma, fórmulas modernas de cânticos intitulados: "Desperta, ó tu que dormes", têm um sabor particularmente gnóstico. São as expressões habituais dos manuais da seita.

(3) Consultar o artigo do mesmo autor, publicado no Boletim nº 2, p. 23.