10 - As Síziges Gnósticas
O antigo mito, portanto, foi suficientemente vívido para chegar até nós. E ainda assim, sempre encontrou oposição em seu caminho. Isso prova que não foi unanimemente aceito como se diz. A escola esotérica moderna, tão favorável ao antigo andrógino, não discorda disso. Ela até mesmo o destaca, como é o caso especialmente com Jean Libis, cuja obra citamos. Os três adversários geralmente mencionados são: o legalismo, o judaísmo mosaico e a Igreja Católica.
O legalismo da cidade antiga, na Grécia, como em Roma e em todos os lugares, não tinha piedade das infelizes crianças que nasciam com os dois sexos: elas eram executadas. Essa severidade prova que, aos olhos da consciência cívica, o eventual preconceito religioso que poderia favorecer esses "vestígios ancestrais" não pesava muito. O que se via oficialmente na bissexualidade era principalmente uma deformidade e não um resquício sagrado.
O judaísmo mosaico da Sinagoga sempre foi hostil ao andrógino, tanto em Deus quanto em Adão. E os esoteristas nos dão como razão dessa hostilidade que o judaísmo estava sobrecarregado por uma misoginia, ou se preferir, por uma androcracia, que no fundo era apenas uma desvio e uma anomalia passageira. Quando, após a dispersão do povo judeu, dizem eles, uma maior liberdade de pensamento foi recuperada, o andrógino logo reapareceu nos diversos fluxos da mística judaica.
Por fim, a Igreja sempre se mostrou muito desfavorável à noção andrógina. Os representantes da escola esotérica veem a causa disso na misoginia que ela teria herdado da Sinagoga.
Esses foram os três principais inimigos do andrógino. Esses foram aqueles que o combateram. Portanto, é através das vias esotéricas da Gnose que ele sobreviveu, anteriormente e posteriormente ao estabelecimento da Igreja. A antiga lenda assumirá, nos diversos sistemas gnósticos, novas formas. Não podemos descrevê-las todas e tomaremos apenas um exemplo, o da doutrina de Valentin [3].
A teologia de Valentim envolve um sistema de oito divindades primordiais, ao qual ele dá o nome de Ogdoade. Mas esta Ogdoade se reduz a apenas quatro divindades, porque elas são associadas em pares. Vamos pedir a São Ireneu, um dos grandes adversários da gnose, que nos descreva esse sistema: "Eis aqui a Ogdoade primordial, raiz e substância de todas as coisas, que os gnósticos chamam por quatro nomes: Abismo, Inteligência, Logos e Homem. Cada um desses princípios, de fato, é de duplo sexo".
Havia apenas quatro nomes para oito divindades, porque elas estavam em casais. Estas eram as quatro Sízíges valentinianas. A palavra "sízige" significa "casal". O Abismo formava um par com o Silêncio, a Inteligência com a Verdade, o Logos com a Vida. E o Homem tinha a Igreja como esposa.
Os esoteristas modernos ressuscitaram essas quatro sízíges gnósticas, felizes por encontrar esses quatro andróginos, para fazer a conexão com as elaborações "místicas" da Idade Média.