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4 - O homem universal

Acabamos de ver que a cruz absoluta resume o universo visível. Segundo o princípio geral do simbolismo, ela também deve representar uma realidade transcendente. Essa realidade transcendente, Guénon nos diz, é "O homem universal". Aqui está a definição que ele dá:

"É o ser total, incondicionado e transcendente em relação a todos os modos particulares e determinados de existência, e até mesmo em relação à Existência pura e simples, ser total que designamos simbolicamente como o homem universal".

Ele ainda dá uma definição mais sucinta:

"O homem universal é o princípio de toda a manifestação" (cap. II).

Ele observa que essa expressão de Homem Universal é usada especialmente no Islã. Mas a própria noção é encontrada, em várias formas, em outras religiões. Por exemplo, entre os cabalistas da Diáspora, ele é chamado de Adam-Kadmon; nas doutrinas do Extremo Oriente, ele é encontrado como Wang, o rei; entre os cristãos, ele diz, é o logos.

O leitor apressado, que não terá tempo para aprofundar, ficará tranquilizado por esta definição na qual ele pensará reconhecer os traços essenciais do Verbo Encarnado, que de fato é o arquétipo da humanidade. Ele dirá a si mesmo que Guénon não se afasta fundamentalmente do cristianismo. E ele continuará sua leitura sem desconfiança. Ele aceitará uma doutrina que lhe é apresentada com grande habilidade, mas que é, no entanto, muito diferente daquela da Igreja.

O Homem universal, nos diz Guénon, é o princípio da manifestação. Essa essência de todas as coisas, ele também a chama de Eu universal. E ele adiciona que cada homem, tomado individualmente, participa dessa essência universal e possui, portanto, "o Eu" em si mesmo pessoalmente: a essência universal está virtualmente presente no âmago de cada homem e constitui sua personalidade.

"O Eu é o princípio transcendente e permanente do qual o ser manifestado, o ser humano, por exemplo, é apenas uma modificação transitória e contingente, modificação que de forma alguma pode afetar o princípio." (Cap. 1).

Assim, cada homem é, em seu âmago, uma modificação transitória do princípio transcendente universal. O princípio transcendente está contido no homem apenas de forma virtual. Ele está mascarado e como que incrustado pelos acidentes contingentes da existência manifestada. E são esses acidentes transitórios que constituem o ego individual de cada um: são os detritos existenciais que formam a individualidade humana.

Podemos resumir essa teoria dizendo que a essência universal está presente no Eu pessoal e que apenas o ego individual pertence à manifestação e à existência.

Assim, possuímos a chave da vida espiritual no sistema de Guénon. Consiste em separar o que é essencial no homem, ou seja, o Eu pessoal, do que é acidental, ou seja, o ego individual. Para isso, o homem deve ser capaz de se reduzir a um estado não transitório, a um estado não manifestado. Esse estado é necessariamente extra-individual, pois o que é individual é precisamente contingente e transitório.

A obtenção desse estado não manifestado e extra-individual é chamada de libertação. Também é chamada de realização.

Como se alcança a libertação ou realização? Isso é alcançado através dos processos de meditação e contemplação, que são chamados de vias metafísicas. Essas vias, ou métodos, são chamadas metafísicas porque levam o homem que as pratica a participar da essência universal que é "metafísica", uma vez que está acima da existência física.

Quando ele é "realizado", o homem pessoal se une ao homem universal e se torna um só com ele. Ele não é mais distinguível, pois é o homem universal que estava virtualmente oculto dentro do homem durante seu estado de individualização. A "libertação" ou "realização" apenas despojou o "eu" da casca do "eu" que o envolvia.

Agora, em posse de seu conceito de Homem Universal (uma noção complexa, aliás, pois engloba tanto o tipo quanto os inúmeros espécimes surgidos do tipo), o autor do Simbolismo da Cruz faz uma constatação de natureza arqueológica:

"A maioria das doutrinas tradicionais simboliza a realização do Homem Universal por um sinal que é em toda parte o mesmo, é o sinal da cruz" (Capítulo III).

De fato, como vimos, podemos admitir a existência de cruzes pré-cristãs em um pequeno número de exemplos. Essas cruzes realmente simbolizavam o Homem Universal na mente dos antigos que as veneravam? Isso é algo a se considerar? Podemos nos perguntar se Guénon não é ele mesmo o inventor dessa interpretação e se ele não aproveitou essa oportunidade para encontrar cruzes religiosas antes da existência do Calvário. De qualquer forma, ele adota a cruz como tendo sido, desde sempre, o símbolo do Homem Universal. Devemos reconhecer, além disso, que certa lógica o apoia, já que o símbolo cruciforme esquematiza, de fato, um homem com os braços estendidos horizontalmente. Como será realizada a incorporação do homem cruciforme com a cruz absoluta? Isso só é possível se o homem que se deseja fazer coincidir com a cruz possuir, como ela, quatro braços. Este é o caso, precisamente, de certas divindades da Índia. Mas Guénon parece não ter se preocupado com essa dificuldade; ele não a menciona. É verdade que ele raciocina no abstrato. Sua cruz absoluta é abstrata porque é um sistema de coordenadas tridimensionais. Quanto ao seu Homem Universal, ele é transcendente. É fácil para duas nuvens se interpenetrarem. No entanto, devemos notar que Guénon sente a necessidade de associar o homem-tipo com a cruz, que se torna assim o símbolo único representando tanto o universo físico quanto o homem metafísico. A cruz absoluta agora pode ter um segundo nome: cruz metafísica.

No entanto, o homem real não se ajusta facilmente à cruz absoluta. Portanto, não é o homem real que será colocado lá. Para proceder a esta adaptação difícil, em outras palavras, para realizar a crucificação ideal do homem-tipo na cruz do Cosmos, R. Guénon os submete a uma série de metamorfoses que os identificarão.