Suma Teológica, Segunda Parte da Segunda Parte, Questão 78
(E) DOS PECADOS COMETIDOS EM EMPRÉSTIMOS (Questão [78])
São Tomás de Aquino
- Do pecado da Usura (em 4 artigos)
- Artigo I - É pecado receber juros pelo dinheiro emprestado?
- ARTIGO II - Pode-se pedir uma outra vantagem pelo dinheiro emprestado?
- Artigo III - Há obrigação de restituir tudo o que se lucrou com o dinheiro usurário?
- Artigo IV - É lícito receber dinheiro emprestado pagando juros?
Do pecado da Usura (em 4 artigos)
Deve-se tratar agora do pecado de usura que se comete nos empréstimos. A questão compreende quatro artigos:
- É pecado receber dinheiro em pagamento do dinheiro emprestado, o que constitui a usura?
- É lícito receber por esse mesmo dinheiro qualquer preceito, como que em recompensa do empréstimo?
- Há obrigação de restituir o justo lucro que se ganhou com dinheiro usurário?
- Pode-se tomar dinheiro emprestado com a condição de pagar usura?
Latim
Deinde considerandum est de peccato usurae, quod committitur in mutuis. Et circa hoc quaeruntur quatuor.
Primo: utrum sit peccatum accipere pecuniam in pretium pro pecunia mutuata, quod est accipere usuram.
Secundo: utrum liceat pro eodem quamcumque utilitatem accipere quasi in recompensationem mutui.
Tertio: utrum aliquis restituere teneatur id quod de pecunia usuraria iusto lucro lucratus est.
Quarto : utrum liceat accipere mutuo pecuniam sub usura.
Artigo I - É pecado receber juros pelo dinheiro emprestado?
QUANTO AO PRIMEIRO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE: parece que não é pecado receber juros pelo dinheiro emprestado.
- Com efeito, ninguém peca seguindo o exemplo de Cristo. Ora, o Senhor diz de si mesmo: "De volta, eu o receberia com juros", isto é: o dinheiro emprestado. Logo, não é pecado receber juros pelo dinheiro emprestado.
- ALÉM DISSO, o Salmo proclama: "A lei do Senhor é imaculada'', precisamente por proibir o pecado. Ora, na lei divina se autoriza certa espécie de usura, como se lê no livro do Deuteronômio: "Não exigirás de teus irmãos juro algum nem por dinheiro nem por víveres nem por coisa alguma; podes exigi-lo do estrangeiro". Mais ainda, há uma promessa pela observância da lei nestes termos: "Darás emprestado a muitas nações e não tomarás emprestado de nenhuma." Logo, receber juros não é pecado.
- ADEMAIS, nas coisas humanas, a justiça é determinada pelas leis civis. Ora, estas permitem cobrar juros. Logo, essa prática não parece ser ilícita.
- ADEMAIS, não seguir os conselhos evangélicos não constitui pecado. Ora, o Evangelho, entre outros conselhos, dá este: "Emprestai, sem nada esperardes por isso." Logo, receber juros não é pecado.
- ADEMAIS, receber pagamento pelo que não se está obrigado a fazer não parece ser, em si mesmo, pecado. Ora, quem tem dinheiro não está obrigado, em qualquer caso, a emprestá-lo ao próximo. Logo, lhe será lícito, às vezes, receber uma retribuição pelo empréstimo.
- ADEMAIS, as moedas de prata e os vasos de prata têm a mesma natureza. Ora, é lícito receber um pagamento pelo empréstimo de vasos de prata. Logo, será permitido receber um preço pelo empréstimo de moedas de prata. Portanto, a usura não é por si pecado.
- ADEMAIS, qualquer um pode receber licitamente o objeto que o proprietário lhe dá livremente. Ora, quem toma emprestado oferece livremente juros a quem lhe empresta. Logo, este pode licitamente recebê-los.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, está dito no livro do Êxodo: "Se emprestares a alguém de meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não o apertarás como um cobrador, nem o oprimirás com juros."
