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A História de Nossa Luta Jurídica contra Dom Lefebvre e a FSSPX

"São Tomás, ao falar sobre correção fraterna, faz alusão à resistência de São Paulo diante de São Pedro e dá o seguinte comentário: ‘... Devemos, no entanto, perceber que, se houver perigo para a fé, os superiores devem ser reprimidos por seus subordinados, mesmo em público.’

Isso é claro na maneira e na razão que fazem agir São Paulo de tal forma em relação a São Pedro, sobre o que diz o comentário de Santo Agostinho: ‘o que a verdadeira cabeça da Igreja mostrava aos superiores é que, caso corressem o risco de deixar o caminho certo e estreito, deveriam aceitar ser corrigidos por seus inferiores.'

  • Dom Marcel Lefebvre (resposta à pergunta: "como você vê a obediência ao Papa?" 20 de janeiro de 1978)

Não, eu não me arrependo. Édith Piaf

Há VINTE CINCO ANOS, juntamente com outros oito padres americanos da FSSPX, estive envolvido em uma longa batalha com o Arcebispo Marcel Lefebvre (1905 – 1991), o fundador da Fraternidade e o prelato que nos ordenou.

O conflito entre o arcebispo e os americanos, geralmente chamados coletivamente de "Os Nove", tornou-se público após uma reunião entre ambas as partes em 27 de abril de 1983 em Oyster Bay Cove, NY.

O grupo de padres era composto pelos Abbés Clarence Kelly (Superior do Distrito Nordeste da FSSPX), Donald J. Sanborn (Reitor do Seminário da Fraternidade); Daniel L. Dolan (Diretor das Missões do Distrito Nordeste), Anthony Cekada (Tesoureiro do Distrito Nordeste), William W. Jenkins (professor de seminário), Joseph F. Collins (professor de seminário), Eugène R. Berry, Thomas Zapp (recentemente ordenados e professores em St. Marys, Kansas) e Martin Skierka (recentemente ordenado).

O que começou como uma controvérsia teológica, rapidamente se transformou em uma longa batalha nos tribunais civis dos EUA. Dom Lefebvre pedia que entregássemos o controle das igrejas e capelas onde celebrávamos a Missa para nossos fiéis. Nós nos recusamos, ele nos processou, nós respondemos, e ambas as partes travaram uma guerra jurídica que durou quatro anos, encerrando-se em 1987.

As onze propriedades em questão estavam localizadas nos estados de Nova York, Pensilvânia, Ohio, Michigan, Minnesota e Connecticut. Com exceção do prédio do seminário em Ridgefield, CT, as congregações de fiéis que atendíamos forneciam todos os fundos necessários para a compra e operação dessas instalações. A imensa maioria dos leigos desses locais apoiou nossa posição contra Dom Lefebvre e sua organização.

Em 2007, Dom Richard N. Williamson publicou uma coletânea dos boletins que escreveu durante esse período, quando era reitor do Seminário da Fraternidade em Ridgefield, Connecticut(19). Naturalmente, essa é a versão "oficial" da Fraternidade sobre a batalha judicial. É aquela que, em parte ou em totalidade, foi dada a várias gerações de padres, seminaristas e leigos da Fraternidade.

Os Nove, segundo essa versão – todos muito, muito malvados – eram sedevacantistas (pelo menos secretamente) que se rebelavam contra a autoridade da FSSPX e seu santo arcebispo fundador. Eles então apelaram ao sistema judiciário dos EUA para prejudicar a Fraternidade de várias de suas igrejas do Nordeste e do Meio-Oeste. Aqueles que repetem essa história parecem nunca notar que reflete, se não hipocrisia, ao menos um duplo discurso – segundo o qual a justeza ou a falsidade de um ato é julgada conforme sua conformidade com a vontade de Dom Lefebvre.

Por exemplo, quando Dom Lefebvre, de fato, diz a Paulo VI ou a João Paulo II, "Nós lhe resistimos firmemente", ele ecoa as críticas de São Paulo a São Pedro e se torna o Santo Atanásio do século 20. Mas se um padre diz a mesma coisa a Lefebvre, ele é um rebelde e um ingrato. Ou quando padres e leigos ocupam, em 1978, uma igreja que eles não pagaram (São Nicolau do Chardonnet) e a devolvem a Dom Lefebvre e à FSSPX, eles são heróis da resistência tradicionalista.

Mas quando padres e leigos tradicionalistas americanos possuem igrejas em 1983, igrejas que eles financiaram e se recusam a devolver a Dom Lefebvre e à FSSPX, são conspiradores, fraudadores e ladrões.

Sendo a principal pessoa responsável pela coordenação de nossa defesa jurídica frente às reivindicações de Dom Lefebvre e da Fraternidade, sou geralmente descrito como o vilão principal do caso, seguido (de muito perto) pelo padre Clarence Kelly.

Com Dom Williamson tendo publicado o ponto de vista da Fraternidade, decidi dar minha própria opinião sobre o conflito que ocorreu há um quarto de século. Espero que isso traga uma nova perspectiva à história que circulou nos círculos da FSSPX por tantos anos.

I. Elementos Contributivos

QUALQUER PESSOA QUE tenha ouvido falar de nossa batalha jurídica com Dom Lefebvre e a FSSPX sabe que ela começou sob a forma de uma espécie de controvérsia teológica. Mas muito antes de sermos confrontados no tribunal com nossos antigos confrades, havia pelo menos quatro elementos em jogo que influenciariam o curso dos eventos.

(1) Os padres mais antigos entre os Nove acreditavam que a FSSPX era simplesmente um meio de combater o modernismo e que, assim como outras organizações após o Vaticano II, a FSSPX também poderia ser dissolvida.

(2) A posição teológica notavelmente mais flexível que Dom Lefebvre adotou em relação a "Roma" após a morte de seu velho inimigo Montini (Paulo VI) em 1978, e o fato de João Paulo II ter encantado o arcebispo ao buscar um compromisso por meio de negociações futuras.

(3) A confusão sobre a natureza da FSSPX como organização.

(4) A incoerência na prática da posse de propriedades.

A. O Estado de Espírito dos Nove

Em minha opinião, o principal elemento que preparou o terreno para a batalha jurídica foi a "mentalidade" dos Nove, especialmente de seus cinco membros mais antigos: os padres Kelly (ordenado em 1973), Sanborn (1975), Dolan (1976) e eu mesmo (1977).

Nossas trajetórias pessoais eram notavelmente semelhantes. Fomos criados na Igreja anterior ao Vaticano II e entramos no seminário em diferentes lugares do país, onde testemunhamos os efeitos desastrosos das mudanças do Vaticano II. Todos éramos lutadores que enfrentavam continuamente os modernistas em nossos respectivos seminários e na hierarquia antes de finalmente nos unirmos a Dom Lefebvre em seu seminário em Écône, na Suíça.

No meu caso pessoal, essa jornada levou dez anos. Se o Vaticano II não tivesse ocorrido, eu não teria nenhum interesse em me juntar a Dom Lefebvre ou sua organização. Não fui a Écône porque estava atraído pelo "santo arcebispo" e pelo "espírito" de sua sociedade. Fui lá porque eu odiava o modernismo e queria ser padre para combater essa praga em todos os seus aspectos.

De fato, em uma conferência, Dom Lefebvre admitiu que isso era provavelmente o caso da maioria de nós; em condições normais, dizia ele, a maioria de nós teria escolhido ser jesuíta, beneditino, dominicano ou padre diocesano, em vez de membro da Fraternidade.

Além disso, antes de Écône, eu havia visto muitos outros santos padres e prelados, assim como instituições muito mais impressionantes e veneráveis do que a FSSPX, capitularem, dissolverem-se ou se unirem entusiasticamente ao campo inimigo. Se o "Bispo de Ferro" de Écône fizesse o mesmo um dia, isso não seria uma total surpresa, mas eu não continuaria com ele.

Assim, quando nós, os padres mais antigos, fomos ordenados e começamos a organizar grupos de fiéis católicos em capelas tradicionais em todo os Estados Unidos durante os anos 70, não considerávamos nosso apostolado como uma extensão da obra de Dom Lefebvre e da FSSPX, ou mesmo como uma preservação da "Missão em Latim". Para nós, era uma obra de combate contra os hereges e de fornecimento dos sacramentos válidos.

Desde o início, fomos claros sobre isso com os fiéis de todas as missões que fundamos. O padre (agora bispo) Dolan (que fundou mais de 30 missões enquanto estava na FSSPX) sempre fazia uma declaração de princípio aos católicos que o convidavam para uma cidade. Ele explicava que a Igreja Conciliare era uma falsa religião que ensinava heresia, que Paulo VI não era realmente papa, e que os sacramentos conferidos pela Igreja Conciliare eram inválidos na maioria dos casos. Essa era a mensagem que proclamávamos continuamente do púlpito.

Para mim e os outros membros dos Nove, Dom Lefebvre e sua associação não eram nada mais na Igreja: um meio para um fim – a defesa da doutrina católica e a salvação das almas – e não um fim em si mesmos.

Portanto, caso o arcebispo e sua organização se rendessem ao inimigo (como já vimos com muitos outros), eles não teriam nenhum direito sobre nós e não precisaríamos lhe dever obediência alguma.

B. Novo Clima em Roma

O segundo elemento significativo que colocaria em cena nossa batalha jurídica com o arcebispo foi a mudança notável em sua "linha" após a morte de seu velho inimigo Montini (Paulo VI), a quem João Paulo II sucedeu em 1978, recebendo-o calorosamente. Embora não se possa negar que Dom Lefebvre fosse um anti-liberal e anti-modernista convicto, Dom Montini havia sido um inimigo pessoal quando o arcebispo fazia parte do corpo diplomático do Vaticano antes do Vaticano II. Mais tarde, Montini também tomou o partido dos liberais da hierarquia francesa contra o arcebispo.

Acredito que esse elemento adicionou combustível ao fogo quando a controvérsia sobre o seminário de Écône começou a se intensificar em 1974, o que levou Dom Lefebvre a escolher uma linha muito mais dura em muitas de suas declarações contra "Roma" e o Vaticano.

Para nós, americanos, as frases inflamadas do arcebispo eram música para nossos ouvidos quando, durante os primeiros anos da Fraternidade (1974-1979), entrávamos em Écône ou começávamos nosso apostolado como jovens padres. Assim, quando diversas crises surgiam, os liberais ou os brandos eram levados a deixar a Fraternidade (Declaração do Arcebispo em 1974, a repressão de 1975, o discurso no consistório de Paulo VI, a suspens do arcebispo em 1976 e a revolta do corpo docente em 1977), e a política interna da Fraternidade fazia com que os duros americanos fossem muito bem vistos. Da mesma forma, durante esses anos, as opiniões professadas pelo padre Dolan que mencionamos anteriormente não estavam distantes dos sentimentos que Dom Lefebvre expressou, sendo o corolário lógico.

Em 1974, por exemplo, o arcebispo declarou aos seminaristas de Écône que o problema com o Vaticano II não era apenas uma questão de interpretação de seu ensinamento – mas que o Concílio ele mesmo ensinava erros. Naquele momento, Dom Lefebvre, que possuía um doutorado em teologia romana e era um membro proeminente da hierarquia, sabia, segundo o ensinamento católico, que um verdadeiro concílio convocado por um verdadeiro papa não poderia ensinar o erro; assim, de sua declaração aos seminaristas, podia-se inferir que o Vaticano II era um falso concílio e Paulo VI um falso papa(20). Outras declarações de Dom Lefebvre durante esse período favoreciam as mesmas conclusões – ou seja, a posição que nos anos 80 será conhecida como "sedevacantista"(21).

