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O "cas" Shakespeare

Em 1598, foi preso em Angoulême um mago chamado Beaumont. Ele foi julgado em Paris e encarcerado no castelo de Chinon. O historiador J.A. de Thou relata em suas "Memórias", no livro VI, que ele pôde assistir, sem ser visto, a um interrogatório do mago: «A magia da qual ele se dizia praticante era a arte de conversar com esses gênios que são uma parte da divindade... Os sábios que se dedicam a fazer o bem, comandam os gênios, conhecem por seu comércio os segredos da natureza mais ocultos, ignorados pelo resto da humanidade e dos quais ninguém jamais escreveu, ensinam os homens a conhecer o futuro, os meios de evitar os perigos, de recuperar o que perderam, de passar de um lugar a outro em um instante... Ele acrescentou que conversava com os espíritos celestiais, habitantes do ar, que, benevolentes por natureza, são capazes apenas de fazer o bem... Que o mundo estava cheio de sábios que se dedicavam a essa sublime filosofia, que havia na Espanha, em Toledo, em Córdoba, em Granada e em muitos outros lugares, que outrora era célebre na Alemanha, que na França e na Inglaterra ela se conservava em certas famílias ilustres, e que não se admitia ao conhecimento desses mistérios senão pessoas escolhidas por temor de que, pelo comércio com os profanos, a inteligência desses grandes segredos não passasse à plebe e a pessoas indignas».

Pode-se relacionar esse testemunho a um relato de uma reunião secreta que preparou o movimento jansenista, cerca de vinte anos depois, que publicamos (Etienne Couvert: Da Gnose ao Ecumenismo, 2ª ed., p. 64 e seg.). Encontramos as mesmas expressões: as verdades, a obra, os eleitos, os profanos. Trata-se exatamente de redes ocultistas, ou seja, gnósticas, que funcionavam regularmente por toda a Europa.

Em 1584, foi publicado em Londres uma obra de Reginald Scot intitulada: The Discovery of Witchcraft. O autor enumera, na página 451, as obras que eram lidas entre os magos: «Os encantadores ainda têm hoje livros com os nomes de Adão, Abel, Tobias, Enoque, o qual Enoque é considerado por eles como o mais divino dos confrades nessas matérias. Eles também têm livros que dizem ter sido feitos por Abraão, Arão, Salomão. Eles têm livros de Zacarias, de Paulo, de Honório, de Cipriano, de Jerônimo, de Jeremias, de Alberto e de Tomás e também dos Anjos Riziel, Hazael e Rafael».
Retenhamos a passagem de alguns livros gnósticos bem conhecidos hoje: o livro de Adão, manual básico dos Sabianos ou Mandianos, que apresentamos com precisão (Etienne Couvert: A Gnose em Questão, p. 174: nota sobre os Sabianos), o livro de Abraão, manual básico dos Zoroastrianos (Etienne Couvert: A Gnose Universal, p. 64), o livro de Enoque, que foi encontrado nas cavernas de Qumran, o Evangelho de Tomás, bem conhecido atualmente, entre outros...

Onde se vê que as redes ocultistas mantiveram ao longo dos séculos os manuais dos primeiros gnósticos e se mantiveram fiéis à gnose primitiva, a de Simão, o Mágico.

Retornemos ao testemunho de Beaumont. Na Inglaterra, ilustres famílias preservaram as tradições ocultistas, como a dos condes de Derby.

Abel Lefranc demonstrou, com um luxo de provas notáveis, que o nome de Shakespeare era o pseudônimo literário do conde William Stanley, que utilizou o sobrenome de um ator da companhia teatral que ele financiava. Este conde havia percorrido a Europa em busca das redes de magos e ocultistas, cujas atividades ele conhecia perfeitamente, e suas peças de teatro tinham como objetivo disseminar essa moda na Inglaterra.

O mestre dos magos, em Londres, chamava-se John Dee. Ele se apresentava como astrônomo, ou seja, astrólogo e alquimista. Viveu de 1527 a 1608. Ele foi o conselheiro íntimo da rainha Elizabeth, que o considerava muito e lhe deu, em 1595, o título de "Wardenship" do colégio de Manchester, muito querido pela família Derby.

Encontrou-se a agenda de John Dee. Ela continha numerosas referências ao conde de Derby. O pai de William, Henrique Stanley, já havia estabelecido relações íntimas com o famoso mago. Seu filho, William, o encontrava regularmente entre 1595 e 1597. Por exemplo, em 13 de setembro de 1595, John Dee janta na Russel House com o conde de Derby e dois outros convidados, incluindo um alemão, Staltfeld. Em 20 de janeiro de 1596, ocorreu um encontro na casa de Dee, com William Stanley, Lady Gérard, sir Richard Molynox e sua esposa, Mr Haughten e outros.

Uma parte considerável da aristocracia inglesa se dedicava ao ocultismo e à magia. Além da família Stanley, contavam-se o conde de Oxford, sogro de William, Lord Sidney, sir Walter Raleigh, o conde de Essex, de Leicester, Lord Burgley, Lord Pembroke, o marquês de Northampton. O castelo de Russel House funcionava como um hub para as redes ocultistas em conexão com aquelas do continente.