RESPONDO. Receber juros por um dinheiro emprestado é, em si mesmo, injusto, pois se vende o que não existe. O que constitui manifestamente uma desigualdade contrária à justiça. Para evidenciá-lo, devemos considerar que o uso de certos objetos se confunde com o seu consumo. Consumimos o vinho para nossa bebida e o trigo para nosso alimento. O uso de tais coisas não se deve separar de sua própria realidade, mas a quem se concede o uso se concede o próprio objeto. Por isso, o empréstimo dessas coisas transfere o domínio sobre elas. Quem pretendesse vender o vinho separadamente do uso dele, venderia a mesma coisa duas vezes ou venderia o que não existe. Portanto, pecaria manifestamente por injustiça. Pela mesma razão, comete injustiça quem empresta vinho ou trigo, exigindo duas compensações: uma, a restituição da própria coisa; e a outra, o preço de seu uso, chamado usura.
Ao invés, há outras coisas cujo uso não se confunde com o consumo delas. Assim, o uso de uma casa consiste em habitá-la, não em destruí-la. Pode-se fazer uma cessão distinta do uso e da propriedade. Transfere-se, por exemplo, a outrem o domínio de uma casa, reservando para si o uso por certo período, ou inversamente, cede-se o uso da casa e conserva-se para si o domínio. Por conseguinte, pode-se receber o preço pelo uso da casa, e, além disso, reclamar de volta a casa emprestada, como se pratica no arrendamento ou na locação de um imóvel.
Mas o dinheiro foi principalmente inventado, segundo o Filósofo, para facilitar as comutações; e, assim, o uso próprio e principal do dinheiro é ser consumido ou despendido, pois se gasta nas comutações. Por isso, é, em si mesmo, ilícito perceber um preço pelo uso do dinheiro emprestado, o que se chama usura. E como se está obrigado a restituir tudo o que é injustamente adquirido, deve-se restituir o que foi recebido como usura.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que a usura, nessa passagem, se toma em sentido metafórico. Designa o acréscimo dos bens espirituais que Deus exige, querendo que progridamos sempre no uso dos bens que dele recebemos. O que redunda em utilidade nossa, não sua.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que foi proibido aos judeus cobrar juros de seus irmãos, isto é, de outros judeus. O que dá a entender que perceber juros de quem quer que seja é um mal em si. Pois, devemos considerar todo homem como próximo e irmão, sobretudo na lei evangélica à qual todos são chamados. Por isso, no Salmo se declara de maneira absoluta, falando do justo: "Ele não empresta seu dinheiro a juros." E no livro de Ezequiel se acrescenta: "Não recebeu juros." A autorização de receber juros dos estrangeiros não foi concedida como lícita, mas apenas como permitida para evitar mal maior, isto é, para que, levados pela cobiça a que eram propensos, como testemunha Isaías, não viessem a cobrar juros dos mesmos judeus, adoradores de Deus. - Quanto à recompensa prometida: "emprestarás com juros a muitas nações", a expressão é tomada em sentido geral de emprestar simplesmente, como em outra passagem do livro do Eclesiástico: "Muitos sem malícia deixaram de emprestar com juros, isto é, não emprestaram." Promete-se, portanto, aos judeus como prêmio a abundância de riquezas que lhes permita emprestar aos outros.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que as leis humanas deixam impunes alguns pecados, por causa das imperfeições dos homens, pois se impediriam muitas vantagens, coibindo todos os pecados com penas rigorosas. Por isso, a lei humana tolera os juros, não por considerá-los conforme à justiça, mas para não impedir os proveitos de muitos. Daí se dispor no próprio direito civil: "As coisas que se consomem pelo uso não são suscetíveis de usufruto, nem em virtude do direito natural nem do civil." E acrescenta: "O Senado não estabeleceu o usufruto dessas coisas, nem podia fazê-lo, mas constituiu um quase usufruto," isto é, permitiu os juros. E o Filósofo, guiado pela razão natural, declara: "a aquisição usurária de dinheiro é o que há de mais alheio à natureza."
QUANTO AO 4º, deve-se dizer que nem sempre se está obrigado a emprestar; sob esse aspecto, trata-se de um conselho. Mas, não buscar lucro do empréstimo é objeto de preceito. - Poder-se-ia considerar como conselho em comparação com os dizeres dos fariseus, que tinham por justa certa forma de usura; nesse sentido, o amor dos inimigos é também um conselho. - Ou ainda, no lugar citado, se trataria não da esperança de lucro usurário, mas da confiança que se deposita em um homem; pois, não devemos emprestar dinheiro ou praticar algum bem, por esperança em um homem, mas, sim, em Deus.