Que tais declarações fossem em parte motivadas pela animosidade pessoal do arcebispo em relação a Paulo VI não nos parecia óbvio na época. Mas isso se tornou claro quando Paulo VI morreu em agosto de 1978. Após a eleição de João Paulo II em outubro de 1978, Dom Lefebvre declarou que estava pronto para aceitar "o Vaticano II interpretado à luz da tradição". Em 18 de novembro de 1978, João Paulo II recebeu calorosamente o arcebispo, dando-lhe um abraço e assegurando que se encarregaria pessoalmente de resolver seu caso.

No início de 1979, esse programa chocou temporariamente quando o assunto foi submetido à Congregação para a Doutrina da Fé. O arcebispo teve que comparecer a uma reunião bastante insultante, na qual estava presente Dom Mamie, que havia dissolvido a Fraternidade, e durante a qual um dos participantes acusou Dom Lefebvre de "dividir a Igreja".

Provavelmente em consequência disso, nossas ações diminuíram ligeiramente em agosto de 1979, quando um grupo de nós, padres americanos, jantou com o arcebispo em Oyster Bay Cove, NY. Fui ousado o suficiente para perguntar-lhe se a liberdade religiosa era herética e sugerir o efeito que isso poderia ter sobre os papas após o Vaticano II. Dom Lefebvre teve uma pequena risada e disse: “Não digo que o papa não seja o papa, mas também não digo que não se pode dizer que o papa não é papa”.(22)

Naturalmente, isso nos deu esperança, nós, os duros. Essa esperança foi esfriada três meses depois, quando o arcebispo deu uma nova reviravolta. Em 8 de novembro de 1979, ele publicou “A Nova Missa e o Papa: a Posição Oficial da Fraternidade São Pio X”. O arcebispo rejeitava a noção de que Paulo VI fosse um herético e, portanto, um falso papa (o termo ‘sedevacantismo’ ainda não era usado) e dizia que a Fraternidade "recusa absolutamente entrar em tais raciocínios" e acrescentava que a Fraternidade "não pode tolerar em seu seio aqueles que se recusam a orar pelo Papa".

Assim, em maio de 1980, o arcebispo visitou o priorado de Oyster Bay Cove e expulsou três de nós (os padres Kelly, Dolan e eu). Na manhã seguinte, por uma razão desconhecida, o arcebispo mudou de ideia: Não, não precisávamos colocar o nome de João Paulo II no Cânon, afinal, disse ele; e, se pessoas lhe perguntassem qual era sua posição sobre o papa, deveríamos dizer a elas qual era, mas não precisávamos aceitá-la nós mesmos. Se por um tempo alimentamos a leve esperança de que o arcebispo poderia um dia se juntar à nossa posição (especialmente se algum oficial do Vaticano o insultasse o suficiente), ficou claro durante os anos seguintes (1981–1983) que ele seguia o caminho do compromisso e da negociação com os hereges modernistas. O abraço de João Paulo II exerceu sua mágica sobre o arcebispo e mudou a "atmosfera" em Roma. Mas não queríamos fazer parte disso, ou de qualquer união com os modernistas.

C. O que é a FSSPX?

Poder-se-ia pensar que qualquer pessoa pertencente à FSSPX seria capaz de responder a essa pergunta. Mas acredite-me, não é o caso, e a confusão a esse respeito abriu caminho para os processos.

Durante dois anos no seminário de Écône, nunca consegui saber o que era a FSSPX. Falava-se muito do "espírito da Fraternidade", mas nada sobre sua essência, exceto que ela havia sido "ilegalmente suprimida".

Em certo momento de sua história, a Fraternidade São Pio X começou a promover a noção de que ela gozava do status canônico de uma "sociedade de vida comum sem votos" — uma entidade que se assemelha a uma ordem religiosa segundo as leis canônicas. Exemplos conhecidos de tais sociedades incluem os Padres Maryknoll, os Padres Paulistas e os Oratorianos.

Mas essa reivindicação é bastante fantasiosa, para falar de forma caridosa. Como demonstrei em outro lugar, a FSSPX, em sua criação, não era nada mais do que uma "associação piedosa", uma entidade situada canonicamente abaixo de uma Confraria laica do Rosário ou de uma Sociedade de São Vicente de Paulo, e ligeiramente acima de uma Liga do Sagrado Coração.(23)

Nunca me deram uma cópia dos estatutos dessa organização quando eu era seminarista. Na verdade, eu nem sabia que tal documento existia enquanto estava em Écône. Eu só consegui uma cópia dos Estatutos da FSSPX por acaso quando cheguei a Nova York em 1979, dois anos após minha ordenação.

Como seminarista, assinei um "compromisso" na Fraternidade, um documento que dizia apenas "Eu dou meu nome à Fraternidade". As obrigações que isso implicava para o signatário, além da de ser um santo padre, não estavam indicadas. Para mim, era evidente que a assinatura desse documento não me dava nenhum direito de membro da FSSPX.

Era ainda mais evidente que Dom Lefebvre e os outros dirigentes não acreditavam que minha assinatura implicasse qualquer obrigação para comigo. Padre, seminarista ou irmão – todo membro da Fraternidade, percebi, poderia ser expulso sem apelação por simples notificação.

Houve duas versões dos Estatutos da FSSPX:

· Os Estatutos de 1970(24) receberam a aprovação temporária do Bispo de Friburgo por um período de seis anos, e, portanto, foi a única versão que poderia reivindicar ter um status canônico – por seis anos.

· Os Estatutos de 1976(25) (que descobri por acaso) deveriam ter sido estabelecidos por um "Capítulo Geral" realizado em Écône em setembro de 1976. Eles não tinham nenhuma força canônica, não tendo sido estabelecidos por ninguém que possuísse sequer uma delegação de autoridade canônica.

Os dois textos eram extremamente curtos e datilografados em espaço duplo: os Estatutos de 1970 continham 12 páginas e os Estatutos de 1976, 25 páginas. Eles consistiam essencialmente em exortações piedosas. Isso contrastava com minha experiência de uma verdadeira ordem religiosa, os Cistercienses. Lá, as obrigações que eu aceitava com meus votos eram absolutamente claras – expostas em detalhes em centenas de páginas na regra de São Bento, na Constituição Geral da Ordem, nas Constituições da Congregação de Zirc, e outros estatutos menores.

Neles também figuravam meus direitos como membro da Ordem e as obrigações de meus superiores de respeitá-los. Como cisterciense, tive dois anos de aulas semanais sobre esses assuntos.

Para mim, a única conclusão possível era que a FSSPX não era nada mais do que uma vaga associação de padres, seminaristas e irmãos que compartilhavam certos ideais. Devido ao desassossego dos católicos após o Vaticano II, a FSSPX havia sido criada e funcionava de forma improvisada em uma base ad hoc.

Se você discordasse de qualquer coisa da posição de Dom Lefebvre em um determinado dia, estava livre para partir, e ele também estava livre para te expulsar. Quando isso acontecia, você não tinha obrigações para com ele, e tenha certeza de que ele agia como se não tivesse obrigações para com você.

D. Mudanças nas “Políticas” sobre a Propriedade

Nem os Estatutos de 1970, nem os de 1976 continham regulamentações indicando como os edifícios utilizados pelos padres da Fraternidade deveriam ser detidos. A FSSPX começou como um organismo oficialmente reconhecido por um bispo diocesano e ficou assim durante os primeiros cinco anos de sua existência, reconhecendo que seus padres celebrariam a Missa nas paróquias diocesanas a convite do bispo local ou dos párocos.

Assim, os Estatutos não previam que a FSSPX possuísse e operasse uma rede de igrejas que lhe pertenciam de forma própria e independentemente dos bispos diocesanos.(26)

Nos Estados Unidos, a política (se é que havia uma) era inconsistente e sujeita a mudanças. Estou bem posicionado para saber, uma vez que, a partir de 1977, fui o Tesoureiro do seminário e do Distrito Nordeste, e, portanto, estive intimamente envolvido em todos os problemas financeiros e outros.

No início dos anos 70, várias associações religiosas com uma maioria de leigos (denominados "Amigos" da FSSPX) como líderes foram fundadas nos Estados Unidos para deter os títulos de propriedade das residências dos padres da FSSPX e das poucas pequenas capelas onde era celebrada a Missa. Da mesma forma, durante um longo período, o seminário de Écône foi detido por uma associação exclusivamente composta por leigos.

Deixar os padres da Fraternidade de fora das associações para ter uma maioria de leigos no conselho tinha como objetivo evitar uma situação em que os padres recebessem ordens para ceder o controle de uma propriedade ao bispo diocesano, ou mesmo a "Roma" (ou seja, ao homem que Dom Lefebvre pretendia reconhecer como papa).

As associações americanas foram organizadas segundo esses princípios por um consultor jurídico de Long Island que fora um apoiador de Dom Lefebvre por muito tempo. Embora devotado, esse gentleman não era especialista em sociedades, e sua incompetência trouxe alguns problemas fiscais graves com o IRS.

Após enfrentar sérios problemas com leigos que queriam dirigir as finanças das igrejas atendidas pelo clero da FSSPX (na Virgínia, Flórida, Texas e Califórnia), eu propus, ao contrário, que padres da FSSPX dirigissem ex officio as associações que detinham as diversas igrejas na América. Redigi uma estrutura jurídica com esse propósito e tentei implementar um programa para fazer esses princípios serem adotados. No entanto, o jurista que estabelecera as associações "Amigas" com a maioria laica reclamou que eu estava invadindo seu trabalho e resistiu.

Mas por volta de 1980, Dom Lefebvre (talvez inspirado por esse mesmo jurista) nos fez saber que os padres da Fraternidade não deviam estar envolvidos nas associações que detinham as propriedades. Portanto, informamos nossos fiéis no Michigan, Iowa e Pensilvânia que desejavam comprar igrejas que deveriam formar suas próprias associações de leigos e que não poderíamos nos envolver nisso.

Então, no final de 1982, o vento virou novamente. Agora, indicou-se que os superiores da Fraternidade deveriam controlar as associações que detinham as diversas propriedades. Associo essa mudança à eleição do padre Franz Schmidberger como sucessor de Dom Lefebvre à frente da FSSPX.

Assim, no início de 1983, recebi a visita do Tesoureiro Geral, o padre Bernard Fellay, que estava extremamente impaciente para que a mudança de direção das associações ocorresse o mais rápido possível. O Superior Geral deveria, de fato, controlar tudo.

Naquela época, alguns problemas maiores apareceram na Fraternidade. Concluí que a visita do padre Fellay era uma maneira de preparar uma purga iminente, a qual, naturalmente, deveria me incluir. Percebendo isso, não tomei nenhuma medida em relação às associações e deixei-as como estavam, com seus estatutos e dirigentes da época.

Em resumo, Dom Lefebvre não tinha nenhuma política coerente sobre o controle das propriedades quando eu pertencia à sua organização. Ele mudava constantemente esse assunto, assim como fez em todos os outros domínios.

Mas mesmo que Dom Lefebvre e os Estatutos da FSSPX tivessem estabelecido "regras" sobre a propriedade das igrejas, nenhuma teria sido obrigatória de qualquer forma. O arcebispo era um bispo aposentado que dirigia uma organização que não tinha nenhuma existência canônica. Nem ele, nem sua organização possuíam qualquer autoridade canônica para impor algo a quem quer que fosse.

II. As Questões Teológicas

Há décadas, persiste o mito de que o desacordo principal entre Dom Lefebvre e os Nove repousava sobre o “sedevacantismo”. Contudo, esta questão particular não surgiu no início, e certamente não foi a causa da disputa. Alguns membros dos Nove eram sedevacantistas na época e outros não.

Por outro lado, havia seis problemas sérios que se combinaram para desencadear a crise na FSSPX.

