GODEGÉSIL E O ARIANISMO BURGÚNDIO
Os burgúndios também compartilham da heresia ariana, mas não foi Úlfilas que os levou a isso. Eles se instalaram no território galo-romano no início do século V, ou seja, no começo dos anos 400. A região que ocupam nos vales do Ródano e do Saône forma logo um reino cujas principais cidades são Lyon e Vienne. Na época de sua chegada à Gália, eles professam a religião católica. Só mais tarde eles passaram ao arianismo. Sua localização geográfica os tornou vizinhos dos visigodos arianos, que vimos se aproximaram do Ródano. Eles também são vizinhos dos ostrogodos, também arianos, que são mestres de Roma e que estendem sua dominação até a Provença. Esses dois poderosos vizinhos acabaram por arrastar os burgúndios ao arianismo.
O rei burgúndio Gondérico permaneceu católico. Mas, com sua morte em 476, uma luta pela sucessão começou entre seus quatro filhos: Godemaro, Quilperico, Gondebaudo e Godegésil (também conhecido como Godégisèle). Entre esses quatro herdeiros, a luta será particularmente acirrada entre Quilperico, que permaneceu católico, e Gondebaudo, que se tornou ferozmente ariano. Ora, é Gondebaudo que prevalece, fazendo perecer Quilperico e toda sua família, exceto as duas pequenas filhas, Crona e Clotilde, a quem poupa a vida, mas que, segundo nos conta Gregório de Tours, se tornam praticamente prisioneiras de seu tio Gondebaudo.
Quando Gondebaudo morre, é seu irmão Godegésil que se torna tutor e guardião de Clotilde, que permaneceu católica como seu pai e sua mãe, apesar das pressões exercidas sobre ela na residência burgúndia de Genebra.
Vimos que foi em 476, no mesmo ano da morte de Gondérico, o avô de Clotilde, que o rei dos hérulos, Odoacro, tomou Roma, saqueou a cidade e depôs o último imperador do Ocidente. Nesta data, notemos mais uma vez, Clóvis, nascido em 466, tinha 10 anos e Clotilde era uma pequena princesa no berço. Essas duas crianças estão destinadas a, em alguns anos, desempenharem um papel preponderante na instalação do regime feudal e cristão que substituirá o regime imperial romano. O desaparecimento do imperador e a vacância de um trono tão prestigioso não poderiam deixar de criar um vazio profundamente sentido pelas populações galo-romanas e góticas. A era da Antiguidade acaba de se fechar. Todo o Antigo Império tem consciência disso. Qual será o destino da Fé ortodoxa na nova era que começa? Essa é a pergunta que se faz o episcopado católico e, em particular, o mais santo de todos os bispos da época, São Remígio.