Com a morte de Elizabeth, o rei Jaime I Stuart lhe sucedeu. Durante uma viagem que fez para se casar com uma princesa dinamarquesa, ele enfrentou várias violentas tempests no caminho de ida e volta. Ele acreditou ser vítima de um enfeitiçamento e, ao chegar a Londres, renovou e agravou as leis contra magos e bruxas. Sem indulgência ou fraqueza, ele os perseguiu energicamente desde o início de seu reinado. Ele fez queimar a obra de Reginald Scot, da qual falamos, mas ficou estupefato e indignado por ter que se confrontar com a nobreza inglesa, toda influenciada pelo ocultismo. Ele considerou necessário se justificar, escrevendo uma obra de Demonologia (Daemonologia, in form of a dialogo divided into three books, written by the high and mighty Prince James by the grave of Good King of England, Scotland... Londres, 1603).

«A terrível abundância, nessa época e nesse país, desses detestáveis escravos do diabo, os bruxos e encantadores, escreve ele em sua preface, me decidiu, bem-amado leitor, a terminar às pressas o tratado que apresento».

O conde William Stanley Shakespeare decidiu responder ao rei Jaime I e esforçou-se para justificar os magos em sua última peça de teatro: A Tempestade, que nunca foi apresentada em público durante seu reinado. Ela constitui seu Testamento. O herói da peça, Próspero, utiliza a magia para o triunfo do bem e da justiça, visando legitimar o uso dessa magia e apresentar sua apologia. Ele protesta contra o ódio que a magia provoca.

Aqui está um comentário sobre esta obra por F. V. Hugo, que resume bem todo o pensamento de Shakespeare:

«Shakespeare não rejeitou a tradição da Bíblia e da Lenda, ele as ostentou. Ele não contestou o mundo invisível, ele o reabilitou. Ele não negou o Poder sobrenatural do homem, ele o santificou. Jaime I havia dito: Anátema aos espíritos; Shakespeare diz: Glória aos espíritos. Shakespeare acreditava profundamente no mistério. Convencido de que há um mundo intermediário entre o homem e Deus, Shakespeare foi convidado, pela própria lógica, a reconhecer a existência de todas as criaturas que o Panteísmo da Renascença preenchia com sua presença. Há espaço no infinito para todas as criaturas de todas as Teogonias!**

«Shakespeare vinga as fadas das calúnias do fanatismo papal ou puritano. Ele restitui a essas criaturas tutelares o esplendor que a velha fé celta lhes atribuía na ordem dos seres. No teatro de Shakespeare, as fadas, por tanto tempo desconhecidas, tornam-se novamente as guardiãs encantadoras da Natureza. "A Tempestade" é a resolução suprema sonhada por Shakespeare para o drama sangrento da Gênese. É a expiação do crime primordial. O país para onde nos transporta é um terreno mágico onde a condenação é anulada pela clemência e onde a reconciliação definitiva ocorre pelo esquecimento fratricida. E, ao final da peça, quando o poeta emocionado joga Antônio nos braços de Próspero, ele fez com que Caim fosse perdoado por Abel». Durante este texto, ressaltamos todas as fórmulas mais clássicas da gnose.

Todo o teatro de Shakespeare está impregnado de ocultismo e magia: há dados sobre astrologia em Rei Lear, sobre os movimentos dos astros, a música das esferas; em O Mercador de Veneza, sobre o papel preponderante atribuído ao sol, que se alinha bem com as teorias copernicanas da época; sobre a influência de cometas e estrelas em relação ao destino humano; sobre o papel da feitiçaria em Macbeth; sobre as múltiplas menções a fadas, demônios, gênios e espectros, presságios e predições que encontramos em diversas obras como O Sonho de Uma Noite de Verão, Rei Lear, Hamlet, Júlio César, Romeu e Julieta, etc.

«Pode-se dizer, de certa forma, que Shakespeare era pagão», explica Chesterton, «no sentido de que ele nunca é tão grandioso quanto quando descreve os grandes espíritos acorrentados. Suas peças mais sérias são um Inferno».

Não, Sr. Chesterton! William Stanley-Shakespeare não era um pagão, mas um satânico, e é por isso que seus personagens evoluem em um mundo infernal. «O que não é um acaso», continua Chesterton, «é que, em Shakespeare, o número de loucos é tão grande. Dizem que ele os colocava lá para clarear um pouco o fundo sombrio de seus dramas. Eu penso que era para torná-lo ainda mais escuro». Evidentemente, quando se vive em um Inferno, acaba-se por enlouquecer, e isso é um retorno justo das coisas...

«Para Hamlet, a Dinamarca é uma prisão, e para Shakespeare, o mundo é uma prisão», observa Chesterton. De fato, todo o monólogo de Hamlet é um apelo ao suicídio: Ser ou não ser, eis a questão!... Que não. Não escolhemos nossa existência, recebemo-la; e se decidimos não ser, nos resta apenas o suicídio: «Nossa alma não pode suportar os golpes agudos da fortuna cruel ou se armar contra um dilúvio de dores e, ao combatê-las, pôr fim a elas, prossegue Hamlet. Morrer é dormir, nada mais, e por esse sono terminamos com os sofrimentos do coração e com as mil dores legadas pela natureza à nossa carne mortal. Dormir... dormir, dormir!...»

Esse é o fundo último do pensamento de William Stanley-Shakespeare!

Finalmente, Paul Arnold publicou um estudo completo sobre as fórmulas e expressões gnósticas e esotéricas disseminadas por todo o teatro de Shakespeare. Nessa obra, o remetemos à nossa bibliografia.