E aparecendo indistintamente, semelhante a um abutre, estava o ameaçador padre Richard Williamson. O arcebispo o havia nomeado Vice-Reitor do seminário de Ridgefield e, mais ou menos, comissário teológico para a América, encarregado de rastrear qualquer desvio da nova linha do partido do Arcebispo.

O padre Williamson era perfeito para esse papel. Adulto convertido após o Vaticano II, seus únicos conhecimentos e experiências vinham de Dom Lefebvre e da FSSPX. Portanto, ele era totalmente alinhado com a linha do partido; seu principal ponto de referência para resolver qualquer problema era a opinião de Dom Lefebvre. Isso pode ser visto nos boletins e artigos que ele publicou durante a disputa que se seguiria.(27)

Minha primeira reunião com o padre Williamson após sua nomeação não prenunciava nada bom. Eu deveria encontrá-lo em nossa capela de Staten Island, onde ele celebrava a Missa imediatamente após sua chegada da Europa. Sua Missa foi tão escandalosa – realizada com um completo desdém pelas rubricas – que não consegui suportar assistir e esperei do lado de fora.(28)

A metodologia do padre Williamson no seminário era a do agente provocador clássico – declarações excessivas destinadas a provocar fortes reações de oposição de seminaristas que poderiam demonstrar lealdade a qualquer princípio além das opiniões sempre mutáveis do arcebispo.

Em algumas semanas, o Seminário de São Tomás de Aquino, que havia sido pacífico durante cinco anos sob o padre Sanborn, estava em plena tempestade. “Os conflitos são normais em um seminário”, assegurava o padre Williamson aos seminaristas. Não até sua chegada, senhor padre.

Em resposta a essa situação, na primavera de 1983, nós (Padres Kelly, Sanborn, Jenkins, Dolan e eu) começamos a redigir uma carta a Dom Lefebvre e à "Direção Geral" (Padre Franz Schmidberger e outros líderes da FSSPX) que deveria expor os problemas mais prementes. Quatro dos padres mais jovens – os padres Collins (ordenado em 1979), Berry (1980), Zapp (1982) e Skierka (1982) – tinham queixas semelhantes sobre a direção que a FSSPX estava tomando e participaram das discussões.

Em 25 de março de 1983, concordamos com a versão final da carta, a assinamos em Oyster Bay Cove, NY, e a enviamos. O texto completo da carta está disponível em www.traditionalmass.org sob o título “Carta dos ‘Nove’ ao Arcebispo Lefebvre.” Aqui está um resumo dos pontos principais.

A. Dos Padres com Ordenação Duvidosa

O Superior do Distrito do Sudoeste, o padre Hector L. Bolduc, utilizava há anos o padre Philip Stark SJ para celebrar a Missa nas missões da FSSPX em seu distrito. Descobrimos que o padre Stark havia sido ordenado com o novo rito de ordenação do Vaticano II.

Até então, Dom Lefebvre nos havia dito anos atrás que a validade do rito de ordenação dos padres de 1968 era duvidosa, e ele havia ordenado sob condição pelo menos dois padres Novus Ordo que vieram trabalhar com a FSSPX nos Estados Unidos, os padres Sullivan e Ringrose. Quando o caso de Stark surgiu, pensamos que Dom Lefebvre teria a mesma postura.(29)

Antes que isso acontecesse, publicamos em 1981 um estudo sobre o novo rito de ordenação em nossa revista, The Roman Catholic. O artigo, escrito pelo padre Jenkins e intitulado "Purificação do Sacerdócio na Igreja Conciliare", não mencionava diretamente o caso Stark, mas sua conclusão era clara: a validade do novo rito de ordenação era duvidosa, portanto, os sacramentos conferidos também eram, e consequentemente, tal padre deveria solicitar ser reordenado sob condição.

Isso não foi bem aceito pelo padre. De seu lado, o padre Stark disse claramente que se recusaria a se submeter a uma ordenação sob condição.

Dom Lefebvre havia manifestado que queria publicar um outro artigo sobre o assunto, escrito por Michael Davies – e Davies, naturalmente, sustentava que o novo rito era válido. Publicamos o artigo de Davies ao mesmo tempo em que sua crítica elaborada pelo padre Jenkins. Isso levou a um intercâmbio epistolar em The Roman Catholic.

O assunto se arrastou até 1982, quando Dom Lefebvre (descobrimos mais tarde) estava engajado em um de seus acessos periódicos de negociações encobertas com "Roma". Se nossas objeções acerca da validade dos novos ritos de ordenação viessem a ser conhecidas dos modernistas, isso seria um obstáculo embaraçoso para a “reconciliação”.

Portanto, ao invés de considerar o problema do padre Stark como uma ameaça séria à validade dos sacramentos conferidos por sua organização, Dom Lefebvre simplesmente o tratou como um aborrecimento e um problema de política interna. Na melhor das tradições diplomáticas, ele buscou conciliar os dois lados, tergiversar, adiar e evitar controvérsias públicas.

Enquanto isso, o padre Stark viajava pelo país celebrando Missas e conferindo sacramentos que eram duvidosos, senão inválidos. Como medida temporária, decidimos informar nossos paroquianos que viajavam para o Sudoeste para não frequentar as capelas onde o padre Stark oficiava. É claro que isso não poderia continuar por muito tempo.

Um dos nossos principais objetivos era fornecer aos fiéis católicos sacramentos válidos. Mas Dom Lefebvre agora estava legitimando a entrega de sacramentos duvidosos ou inválidos sob a égide da FSSPX, organização da qual fazíamos parte. E ele agia assim essencialmente por motivos políticos.

Portanto, resolvemos confrontar Dom Lefebvre novamente sobre esse problema, mas pela última vez. A menos que ele pedisse ao padre Stark que se submetesse a uma ordenação sob condição e instituísse isso como a regra para todos os padres em sua situação que viessem trabalhar com a Fraternidade, tudo estaria acabado para ele.

B. O Missal de João XXIII (Bugnini)

A evolução das práticas litúrgicas dentro da FSSPX um dia será um tema fascinante para uma tese de doutorado. Nos primeiros dias de Écône, a "Missa tradicional" era uma mistura do rito de João XXIII (1962) e das modificações provisórias de Paulo VI (1964-67), combinada com coisas que "o arcebispo gostava", "o que se fazia na França", e ocasionalmente uma gota de prática anterior a 1955.

Quão decepcionados ficamos nós, americanos, quando chegamos a Écône para encontrar uma Missa Tridentina "modernizada"! O Salmo 42 foi suprimido nas Orações ao Pé do Altar, o sacerdote sentado de lado (como no Novus Ordo), a Epístola e o Evangelho lidos na Missa baixa a partir de um lecionário voltado para o povo, entre outras inovações.

Durante o mesmo período, alguns anglófonos da FSSPX, particularmente o seminarista Daniel Dolan, se interessaram pela história das mudanças litúrgicas após 1955. Elas eram, em grande medida, obra do padre Annibale Bugnini, o criador do Novus Ordo em 1969.

Bugnini foi relativamente claro ao declarar que a quantidade de mudanças litúrgicas que apareceram nos anos 50 eram "uma ponte para o futuro" e parte do mesmo processo que produziria a Nova Missa.

Quando, nos anos 70, os padres da FSSPX foram ordenados e retornaram aos seus países, seguiam as práticas locais. Nos países anglófonos e na Alemanha, usava-se o Missal, as Rubricas e o Breviário de antes de 1955. A França, em princípio, utilizava os livros de João XXIII.

O problema litúrgico apareceu no "Capítulo Geral" da FSSPX em 1976. Lá, foi decidido que os padres da Fraternidade continuariam a seguir a prática em uso em seu país – uma regra bastante sensata. De fato, em nossas capelas nos EUA e nosso seminário, seguíamos os livros e costumes anteriores a 1955.

No entanto, no início dos anos 80, Dom Lefebvre decidiu impor o Missal e o Breviário de João XXIII de 1962 a todos na Fraternidade. Isso, de novo, como soubemos mais tarde, estava relacionado às "negociações" do arcebispo com Ratzinger e João Paulo II. Ele lhes pedia o direito de usar o Missal de 1962 – o que mais tarde seria prescrito para a Missa do Indulto, a Fraternidade São Pedro e a Missa Motu, autorizada por Ratzinger (Bento XVI) em julho de 2007.

No outono de 1982, portanto, apesar das protestações do padre Sanborn, o reitor do seminário dos EUA, Dom Lefebvre impôs o uso do Missal e do Breviário de 1962 ao Seminário de São Tomás de Aquino, então localizado em Ridgefield, CT. Isso não foi bem aceito, nem pelos docentes, nem pela maioria dos seminaristas.

A introdução das modificações litúrgicas de 1962 no seminário deixou claro que o restante dos padres do Nordeste seria o próximo alvo do arcebispo para as "reformas litúrgicas".

Mesmo a cabeça de uma verdadeira ordem religiosa como os Cistercienses não tinha o poder de impor a seus membros novos costumes litúrgicos – e Dom Lefebvre não era nada mais do que um bispo aposentado dirigindo uma associação de padres sem existência canônica. Ele não tinha o direito de impor práticas litúrgicas a ninguém. Além do problema da licitude, esse era o princípio em si.

Essas reformas litúrgicas eram a obra do maçom Bugnini. Elas constituíam uma etapa de seu programa de destruição da Missa e de sua substituição pelo Novus Ordo. Sabendo disso, não havia como eu e meus amigos padres usarmos seu Missal.

C. Expulsões Sumárias de Padres

No início de 1983, Dom Lefebvre ameaçou expulsar o padre Zapp da Fraternidade porque ele se recusava a seguir as reformas de João XXIII.

A ameaça do arcebispo contradizia a lei canônica e a tradição da Igreja, que exigia que todo bispo que ordenasse um padre se certificasse de que ele tinha um "título canônico", ou seja, um meio de subsistência material permanente. Mesmo quando um bispo ordenava um padre sem um verdadeiro título canônico (o que fez Dom Lefebvre), a lei canônica obrigava o bispo e seus sucessores a assistirem o padre durante toda a sua vida.

Dom Lefebvre praticava regularmente a ameaça de expulsão ou mesmo a expulsão de padres da Fraternidade, e não tomava nenhuma providência para assisti-los. A partir de 1983, essa era a prática padrão do arcebispo – contrarie-o, e você estaria na rua sem apelação.

D. Usurpação de Autoridade Magisterial

Aqui o problema era que Dom Lefebvre e a FSSPX agiam como se possuíssem a autoridade do magistério. Quando se tratava de assuntos como a validade da Nova Missa ou a vacância da Santa Sé, o arcebispo começou a insistir para impor aos membros que aderissem a suas posições do dia.

Isso, novamente, era feito com o objetivo de chegar a um acordo com Ratzinger e João Paulo II. Mas uma simples submissão externa não era suficiente. Era acrescentada uma obrigação de submissão interna à linha do partido da FSSPX. Isso estava evidente em uma carta de 8 de novembro de 1982 que o sucessor selecionado de Dom Lefebvre, Franz Schmidberger, escreveu a um jovem padre:

“Se você permanecer em nossa Sociedade, precisa gradualmente esclarecer seu ponto de vista interno e retornar à posição da Fraternidade de Padres, que nos parece a única justa, dadas as circunstâncias, como uma troca com teólogos me mostrou novamente no fim de semana passado. Pense nisso seriamente, pois com esta decisão, seu bem-estar temporal, mas muito mais, sua salvação estão em jogo de forma extrema. Continuarei a orar para que a luz divina o ilumine e o leve a uma humilde submissão.”

Retornar à posição da Fraternidade? Sua salvação eterna está em jogo? Humilde submissão? Para nós, isso era loucura.

