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XV. A POSTERIDADE DA SERPENTE

Dirigindo-se para a serpente, após o episódio da tentação, Deus lhe disse:

"Eu porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela" (Gênesis III, 15).

O que devemos entender por esse termo um tanto misterioso de "descendência"? O texto da Vulgata usa a palavra "semen", literalmente "semente", que é comumente traduzida por "descendência" ou "prole". Portanto, há duas descendências: a da mulher e a da serpente.

Segundo a opinião tradicional, a descendência da mulher designa Nosso Senhor Jesus Cristo. De fato, a identificação de Nosso Senhor com a "Descendência da mulher" se justifica de duas maneiras. Em primeiro lugar, porque a mulher por excelência é Maria, cuja descendência é precisamente o objeto da inimizade da serpente. E, em segundo lugar, porque a descendência por excelência de Eva é N.S.J.C, de quem ela é a ancestral e que é, quanto a Ele, seu mais ilustre e perfeito descendente.

Mas quem é, então, a descendência da serpente? A serpente não tem descendência humana. Portanto, só pode tratar-se de uma filiação espiritual. A personagem que será mais conforme a essa filiação espiritual da serpente será o Anticristo.

Antes que o Anticristo venha, a filiação espiritual da serpente será transmitida de geração em geração. É justamente isso que Nosso Senhor afirma quando diz aos seus contraditores:

"O Pai de vocês é o Diabo, e vocês querem cumprir os desejos do seu pai" (João VIII, 44).

Não poderia ser mais claro: os contraditores de Jesus pertencem à "descendência do serpente".

Cristo e o Anticristo são, portanto, as duas "descendências" mencionadas em Gênesis. Apenas eles são também o tipo de duas descendências entendidas desta vez coletivamente. Eles são os modelos de duas "linhagens", ou seja, de dois "corpos místicos".

O corpo místico de Cristo pode ser considerado como a "descendência da mulher". De fato, foi a nova Eva que o gerou, como é dito em vários lugares e em particular neste curioso versículo:

"Numquid Sion : Homo et homo natus est in ea, et ipse fundavit eam Aitissimus" (Ps LXXXVI, 5 Vulg.).

"Mas de Sião se dirá: 'Um Homem e um homem nasceram nela, pois é o Altíssimo quem a fundou'."

A cidadela de Sião é uma imagem da Virgem. Os dois homens que ela gerou são, um Cristo e o outro seu Corpo Místico — Homo et homo.

"Adão chamou sua mulher de Eva, pois ela foi a mãe de todos os viventes" (Gênesis 3:20).

A descendência de Eva está assim dividida inteiramente em dois corpos místicos, o de Cristo e o do Anticristo. Eva é a ancestral tanto de um como do outro.

Entre essas duas descendências, entre essas duas sementes, deve existir inimizade até a extinção de um dos antagonistas, ou seja, até o fim dos tempos, quando o Anticristo será derrotado pelo esplendor do Advento majestoso de Jesus Cristo. Foi Deus quem estabeleceu essas inimizades: "Porei inimizades" (Gênesis 3:15). Portanto, existe uma rivalidade fundamental entre o Homem-Deus e o Grande Dragão. Essa rivalidade já motivou a expulsão de Lúcifer do Céu. Agora ela continua na terra.

Assim que a serpente obteve sua primeira vitória terrena, Deus anunciou que suscitaria contra ela um "germe" misterioso que acabaria triunfando sobre ela. Um descendente distante da mulher que a serpente havia enganado esmagaria sua cabeça: "Ele te ferirá a cabeça" (Gênesis 3:15). Este texto crucial, embora breve, é chamado de protoevangelho porque anuncia a vinda daquele que deve destruir a obra da serpente. Esta profecia alimentou a meditação dos Grandes Patriarcas que viveram sob a Lei Natural e foi transmitida até o tempo de Abraão. Foi então que Deus especificou a Abraão que esta profecia se cumpriria em sua própria descendência.

Duas religiões, surgidas desse antagonismo, vão se originar entre os filhos de Adão: a religião de Abel e a religião de Caim. Elas diferem pelos ritos de suas oferendas, que são os sintomas de dois espíritos diferentes.

O rito de Abel, inspirado pela ideia da universalidade da lei do sacrifício, ainda é reivindicado pela Igreja Católica como sendo o rito primordial da Verdadeira Religião. Esta reivindicação é particularmente clara no cânon da Missa Romana, na oração Supra quae propitio que o celebrante recita após a consagração. Esta oração marca a conexão da Santa Missa com o sacrifício de Abel e com a Tradição primordial.

Como se sabe, o rito de Caim não foi aceito por Deus. Caim, o filho mais velho de Adão, foi o primeiro representante da "descendência espiritual" da serpente: "Caim era do maligno" (I João III, 11). Seu rito de oferta contém em si todas as religiões falsas, porque, embora possa mostrar algum zelo por Deus, "esse zelo não é conforme o conhecimento" (Romanos X, 2).

Este mesmo demônio, cuja descendência espiritual já proliferava nos tempos de nossos primeiros pais, ainda estava ativo muitos milênios depois, na época de Nosso Senhor:

"O pai de vocês é o diabo, e vocês querem realizar os desejos de seu pai" (João 8:44).

É evidente que esta mesma serpente ainda trabalha entre nós hoje recrutando seu corpo místico, que só estará completo na morte do Anticristo.

Essa doutrina das duas descendências, que é um dos elementos mais antigos da Revelação divina, é especialmente importante de conhecer hoje. Pois os adversários da Igreja fazem muito barulho em torno da famosa tese da Unidade Transcendente das religiões. Esta tese, também muito antiga, é uma concepção da mente. É uma invenção de tipo gnóstica. Não corresponde à realidade. Está em contradição com a Tradição apostólica e com os textos mais antigos da Revelação divina.

Na realidade, desde o início da humanidade, existe uma dualidade fundamental das religiões. A história dos homens na terra é a história da formação lenta de dois corpos místicos, dos quais, após a ressurreição da carne, um será o dos cordeiros e o outro o dos bodes.

"Quando o Filho do Homem vier em Sua glória, e todos os anjos com Ele, então Se assentará no trono da Sua glória; e todas as nações serão reunidas diante d'Ele, e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos bodes" (Mateus XXV, 31-32).

Agora devemos responder a uma objeção. Nós demos à "descendência da serpente" o nome genérico de "corpo místico do Anticristo". Certamente, este nome não é comum. Mas também não é inadequado nem blasfemo.

Chamar isso de corpo não implica necessariamente que o corpo assim designado seja perfeito em suas proporções e aparência. Um corpo pode ser disforme, como é especificamente o caso da Besta do Apocalipse com suas sete cabeças e dez chifres; por mais monstruoso que seja, ainda assim é um corpo, então por que negar-lhe esse nome.

Quanto ao qualificativo "místico", ele significa oculto: pode ser aplicado aos adeptos e aos precursores do Anticristo, cujo conjunto permanece invisível até que seja reunido para o Julgamento. A palavra "místico" não está reservada apenas às coisas de Deus, uma vez que falamos de mística verdadeira e falsa.

Em resumo, a expressão "corpo místico do Anticristo", embora pouco utilizada, não é inadequada nem blasfematória. É evidente que o corpo místico de Cristo resplandece de perfeição, enquanto o do Anticristo é horrendo, é uma horda e um monstro, mas ainda assim é um corpo. A Escritura usa o mesmo termo "Semen" (Semente) para designar duas descendências antagônicas, uma boa e outra má.