QUANTO AO 5º, deve-se dizer que quem não está obrigado a emprestar pode receber uma compensação pelo que fez, mas nada mais pode exigir. Ora, é compensado segundo a igualdade da justiça, se lhe for dado tanto quanto emprestou. Por isso, se exige mais pelo usufruto de uma coisa que não tem outro uso senão o consumo de sua substância, exige o preço de algo que não existe. Portanto, essa exação é injusta.
QUANTO AO 6º, deve-se dizer que o uso principal dos vasos de prata não é o seu consumo; por isso, pode-se licitamente vender o uso deles, guardando o domínio da propriedade dos mesmos. Ao invés, o uso principal das moedas de prata está em serem gastas nas comutações. Por isso, não é permitido vender o uso e ao mesmo tempo exigir a restituição do que foi emprestado. Deve-se, no entanto, notar que o uso secundário dos vasos de prata pode ser a comutação. E, então, não seria lícito vender esse uso. Igualmente, pode haver outro uso secundário, se as moedas de prata fossem emprestadas em vista de serem exibidas ou para servir de penhor. Tal uso do dinheiro poderia ser licitamente vendido.
QUANTO AO 7º, deve-se dizer que quem paga juros não o faz de maneira inteiramente livre, mas constrangido por certa necessidade. Com efeito, precisa do empréstimo, e quem dispõe do dinheiro não quer emprestá-lo sem juros.
Latim
Ad primum sic proceditur. Videtur quod accipere usuram pro pecunia mutuata non sit peccatum. Nullus enim peccat ex hoc quod sequitur exemplum Christi. Sed dominus de seipso dicit, Luc. XIX, ego veniens cum usuris exegissem illam, scilicet pecuniam mutuatam. Ergo non est peccatum accipere usuram pro mutuo pecuniae.
Praeterea, sicut dicitur in Psalm., lex domini immaculata, quia scilicet peccatum prohibet. Sed in lege divina conceditur aliqua usura, secundum illud Deut. XXIII, non faenerabis fratri tuo ad usuram pecuniam, nec fruges nec quamlibet aliam rem, sed alieno. Et, quod plus est, etiam in praemium repromittitur pro lege servata, secundum illud Deut. XXVIII, faenerabis gentibus multis; et ipse a nullo faenus accipies. Ergo accipere usuram non est peccatum.
Praeterea, in rebus humanis determinatur iustitia per leges civiles. Sed secundum eas conceditur usuras accipere. Ergo videtur non esse illicitum.
Praeterea, praetermittere consilia non obligat ad peccatum. Sed Luc. VI inter alia consilia ponitur, date mutuum, nihil inde sperantes. Ergo accipere usuram non est peccatum.
Praeterea, pretium accipere quo eo quod quis facere non tenetur, non videtur esse secundum se peccatum. Sed non in quolibet casu tenetur pecuniam habens eam proximo mutuare. Ergo licet ei aliquando pro mutuo accipere pretium.
Praeterea, argentum monetatum, et in vasa formatum, non differt specie. Sed licet accipere pretium pro vasis argenteis accommodatis. Ergo etiam licet accipere pretium pro mutuo argenti monetati. Usura ergo non est secundum se peccatum.
Praeterea, quilibet potest licite accipere rem quam ei dominus rei voluntarie tradit. Sed ille qui accipit mutuum voluntarie tradit usuram. Ergo ille qui mutuat licite potest accipere.
Sed contra est quod dicitur Exod. XXII, si pecuniam mutuam dederis populo meo pauperi qui habitat tecum, non urgebis eum quasi exactor, nec usuris opprimes.
Respondeo dicendum quod accipere usuram pro pecunia mutuata est secundum se iniustum, quia venditur id quod non est, per quod manifeste inaequalitas constituitur, quae iustitiae contrariatur. Ad cuius evidentiam, sciendum est quod quaedam res sunt quarum usus est ipsarum rerum consumptio, sicut vinum consumimus eo utendo ad potum, et triticum consumimus eo utendo ad cibum. Unde in talibus non debet seorsum computari usus rei a re ipsa, sed cuicumque conceditur usus, ex hoc ipso conceditur res. Et propter hoc in talibus per mutuum transfertur dominium. Si quis ergo seorsum vellet vendere vinum et seorsum vellet vendere usum vini, venderet eandem rem bis, vel venderet id quod non est. Unde manifeste per iniustitiam peccaret. Et simili ratione, iniustitiam committit qui mutuat vinum aut triticum petens sibi duas recompensationes, unam quidem restitutionem aequalis rei, aliam vero pretium usus, quod usura dicitur.