Somente a Igreja tem o direito de exigir a submissão interna sob pena de salvação eterna – não o equivalente canônico da Liga do Sagrado Coração. Viemos para combater o modernismo, não para nos submeter a um magistério alternativo.

F. Lealdade à FSSPX Acima de Tudo

Esse ponto já foi comentado anteriormente. Na prática, Dom Lefebvre e a FSSPX começaram a igualar a lealdade a si mesmos e suas "posições" com a lealdade à Igreja. Nem nós, nem as pessoas que servíamos assinamos para isso.

Portanto, quando as pessoas dizem que o sedevacantismo foi a causa de nosso conflito com a FSSPX, respondo que o verdadeiro conflito não era falhar em reconhecer João Paulo II como papa – era falhar em reconhecer Dom Lefebvre como papa.

G. Aceitar Anulações Falsas

Os cinco problemas já expostos fervilhavam há algum tempo quando um sexto emergiu, o qual rapidamente fez transbordar tudo.

Descobrimos que um leigo importante de uma de nossas missões havia se casado e obtido a anulação de seu casamento pelo tribunal modernista local sob a alegação de "imaturidade psicológica", e então se casou novamente.

A anulação era falsa. Mesmo nos anos 80, era óbvio para os católicos tradicionais que os tribunais matrimoniais diocesanos pós-Vaticano II não eram nada mais do que cortiços de registro de divórcio que proferiam anulações com base em evidências claramente falsas. Portanto, aconselhamos as partes envolvidas no segundo casamento a se separarem ou a viverem como irmãos e irmãs.

No início de 1983, no entanto, soubemos que um deles havia escrito a Dom Lefebvre, que tinha cópias de sua correspondência e da resposta que nos enviou. A carta original não mencionava os motivos da anulação, e o arcebispo não se preocupou em conhecê-los. Pelo contrário, o Secretário Geral da FSSPX, o padre Patrice Laroche, escreveu em nome do arcebispo:

"Em nome de Sua Graça Arcebispo Marcel Lefebvre, agradeço por sua carta de 23 de junho, à qual ele trouxe toda a sua atenção.
“Sua Graça pensa que, apesar de tudo, devemos aderir à decisão tomada pela Igreja. Embora possamos lamentar que a Igreja declare atualmente os casamentos inválidos muito facilmente, não podemos afirmar em um caso particular, sem uma razão séria, que uma declaração de anulação não é válida. Portanto, você pode receber os sacramentos e ter uma vida de família cristã.”

O pensamento do arcebispo era perfeitamente claro: nós, padres, deveríamos agora tratar cada anulação modernista como válida até prova em contrário.

Por que ele queria estabelecer tal princípio? Suas negociações secretas com Ratzinger. Dom Lefebvre mal poderia esperar que os modernistas hereges reconhecessem a FSSPX se ele mesmo não reconhecesse seus tribunais matrimoniais.

Assim, o "Bispo de Ferro" colocou a indissolubilidade dos casamentos sacramentais na mesa como moeda de troca para seu grande projeto diplomático de "reconciliação". Para nós, isso foi o fim. Depois de delinear os grandes problemas em nossa carta de 25 de março, propusemos seis resoluções práticas para a FSSPX a fim de resolvê-los – um cenário que devemos reconhecer teria sido extremamente improvável. Alguns trechos da conclusão da carta mostrarão ao leitor, mesmo após todos esses anos, nossa determinação em permanecer firmes:

"… não haveria desculpa para repetir os erros dos católicos dos anos sessenta. No que diz respeito a eles, pode-se pelo menos entender como foram conduzidos da tradição para a nova religião por um processo gradual e a submissão servil. Garantiam-lhes que eram filhos obedientes, atentos a seus pastores, com o chefe dos pastores em si, o Papa. Era inconcebível que o Vigário de Cristo pudesse levar a Igreja a um caminho que significasse trair a tradição e a ruína de milhões de almas. E os católicos se submetiam ao processo...

"Para nós, mais de vinte anos depois, a história diante de nossos olhos, não pode haver desculpa para aceitar as primeiras etapas do processo de reforma. Assim como não podemos validar práticas que equivalem a rejeitar as tradições sagradas.

Temos receio tanto pelo futuro da Fraternidade quanto pelo bem das almas...

"Estamos resolvidos a continuar o trabalho para o qual fomos ordenados e para o qual recebemos a confiança dos fiéis. O que temos a intenção de fazer com toda a serenidade, mesmo que a Fraternidade nos abandonasse.

"Em Jesus e Maria…”

No dia em que assinamos a carta, a tensão na atmosfera era palpável, porque todos nós sabíamos quais poderiam ser as consequências. Para esclarecer as coisas, o padre Kelly citou o aviso de Franklin aos signatários da Declaração de Independência: “Devemos nos manter todos juntos, ou certamente seremos pendurados separadamente.”

III. A Ruptura de Abril de 1983

Dom Lefebvre já havia programado uma viagem aos EUA em abril de 1983 para visitar o seminário de Ridgefield e, em seguida, ir ao Distrito do Sudoeste para destituir o Superior, o padre Bolduc. É desnecessário dizer que a destituição do padre Bolduc foi adiada, e a questão dos Nove foi colocada no topo da agenda do arcebispo.

A. A Destituição do Padre Sanborn

Dom Lefebvre chegou ao seminário acompanhado do padre Schmidberger. Nos dias 24, 25 e 26 de abril, ele proferiu discursos diante dos seminaristas denunciando o padre Sanborn e o restante de nós, apresentando a linha do partido.

Às vezes, me perguntam se hoje eu acho que deveria ter agido de maneira diferente em 1983. Minha resposta é sim, eu deveria ter tomado uma posição ainda mais firme: trocar as fechaduras do seminário de Ridgefield, enviar as coisas do padre Williamson e manter Dom Lefebvre totalmente afastado. Não ter feito isso deixou ao arcebispo uma base de operações para acolher os padres duvidosos, as falsas anulações e a lealdade a ele como se fosse um papa substituto.

De qualquer forma, Dom Lefebvre destituiu prontamente o padre Sanborn da reitoria do seminário, substituindo-o pelo padre Williamson. Em seguida, o padre Sanborn foi enviado para a Irlanda.(30)

O plano do arcebispo era "dividir e conquistar". Com esse objetivo, ele procurou evitar um confronto direto com os padres Kelly, Dolan e eu, afastando-nos por enquanto e depois nos pegando um a um mais tarde. Como suspeitávamos, insistimos para que o arcebispo nos encontrasse a fim de discutir o conteúdo da carta de 25 de março. Assim, na tarde de 27 de abril de 1983, Dom Lefebvre, acompanhado dos padres Schmidberger e Williamson, se dirigiu de Ridgefield a Oyster Bay Cove, NY, que se tornara o quartel-general do Distrito Nordeste.

B. O Encontro de 27 de Abril

Encontramos o arcebispo na sala de conferências do andar térreo. Informamos ao arcebispo que o padre Kelly e eu estávamos autorizados pelos outros signatários da carta a falar em seu nome. Os padres Dolan e Berry também estavam presentes. Os padres Williamson e Berry tomaram notas detalhadas, de forma que mesmo vinte e cinco anos depois podemos ter uma noção do que aconteceu. Mencionarei apenas alguns aspectos.

(1) O Debate. Apresentei uma lista das seis resoluções contidas em nossa carta, à qual havia sido adicionada uma sétima que garantiria que as referidas resoluções seriam obrigatórias se adotadas. Sugeri que seria melhor discutir essas questões, pois tratavam de questões práticas. Dom Lefebvre começou fazendo críticas ao padre Zapp por ele se recusar a usar o Missal de João XXIII.

Então, tentei pressionar o arcebispo sobre o problema da ordenação sob condição dos padres ordenados segundo o novo rito. Ele começou tentando nos acalmar, dizendo que estava absolutamente de acordo com os princípios, que a situação era lamentável, que seria melhor que o padre Stark fosse reordenado, etc.

Mas quando o pressionei para dar uma resposta clara, o arcebispo disse que não queria fazer disso uma regra. A discussão se voltou então para a liturgia de João XXIII. Dom Lefebvre nos acusou de intolerância e negou que o "Capítulo Geral" de 1976 tivesse aprovado o uso do Missal e do Breviário anteriores a 1955. Isso era claramente falso, como demonstram as Atas que o arcebispo havia assinado.(31)

O arcebispo então disse que estávamos sendo obstinados em relação às questões litúrgicas porque não "pensávamos com a Fraternidade".(32)

Isso nos fez saltar, o padre Kelly e eu. A expressão normal na teologia católica é "pensar com a Igreja". O pequeno "deslizamento freudiano" do arcebispo simplesmente nos confirmou o que expomos em nossa carta: deveríamos nos submeter a ele e à FSSPX como se fosse uma Igreja substituta.

O padre Dolan então perguntou em virtude de qual autoridade ele havia decidido a questão litúrgica – por que não 1965 ou 1968? O arcebispo disse que era a "última legislação pontifícia válida" (!) e que "a fé" decidia. Tradução: o arcebispo mesmo determina para todos qual legislação papal é válida e quando "a fé" está ameaçada. Novamente, o arcebispo e a FSSPX como Igreja substituta: A Fé sou eu.

(2) O Fim. Quando tentamos levar a discussão para o terceiro ponto, o arcebispo notou o sétimo ponto na lista. Este era o que eu havia pessoalmente acrescentado.(33) Ele teria autorizado o padre Kelly e eu a redigir documentos legais que obrigariam toda associação afiliada à FSSPX a observar as resoluções adotadas.

O sétimo ponto foi concebido para impedir que o arcebispo seguisse sua prática habitual, que era de fingir diplomaticamente seu acordo sobre algo e negá-lo mais tarde. Em outras palavras, o estávamos convidando a colocar as cartas na mesa. O arcebispo percebeu isso e saltou. “Terminou, impossível. Impor a Écône sua maneira de agir?!... Espírito agressivo... aceitar o ponto sete deste papel?!? Encontre outro bispo... Ordens de Cekada. Apenas daremos o nome... Tome sua liberdade... Chega de discussões...” etc., etc.

Depois disso, ficou claro que estávamos em um impasse.

O padre Schmidberger abordou a questão das diversas propriedades. Ele sugeriu que mantivéssemos em segredo o desacordo para não chocar os fiéis e nomeássemos delegados para resolver qualquer problema. Era, de qualquer forma, o que íamos propor. Informamos ao arcebispo que, por enquanto, controlávamos as diversas associações. Ele imediatamente ameaçou nos processar.

Nós propusemos, ao contrário, que nossos respectivos advogados se encontrassem para chegar a um acordo visando evitar um grande problema. Eles concordaram, e a reunião chegou ao fim.

O padre Kelly e eu pensamos que um jantar em comum com o arcebispo e os dois padres poderia esfriar a tensão e talvez permitir que ambos os lados imaginassem um arranjo amigável que poupasse os fiéis. Portanto, os convidamos para jantar.

O arcebispo queria ficar. Mas o padre Williamson disse em alemão ao padre Schmidberger: "Não quero comer com tais pessoas", ao que não pude resistir em acrescentar em alemão: "Cuidado, você nunca sabe quem fala alemão!".

Então, beijamos o anel do arcebispo, agradecemos (sinceramente) por tudo o que ele havia feito e o vimos partir com os dois padres. Muitas vezes pensei que o processo poderia ter sido totalmente evitado se o arcebispo tivesse ficado para o jantar. Embora a reunião tenha sido emocionalmente difícil, ainda estávamos determinados a não ceder nos pontos levantados em nossa carta.

Assim que o arcebispo retornou ao seminário de Ridgefield, ele imediatamente começou a redigir uma carta denunciando-nos aos fiéis. Assim ele concebia manter o segredo e tentar resolver o problema pacificamente.

