Skip to main content

1 - A mutação do símbolo cruciforme

No capítulo anterior, resumimos bastante o simbolismo da Cruz cristã, conforme geralmente aceito na Igreja Católica. Hoje, estamos analisando um livro de R. Guénon onde o sentido do símbolo cruciforme é interpretado de maneira completamente diferente.

O livro de René Guénon é intitulado "O Simbolismo da Cruz". Foi publicado em Paris pela Editora Vega em 1931 e teve várias reedições desde então. É o desenvolvimento de uma tese inicial que foi publicada, em uma série de artigos, durante os anos de 1910 e 1911, na revista "A Gnose", revista fundada pelo próprio Guénon. Portanto, trata-se de uma posição já antiga, mas que foi mantida posteriormente e continuou a interessar muitos leitores. É a posição de toda uma escola que ainda a mantém hoje. Portanto, o problema é perfeitamente atual.

O livro é precedido por uma dedicatória muito instrutiva que foi fielmente reproduzida em todas as edições posteriores. Aqui está o texto:

"Ao venerado Sheikh Abder-Rahman Elish El-Kebir, o iluminado, o rei, o do Magrebe, a quem se deve a primeira ideia deste livro. - Cairo, 1329-1349-H".

Esta dedicação já contém dois elementos interessantes. Primeiramente, observamos que "a primeira ideia deste livro é devida" a um dignitário muçulmano. Pois sabemos, além disso, que este Sheikh Elish é aquele que patrocinou a entrada de Guénon na religião de Maomé; ele é, de certa forma, seu padrinho e catequista no Islã.

Em seguida, notamos, no final da dedicação, duas datas no calendário da Hégira. O que significam? O ano 1329-H corresponde aos anos 1911-1912 da era cristã. Foi precisamente em 1912 que R. Guénon ingressou na religião islâmica, recebendo "a Baraka", ou seja, a bênção do Sheikh Elish. E o ano 1349-H corresponde aos anos 1930-1931 da era cristã. É nesse período, estabelecido definitivamente no Cairo, em terra muçulmana, que R. Guénon escreve e conclui o manuscrito do "Simbolismo da Cruz" na versão definitiva que estamos analisando aqui.

Portanto, não há dúvida de que a doutrina que nos será exposta é a professada entre os muçulmanos. E vemos que R. Guénon não esconde sua fonte de inspiração. Ele a menciona, não apenas em sua dedicação, mas também em suas notas de rodapé. Assim, ele cita este juízo expresso por uma grande figura islâmica: "Se os cristãos têm o sinal da cruz, os muçulmanos têm a doutrina."

A opinião de que os Ocidentais em geral e os Cristãos em particular não compreendem seus próprios símbolos é cara a R. Guénon. Ele a expressa desde seu primeiro trabalho, "Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus". Ele diz:

"Ver no símbolo tudo o que ele realmente é, e não apenas sua contingência exterior; é necessário saber ir além da letra para libertar o espírito."

"Ora, é precisamente isso que os ocidentais geralmente não fazem...; a mentalidade ocidental, em sua generalidade, deturpa espontaneamente aqueles que encontra em seu caminho.

"Tomar o próprio símbolo pelo que ele representa, por incapacidade de elevar-se até sua significação puramente intelectual, é, no fundo, a confusão na qual reside a raiz de toda idolatria, no sentido próprio dessa palavra, no sentido que o islamismo lhe dá de maneira especialmente clara.

"O símbolo não passa então de uma 'ídolo', ou seja, de uma imagem vã, e sua preservação é apenas 'superstição' pura, enquanto não encontrar alguém cuja compreensão seja capaz de restituir-lhe o que perdeu, ou pelo menos o que ele não contém mais senão no estado de possibilidade latente". (Introdução ao Estudo das Doutrinas Hindus, 2ª parte, capítulo VII).

É exatamente essa a intenção de R. Guénon em relação ao simbolismo da Cruz: restituir-lhe o que teria perdido devido à incapacidade intelectual, à idolatria e à superstição dos "Ocidentais", ou seja, dos católicos. Ele vai proceder à mutação do símbolo cruciforme. Ele vai devolver a ele o significado original que os cristãos teriam feito perder.

Um de seus comentadores mais confiáveis, Robert Amadou, confirma essa vontade de transformação simbólica que anima R. Guénon. Ele se expressa assim no prefácio da edição de 1957 (Edições 10-18) do "Simbolismo da Cruz":

"Com R. Guénon, que também deseja penetrar no simbolismo da cruz, tudo muda: a perspectiva, o método, as fontes de informação e, ousaria dizer, até mesmo o assunto".

Assim, somos avisados de que vamos interpretar a Cruz de uma maneira que não é cristã. Conhecemos, por outro lado, as disposições de espírito de R. Guénon em relação à nossa religião. Ele quer, frequentemente declara, que suas doutrinas se sobreponham às da Igreja sem se oporem a ela. É por isso que a Cruz cristã será considerada por ele como uma versão particular do símbolo cruciforme universal. Vamos ver precisamente o que essa pretensão vale.