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Capítulo II. Heresia relativa à ordem sobrenatural e ao pecado original

A ordem sobrenatural é desnaturada pelo professor Borella. Eis o que ele afirma:

"E no entanto, esse espírito que nos é dado pela graça também faz parte da nossa natureza, mas de uma natureza de alguma forma sobrenatural" (p. 160).

Dizer que o espírito dado pela graça faz parte da natureza do homem e que essa natureza é, de certa forma, sobrenatural, é negar a distinção fundamental e absoluta entre a natureza e a graça. É divinizar o homem, como pretende a gnose, quando ela considera o espírito como algo divino, e que confirmamos com a seguinte afirmação que Borella tira de Filão de Alexandria:

"...cada um de nós participa diretamente da vida divina pela comunicação que recebeu do pneuma divino no nascimento" (p. 160).

Quando o professor Borella fala da graça, ele a considera em função da engrenagem gnóstica. A graça não seria um dom sobrenatural gratuito que nos comunica a natureza de Deus, mas ela viria atualizar o que há de divino no homem, ou seja, seu espírito:

"O espírito designa a vida divina na criatura, segundo sua dimensão mais interior, cuja atualização depende rigorosamente da graça de Cristo" (p. 161) [2].

Eis uma das heresias da gnose do professor Borella.

Não só ele não distingue a ordem natural da ordem sobrenatural, erro da gnose que evidencia seu radicalismo monista, mas também a graça está em função da divindade do espírito do homem.

A fé é então falsificada pela gnose: quando Borella fala de fé, não se trata da fé católica, mas da fé considerada como consciência religiosa - como diria algum modernista ecumênico - nem mais nem menos:

"Disso resulta que somente a consciência religiosa (isto é, a fé) pode deter a entropia natural da alma humana" (p. 58).

A fé considerada como consciência religiosa - segundo o próprio Borella - é a fé que se identifica com a consciência espiritual: "A consciência espiritual ou religiosa" (p. 58), isso não é apenas um erro, mas uma heresia (ver Ds. 2075-2082).

A oração também será desnaturada pela gnose.

Segundo o Sr. Borella, a oração é um meio pelo qual o homem recupera a extensão de sua divindade que é reduzida à sua expressão mais simples:

"A oração é o ato pelo qual o intelecto realiza sua natureza deiforme..." (p. 397). "Toda oração é, portanto, uma gnose, toda gnose é uma oração" (p. 398).

A graça e os sacramentos, segundo a gnose, servem para alimentar, sustentar e reativar - conforme o caso - o que há de divino no homem. De acordo com a gnose de Borella, a graça necessariamente pressupõe um mínimo de divindade no homem: o espírito. Para o professor Borella, uma natureza puramente humana é inconcebível, a natureza humana deve ter algo de divino que lhe permita captar e atingir a Deus; caso contrário, toda a realidade do mundo divino e sobrenatural não teria nenhum significado para o homem. O núcleo do raciocínio do Sr. Borella é refletido pela seguinte frase, na qual ele pretende evitar dois erros: o sobrenatural e o naturalismo.

"Além disso, haveria sobrenatural ao querer acrescentar ao homem uma dimensão espiritual sem raiz em seu próprio ser. Ou então, inversamente, cairemos na naturalização do sobrenatural, que virá apenas responder aos desejos ou necessidades do ser humano" (p. 102).

Aqui temos o núcleo e a razão pela qual o professor Borella e a gnose se veem obrigados a introduzir "algo de divino" no homem, pois não se pode atribuir nenhuma dimensão espiritual (mesmo sobrenatural e divina) ao homem sem que ela tenha sua raiz em seu próprio ser. Por isso, o Sr. Borella afirma:

"É preciso apreender o sobrenatural na própria natureza, como o destino que ela carrega em si e que deve realizar" (p. 102).

A consideração tripartite do homem é, portanto, essencial para a gnose, para a qual o espírito é divino; caso contrário, o homem não pode ser nem imagem de Deus (imago Dei) nem capaz de Deus (capax Dei) para poder alcançar a visão beatífica.

Segundo a doutrina católica, a graça divina confere o divino sem pressupor nada de divino no homem, pois a graça é por si mesma o princípio e o germe da vida divina em nós; a graça, dom gratuito e sobrenatural, nos comunica uma participação na natureza divina, elevando diretamente a natureza humana, e mais precisamente a essência da alma e suas faculdades espirituais a um estado sobrenatural. A ação da graça no homem não tem outra raiz senão a natureza humana e sua "potência obediencial", ou seja, sua capacidade de obedecer a Deus para ser assim elevada como Deus quer. Por outro lado, para o professor Borella, a graça atualiza o que há de divino no homem. A heresia dessa concepção gnóstica da graça é evidente. Os sacramentos são simples instrumentos para ativar a divindade do espírito que foi reduzida a uma realidade pontual, em germe:

"Sem dúvida, nossa pessoa imortal está virtualmente em nós, mas só poderemos atualizá-la a partir de uma realidade sobrenatural em ato. Ora, para um cristão, não há outra realidade sobrenatural em ato senão a dos sacramentos que a Igreja nos comunica" (p. 148).

Para a gnose do Sr. Borella, a graça é um reativador da divindade do homem (reduzida a uma dimensão ínfima e pontual) que é a do espírito.

A queda do pecado original é inteiramente falsificada pela concepção gnóstica do homem que quer possuir o que ele era, ou seja, que quer possuir a divindade, sabendo que ele já era divino. Para explicar o pecado original, o professor Borella diz:

"A serpente afirma que, ao comer o fruto, Adão e Eva serão 'como deuses'. No entanto, eles já são 'como Deus'. Mas, sob a figura do fruto, o teomorfismo interior do sujeito aberto a Deus é apresentado como um objeto exterior e fechado que é preciso abrir e comer para possuir o seu segredo. Desejar o que já se é, é perder essa natureza ipso facto, é introduzir em si a dualidade e a divisão" (p. 144).

O pecado original não é a perda da graça e do estado de justiça original: 

"a queda original que é essencialmente perda do ser no ter: 'O que se era, quis-se possuir', disse um velho mestre" (p. 92). "A queda original é a origem de toda queda: é a queda do eu no psíquico em que consiste o eu. É a passagem de uma consciência unitiva de ser para uma consciência distintiva de ter" (p. 147).

Mais uma heresia do professor Borella. É uma reinterpretação intelectualista da falta original que foi uma falta moral, não um erro intelectual. Querer ser ou ter o que já se é, é um erro, mas não uma falta. Ao contrário, desobedecer ao preceito divino e desejar "ser como Deus, conhecendo o bem e o mal" (cf. Gên 3, 5), é uma falta moral de desobediência e de orgulho, como ensina o catecismo de São Pio X. Tocamos aqui a nota característica de toda gnose, que é eliminar o pecado, substituindo-o por um erro do homem sobre sua própria estrutura metafísica. Rejeitemos essa heresia!


[2] Texto parcialmente citado na página 8.