No dia seguinte, 28 de abril, o arcebispo fez outra conferência com os seminaristas. Ele ainda estava furioso a respeito do ponto (7), aquele que visava impedi-lo de escapar de um acordo. Finalmente, em um comentário irônico: na carta em que denunciava os Nove como rebeldes, o arcebispo citava um trecho da Suma como sendo "a base do pensamento da Fraternidade e de sua ação na grave crise que atravessava a 'Igreja'." Eu li e descobri Santo Tomás dizendo "se a fé estivesse em perigo, um inferior deveria corrigir seu prelato" e que seus superiores "não deveriam desdenhar de serem repreendidos por seus inferiores".(34)

Aparentemente, o princípio se aplicava ao arcebispo, mas não a nós.

IV. As Ações Judiciais

No dia 1º de maio, o primeiro domingo depois da reunião, explicamos do púlpito em todas as nossas capelas os pontos de desacordo com Dom Lefebvre e por que precisaríamos adotar uma posição firme diante de seus atos. Com algumas exceções, a reação de nossos paroquianos foi de contrariedade em relação ao arcebispo e apoio à nossa posição como padres. O mesmo ocorreu com os dois outros padres que estavam conosco naquele momento, os padres Roy Randolph e John Hesson.

Alguns dias após a reunião de 27 de abril, nosso advogado contatou o advogado do arcebispo (o mesmo que havia originalmente constituído as associações leigas "Amigas") para sondar a possibilidade de um acordo. Nosso advogado nos disse que tinha a impressão de que o arcebispo e seus conselheiros não estavam seriamente interessados em uma negociação e que pareciam pensar que venceriam rápida e facilmente em tribunal. Portanto, ele disse, esperem-se ser processados. Mas ele mesmo pensava que o litígio seria longo e prejudicial, e que terminaria com um acordo negociado.

A. O Arcebispo Apresenta Queixa

A batalha jurídica começou no verão de 1983 quando o arcebispo e sua organização processaram-nos no Tribunal de Distrito do Distrito Leste de Nova York – em outras palavras, o sistema federal, em vez do tribunal estadual.

Um autor requerente inicia os processos preenchendo um documento chamado “Complaint” junto ao tribunal. Nele, o autor é suposto listar suas principais reivindicações contra o acusado, junto com as bases fáticas e legais. A principal reivindicação do arcebispo e da FSSPX era que éramos seus agentes e procuradores. Nesse caso, éramos responsáveis pela aquisição e preservação dos bens em seu nome. Havíamos lesado seus bens e os ocupávamos ilegalmente.

"Gestor de bens imobiliários" não era, se bem me lembro, uma das tarefas atribuídas nas prescrições que o arcebispo leu durante o rito de ordenação.

Mas, de qualquer forma, na medida em que éramos envolvidos, considerando-se o direito civil que nos considera como agentes ou procuradores, o arcebispo agora ratificava os sacramentos duvidosos e impunha um Missal cripto-modernista com vista a uma "reconciliação" com o ecumenismo arqui-herético de Wojtyla, uma Igreja Mundial.(35) Por essa razão, Dom Lefebvre perdia todo direito moral de qualquer tipo à posse das igrejas que reivindicava, exatamente como fizeram os bispos diocesanos nos anos 60.

Um padre tradicional daquela época não estava em condição de lutar por seu rebanho através de uma batalha jurídica com seu bispo. Mas em 1983, graças a Deus, estávamos e nós fazê-lo-íamos.

B. Preparação para Outras Ações Judiciais

Nosso advogado, temendo que o processo fosse complexo demais para sua pequena organização, contratou os serviços de um escritório maior de Nova York que tinha experiência nas leis sobre associações sem fins lucrativos. O padre Kelly e eu instruímos os advogados sobre o caso e sobre os elementos que minhas pesquisas sobre as contestações de propriedade das igrejas haviam revelado.

Esperando que um dia fôssemos processados em outros estados, visitei outros escritórios no Michigan, Pensilvânia, Minnesota e Ohio para instruí-los sobre o caso.

Minha conversa com um advogado de Cincinnati foi particularmente útil. Após uma revisão aprofundada da Queixa que nossos adversários haviam apresentado em Nova York, ele descobriu um erro fatal cometido pelo advogado do arcebispo. Esse erro, disse ele, seria sua "bala de prata". Guarde-a em reserva até a audiência em Nova York. Depois use-a para desmantelar toda a argumentação deles. E, de fato, quatro anos depois, ele se provou certo.

IV. As Ações Judiciais

No dia 1º de maio, o primeiro domingo após a reunião, explicamos do púlpito em todas as nossas capelas os pontos de desacordo com Dom Lefebvre e por que precisaríamos adotar uma posição firme diante de seus atos. Com algumas exceções, a reação de nossos paroquianos foi de contrariedade em relação ao arcebispo e apoio à nossa posição como padres. O mesmo ocorreu com os dois outros padres que estavam conosco naquele momento, os padres Roy Randolph e John Hesson.

Alguns dias após a reunião de 27 de abril, nosso advogado contatou o advogado do arcebispo (o mesmo que havia originalmente constituído as associações leigas "Amigas") para sondar a possibilidade de um acordo. Nosso advogado nos disse que tinha a impressão de que o arcebispo e seus conselheiros não estavam seriamente interessados em uma negociação e que pareciam pensar que venceriam rápida e facilmente em tribunal. Portanto, ele disse, esperem-se ser processados. Mas ele mesmo pensava que o litígio seria longo e prejudicial, e que terminaria com um acordo negociado.

A. O Arcebispo Apresenta Queixa

A batalha jurídica começou no verão de 1983, quando o arcebispo e sua organização processaram-nos no Tribunal de Distrito do Distrito Leste de Nova York – em outras palavras, o sistema federal, em vez do tribunal estadual.

Um autor requerente inicia os processos preenchendo um documento chamado “Complaint” junto ao tribunal. Nele, o autor é suposto listar suas principais reivindicações contra o acusado, junto com as bases fáticas e legais. A principal reivindicação do arcebispo e da FSSPX era que éramos seus agentes e procuradores. Nesse caso, éramos responsáveis pela aquisição e preservação dos bens em seu nome. Havíamos lesado seus bens e os ocupávamos ilegalmente.

"Gestor de bens imobiliários" não era, se bem me lembro, uma das tarefas atribuídas nas prescrições que o arcebispo leu durante o rito de ordenação.

Mas, de qualquer forma, na medida em que éramos envolvidos, considerando-se o direito civil que nos considera como agentes ou procuradores, o arcebispo agora ratificava os sacramentos duvidosos e impunha um Missal cripto-modernista com vista a uma "reconciliação" com o ecumenismo arqui-herético de Wojtyla, uma Igreja Mundial.(35) Por essa razão, Dom Lefebvre perdia todo direito moral de qualquer tipo à posse das igrejas que reivindicava, exatamente como fizeram os bispos diocesanos nos anos 60.

Um padre tradicional daquela época não estava em condição de lutar por seu rebanho através de uma batalha jurídica com seu bispo. Mas em 1983, graças a Deus, estávamos e nós fazê-lo-íamos.

B. Preparação para Outras Ações Judiciais

Nosso advogado, temendo que o processo fosse complexo demais para sua pequena organização, contratou os serviços de um escritório maior de Nova York que tinha experiência nas leis sobre associações sem fins lucrativos. O padre Kelly e eu instruímos os advogados sobre o caso e sobre os elementos que minhas pesquisas sobre as contestações de propriedade das igrejas haviam revelado.

Esperando que um dia fôssemos processados em outros estados, visitei outros escritórios no Michigan, Pensilvânia, Minnesota e Ohio para instruí-los sobre o caso.

Minha conversa com um advogado de Cincinnati foi particularmente útil. Após uma revisão aprofundada da Queixa que nossos adversários haviam apresentado em Nova York, ele descobriu um erro fatal cometido pelo advogado do arcebispo. Esse erro, disse ele, seria sua "bala de prata". Guarde-a em reserva até a audiência em Nova York. Depois use-a para desmantelar toda a argumentação deles. E, de fato, quatro anos depois, ele se provou certo.

C. Um Objetivo Realista

Uma pergunta surge naturalmente: por que não usamos esse erro para obter um não-lugar desde o início?

Era uma questão de estratégia jurídica. Nossos adversários estavam determinados a processar a qualquer custo e teriam atacado de outra forma novamente. Enquanto esperávamos para solicitar um não-lugar, os arrastávamos por anos de procedimentos de instrução, e, após tudo isso, obter o não-lugar e forçá-los a retornar a outra jurisdição nas mesmas condições.

Dever raciocinar dessa maneira é preocupante, realmente. Mas quando você tem que lidar com um adversário implacável em nosso sistema legal frequentemente insensato, não tem outra escolha senão usar todas as armas que esse sistema oferece. Os resultados de um caso complexo em um tribunal americano são notoriamente imprevisíveis, e raramente se pode contar com uma vitória total. Para o arcebispo, suponho, uma vitória total teria sido nos colocar na rua, como ele frequentemente fez com padres na Europa. Para nós, teria sido mandá-lo de volta, ele e seus subordinados servilmente, para a França, com uma boa viagem, mas não um adeus.

Na realidade, porém, 80 a 90 por cento dos casos civis são de fato resolvidos por meio de negociação entre as partes. Em geral, isso acontece logo quando o caso deve ir a uma audiência oficial diante de um juiz.

Assim, entramos no processo sabendo que, embora uma vitória total fosse bem-vinda, o único objetivo realista a longo prazo era um acordo negociado com nossos adversários.

Naturalmente, isso teria preservado o máximo possível de grupos de fiéis. Isso provavelmente implicaria algum jogo de bens e outras concessões. É assim que o sistema americano funciona.

Mas oferecer negociar com nossos adversários logo após eles terem iniciado o processo não faria nada além de confirmar suas expectativas irreais. Dom Lefebvre e seus conselheiros pareciam pensar que poderiam nos esmagar no tribunal. Eles teriam que aprender algumas duras lições antes de considerarem negociar.

Esperávamos que esse processo de educação levasse um certo tempo, mas como estávamos na posse das propriedades e os fiéis nos apoiavam, estávamos dispostos a esperar.

De fato, como as coisas se desenvolveram, não tínhamos outra escolha, porque os processos na América ocorrem na velocidade de uma guerra de trincheiras conduzida por caracóis.

D. Uma Primeira Vitória

Após o depósito da queixa, a próxima etapa em um processo consiste em tentar obter do juiz uma Temporary Restraining Order (TRO) contra o seu adversário. Isso o impede de mudar de qualquer maneira o statu quo em seu conflito até o veredicto final de um julgamento completo.

Em agosto de 1983, os representantes do arcebispo tentaram obter um TRO contra nós. Isso teria congelado todas as contas bancárias das igrejas e, de fato, fechado todas as igrejas que atendíamos.

Tivemos uma audiência a esse respeito diante de um juiz. Graças a uma intervenção eloquente do padre Kelly, que verbalmente desmantelou o infeliz advogado do arcebispo, o juiz negou a ordem.

Assim, para a equidade do processo, continuamos a operar nossas várias paróquias como antes.

E. Descobertas e Deposições

Em seguida, veio o que se chama a fase de "descoberta" do processo. Cada parte descobre as "provas" que o adversário pode ter em sua posse. Isso ocorre por meio de pedidos de documentos, respostas escritas a perguntas escritas ("interrogatories") e, principalmente, por depoimentos.

Durante os depoimentos, uma testemunha de uma parte deve responder às perguntas orais do advogado da parte adversa. A testemunha deve falar sob juramento, e perguntas e respostas são transcritas por um tabelião.

