Carta de Monsenhor Zola, Bispo de Leccè, ao R. P. Jean Kunzlé
Diretor Geral dos Padres Adoradores da Suíça, da Alemanha e da Áustria-Hungria, em Feldkirch (Áustria)3
BISPADO DE LECCÈ
Leccè, 5 de Março de 1896.
Reverendíssimo Senhor Diretor,
Tendo meus sofrimentos físicos se acalmado um pouco, venho responder às suas duas cartas relativas ao Segredo de La Salette, contra o qual se diria que Satanás, o maldito, quer renovar seus ataques com uma violência ainda maior, visto que ele sabe muito bem que lhe resta pouco tempo, «quia modicum tempus habet» (Apoc. 12-12). Minha intenção não é fazer-lhe uma demonstração nem expor-lhe uma defesa do Segredo e da Pastora de La Salette que no-lo transmitiu.
Esta tarefa, eu a considerei como uma obrigação de consciência à qual satisfiz durante os últimos dezesseis anos que acabam de passar. Estas demonstrações, esta defesa encontram-se contidas em várias cartas que escrevi a diversas pessoas da França, cartas que foram em sua maioria entregues à publicidade, frequentemente sem meu consentimento nem uma permissão dada antecipadamente. Confesso, no entanto, que todas essas cartas foram fielmente publicadas, e neste momento não retrataria nenhuma das palavras que escrevi sobre este assunto e nessas diversas épocas. Limitar-me-ei, portanto, simplesmente hoje a afirmar-lhe os fatos tais como realmente se passaram, deixando-lhe o cuidado de encontrar nesta carta as respostas às suas perguntas e de extrair dela os motivos para a segurança de sua consciência.
Em 1868, Monsenhor PETAGNA, de feliz e saudosa memória, então santo e sábio Bispo de Castellamare di Stabia, confiou à minha direção espiritual Mélanie Calvat, hoje Irmã Maria DA CRUZ, que residia naquela época naquela cidade, e tinha como companheira uma religiosa da Compaixão de Marselha. Ambas estavam sob a tutela deste santo bispo. Fui encarregado desta direção de Mélanie até Fevereiro de 1876, época em que aprouve ao Senhor me chamar, apesar de minha grande indignidade (digo isto coram Domino), à sede episcopal de Ugento, de onde, quatro anos depois, fui transferido para a de Leccè.
Durante todo o tempo em que estive encarregado da direção de Mélanie, posso afirmar, sob juramento, ter sido sempre edificado pela conduta virtuosa e exemplar desta boa moça, como havia sido antes o próprio Monsenhor PETAGNA e outros muito dignos prelados que tiveram a oportunidade de conversar com ela. Ela nunca deu a mais leve ocasião para que pudesse ser considerada como uma iludida, uma orgulhosa, uma interesseira, ou pior ainda! como disseram ou escreveram seus adversários ou melhor, os adversários de La Salette na França.
Foi em 1869 (no mês de Maio, creio), que a própria Mélanie me entregou uma cópia do Segredo que a Santa Virgem lhe havia confiado. Eu já havia tomado conhecimento de algo por sua companheira passionista. Este Segredo, embora comunicado vários anos antes por Mélanie a seu confessor na França, havia até então permanecido secreto e desconhecido de todos. Mas depois que ela mo entregou e que deu extratos dele ao Sr. Abade BLIARD, por intermédio deste abade ele foi revelado na França, e conhecido de certa maneira em Roma: pois o Sr. Abade BLIARD enviou uma cópia manuscrita ao M. R. Padre SEMENENKO, Consultor da Congregação do Índex e Diretor do Seminário polonês, assim como a outros dignitários.
Mas, em 1872, pela primeira vez, foi editado pelos cuidados do Sr. GIRARD, de Grenoble, redator do jornal A Terra Santa. Depois em 1873, com a aprovação arquiepiscopal de Nápoles, foi reeditado naquela cidade e acompanhado de uma sábia carta explicativa do Sr. Abade BLIARD a seu respeito; finalmente em 1879, foi reeditado em Lecce com a aprovação de meu Vigário Geral, que, neste opúsculo de Mélanie, não encontrou nada contrário à fé e aos bons costumes.
