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6 - A grande bifurcação

A linha reta dos marcos tradicionais foi abandonada em algum momento da história antiga, por uma multidão imensa, e mais, pela quase totalidade da humanidade. A grande bifurcação ocorreu no momento do episódio da Torre de Babel. Esse episódio, portanto, muito importante, precisa ser examinado com atenção no texto bíblico. A narrativa não é longa, pois contém apenas nove versículos (Gên. XI, 1-9).

As circunstâncias gerais são expressas de forma lacônica:

"A terra tinha uma única língua e as mesmas palavras. Partindo do Oriente, encontraram uma planície na terra de Sinar e ali se estabeleceram".

Assim, ao chegarem a essa planície, os homens procedem a uma importante inovação técnica. Eles fabricam novos materiais:

"Eles disseram uns aos outros: Vamos, façamos tijolos e cozamos no fogo. E usaram tijolos em vez de pedras e betume em vez de argamassa".

Esses detalhes materiais têm seu interesse, mas vamos deixá-los de lado para chegar ao essencial.

Apenas um versículo é suficiente para o escritor sagrado definir o projeto de construir uma nova cidade, sob um novo status:

"Disseram ainda: Vamos construir uma cidade e uma torre cujo cume alcance o céu; e celebremos nosso nome antes de sermos dispersos por toda a terra".

Este é o famoso grande projeto de Babel. É conciso, mas veremos que é pesado de consequências.

À primeira vista, no entanto, e se nos contentarmos com uma leitura rápida, os homens de Babel não parecem meditar um desígnio criminoso, pelo contrário: eles se proclamam felizes com sua unidade e fazem tudo para preservá-la. O que poderia ser mais louvável?

Mas a concisão bíblica resume um projeto na realidade muito amplo; é um verdadeiro plano de civilização; ele envolve o futuro a longo prazo; é uma grande mudança que está sendo feita.

Vamos encontrar neste plano os elementos constitutivos da Tradição Primordial transmitida por Noé em sua forma noaquita? Se ela foi fielmente perpetuada, é ela que deveria inspirar o projeto. Deveríamos ser capazes de reconhecer não apenas as quatro componentes da Revelação Primitiva, mas também alguns vestígios dos preceitos noaquitas. No entanto, precisamente, não encontramos nem mesmo um traço mínimo deles.

Não se menciona Yahveh, ao qual Noé tinha oferecido um holocausto. No entanto, devemos notar que os homens de Babel estão claramente animados por um zelo religioso inegável, já que desejam que a torre alcance o céu. Porém, eles falam do céu, um termo neutro, e não mais de Yahveh, o Deus pessoal. Poderíamos dizer hoje que são teístas ou panteístas. Além disso, a torre alcança o céu, mas para quem ela é construída? O texto diz: "Faciamus Nobis turrim". Ela é feita para os homens. Isso não é já o que chamamos de antropocentrismo religioso. O que é certo é que Yahveh não é mais mencionado.

A lei natural, inscrita no coração do homem, obviamente não é mencionada no projeto de Babel. Mas isso se compreende, pois ainda é tácita e ainda não foi promulgada artigo por artigo, como será no Sinai.

O culto expiatório está totalmente ausente das preocupações babilônicas. No entanto, fazia parte integrante da Tradição, aquele sacrifício expiatório. Noé o transmitiu, vindo de Abel, na saída da arca, já que ele construiu um altar para seu holocausto. Agora, não se fala mais de um altar, mas de uma torre. Esta torre é uma manifestação de religiosidade, certamente, mas de uma religiosidade na qual Deus não tem mais parte e que segue singularmente o caminho de se tornar "metafísica". Até nos perguntamos se uma torre tão alta não corresponde a uma ideia de desafio e se seu verdadeiro propósito não seria desafiar Deus.

A profecia das duas descendências, chamada de Protévangile, também está ausente. Eles não falam mais em manter uma linha reta apesar das contestações. O que os preocupa é a união. Por quê? Porque uma das duas descendências desapareceu; não conta mais; não há mais luta, mas unidade. A cidade que estão construindo se tornará a capital da humanidade única e indivisível. A "descendência da mulher" está eclipsada.