A "Descoberta" é a fase mais longa dos procedimentos civis e a mais custosa devido à papelada legal necessária. Você descobre pelo menos de onde seu advogado tira grande parte de sua renda...

Fomos compelidos a convocar vários oficiais da FSSPX, incluindo Dom Lefebvre, a depor. Embora ele tenha desencadeado o processo, o arcebispo hesitou em testemunhar. Seus advogados lutaram contra a convocação até que o juiz lhes disse que ou o arcebispo aceitava depor diante de nossos advogados, ou os demandantes seriam indeferidos.

Assim, o arcebispo voltou da Europa para depor. Nos sentamos em volta da mesa frente a ele enquanto nossos advogados o interrogavam educadamente sobre as diferentes reivindicações de sua queixa contra nós. Naturalmente lamentável – mas foi ele quem atacou, e nós o havíamos avisado antecipadamente que seria um verdadeiro caos. Inicie um processo contra alguém na América, e mesmo que você seja um arcebispo, o réu tem o direito de convocá-lo a depor.

Esta seria a primeira de quatro deposições (no mínimo) que Dom Lefebvre teria que fazer para tantos processos, uma vez que a disputa se propagasse a outros estados. Outros oficiais da FSSPX também tiveram que depor. Naturalmente, os advogados de Dom Lefebvre também tinham o direito de nos convocar. Enquanto os padres Jenkins e Dolan tiveram depoimentos relativamente curtos, os principais alvos de nosso lado a serem extensivamente interrogados foram o padre Sanborn, o padre Kelly e, especialmente, eu, pois tinha estado intimamente associado a todas as organizações reivindicadas e mantinha os registros da organização.

Em um dado momento, estimei que, durante os quatro anos que duraram os processos, havia prestado depoimentos por cerca de trinta dias, seja em deposições ou em tribunais.

IV. Os Processos

No dia 1º de maio, o primeiro domingo após a reunião, explicamos do púlpito em todas as nossas capelas os pontos de desacordo com Dom Lefebvre e por que precisaríamos adotar uma posição firme diante de seus atos. Com algumas exceções, a reação de nossos paroquianos foi de contrariedade em relação ao arcebispo e de apoio à nossa posição como padres. O mesmo aconteceu com os dois outros padres que estavam conosco naquele momento, os padres Roy Randolph e John Hesson.

Alguns dias após a reunião de 27 de abril, nosso advogado contatou o advogado do arcebispo (o mesmo que havia originalmente constituído as associações leigas "Amigas") para sondar a possibilidade de um acordo. Nosso advogado nos disse que tinha a impressão de que o arcebispo e seus conselheiros não estavam seriamente interessados em uma negociação e que pareciam acreditar que venceriam rápida e facilmente em tribunal. Portanto, ele disse, esperem-se ser processados. Mas ele mesmo achava que o litígio seria longo e prejudicial, e que terminaria em um acordo negociado.

A. O Arcebispo Apresenta Queixa

A batalha jurídica começou no verão de 1983 quando o arcebispo e sua organização processaram-nos no Tribunal de Distrito do Distrito Leste de Nova York – em outras palavras, no sistema federal, em vez do tribunal estadual.

Um autor requerente inicia os processos preenchendo um documento chamado “Complaint” junto ao tribunal. Nele, o autor deve listar suas principais reivindicações contra o réu, junto com as bases factuais e legais. A principal reivindicação do arcebispo e da FSSPX era que éramos seus agentes e procuradores. Nesse caso, éramos responsáveis pela aquisição e preservação dos bens em seu nome. Havíamos lesado seus bens e os ocupávamos ilegalmente.

"Gestor de bens imobiliários" não era, se bem me lembro, uma das tarefas atribuídas nas prescrições que o arcebispo leu durante o rito de ordenação.

Mas, de qualquer forma, considerando-se o direito civil que nos considera como agentes ou procuradores, o arcebispo agora ratificava os sacramentos duvidosos e impunha um Missal cripto-modernista visando uma "reconciliação" com o ecumenismo arqui-herético de Wojtyla, uma Igreja Mundial.(35) Por essa razão, Dom Lefebvre perdia todo direito moral de qualquer tipo à posse das igrejas que reivindicava, exatamente como fizeram os bispos diocesanos nos anos 60.

Um padre tradicional daquela época não estava em situação de lutar por seu rebanho através de uma batalha jurídica com seu bispo. Mas em 1983, graças a Deus, nós estávamos e nós o faríamos.

B. Preparação para Outros Processos

Nosso advogado, temendo que o processo fosse complexo demais para sua pequena organização, contratou os serviços de um escritório maior de Nova York que tinha experiência em leis sobre associações sem fins lucrativos. O padre Kelly e eu instruímos os advogados sobre o caso e sobre os elementos que minhas pesquisas sobre as contestações de propriedade das igrejas haviam revelado.

Esperando que um dia fôssemos processados em outros estados, visitei outros escritórios no Michigan, Pensilvânia, Minnesota e Ohio para instruí-los sobre o caso.

Minha conversa com um advogado de Cincinnati foi particularmente útil. Após revisar a Queixa que nossos adversários haviam apresentado em Nova York, ele descobriu um erro fatal cometido pelo advogado do arcebispo. Esse erro, disse ele, seria sua "bala de prata". Guarde-o em reserva até a audiência em Nova York. Depois, use-o para desmantelar toda a argumentação deles. E, de fato, quatro anos depois, ele se provou certo.

C. Um Objetivo Realista

Uma pergunta surge naturalmente: por que não usamos esse erro para obter um não-lugar desde o início?

Era uma questão de estratégia jurídica. Nossos adversários estavam determinados a processar a qualquer custo e teriam atacado de outra forma novamente. Enquanto esperávamos para solicitar um não-lugar, os arrastávamos por anos de procedimentos de instrução, e, após tudo isso, obter o não-lugar e forçá-los a retornar a outra jurisdição nas mesmas condições.

É lamentável ter que raciocinar dessa maneira. Mas quando você tem que lidar com um adversário implacável em nosso sistema legal frequentemente insensato, não tem outra escolha senão usar todas as armas que esse sistema oferece. Os resultados de um caso complexo em um tribunal americano são notoriamente imprevisíveis, e raramente se pode contar com uma vitória total. Para o arcebispo, suponho que uma vitória total teria sido nos colocar na rua, como ele frequentemente fez com padres na Europa. Para nós, teria sido mandá-lo de volta, ele e seus subordinados servilmente, para a França, com um boa viagem, mas não um adeus.

Na realidade, porém, 80 a 90 por cento dos casos civis são de fato resolvidos por meio de negociação entre as partes. Em geral, isso acontece logo quando o caso deve ir a uma audiência formal diante de um juiz.

Assim, entramos no processo sabendo que, embora uma vitória total fosse bem-vinda, o único objetivo realista a longo prazo era um acordo negociado com nossos adversários.

Naturalmente, isso teria preservado o máximo possível de grupos de fiéis. Isso provavelmente implicaria algum jogo de bens e outras concessões. É assim que o sistema americano funciona.

Mas oferecer negociar com nossos adversários logo após eles terem iniciado o processo não faria nada além de confirmar suas expectativas irreais. Dom Lefebvre e seus conselheiros pareciam pensar que poderiam nos esmagar no tribunal. Eles teriam que aprender algumas duras lições antes de considerar negociar.

Esperávamos que esse processo de educação levasse um certo tempo, mas como estávamos na posse das propriedades e os fiéis nos apoiavam, estávamos dispostos a esperar.

De fato, como as coisas se desenvolveram, não tínhamos outra escolha, porque os processos na América ocorrem na velocidade de uma guerra de trincheiras conduzida por caracóis.

D. Uma Primeira Vitória

Após o depósito da queixa, a próxima etapa em um processo consiste em tentar obter do juiz uma Temporary Restraining Order (TRO) contra seu adversário. Isso o impede de mudar de qualquer maneira o statu quo em seu conflito até o veredicto final de um julgamento completo.

Em agosto de 1983, os representantes do arcebispo tentaram obter um TRO contra nós. Isso teria congelado todas as contas bancárias das igrejas e, de fato, fechado todas as igrejas que atendíamos.

Tivemos uma audiência a esse respeito diante de um juiz. Graças a uma intervenção eloquente do padre Kelly, que verbalmente desmantelou o infeliz advogado do arcebispo, o juiz negou a ordem.

Assim, para a equidade do processo, continuamos a operar nossas várias paróquias como antes.

E. Descobertas e Deposições

Em seguida, veio o que se chama a fase de "descoberta" do processo. Cada parte descobre as "provas" que o adversário pode ter em sua posse. Isso ocorre por meio de pedidos de documentos, respostas escritas a perguntas escritas ("interrogatories") e, principalmente, por depoimentos.

Durante os depoimentos, uma testemunha de uma parte deve responder às perguntas orais do advogado da parte adversa. A testemunha deve falar sob juramento, e perguntas e respostas são transcritas por um tabelião.

A "Descoberta" é a fase mais longa dos procedimentos civis e a mais custosa devido à papelada legal necessária. Você descobre pelo menos de onde seu advogado tira grande parte de sua renda...

Fomos compelidos a convocar vários oficiais da FSSPX, incluindo Dom Lefebvre, a depor. Embora ele tenha desencadeado o processo, o arcebispo hesitou em testemunhar. Seus advogados lutaram contra a convocação até que o juiz lhes disse que ou o arcebispo aceitava depor diante de nossos advogados, ou os demandantes seriam indeferidos.

Assim, o arcebispo voltou da Europa para depor. Nos sentamos em volta da mesa frente a ele enquanto nossos advogados o interrogavam educadamente sobre as diferentes reivindicações de sua queixa contra nós. Naturalmente lamentável – mas foi ele quem atacou, e nós o havíamos avisado antecipadamente que seria um verdadeiro caos. Inicie um processo contra alguém na América, e mesmo que você seja um arcebispo, o réu tem o direito de convocá-lo a depor.

Esta seria a primeira de quatro deposições (no mínimo) que Dom Lefebvre teria que fazer para tantos processos, uma vez que a disputa se propagasse a outros estados. Outros oficiais da FSSPX também tiveram que depor. Naturalmente, os advogados de Dom Lefebvre também tinham o direito de nos convocar. Enquanto os padres Jenkins e Dolan tiveram depoimentos relativamente curtos, os principais alvos de nosso lado a serem extensivamente interrogados foram o padre Sanborn, o padre Kelly e, especialmente, eu, pois tinha estado intimamente associado a todas as organizações reivindicadas e mantinha os registros da organização.

Em um dado momento, estimei que, durante os quatro anos que duraram os processos, havia prestado depoimentos por cerca de trinta dias, seja em deposições ou em tribunais.

V. O Acordo

No início de 1987, os processos em diversas jurisdições se arrastavam há três anos e meio. A primeira queixa que o arcebispo havia apresentado em 1983 ao tribunal federal de Nova York ainda não estava em julgamento. Era o principal processo do qual nossos adversários esperavam que traria, de uma só vez, as onze propriedades em seis estados diferentes.

Desde 1983, o caso havia sido atribuído a outro juiz federal em Brooklyn. Ele tinha a reputação de ser um jurista liberal (= alguém que interpreta as leis com "criatividade") e de ser um "conciliador" que preferia trabalhar em acordos entre as partes opostas.

A descoberta (depoimentos e intercâmbio de documentos) no caso de Nova York havia sido finalmente completada, e o juiz marcou uma data de audiência. Foi nesse momento que aproveitamos a "bala de prata".