Mas antes de passar a outra coisa, devo afirmar-lhe que todos os prelados e outros dignitários eclesiásticos de meu conhecimento que conheceram o Segredo, todos sem exceção, emitiram um juízo inteiramente favorável ao dito Segredo, seja em relação à sua autenticidade, seja do ponto de vista de sua origem divina, passada pelo crivo das Sagradas Escrituras, o que imprime ao Segredo um caráter de verdade que lhe é doravante inseparável. Entre estes prelados, basta-me nomear-lhe o Cardeal CONSOLINI; o Cardeal GUIDI; o Cardeal RIARIO SFORZA, Arcebispo de Nápoles; Monsenhor RICCIARDI, Arcebispo de Sorrento; Monsenhor PETAGNA, Bispo de Castellamare; e outros ilustres Prelados cujo nome não me vem à memória neste momento.
A guerra e a oposição ao Segredo assim como à sua verdade começaram assim que ele foi entregue à publicidade; rejeitava-se sobretudo a primeira parte relativa às reprovações dirigidas ao clero. No início esta guerra foi muito circunscrita; quando o opúsculo foi impresso em Leccè com a aprovação de minha cúria, a guerra tornou-se encarniçada e sem trégua, pois era sustentada por vários bispos da França.
Tive, nesta ocasião, muitos aborrecimentos e contrariedades a suportar, e a várias cartas que me chegavam da França e de outros lugares fui obrigado a responder para defender o Segredo, a boa Mélanie e também minha aprovação do opúsculo.
O pretexto desta guerra foi sempre o mesmo: "Se a veracidade do Segredo for aceita, dizia-se, é um descrédito que pesa sobre o clero já tão perseguido pelos sectários, o que a Santa Virgem não pode querer".
Enquanto isso, agiu-se poderosamente junto à Santa Sé, para que o opúsculo de Mélanie fosse colocado no índex. Vários disseram que nesta circunstância alguns cardeais se reuniram para emitir um julgamento sobre ele; quanto a este fato eu o ignoro absolutamente; mas posso afirmar com certeza, e mesmo oficialmente, que todos os esforços para obter a proibição formal do opúsculo foram vãos.
Somente, no final, para acalmar um pouco os prelados franceses que continuavam a fazer guerra ao Segredo, o cardeal CATERINI, secretário do Santo Ofício, escreveu uma carta, na qual dizia que a Santa Sé tinha visto com desprazer a publicação do Segredo (fazendo alusão sobretudo à parte concernente ao clero) e não julgava apropriado deixá-lo nas mãos dos fiéis.
Esta carta dizia para retirar, tanto quanto possível, estes exemplares das mãos dos fiéis. Eis tudo o que se pôde obter de Roma.
Mas os jornais, mentirosos como de costume, publicaram que o Santo Ofício acabava de lançar uma proibição absoluta do opúsculo, de onde surgiu logo nas almas fracas uma dúvida sobre a realidade mesma da aparição de Nossa Senhora de La Salette.
Na realidade, o opúsculo de Mélanie nunca foi colocado no Índex: manifestou-se somente a vontade de não vê-lo nas mãos dos fiéis, precisamente por causa da parte concernente ao clero; mas não houve nesta carta nenhuma palavra que pudesse invalidar a autenticidade deste mesmo Segredo nem o valor das profecias que ele continha4.
Então, considerando como terminada a missão que aprouvera a Deus me confiar, a saber: certificar e defender a veracidade, a autenticidade e a divindade da Mensagem celeste, até hoje não quis responder às cartas que me chegavam especialmente da França e que me interrogavam sobre o Segredo e sobre as obras às quais ele faz alusão, em particular sobre a fundação da "Ordem dos Apóstolos dos Últimos Tempos" assim como sobre as regras dadas pela Rainha do Céu a Mélanie, no final do Segredo.