Em resumo, somos impressionados pelo modernismo das concepções de Babel: religiosidade ecumênica, culto sem altar, cidade humanitária. A Religião revelada desapareceu completamente. Em seu lugar, os homens propõem o que chamaríamos de antropocentrismo: "faciamus nobis civitatem, celebramus nomen nostrum". Façamos uma cidade, celebremos nosso nome.

Assim, a Tradição Primordial é obliterada pela segunda vez. E essa segunda obliteração teria sido tão grave quanto aquela que justificou o dilúvio se Deus não tivesse intervindo para encerrar a experiência de Babel.

"Mas o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os filhos de Adão estavam construindo, e disse: 'Eis que este é um povo único e uma única língua para todos; eles começaram a fazer isso e não abandonarão seu plano até que o tenham realizado" (Gên. XI, 6).

Assim, Deus prevê que os princípios sobre os quais se baseia o grande plano em execução levarão a consequências detestáveis. Agora que começaram, não vão parar mais.

Então, vamos tentar discernir até onde o plano babilônico teria chegado. Obviamente, teria sido em prol da descendência da serpente que a unanimidade se formou ao pé da torre em construção. A descendência da mulher se escondeu. Portanto, o objetivo inevitável da cidade só poderia ser "o poder da Besta". Um poder sob o qual toda a humanidade teria sido obrigada a viver até o fim dos tempos; ainda estaríamos sob ele.

Aqui está a continuação da deliberação divina, marcada pelo plural:

"Portanto, venham. Descendamos e confundamos aqui mesmo a língua deles, de modo que ninguém entenda a fala do seu próximo. Foi assim que o Senhor os dispersou dali por toda a terra, e eles cessaram de construir a cidade. Por isso foi chamada Babel, porque ali o Senhor confundiu a língua de toda a terra, e dali o Senhor os dispersou por toda a terra" (Gen. XI, 8-9).

O que chama atenção aqui é a vontade claramente expressa, e também pesada, de Deus de impedir a todo custo o empreendimento em curso. É Ele quem confunde deliberadamente as línguas. É Ele quem dispersa deliberadamente as nações. Há uma religião que Deus não quer e uma unidade que Deus não quer.

Também notemos que Deus agiu diretamente, ou seja, milagrosamente, sem recorrer às causas secundárias. De fato, Ele agiu por misericórdia. Como assim? Agora sabemos, pelo Apocalipse, que Deus concederá um poder universal à Besta em virtude de sua vitória sobre os homens pela tentação; esse poder é devido a ela com toda justiça; portanto, Deus, que é justo para com todas as criaturas, lhe concederá. Mas esse poder durará apenas um período muito curto e apenas no fim dos tempos: isso é o que chamamos de tribulações do Anticristo. A intervenção de Deus em Babel foi uma misericórdia, pois poupou à humanidade séculos sob o domínio da Besta.

Agora conhecemos o estado da tradição no momento da dispersão. Toda a sua parte revelada e religiosa desapareceu. Então, de que se compõe o patrimônio comum que as nações vão carregar, cada uma em seu continente? Este patrimônio comum inclui, em primeiro lugar, o antropocentrismo e a religiosidade que acabamos de descrever. Também inclui a tradição profana e cosmológica herdada de tempos imemoriais e que se propagou pelo mesmo caminho tradicional, paralelamente à Tradição Primordial revelada.

Um homem, mais uma vez, fez uma exceção e não sucumbiu à contaminação da ideologia de Babel. Este homem é o patriarca Héber, o ancestral epônimo dos hebreus, um dos antepassados de Abraão. "Epônimo" significa "aquele que coloca seu nome sobre".

Lemos em "Les Patriarches", de Dom de Monléon, na nota do primeiro capítulo, o seguinte: "Se acreditarmos numa tradição que conta com a autoridade de Santo Agostinho (A Cidade de Deus I-XVI-II), de Santo Efrém e de muitos outros, Héber não teria participado da construção da Torre de Babel. Por causa disso, ele e os seus conservaram a língua original da humanidade (que, segundo os antigos, era o hebraico) e mereceram tornar-se o povo escolhido de Deus". Héber desempenhou, na turbulência de Babel, o mesmo papel que Noé desempenhou no dilúvio.