A. A Bala de Prata

(1) Ausência de Jurisdição. Uma regra fundamental na maioria dos sistemas jurídicos estipula que o tribunal perante o qual você processa alguém deve ter jurisdição sobre o réu. A jurisdição é atribuída aos tribunais de acordo com o território geográfico. Nos Estados Unidos, isso significa que o réu em um processo só pode ser processado onde ele reside ou onde "faz negócios".

Por exemplo, se você vive em Ohio e alguém quiser processá-lo por sua casa em Cincinnati, ele não pode apresentar sua queixa em Brooklyn, convocá-lo para tribunal em Brooklyn e tomar sua casa em Cincinnati. Ele deve processá-lo em Ohio, no condado onde está localizada sua propriedade, e normalmente deve fazê-lo no tribunal do estado, e não no tribunal federal.

O antigo advogado do arcebispo havia feito a maior parte de seu trabalho perante o tribunal do estado. Ele não parecia familiarizado com os aspectos mais sutis do procedimento federal, especialmente aqueles que tinham a ver com jurisdição.

Assim, quando ele nos processou em Brooklyn, ele nomeou como réus cinco padres – os padres Kelly, Sanborn, Dolan, Jenkins e eu – e pediu ao tribunal federal que nos ordenasse devolver ao arcebispo as igrejas de Nova York, Pensilvânia, Connecticut, Ohio, Michigan e Minnesota.

Isso, nosso advogado de Cincinnati observou em 1983, contrariava as regras de jurisdição do tribunal federal. As propriedades eram detidas, não pelos padres réus, mas por associações sem fins lucrativos.

Cinco delas estavam fora do estado e não faziam negócios em Nova York, e as propriedades contestadas estavam fora de Nova York. Portanto, o tribunal federal de Nova York não poderia ter jurisdição sobre elas.

De acordo com as Regras Federais de Procedimento Civil, o tribunal federal de Brooklyn seria obrigado a deslocalizar qualquer queixa sobre as propriedades e associações fora do estado de Nova York.

(2) Sem Diversidade. Dito isso, não deveria restar mais do que as duas associações de Nova York no processo federal. Mas o Tribunal Federal de Brooklyn também não poderia ter jurisdição sobre elas, porque, se as propriedades contestadas estavam de fato sob a jurisdição do tribunal, tanto os reclamantes (FSSPX) quanto os réus (nós, padres) residiam ou "faziam negócios" em Nova York, no mesmo estado.

No entanto, as regulamentações federais exigem a "diversidade" entre as partes. Isso não significa que o Natal, Kwanza, o Ramadã e a morte de Custer devem ser celebrados ao mesmo tempo, mas sim que o reclamante e o réu devem provir de estados diferentes.

Segundo as regulamentações federais, o juiz seria obrigado a rejeitar também as queixas relativas às propriedades e associações localizadas no estado de Nova York, e, portanto, se desinteressar de todo o processo.

Dom Lefebvre seria então obrigado a ir aos tribunais estaduais de Nova York, Ohio, Pensilvânia, Michigan e Minnesota, iniciar novas ações de acordo com as regras de cada estado e recomeçar todo o processo de depoimentos e descobertas.

Portanto, quando a audiência em Brooklyn se tornou iminente, preenchemos uma longa moção solicitando que o tribunal federal de Brooklyn emitisse um não-lugar com base nesses fundamentos.

Essa era a bala de prata que anularia o impasse e forçaria no final a FSSPX a um acordo negociado razoável conosco.

B. As Negociações de Acordo

O arcebispo e a FSSPX haviam, entretanto, contratado um advogado muito melhor. Assim que a moção chegou à sua mesa, ele reconheceu a ameaça que ela representava. Apressou-se a iniciar um processo contra nós no tribunal estadual como precaução, caso o processo federal fosse anulado. Isso pelo menos lhe permitiria continuar a batalha pelo controle das propriedades no estado de Nova York.

Após os advogados de ambas as partes submeterem as conclusões escritas ao tribunal, retornamos a Brooklyn para uma audiência diante do juiz. Foi uma experiência estranha, como se o tribunal federal operasse sob sua própria versão do Novus Ordo. O juiz estava de terno, em vez da tradicional toga negra, e, ao invés de sentar-se como de costume para ouvir os debates, ele desceu a uma grande mesa de conferência e nos fez sentar ao redor.

Os advogados discutiram a moção a favor ou contra. Em vez de aprovar a moção, o juiz se retirou para consultar-se e decidir mais tarde. Então ele se colocou "fora da ata" (disse ao tabelião para parar de transcrever) e adotou seu método de "conciliador", pressionando as partes a chegarem a um acordo negociado.

Ele mostrou aos nossos adversários que nossa moção continha argumentos fortes e insinuou que poderia acatar em alguns pontos. Ele então nos disse que, naturalmente, nada era certo em um julgamento, e que ninguém sabia aonde isso poderia levar. Portanto, disse ele, ambas as partes deveriam considerar resolver a questão agora.

Nesse momento, estávamos aborrecidos por o juiz não simplesmente aceitar a moção. A questão da jurisdição estava claramente aberta ou fechada, e um juiz é pago para aplicar os regulamentos, afinal. Se o processo tivesse sido retirado do tribunal federal, estaríamos realmente em uma posição forte. Mas suponho que nossos adversários também estavam aborrecidos por o juiz parecer inclinado a aceitar a moção, e que ele a usava como uma arma para forçá-los a negociar. Uma satisfação, pelo menos o juiz não pediu a ninguém para sentar à mesa, juntar as mãos ou fazer uma reconciliação geral...

Após algumas discussões, o juiz propôs presidir ele mesmo as negociações. Concordamos em marcar uma data que fosse conveniente para todos para o evento.

A primeira conferência aconteceu em 4 de julho de 1987 no gabinete do juiz. Os padres Kelly, Sanborn e eu, junto com os padres Schmidberger e Williamson estavam presentes, assim como os advogados de ambas as partes e um tabelião.

Pode-se imaginar a impressão que nossos irmãos europeus de rostos sérios tiveram da justiça americana – estávamos longe das perucas, das togas majestosas e dos colarinhos engomados. Ali estava um juiz federal, que veio para a ocasião de camiseta polo, os pés desleixadamente apoiados sobre a mesa.

Novamente, houve muitas discussões diante do juiz. Elas foram interrompidas várias vezes quando as duas partes se dirigiram a salas separadas para discutir em particular as várias propostas. Alguns tópicos foram aprovados, mas uma nova sessão seria necessária para acertar os detalhes que estavam bastante confusos e complexos.

No dia 18 de agosto de 1987, ambas as partes participaram de uma última conferência de acordo presidida pelo juiz. O acordo foi selado e deu fim ao processo.

C. A FSSPX Adquire

Quando toda a negociação foi concluída, a FSSPX obteve duas propriedades que já ocupava (o seminário de Connecticut e o estabelecimento de Armada, MI) e duas propriedades que ocupávamos (as igrejas de Redford, MI e St. Paul MN).(36)

Nós obtivemos seis propriedades (Oyster Bay NY, East Meadow NY, Rochester PA, Williamsport PA, Cincinnati OH). Para as igrejas de Redford e St. Paul conseguimos uma concessão: a FSSPX só as teria após 15 meses.

Isso nos permitiria comprar novos edifícios para nossas duas assembleias de fiéis – e ao mesmo tempo proteger os fiéis dos sacramentos duvidosos e das falsas anulações que a FSSPX pronunciaría a partir de então.

Na realidade, essa última disposição funcionou perfeitamente, pois as duas igrejas que aceitávamos entregar à FSSPX estavam localizadas em um "bairro em declínio."(37) A reimplantação nos fez mudar para os subúrbios.

A parte mais interessante da história do acordo é que Dom Lefebvre e a FSSPX aceitaram uma aquisição de $350,000 da nossa parte.

Lembro-me que na época nenhuma das partes mencionou isso publicamente aos fiéis. As duas partes, suponho, tinham motivos para não dizer nada ou pouco. A pequena quantidade de apoiadores da FSSPX nas capelas em questão poderia considerar isso como uma traição (o que era naturalmente) e a notícia de esse tipo de vantagem para a FSSPX poderia atrapalhar o impulso da arrecadação para o seminário de Winona. Nossos fiéis, por outro lado, poderiam ver isso como um caro reconhecimento de derrota.

Mas após vinte e cinco anos, pode-se contar toda a história:

Os representantes da FSSPX cometeram um erro ao nos conceder um desconto de 40% na aquisição. Eles frequentemente mencionavam que temiam que nós hipotecássemos fortemente as propriedades de Redford e St. Paul antes de as reverter à Fraternidade; ao mesmo tempo, a FSSPX parecia ignorar que durante o processo judicial já havíamos quitado as hipotecas sobre as duas propriedades — o que o advogado deles poderia simplesmente descobrir ligando para os arquivos públicos de Michigan e Minnesota.

Confrontado com a atitude suspeitosa deles, nosso advogado (a propósito, extremamente brilhante e valendo cada centavo que pagamos) fez uma concessão tranquilizadora: qualquer hipoteca revelada quando a FSSPX assumisse o controle dessas igrejas deveria estar exatamente no mesmo nível que no momento da nossa ruptura com o arcebispo, nem mais nem menos. A FSSPX aceitou esta oferta. Nossa "concessão" na verdade nos custou barato, pois funcionou a nosso favor. Como já havíamos quitado as hipotecas sobre as duas propriedades, poderíamos novamente hipotecá-las por cerca de $125,000 e $20,000, respectivamente.

E o melhor: apenas alguns meses depois da retomada das igrejas pela FSSPX, os dois saldos podiam ser considerados totalmente devidos como pagamentos falsos, porque eram os termos e condições exatos das hipotecas existentes em 27 de abril de 1983. Esse foi o pequeno presente dos Nove para a festa de boas-vindas da Fraternidade.

Assim, no final, só tivemos que pagar $205,000 pelo total do acordo – uma redução de 40%, e uma transação bastante boa por seis propriedades. Eu me contive de questionar o padre Williamson sobre as frequentes viagens de avião...

Todas as outras ações foram abandonadas. Além disso, se tivéssemos que usar uma variante de "São Pio" como nome para qualquer organização que fundássemos, deveríamos informar as pessoas desde o início que não estávamos "afiliados à Fraternidade São Pio X" – um erro que certamente não teríamos cometido naquele momento!(38)

Finalmente, deve-se notar que Dom Lefebvre e os padres Schmidberger, Williamson e Roch assinaram o acordo em nome da FSSPX, nos isentando de qualquer obrigação "por, por qualquer razão, causa ou objeto que seja desde o início do mundo (sic) até 26 de outubro de 1987."

A FSSPX agindo assim e efetivamente aceitando dinheiro de nossa parte, os princípios da teologia moral católica sobre “condenação” exigem que a FSSPX se abstenha de proclamar que os Nove "roubaram" bens deles. Pelo montante de $205,000, nós os compramos, de boa fé.

VI. Algumas Consequências

Ao longo de nossa batalha com Dom Lefebvre e sua organização entre 1983 e 1987, apesar das distrações inevitáveis, continuamos nosso apostolado sacerdotal exatamente como antes.

Em maio de 1984, três outros padres que acabavam de ser ordenados na América pelo arcebispo, os padres Thomas Mroczka, Denis MacMahon e Daniel Ahern, também se juntaram a nós. Os Nove passaram a Doze.

As onze propriedades em disputa afetadas pelos processos constituiam apenas uma parte das paróquias onde celebrávamos a Missa – mais de 40 em um determinado momento. Continuamos a construir ou adquirir igrejas e outras instituições em várias regiões dos Estados Unidos. A maioria dos fiéis de cada uma dessas missões continuou a oferecer seu apoio financeiro, moral e espiritual como antes.

Houve também outros efeitos permanentes para os dois lados.