Quaedam vero sunt quorum usus non est ipsa rei consumptio, sicut usus domus est inhabitatio, non autem dissipatio. Et ideo in talibus seorsum potest utrumque concedi, puta cum aliquis tradit alteri dominium domus, reservato sibi usu ad aliquod tempus; vel e converso cum quis concedit alicui usum domus, reservato sibi eius dominio. Et propter hoc licite potest homo accipere pretium pro usu domus, et praeter hoc petere domum commodatam, sicut patet in conductione et locatione domus.
Pecunia autem, secundum philosophum, in V Ethic. et in I Polit., principaliter est inventa ad commutationes faciendas, et ita proprius et principalis pecuniae usus est ipsius consumptio sive distractio, secundum quod in commutationes expenditur. Et propter hoc secundum se est illicitum pro usu pecuniae mutuatae accipere pretium, quod dicitur usura. Et sicut alia iniuste acquisita tenetur homo restituere, ita pecuniam quam per usuram accepit.
Ad primum ergo dicendum quod usura ibi metaphorice accipitur pro superexcrescentia bonorum spiritualium, quam exigit Deus volens ut in bonis acceptis ab eo semper proficiamus. Quod est ad utilitatem nostram, non eius.
Ad secundum dicendum quod Iudaeis prohibitum fuit accipere usuram a fratribus suis, scilicet Iudaeis, per quod datur intelligi quod accipere usuram a quocumque homine est simpliciter malum; debemus enim omnem hominem habere quasi proximum et fratrem, praecipue in statu Evangelii, ad quod omnes vocantur. Unde in Psalm. absolute dicitur, qui pecuniam suam non dedit ad usuram; et Ezech. XVIII, qui usuram non acceperit. Quod autem ab extraneis usuram acciperent, non fuit eis concessum quasi licitum, sed permissum ad maius malum vitandum, ne scilicet a Iudaeis, Deum colentibus, usuras acciperent, propter avaritiam, cui dediti erant, ut habetur Isaiae LVI.
Quod autem in praemium promittitur, faenerabis gentibus multis etc., faenus ibi large accipitur pro mutuo, sicut et Eccli. XXIX dicitur, multi non causa nequitiae non faenerati sunt, idest non mutuaverunt. Promittitur ergo in praemium Iudaeis abundantia divitiarum, ex qua contingit quod aliis mutuare possint.
Ad tertium dicendum quod leges humanae dimittunt aliqua peccata impunita propter conditiones hominum imperfectorum, in quibus multae utilitates impedirentur si omnia peccata districte prohiberentur poenis adhibitis. Et ideo usuras lex humana concessit, non quasi existimans eas esse secundum iustitiam, sed ne impedirentur utilitates multorum. Unde in ipso iure civili dicitur quod res quae usu consumuntur neque ratione naturali neque civili recipiunt usumfructum, et quod senatus non fecit earum rerum usumfructum, nec enim poterat; sed quasi usumfructum constituit, concedens scilicet usuras. Et philosophus, naturali ratione ductus, dicit, in I Polit., quod usuraria acquisitio pecuniarum est maxime praeter naturam.
Ad quartum dicendum quod dare mutuum non semper tenetur homo, et ideo quantum ad hoc ponitur inter consilia. Sed quod homo lucrum de mutuo non quaerat, hoc cadit sub ratione praecepti. Potest tamen dici consilium per comparationem ad dicta Pharisaeorum, qui putabant usuram aliquam esse licitam, sicut et dilectio inimicorum est consilium. Vel loquitur ibi non de spe usurarii lucri, sed de spe quae ponitur in homine. Non enim debemus mutuum dare, vel quodcumque bonum facere, propter spem hominis, sed propter spem Dei.
