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9 - O Delírio Sagrado

O antigo mito certamente existiu como uma lenda transmitida. Os escritores da escola esotérica moderna se empenharam em identificar suas várias manifestações. Nas teogonias da antiguidade pagã, eles as descobrem principalmente em três níveis.

Muitas vezes, observam eles, há uma incontestável androginia dentro da própria divindade criadora, pelo menos nas teogonias que apresentam tal divindade. Nas outras; é o agente demiúrgico que exibe características de bissexualidade.

Esses mesmos traços são ainda mais fáceis de identificar nas divindades secundárias, aquelas comumente chamadas de ídolos. Relatamos o caso mais típico, o do filho de Hermes e Afrodite, que foi associado a uma náiade. Da mesma forma, "o panteão do Egito antigo é rico em divindades ambíguas", escreve Jean Libis em seu livro "O Mito do Andrógino" (Berg-International, Paris, 1980).

Quanto às lendas sobre a origem da humanidade, muitas vezes revelam a existência de um antepassado fabuloso e híbrido, quando não toda uma raça primitiva que é andrógina, como no caso do mito registrado por Platão no "Banquete".

Pode-se admitir, de fato, que as religiões antigas elaboraram e transmitiram essa ideia de uma androginia primordial, tanto divina quanto humana, mesmo que essa noção não seja tão antiga e universal como afirmam os representantes da escola esotérica. Vamos aceitar isso em princípio, mesmo que possamos discutir depois a sua antiguidade e universalidade, se necessário.

Resta saber qual é a origem dessa noção. Ela claramente se relaciona com a mesma inspiração que todos os outros mitos pagãos. Mas qual é essa inspiração? Por quem, então, todos esses mitos foram inspirados? Essa é uma pergunta que certamente não é nova. A resposta que a Igreja dava antigamente foi obscurecida sob o efeito das objeções da filosofia profana. Nós tratamos esse assunto no capítulo XXIII de nosso "Resumo de Demonologia", intitulado "Os demônios do paganismo antigo". [2]

Qual é então a resposta da Igreja a essa pergunta? As divindades do paganismo são demônios. O paganismo divinizou os vícios e os adorou. Isso é resumido neste versículo dos Salmos: "Todos os deuses das nações são demônios" (Sl, XCV, 5). Por trás das ídolos, através da boca das Pitonisas e das Sibilas, eram demônios que falavam, proferindo o que era necessário para perpetuar o culto. O delírio sagrado dos adivinhos e das adivinhas é apenas uma forma do que agora chamamos, na terminologia cristã, de "falsa mística".

E o que é a falsa mística? É essa mística híbrida que resulta da colaboração entre a inspiração demoníaca e a imaginação humana. Não há dúvida de que a androginia primordial que aparece nos mitos das teogonias e das cosmogonias das nações pagãs tem sua origem na falsa mística, aquela que é, em última análise, dirigida pelos demônios.

Isso é ainda mais plausível porque o andrógino, no qual os dois sexos se neutralizam, já possui, por isso mesmo, uma semelhança inicial com a natureza angélica, que precisamente não é feita para a reprodução, e que é ainda, como sabemos, a dos demônios.