Este silêncio que guardei rigorosamente pôde fazer crer a vários que minha opinião e meu julgamento sobre a autenticidade e o valor intrínseco do Segredo haviam mudado, e que no fundo eu retratava tudo o que havia dito e escrito em seu favor. Não é nada disso.
E é precisamente para aniquilar essas suposições que me decidi desta vez a romper meu silêncio e a lhe escrever esta carta. Desta maneira todo mal-entendido, todas as falsas suposições cairão por si mesmas e darão lugar à verdade. Meu julgamento diante do Senhor sobre o opúsculo, sobre o Segredo e todo o resto é o mesmo que antes. Ele é até mais inabalável, visto que, desde então, várias das predições que ele contém se realizaram.
Promovido ao episcopado, tornava-se impossível para mim continuar a ser o diretor de Mélanie. A impossibilidade tornou-se ainda maior quando ela deixou sua residência em Castellamare para ir assistir na França sua velha mãe. Ela permaneceu lá até estes dois últimos anos. Ela então voltou para morar na Itália, mas nossas relações desde essa época têm sido por assim dizer nulas. No entanto, posso afirmar com toda sinceridade que ela leva uma vida completamente solitária e edificante...
Acabo de expor-lhe tudo o que concerne a La Salette. Você pode, como já lhe disse, extrair com toda segurança as respostas às suas questões e submeter tudo com confiança ao julgamento cheio de sabedoria de seus superiores. Não lhes escreverei, no entanto, diretamente, embora você me expresse o desejo, visto que, direi, não tenho mais vontade de entrar em polêmica sobre este assunto. Vou voltar ao meu silêncio esperando que os eventos falem por si mesmos, como aliás já começaram a falar eloquentemente pela realização de uma parte das Profecias contidas no Segredo, objeto de tantas lutas. Ficaria, no entanto, grato se você quisesse me manter informado sobre o efeito produzido por esta carta, seja ele qual for.
Se você desejar esclarecimentos mais detalhados sobre este assunto, pode obter um interessante opúsculo:
"O Grande Golpe com sua data provável", publicado recentemente pelo Pároco de Diou (Allier), Sr. Abade COMBE.
No final deste opúsculo você encontrará diversos extratos de uma de minhas cartas escrita a um pároco francês em 1880. Eles foram fielmente reproduzidos e são exatos no que concerne a La Salette.
Como prova de maior autenticidade, aponho ao lado meu selo.
Seu muito humilde servidor em Jesus,
†SAUVEUR-LOUIS, Bispo de Leccè LUGAR DO SELO.
[3] Traduzida do italiano pelo Abade Roubaud, de St-Tropez (Var).
[4] A carta do Cardeal Caterini foi endereçada ao Bispo de Troyes, que, tendo recorrido à Índice, foi remetido à Inquisição e havia ameaçado Roma de retirar o óbolo de São Pedro se não fosse feito algo em seu favor. - Ao receber a carta do Cardeal Caterini, o Bispo de Troyes ficou consternado: pois, depois de ter dito para retirar o opúsculo das mãos dos fiéis, se, como afirmava o Bispo, o Segredo causava perturbação na França, o Cardeal acrescentava: "mas mantenha-o nas mãos do Clero para que ele se beneficie".
Essa linha, por si só, provava a divindade do Segredo; pois não se mantém, mesmo para o bem, nas mãos dos sacerdotes, um opúsculo que não seria nada mais do que um panfleto. Não ousando, portanto, publicar essa carta, ele a envia a seu colega de Nîmes. O Bispo Besson não se incomoda com tão pouca coisa: ele suprime a linha, a substitui por pontos, e publica primeiro esse documento, que não era endereçado a ele, no Semaine Religieuse de Nîmes com os pontos engenhosos.
Observemos ainda que a carta do Cardeal Caterini não relatava de forma alguma a data da reunião do Santo Ofício, o que é rigoroso para todos os atos oficiais; pois era uma carta particular de um subsecretário, assinada pelo Cardeal. O subsecretário se desculpou mesmo com o Bispo Zola, dizendo que tinha sido forçado a mão. (Nota do tradutor).