2 - Uma tradição que também é Escritura
"Digamos desde já que não estamos usando a palavra 'tradição' no sentido restrito em que o pensamento religioso do Ocidente às vezes opõe 'tradição' e 'escritura', entendendo por primeiro desses dois termos, de forma exclusiva, o que foi objeto apenas de transmissão oral. Pelo contrário, para nós, a tradição pode ser escrita tão bem quanto oral; a parte escrita e a parte oral formam dois ramos complementares da mesma tradição e não temos hesitação em falar de ESCRITURAS TRADICIONAIS." (Introdução ao Estudo das Doutrinas hindus, 2ª parte, capítulo III).
A massa documental na qual se expressa a tradição oriental é muito importante, pois inclui, além dos quatro grandes coleções de Veda e seus comentários, os textos do Yi-King para a China e os documentos sufistas para o Islã.
Nessa massa, será feita a distinção entre "Escritura" e "Tradição", como é feito nos arquivos judaico-cristãos? De fato, entre judeus e cristãos, a Escritura Sagrada é a transcrição imediata da Revelação Divina, autenticada como tal pelas autoridades religiosas da época e rigorosamente conservada posteriormente. A Tradição é o que, na Revelação divina, escapou à codificação escrita e foi transmitido primeiro oralmente, e depois por escrito após certo tempo.
No Oriente, tal discriminação não é feita, por muitas razões. Não há, na massa de documentos transmitidos, um núcleo central. Todas as partes têm o mesmo valor e autoridade em relação à inspiração que lhes deu origem.
Que nota, Guénon, intérprete dos orientais, vai atribuir a todo esse conjunto? Ele tinha várias opções. Ele poderia dizer: "Todo esse reservatório documental merece o nome de Escritura". Mas ele também poderia considerar que "todo o conjunto é 'Tradição'". Ele preferiu uma resposta mista, dando a todos esses tratados sem data a nota de "Escrituras Tradicionais".
Por que essa solução? Em primeiro lugar, porque o espírito oriental não é favorável a definições precisas que lhe parecem simplistas e distorcidas. Mas também é provavelmente para aproveitar as vantagens de ambas as denominações. Ele deseja manter a liberdade de interpretação que está associada a toda tradição, ao mesmo tempo em que reivindica a CANONICIDADE reservada à Escritura.
De fato, Guénon principalmente considera a nota tradicional de seus documentos. É a palavra "tradição" que retorna continuamente sob sua pena. No entanto, veremos, quando ele nos falar da "infalibilidade tradicional", que as vantagens de certa canonicidade não lhe são indiferentes.