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Introdução

A gnose entrou tardiamente na Inglaterra. Ela foi introduzida pelos Humanistas do Renascimento apenas no século XVI. Já expusemos as grandes teses desse humanismo renascentista e suas relações com a Gnose em nosso estudo "Gnose e Humanismo" (Étienne Couvert, A Gnose contra a Fé, cap. II, Ed. de Chiré, 1989).

É necessário recordar as orientações principais dessa gnose e seu impacto na Inglaterra.

Ela se caracteriza por uma exaltação do homem, uma busca apaixonada de seu desenvolvimento na multiplicidade de prazeres "que temperam a vida", segundo Thomas More. O absoluto desprezo por toda ascese, toda privação e todo sacrifício. Aceita-se imitar Jesus em suas virtudes naturais, mas rejeita-se toda uma parte do Evangelho que pede um superamento de si. A religião dos Humanistas se reduz à sabedoria antiga, com uma noção inteiramente pagã de perfeição e nobreza.

Conhecem-se as imprecações de Erasmo contra os monges: "esta raça de homens do mais baixo escalão, mal formados pela malícia, tão negros, tão infectos, tão abjetos quanto o escaravelho. Sua escuridão assusta, seu zumbido ensurdece, seu odor é repugnante."

Mas na Inglaterra, esse desprezo pela vida religiosa se combina bem com o respeito pelos costumes, tradições, ritos e hábitos na vida familiar e mundana, com uma preocupação pela respeitabilidade nas maneiras de se comportar. Conservam-se os quadros sociais e religiosos, mas a inteligência já está distorcida e sonha com um mundo onde todas essas barreiras sociais e limitações serão desfeitas, um mundo de prazeres sem restrições, o mundo da Utopia. Thomas More foi condenado ao martírio por fidelidade ao caráter sagrado do matrimônio, mas toda sua vida ele sonhou com um mundo onde o matrimônio não existiria mais.

Uma atitude bem britânica é a de humor, que consiste em encarar as coisas da vida com um sorriso, uma espécie de ironia sarcástica que, aplicada aos princípios religiosos, à doutrina moral, se torna corrosiva. Isso faz perder o gosto pela verdade, a firmeza do pensamento, as exigências e necessidades da ordem. Dissolve a energia do caráter e deixa o espírito desarmado diante dos propagadores de heresia e da revolta social ou religiosa.

A essa ironia se soma uma simpatia benevolente por aqueles que pregam heresias. O bispo Gardiner, amigo de Thomas More, escreve:

"Quando Robert Barnes foi acusado, eu o conhecia bem e não era considerado seu inimigo, e mesmo assim, graças a Deus, nunca estive bem disposto para opiniões tão estranhas quanto aquelas que ele e outros logo começaram a proclamar loucamente. Mas, como não havia malícia neles e eles tinham conosco conversas nas quais se encontrava um certo sabor de ciência, eu estava familiarizado com esse tipo de gente e estava então triste pelo destino de Barnes." Gardiner acrescenta à parte: "Quase todos os que se tornaram famosos (como protestantes) foram minhas relações pessoais. Eu amei esses homens e sempre odiei suas opiniões malignas desde o início."

Isso é o que chamamos de "um estado de espírito humanista". Esses pregadores de heresia são verdadeiramente simpáticos, mas por que sustentam opiniões tão estranhas? opiniões monstruosas? Eles são cultos, cheios de bondade; têm uma conversa tão agradável! Gardiner escreve a seu amigo Somerset: "Fui tão bem disposto quanto qualquer um em relação ao nome de Erasmo, mas nunca estudei seu livro até agora e agora estou de acordo com aqueles que disseram: Erasmo pôs os ovos e Lutero os chocou." Os malignos foram maravilhosamente encorajados por este livro em todas as opiniões monstruosas que se manifestaram recentemente.

A amizade aos poucos irá quebrar a resistência de Gardiner, que acabará por concordar com as opiniões "monstruosas e tão estranhas".

Assim se fazem as Revoluções. Toda a elite intelectual e religiosa da Inglaterra havia gradualmente assimilado os projetos reformistas e estava totalmente preparada para assegurar seu sucesso bem antes do Cisma. Os historiadores costumam nos contar a disputa de Henrique VIII com Roma a respeito de seu divórcio, apresentado como a causa do Cisma. Se essa disputa foi a ocasião que favoreceu a ruptura, ela já estava na mente das pessoas antes e não encontrou uma resistência enérgica por parte do país.

Pode-se comparar o caso da Inglaterra com o da França na mesma época. Todo o país se levantou contra a Reforma, com uma energia feroz, após ter assassinado dois reis, incapazes de restabelecer a ordem no reino.