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A Gnose dos Humanistas

Esse "estado de espírito humanista" se manifesta em Thomas More, cuja formação foi profundamente distorcida pela ideologia reformista, tal como se encontra em seu verdadeiro testamento: A Utopia. Ele já demonstra isso em sua atitude em relação aos Protestantes. Por conta de sua função de Chanceler, ele deve persegui-los, mas o faz com muita cautela e suavidade. Ele favorece sua fuga, declarando compreender seu desejo de encontrar um abrigo mais adequado. Chega a acolher em sua casa certos hereges, como Simon Grynoeus, e a ajudá-los financeiramente e com conselhos para afastá-los da polícia real.

A formação inicial de Thomas provém de sua admiração pelos humanistas italianos. Em 1505, ele publica uma biografia de Pico da Mirandola. Apresenta-o como seu modelo e pede que ele expresse os próprios movimentos de seu espírito. O mundo é revestido de uma nova beleza ao amanhecer do Renascimento. Em sua obra subsequente, em A Utopia, em sua controvérsia com Lutero, no seu Diálogo do conforto na provação, encontramos essa exaltação de um mundo que recuperou sua harmonia e uma redução final do mal no bem, que é a forma apenas levemente modificada do retorno à Unidade Primordial celebrada por todos os gnósticos.

Pico da Mirandola introduziu entre os humanistas italianos os temas da Cabala judaica, e estes surgiram a partir de então na literatura (Étienne Couvert, A Gnose contra a Fé, p. 52).

More leu Petrarca e retenha seu desprezo pela escolástica e sua admiração por Platão. Ele também leu Marsilio Ficino de Pádua. Foi nesse contexto que encontrou essa identificação da Sabedoria cristã com a Sabedoria antiga, destinada a se reunir em uma manifestação única da alma, centelha divina, já religiosa por sua natureza, referindo-se à Epístola aos Romanos (cap. 1 a 8) e ao Neoplatonismo.

More comungou intensamente com essas novas ideias. Ele foi iniciado por seus amigos Th. Linaere e, sobretudo, John Colet.

Este último, que More escolheu como amigo e conselheiro, tinha todo o potencial de um Lutero. Ele se ligou ao rei Henrique VII Tudor, que o nomeou deão de São Paulo em Londres, aos 36 anos. Para Erasmo, ele era "uma das grandes luzes do clero". Ele havia lido Platão e Plotino. Visitou todos os altos lugares do Humanismo na Itália. Pouco conformista e convencido de que era preciso sacudir a poeira da velha religião, ele se instalou em 1496 em Oxford, onde explicou as epístolas de São Paulo segundo uma exegese intuitiva que provocou violentas controvérsias. Ele criticou violentamente os monges. Em 1521, ele quase se aliou a Lutero, mas Erasmo o dissuadiu.

Foi ele quem arrastou More contra a escolástica. Fazendo falar seu herói com quem se identificava: "Ele não deixou passar nenhuma dessas armadilhas capciosas da escolástica. Não havia nada que ele odiasse mais do que isso. Essas sutilezas, dizia ele, não têm outro objetivo senão humilhar pessoas muito instruídas, mas ignorantes dessas banalidades."

Os Humanistas se empenharam em multiplicar as traduções da Bíblia em línguas vernáculas, com variantes e diversas interpretações. Antes disso, a Igreja só reconhecia a Vulgata de São Jerônimo como seu texto oficial.

No século anterior, Wiclef e seus discípulos haviam disseminado no povo traduções que questionavam as tradições teológicas, provocando múltiplas discussões e polêmicas. Um concílio de Oxford, em 1402, proibiu sob penas severas a disseminação de qualquer tradução que não tivesse sido previamente aprovada por um sínodo diocesano ou por um concílio provincial.

Tyndale publicou em Worms em 1526 uma tradução do Novo Testamento em 6.000 exemplares que rapidamente chegaram à Inglaterra. As notas dessa tradução eram violentamente anti-romanas e veiculavam o pensamento de Lutero.

