3 - A Tríade ou a pseudo-trindade
Vamos descer mais um degrau na escala das entidades divinas e nos aproximarmos da manifestação.
"Ishwara é considerado sob uma tríplice aspectação principal, que constitui a Trimurti ou Triple Manifestação" (Int. Et. Doc. Hind., terceira parte, capítulo VII).
As três novas entidades divinas que vamos descrever agora pertencem à manifestação. Esses três deuses estão plenamente inseridos na ordem da existência. Mas então eles são limitados, de acordo com o famoso princípio de que "tudo o que existe é limitado". Esses três deuses são Brahmâ, Vishnu e Shiva.
Brahmâ é o primeiro elemento da Trimurti. Mas este novo Brahmâ é do gênero masculino e é escrito com um acento circunflexo no último "a". Porque não se trata mais do Brahma (no neutro e sem acento) que encontramos como princípio supremo. Este Brahmâ, no masculino, é o Princípio produtor de todos os seres que constituem a manifestação. Ele é o reflexo, na natureza física, do Supremo-Brahma da metafísica.
À primeira vista, poderíamos considerá-lo como equivalente ao Pai Criador da teologia cristã. Mas seria um Pai Criador de uma espécie muito particular, já que viria em terceiro escalão e teria, acima dele, primeiro Ishwara, o Ser Supremo semi-pessoal, e depois Brahma no neutro, Princípio Supremo absolutamente metafísico.
O segundo elemento da Trimurti é Vishnu, que é o reflexo de Ishwara como princípio animador e conservador dos seres da manifestação. Se quiséssemos continuar a analogia com a Trindade cristã, poderíamos ver em Vishnu o Filho Redentor. Mas a comparação não poderia ir além de aparências puramente formais, Vishnu sendo membro de uma trindade que está longe de ser soberana.
O terceiro elemento da Trimurti Védica é Shiva, que é outro reflexo de Ishwara como princípio transformador da manifestação. Durante toda transformação, ocorre uma fase de destruição em que o antigo estado das coisas é aniquilado para dar lugar ao novo. Compreende-se por que Shiva se tornou, na opinião popular, o princípio destrutivo que é tão facilmente visto em ação na natureza. Aqui também, poderíamos ver alguma semelhança entre Shiva e o Espírito Santo Santificador do Cristianismo. Neste caso, a comparação seria menos improvável, já que toda santificação exige uma fase preliminar de mortificação. Mas uma Trimurti que vem em terceiro grau de subordinação não pode ser comparada de maneira útil à Trindade soberana.
René Guénon observa que, no Hinduísmo como é praticado na Índia, essas três divindades, Brahmâ, Vishnu e Shiva, têm sido objeto, cada uma separadamente, de devoções populares. Alguns honram especialmente Vishnu, cuja ação conservadora e estabilizadora lhes proporciona algum conforto. Outros se dedicam a Shiva, que facilita o aprimoramento pessoal.
Assim, observadores superficiais puderam falar do Brahmanismo, do Vishnuísmo e do Shivaísmo como sendo religiões separadas, e isso com tanto mais verossimilhança quanto essas devoções têm seu próprio público particular. O Vishnuísmo dá muita importância aos ritos exteriores. É mais popular e mais difundido do que o Shivaísmo, que, por dar ênfase à transformação, favorece o ascetismo e a vida contemplativa.
R. Guénon observa com insistência, e ele deve estar correto, que não se trata de religiões distintas, pois uma mesma metafísica fundamenta todas as devoções. A elite do hinduísmo, ao contrário, professa a unidade do Princípio Supremo, que é comum, mais ou menos abertamente, mais ou menos secretamente, a essas várias práticas devocionais, as quais têm um único e mesmo código tradicional, o Veda.