Ad quintum dicendum quod ille qui mutuare non tenetur recompensationem potest accipere eius quod fecit, sed non amplius debet exigere. Recompensatur autem sibi secundum aequalitatem iustitiae si tantum ei reddatur quantum mutuavit. Unde si amplius exigat pro usufructu rei quae alium usum non habet nisi consumptionem substantiae, exigit pretium eius quod non est. Et ita est iniusta exactio.
Ad sextum dicendum quod usus principalis vasorum argenteorum non est ipsa eorum consumptio, et ideo usus eorum potest vendi licite, servato dominio rei. Usus autem principalis pecuniae argenteae est distractio pecuniae in commutationes. Unde non licet eius usum vendere cum hoc quod aliquis velit eius restitutionem quod mutuo dedit. Sciendum tamen quod secundarius usus argenteorum vasorum posset esse commutatio. Et talem usum eorum vendere non liceret. Et similiter potest esse aliquis alius secundarius usus pecuniae argenteae, ut puta si quis concederet pecuniam signatam ad ostentationem, vel ad ponendum loco pignoris. Et talem usum pecuniae licite homo vendere potest.
Ad septimum dicendum quod ille qui dat usuram non simpliciter voluntarie dat, sed cum quadam necessitate, inquantum indiget pecuniam accipere mutuo, quam ille qui habet non vult sine usura mutuare.
ARTIGO II - Pode-se pedir uma outra vantagem pelo dinheiro emprestado?
QUANTO AO SEGUNDO, ASSIM SE PROCEDE: parece que pelo dinheiro emprestado, pode-se pedir uma outra vantagem.
- Com efeito, cada um pode licitamente procurar indenizar-se de seus prejuízos. Ora, por vezes, sofrem-se prejuízos emprestando dinheiro. Logo, será lícito, além do dinheiro emprestado, pedir ou mesmo exigir alguma outra vantagem em compensação do prejuízo.
- ALÉM DISSO, por certo dever de honestidade, todos estão obrigados a dar uma compensação a quem lhes faz um benefício, como se diz no livro V da Ética. Ora, quem empresta dinheiro ao que está necessitado, presta-lhe um benefício e merece gratidão. Portanto, quem toma emprestado tem um dever natural de dar certa compensação ao benfeitor. Ora, não parece ilícito obrigar-se a cumprir o que se deve em virtude do direito natural. Logo, não parece ilícito se alguém, ao emprestar dinheiro a outrem, o obrigue a dar uma compensação.
- ADEMAIS, como há presentes oferecidos pela mão, assim há outros que se fazem por palavras e por obséquio. É o que explica a Glosa comentando o livro de Isaías: "Feliz aquele que sacode as mãos para livrar-se de todo presente". Ora, é lícito receber um serviço ou um louvor daquele a quem se emprestou dinheiro. Logo, será igualmente permitido receber qualquer outro presente.
- ADEMAIS, existe a mesma relação entre um dom e outro dom que entre um empréstimo e outro empréstimo. Ora, pode-se receber dinheiro pelo dinheiro que se deu. Logo, pode-se também receber outro empréstimo em retribuição pelo dinheiro emprestado.
- ADEMAIS, aliena mais o seu dinheiro quem transfere a sua propriedade a quem toma emprestado, do que quem o confia a um negociante ou a um artífice. Ora, é lícito auferir lucro do dinheiro confiado ao negociante ou ao artífice. Logo, também o é pelo dinheiro emprestado.
- ADEMAIS, pelo dinheiro emprestado, pode-se receber um penhor cujo uso poderia ser vendido por determinado preço; tal se dá, quando se penhora um campo ou uma casa habitada. Logo, pode-se também auferir lucro de um dinheiro emprestado.
- ADEMAIS, acontece, às vezes, que alguém vende mais caro as suas coisas ou compra mais barato as alheias, em razão de um empréstimo. Ou se aumenta o preço pela demora no pagamento, ou se diminui com a sua presteza. Nesses casos, parece haver uma retribuição pelo dinheiro emprestado. Ora, isso não parece manifestamente ilícito. Logo, parece lícito esperar ou mesmo exigir alguma vantagem pelo dinheiro emprestado.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, no livro de Ezequiel, proclama-se, entre as condições para alguém ser justo: "Não receber juros nem outra coisa de acréscimo."
