A natureza do paganismo antigo e moderno
Outra série de problemas nos aguarda: em que medida o paganismo antigo é o culto dos maus espíritos e em que medida contém vestígios da Religião Primordial revelada a Adão e aos patriarcas que se sucederam até Abraão? Tentemos responder a essas duas questões.
Façamos uma primeira constatação: os deuses do politeísmo antigo são indubitavelmente demônios. Citemos alguns dos numerosos textos da Escritura que podem ser invocados nesse sentido.
"Quoniam omnes dii gentium dæmonia". "Pois todos os deuses das nações são demônios". Salmo XCV, 5.
"Et commisti sunt inter gentes, et didicerunt opera eorum ; et servierunt sculptilibus eorum et factum est illis in scandalum. Et immolaverunt filios suos et silias suas dæmoniis". "Misturaram-se com as nações e aprenderam suas obras. Serviram seus ÍDOLOS, que se tornaram uma armadilha para eles. Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos DEMÔNIOS." Salmo CV, 35-37.
"Provocaverunt eum in diis alienis, et in abominationibus ad iracundian concitaverunt. Immolaverunt dæmoniis, ut non Deo, diis quos ignorabant". "Provocaram o ciúme de Deus com deuses estrangeiros; irritaram-no com abominações; sacrificaram a DEMÔNIOS que não são Deus, a deuses que não conheciam". Deuteronômio XXXII, 16-17.
"Sed quæ immolant gentes, dæmoniis immolant, et non Deo. Nolo autem vos socios fieri dæmoniorum". "Mas o que os pagãos imolam, é aos DEMÔNIOS que o imolam, e não a Deus. Ora, não quero que vos torneis associados dos DEMÔNIOS". I Coríntios X, XX.
Uma primeira constatação, portanto: o culto aos ídolos é fundamentalmente um culto prestado a demônios. As adivinhaçães dos adivinhos são impregnadas de falsa mística. São falsas revelações que elaboraram as religiões antigas.
Eis, então, o homem pagão adorando poderes espirituais decaídos. Esses poderes espirituais, ele vai encontrá-los dentro de si mesmo: são os VÍCIOS. A mesma idolatria, portanto, vai representar um demônio exterior e um vício interior. Cada homem reconhecerá em si uma divindade interior, um Apolo ou um Mercúrio; cada homem possuirá sua Cibele interior ou sua Astarté. As virtudes também foram divinizadas. Elas se transformaram em vícios devido à sua divinização, que lhes fez perder sua "discrição", ou seja, seu equilíbrio recíproco. Em suma, os pagãos divinizaram os vícios e os adoraram.
O culto politeísta da Antiguidade é, portanto, simultaneamente, o culto dos espíritos malignos e o culto dos homens que se tornaram espíritos malignos. Encontramos hoje essa dualidade de natureza, não apenas nos cultos pagãos que são sobrevivências da Antiguidade (como é o caso, por exemplo, do culto Vodu), mas também nas elaborações religiosas modernas que buscam aliar a adoração das forças interiores do homem com as das forças cósmicas.
Em que medida, agora, uma vez que essa é a segunda subquestão de nosso problema, o paganismo contém vestígios da Religião Primordial revelada a Adão e aos Patriarcas que se sucederam até Noé e depois Abraão? Contentemo-nos aqui em colocar a questão, sem respondê-la por enquanto, pois ela é complexa. Tanto mais complexa quanto o paganismo continha, não apenas traços do monoteísmo original (ainda é preciso saber quais), mas também influências judaicas.
Por esses vestígios muito antigos e por essas influências mais recentes, Deus preparava os Gentios para receber a Religião do Verbo Encarnado, quando chegasse o dia. E se o paganismo, enquanto religião dos demônios, se insurgiu contra Jesus, em compensação, ele havia conservado elementos suficientemente bons para compreender uma nova pregação que se ligava a sua própria antiguidade. Ele havia, em particular, conservado a inteligência do sacrifício propiciatório, ou seja, do mecanismo pelo qual se carrega a vítima com os males dos quais se quer se livrar (o bode expiatório). Essa inteligência permitiu aos pagãos compreender um processo idêntico, o da Redenção.