Erasmo havia publicado em Londres seu Elogio da Loucura. Um jovem professor da Universidade de Louvain, Martin Van Dorp, desde 1514, escreveu a Erasmo uma protestação indignada:

"Há veneno nas tiradas da Loucura e suas sarcásticas lançam descrédito sobre a religião. Quanto ao Novo Testamento, o que temos já é suficiente há quinze séculos. Para que mudá-lo? Cuidemos dessas fontes gregas seguramente envenenadas pelos ortodoxos... Se é verdade que se pode melhorar o texto da Vulgata, o que restará da autoridade da Escritura? Isso se entende como a autoridade de todos os raciocínios que se apoiam em uma ou outra proposição da Escritura. Portanto, todos aqueles que discutiram sobre o texto da Vulgata estão errados? Os concílios gerais e suas definições estão ameaçados? É todo o edificado doutrinal da Igreja que está abalado desde a base por aqueles que preveem o retorno aos textos originais da Escritura." A acusação era grave.

Van Dorp havia compreendido bem que essa paixão súbita pela Escritura Sagrada e essa aparente veneração pelo livro da Bíblia escondiam uma vontade perversa de demolir a Tradição teológica e os dogmas da Igreja Romana.

Thomas More empreendeu ajudar seu amigo Erasmo. Ele se opôs severamente à Constituição de Oxford, a qual ele designou como o instrumento do infortúnio e um meio de opressão contra a liberdade. Os bispos, disse ele, "temem que espíritos insubordinados retirem mais mal dessas traduções". Essa preocupação, More não a sente. Em seu Diálogo sobre Tyndale, ele acrescenta: "Independentemente da malícia ou da loucura de aqueles que fazem surgir o mal de uma coisa boa e destinada ao bem de todos, nunca se deveria, por essa única razão, abolir o que pode ser tão proveitoso". More se indigna com a pusilanimidade de certos líderes religiosos: "Pois, se o abuso de uma boa coisa deve ser a causa para que ela seja abolida e retirada daqueles que poderiam usá-la, Cristo teria feito melhor em nunca nascer nem trazer a fé ao mundo". Que importa se as heresias sempre irromperam a respeito dos textos sagrados interpretados por espíritos orgulhosos, demasiado confiantes em seu próprio saber: "Se as coisas boas são feitas para avançar, não devemos, de toda necessidade, ousar abandoná-las aos riscos da aventura?"

Eis um texto que soa estranhamente aos ouvidos modernos, acostumados a ouvir hoje os refrões da Igreja conciliar: Avançar – Não ter medo – Aceitar os riscos do mundo moderno – Saber se adaptar às necessidades de hoje – Enfrentar os desafios – Ousar se engajar em novos caminhos, etc.
A Humanidade está em marcha rumo à sua Deificação. Temos que "pegar o trem em movimento", não olhar para trás nem contar os estragos e se o ensinamento de Jesus Cristo não se inscreve nesse processo, será rejeitado. Tal é a religião dos Humanistas e nomeadamente a de Thomas More, como ele acabou de nos dizer. Tal é hoje a religião da Igreja conciliar que aceita ainda o culto de Jesus Cristo somente a serviço do culto do Mundo. Porém, infelizmente! Para todos eles, Cristo afirmou: "Não vim para salvar o mundo" e "Meu reino não é deste mundo".

Nesse mesmo Diálogo sobre Tyndale, More continua a desenvolver seu pensamento sobre a tradição viva que abraça com flexibilidade os aspectos concretos da vida. Ele apresenta com facilidade as questões de desenvolvimento e evolução das verdades reveladas e dos rituais: "Deus não revela seus segredos de uma só vez, escreve ele. Segundo as épocas, segundo os tempos, a verdade aparece mais ou menos desvelada pela Sabedoria e pela Bondade divina. Se se trata dos rituais a serem observados, essa mesma prudência providencial permite também a variedade, a mutação e a mudança... Segundo aprouver à sua Majestade ver que tal coisa é conhecida ou forte na sua Igreja, Deus tempera suas revelações e as insinua nos corações dos fiéis para fazê-los concordar sobre os mesmos pontos".

André Prévost, em sua biografia de Thomas More, aproximou esses textos do discurso proferido por João XXIII, em 11 de outubro de 1962, na abertura do Concílio Vaticano II: "Outro é o depósito da Fé, ou seja, as verdades que contém nossos veneráveis dogmas, outro é o modo segundo o qual essas verdades recebem a formulação que permite expressar o mesmo sentido e a mesma ideia. É a esse modo de expressão que se deverá prestar uma atenção extrema e trabalhar com perseverança". Ou seja, esforçar-se para modificar os textos da Fé, pretendendo conservar o mesmo sentido. ESTA PRETENSÃO É UMA MENTIRA E UMA IMPOSTURA.

André Prévost apresenta Thomas More como um modernista avant la lettre e um precursor do Concílio Vaticano II. Ele o glorifica, aliás...