Respondo. Segundo o Filósofo, "considera-se como dinheiro tudo aquilo cujo valor se pode estimar em dinheiro." Portanto, como peca contra a justiça quem, por contrato tácito ou expresso, receber dinheiro pelo empréstimo de dinheiro ou de qualquer outra coisa que se consome pelo próprio uso, como já foi explicado, assim também incorre em pecado semelhante quem, por contrato tácito ou expresso, receber qualquer outra coisa cujo valor possa ser estimado em dinheiro. Se, no entanto, recebe algo semelhante, não por exigi-lo ou por uma espécie de obrigação tácita ou expressa, mas como dom gratuito, não peca. Com efeito, mesmo antes do empréstimo, podia receber um dom gratuito, nem piora de condição por ter concedido um empréstimo. — É lícito, porém, exigir como compensação do empréstimo o que não se mede pelo dinheiro, como a benevolência e o amor para com quem emprestou ou retribuições semelhantes.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que, em contrato com quem toma emprestado, aquele que empresta pode sem pecado estipular uma indenização do prejuízo que lhe advém por se privar de um bem que lhe pertence; o que não é vender o uso do dinheiro, porém evitar o próprio prejuízo. E pode acontecer que quem toma o empréstimo evite maior dano do que quem empresta; nesse caso, quem toma emprestado, com o proveito que aufere, recompensará o prejuízo do outro. - Mas a compensação do prejuízo decorrente de não mais ter lucro do dinheiro emprestado não pode ser estipulada em contrato; pois, não se pode vender o que ainda não se tem e cuja obtenção se pode impedir de várias maneiras.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que, de dois modos, se pode recompensar um benefício: Primeiro, como dívida de justiça, à qual se está obrigado por um contrato estipulado. E esse dever mede-se pela grandeza do benefício recebido. Por conseguinte, quem recebeu dinheiro emprestado ou qualquer coisa semelhante das que se consomem pelo uso, só estará obrigado a restituir o que recebeu em empréstimo, e seria contrário à justiça obrigar-se a devolver mais. - Segundo, pode alguém estar obrigado a recompensar um benefício por um dever de amizade; e, então, levar-se-á em conta mais o afeto do benfeitor do que a importância do benefício. Tal dever não pode constituir objeto de uma obrigação civil, pois esta impõe necessidade e impede a espontaneidade da recompensa.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que quem espera ou exige pelo dinheiro que emprestou a compensação de um presente em serviços ou palavras, como se houvesse a obrigação de um contrato tácito ou expresso, seria o mesmo que exigir à maneira de presente um serviço manual, pois uns e outros podem ser apreciados em dinheiro, como acontece com quem aluga os seus serviços prestados pelo trabalho ou por palavras. Mas se o presente em palavra ou em trabalho é oferecido não como pagamento de uma dívida, porém como expressão de reconhecimento, que não se avalia em dinheiro, é lícito aceitá-lo, exigi-lo e esperá-lo.
Quanto ao 4º, deve-se dizer que o dinheiro não pode ser vendido por quantidade maior do que a que foi emprestada. É preciso restituir o quanto se recebeu. Nem se há de exigir ou esperar nada, a não ser um sentimento de benevolência, que não se avalia em dinheiro, e de onde pode resultar um empréstimo espontâneo. No entanto, seria contrário a essa benevolência espontânea obrigar a quem tomou emprestado a se comprometer a emprestar no futuro, pois tal compromisso é susceptível de apreciação pecuniária. Assim, embora seja permitido a quem empresta tomar simultaneamente emprestado ao seu devedor, este não pode ser obrigado a fazer-lhe um empréstimo.
QUANTO AO 5º, deve-se dizer que quem empresta dinheiro transfere o domínio deste a quem o toma emprestado. Este o guarda, respondendo pelo risco de perdê-lo e está obrigado a restituí-lo integralmente. Por isso, quem emprestou não pode exigir mais do que o emprestado. Ao contrário, quem confia o seu dinheiro a um comerciante ou a um artífice, a modo de sociedade, não lhes transfere a propriedade de seu dinheiro, que continua sendo seu, e é com o risco desse mesmo proprietário que o comerciante ou o artífice trabalham com o dinheiro. Portanto, o proprietário pode licitamente reclamar uma parte do lucro, como procedendo de coisa sua.