A. A FSSPX na América

• A FSSPX rapidamente colocou sacerdotes estrangeiros em posições organizacionais chave nos EUA; apenas os estrangeiros podiam ser considerados leais à FSSPX e suspeitos pela população local. Isso sempre me lembrava Stálin enviando suas tropas mongóis para a Hungria após a revolta de 1956. Foi apenas em 2002 que a FSSPX encontrou um padre americano que considerou suficientemente leal para liderar o distrito dos EUA.

Mas mesmo um quarto de século após a disputa de 1983, nenhum americano foi considerado suficientemente leal para ser o Reitor do seminário da FSSPX em Winona, MN. O padre (mais tarde bispo) Williamson ocupou o cargo durante vinte anos; o atual ocupante é um francês, o padre Yves La Roux.(39)

• O resultado da crise de 83 é que os ordenandos da FSSPX devem assinar um juramento declarando sua lealdade às "posições" da Fraternidade sobre o papa, os novos sacramentos, o Concílio Vaticano II, a liturgia de João XXIII, etc.

Naturalmente, um dos principais pontos de nosso conflito com Dom Lefebvre foi precisamente porque ele colocava a fidelidade a si mesmo, sua organização e suas posições do dia acima da fidelidade à Igreja.(40)

Como o padre Sanborn destacou em seu artigo de 1984, “Crux of the Matter”:

“Os que o Arcebispo considera seus verdadeiros fiéis são aqueles que não tiram nenhuma conclusão de suas palavras e ações, que não buscam respostas à pergunta fundamental, que não são nem moles nem duros, mas apenas estão na linha do Arcebispo. [Achatadas seria mais exato... - AC] Sua Excelência sempre favoreceu e cultivou esse tipo de seminarista, e se cercava dele quando eram ordenados.

Era visível que ele teria tratado com desprezo aqueles que, em palavras ou ações, mostrassem uma adesão a um princípio acima ou além do Arcebispo, e do qual o próprio Arcebispo seria o sujeito e o responsável.

“Seu comportamento, podemos entender, era: ‘por que vir a Écône se não for para seguir Dom Lefebvre?’ Eu acho que ele acreditava que o princípio de funcionamento de Écône era seguir Dom Lefebvre em sua luta para preservar a tradição”.

• Com frequência, me foi repetido ao longo dos anos que o raro seminarista americano da FSSPX que manifesta uma tendência a um raciocínio teológico independente ainda é taxado de possuir "o espírito dos Nove". Nós somos os espantalhos do mito da criação da FSSPX.

• No que diz respeito aos centros de Missa, a FSSPX abandonou completamente algumas áreas para os Nove. Em outras, onde já tínhamos capelas maiores, levou anos para a FSSPX encontrar fiéis suficientes para estabelecer pequenas capelas para eles.

B. O Apostolado dos Nove

• Para os Nove, um dos efeitos a longo prazo do conflito foi nos alertar contra a formação de uma organização excessivamente rígida. Dom Lefebvre havia transformado sua organização em uma igreja substituta. Temíamos cometer o mesmo erro.

Essa é uma das razões pelas quais o organismo que formamos posteriormente, a Sociedade de São Pio V, caiu tão rapidamente. Cinco anos após o acordão legal, apenas três dos nove membros originais ainda faziam parte da SSPV.(41)

Mas aqueles que se queixam e olham com inveja para o império da FSSPX não percebem os perigos: uma entidade centralizada como essa pode ser subvertida com um simples traço de pena e levar milhares de almas desavisadas à Igreja Mundial ecumênica.

Prova A: em 5 de maio de 1988, Dom Lefebvre assinou um acordo com Ratzinger que, além de reconhecer JPII como verdadeiro papa, aceitava a autoridade do ensino do Vaticano II, a validade dos novos sacramentos e a legitimidade do Código de Direito Canônico de 1983.(42) O arcebispo estava vendendo padres e leigos à falsa igreja do Vaticano II, sobre os princípios, mas retirou sua assinatura no dia seguinte apenas porque queria que os hereges lhe desse um preço melhor(43) — as trinta moedas de prata, de certa forma. Seus sucessores poderiam realmente recusar um acordo desse tipo, mas também poderiam implementá-lo.

• Ter sido liberados do jugo da linha do partido lefebvrista nos permitiu pesquisar e publicar artigos sobre os grandes problemas de nosso tempo – o papa, as heresias do Vaticano II, a validade dos novos sacramentos, etc. Como prova, Dom Sanborn e eu publicamos artigos suficientes sobre esses tópicos para transformar isso em vários livros.

Antes, temíamos receber uma carta contundente de Dom Lefebvre reclamando que algum artigo podia comprometer suas "negociações" com "Roma".(44)

• Após nossa saída da FSSPX, não tínhamos naturalmente meios para formar nossos seminaristas e nenhum bispo para quem recuar para as ordenações – um obstáculo evidente para o apostolado. Mas isso nos levou a buscar outras possibilidades. Quando o padre Sanborn visitou Dom Antonio de Castro Mayer, o prelado nos sugeriu entrar em contato com Dom Guérard des Lauriers, que tinha sido consagrado em 1981 por Dom Pierre-Martin Ngô-Dinh-Thuc. Pesquisamos minuciosamente o problema das consagrações de Dom Thuc e concluímos que eram válidas. Isso resultou nas consagrações de Dom Dolan (1993) e Dom Sanborn (2002) e na fundação do Seminário da Santíssima Trindade.

Os padres Kelly e Jenkins, por sua vez, entraram em contato com Dom Alfred Mendez através de Nathalie White, antiga colaboradora de The Wanderer e velha amiga da família Jenkins. Isso resultou na consagração episcopal secreta do padre Kelly por Dom Mendez em 1993.(45)

• Nossa saída nos levou a contatos ou colaborações com outros religiosos tradicionalistas ao redor do mundo: a Congregação de Maria Imaculada Rainha (_CMRI), Trento (México), o Instituto Nossa Senhora do Bom Conselho (Itália), e padres na França, Bélgica, Alemanha, Polônia, México e Argentina. Isso não teria sido possível na FSSPX, onde as "posições da Fraternidade" regulavam os contatos com o clero externo.

• A separação da FSSPX nos permitiu promover mais ativamente a preservação das antigas práticas litúrgicas anteriores a 1955, em oposição ao Missal de Bugnini/Roncalli de 1962, que é o padrão litúrgico tanto para a FSSPX quanto para a Missa Motu autorizada por Bento XVI em 2007.

Os fiéis agora podem assistir aos rituais solenes ou até mesmo pontifícios da Semana Santa em muitos locais nos Estados Unidos.

Além disso, no momento em que estas linhas são escritas, a paróquia que eu sirvo, Santa Gertrudes a Grande em West Chester, OH, acaba de começar a retransmitir regularmente suas Missas pela Internet.(46) Isso permite que católicos de todo o mundo assistam à celebração da antiga liturgia de primeira mão.

C. O Sedevacantismo em Geral

Na França, a presença do sedevacantismo na cena tradicionalista é mínima. A Fraternidade é tudo, e mesmo os sedevacantistas veem a FSSPX como seu principal referencial.

Na América, esse não é o caso. Como mencionado anteriormente, os nove sacerdotes não eram todos sedevacantistas no momento da sua ruptura com Dom Lefebvre. Todos, no entanto, acabaram por aderir à posição sedevacantista de alguma forma.

Se tivéssemos abandonado nossos grupos de fiéis e nos afastado tranquilamente, teríamos deixado o campo livre para a FSSPX continuar a oferecer sacramentos inválidos, falsas anulações e sua noção cripto-cismática da autoridade papal por todo os EUA. Mas, porque lutamos firmemente contra Dom Lefebvre e a FSSPX no tribunal, conseguimos manter a continuidade de nosso apostolado. Como resultado, a América se tornou um bastião do sedevacantismo.

Entre os Nove, os padres se afiliaram majoritariamente à CMRI; os sedevacantistas na América podem contar com quase 90 centros de Missa (em comparação com 100 da FSSPX), 16 escolas (contra 24) e três seminários.

Isso é um encorajamento para os sedevacantistas (leia-se "Católicos") em outras partes do mundo. E essa é uma das consequências indiretas, mas permanentes, decorrentes de nossa batalha jurídica contra Dom Lefebvre e a FSSPX.


Faire um processo, particularmente se for longo, caro e complicado, é uma ocupação realmente miserável. São Francisco de Sales dizia que isso poderia valer uma canonização (embora presumir que alguém seja "santo" nesta história seria demais). É especialmente prejudicial à espiritualidade e ao desapego de um padre, porque enquanto as orações da Missa que ele diz todos os dias são pela paz, a palavra "litígio" vem do Latim lites – luta.

Este trabalho era ainda mais desagradável para nós porque tínhamos que combater Dom Lefebvre, o bispo que nos ordenou, e um prelado com muitas qualidades notáveis e realmente grandes virtudes pessoais.

Mas as virtudes do arcebispo não lhe conferiam a infalibilidade do julgamento, a imunidade contra críticas ou o direito de ser obedecido, o que era contrário aos princípios fundamentais da teologia moral e dogmática.

Foi a vontade de ser fiel a esses princípios que nos havia levado a Dom Lefebvre como seminaristas nos anos 70 – e foi essa mesma vontade que nos afastou dele como sacerdotes em 1983. Todos nós vimos outros bons padres e prelados se submeterem ao programa modernista. Para nós, Dom Lefebvre foi uma decepção a mais a se adicionar a uma longa lista.

Assim, se por consideração a negociações com os hereges, o arcebispo quisesse barganhar sobre a validade dos Santos Ordens, a indissolubilidade do casamento e a integridade da liturgia tradicional, ou se para a integração na falsa igreja ecumênica mundial, ele quisesse "aceitar o Vaticano II à luz da tradição", ele o faria sem nós. E de fato, como os processos demonstraram, nos manteríamos nessa atitude e lhe resistiríamos publicamente - "resolutamente" - quando ele tentasse fazê-lo.

Ao assinar em 5 de maio de 1988 um acordo com Razinger e João Paulo II, Dom Lefebvre vendia sua Fraternidade e todos os seus fiéis sobre os princípios subjacentes da resistência tradicionalista (ler "Católico") ao Vaticano II. A partir daí, só faltava um passo para ser como a Fraternidade São Pedro e as Missas do Motu Proprio de Bento XVI, as quais, sob a aparência de "Missas tradicionais", atraem Católicos pouco suspeitos para sacramentos inválidos, a aceitação implícita do Novus Ordo como rito Católico, o consentimento aos erros do Vaticano II e a comunhão com uma igreja ecumênica que prepara a vinda do Anticristo.

Tudo isso aconteceu como consequências lógicas da posição teologicamente incoerente que Dom Lefebvre proclamou no final dos anos 70. Sua Fraternidade aceitou tudo como um princípio; a única coisa que agora impede a plena reintegração da FSSPX na instituição modernista (fora o medo de ter que obedecer realmente a um papa que eles proclamam reconhecer) está em algumas sutilezas sobre detalhes práticos.

Caso contrário, a história da FSSPX dos últimos vinte e cinco anos demonstra que nós, os Nove, estávamos certos ao adotar a posição que tomamos, quando o fizemos.

Se não tivéssemos combatido Dom Lefebvre em 1983, teríamos que fazê-lo em 1988, mas em uma posição significativamente menos vantajosa para nossos fiéis a longo prazo.

Assim, se foi triste para nós sacerdotes combater um prelado virtuoso, teria sido muito mais aflitivo se tivéssemos que ceder sobre os princípios – abandonar nossos rebanhos ao risco de sacramentos inválidos e à união eventual com uma igreja cuja arcebispo dizia ele mesmo que "começa na heresia e termina na heresia".

29 de setembro de 2008