QUANTO AO 6º, deve-se dizer que se alguém, para garantia do que lhe foi emprestado, penhora um objeto cujo valor pode ser apreciado em dinheiro, quem emprestou deve computar o uso da coisa penhorada ao ser-lhe restituído o empréstimo. Ao contrário, se pretendesse que o uso desse objeto lhe fosse concedido gratuitamente, seria como se recebesse juros pelo empréstimo, o que seria usurário, a menos que se trate de um desses objetos cuja utilização se costuma conceder entre amigos, sem exigir retribuição, como um livro que se empresta.
QUANTO AO 7º, deve-se dizer que vender um objeto acima do justo preço, porque se concede um maior prazo para o pagamento, é usura manifesta, pois esse prazo tem o caráter de um empréstimo. Por conseguinte, tudo quanto se exige acima do justo preço em razão desse prazo é como juros pelo empréstimo. - De igual sorte, se o comprador quer comprar abaixo do justo preço, sob pretexto de que pagará antes da entrega, comete pecado de usura, pois também essa antecipação do pagamento tem o caráter de empréstimo, cujos juros são constituídos pela soma que se diminui do justo preço da compra feita. - Se, porém, se abaixa voluntariamente o justo preço, para obter antes o dinheiro, não há pecado de usura.
Latim
Ad secundum sic proceditur. Videtur quod aliquis possit pro pecunia mutuata aliquam aliam commoditatem expetere. Unusquisque enim licite potest suae indemnitati consulere. Sed quandoque damnum aliquis patitur ex hoc quod pecuniam mutuat. Ergo licitum est ei, supra pecuniam mutuatam, aliquid aliud pro damno expetere, vel etiam exigere Praeterea, unusquisque tenetur ex quodam debito honestatis aliquid recompensare ei qui sibi gratiam fecit, ut dicitur in V Ethic. Sed ille qui alicui in necessitate constituto pecuniam mutuat, gratiam facit, unde et gratiarum actio ei debetur. Ergo ille qui recipit tenetur naturali debito aliquid recompensare. Sed non videtur esse illicitum obligare se ad aliquid ad quod quis ex naturali iure tenetur. Ergo non videtur esse illicitum si aliquis, pecuniam alteri mutuans, in obligationem deducat aliquam recompensationem.
Praeterea, sicut est quoddam munus a manu, ita est munus a lingua, et ab obsequio, ut dicit Glossa Isaiae XXXIII, beatus qui excutit manus suas ab omni munere. Sed licet accipere servitium, vel etiam laudem, ab eo cui quis pecuniam mutuavit. Ergo, pari ratione, licet quodcumque aliud munus accipere.
Praeterea, eadem videtur esse comparatio dati ad datum et mutuati ad mutuatum. Sed licet pecuniam accipere pro alia pecunia data. Ergo licet accipere recompensationem alterius mutui pro pecunia mutuata.
Praeterea, magis a se pecuniam alienat qui, eam mutuando, dominium transfert, quam qui eam mercatori vel artifici committit. Sed licet lucrum accipere de pecunia commissa mercatori vel artifici. Ergo licet etiam lucrum accipere de pecunia mutuata.
Praeterea, pro pecunia mutuata potest homo pignus accipere, cuius usus posset aliquo pretio vendi, sicut cum impignoratur ager vel domus quae inhabitatur. Ergo licet aliquod lucrum habere de pecunia mutuata.
Praeterea, contingit quandoque quod aliquis carius vendit res suas ratione mutui; aut vilius emit quod est alterius; vel etiam pro dilatione pretium auget, vel pro acceleratione diminuit, in quibus omnibus videtur aliqua recompensatio fieri quasi pro mutuo pecuniae. Hoc autem non manifeste apparet illicitum. Ergo videtur licitum esse aliquod commodum de pecunia mutuata expectare, vel etiam exigere.
Sed contra est quod Ezech. XVIII dicitur, inter alia quae ad virum iustum requiruntur, usuram et superabundantiam non acceperit.
Respondeo dicendum quod, secundum philosophum, in IV Ethic., omne illud pro pecunia habetur cuius pretium potest pecunia mensurari. Et ideo sicut si aliquis pro pecunia mutuata, vel quacumque alia re quae ex ipso usu consumitur, pecuniam accipit ex pacto tacito vel expresso, peccat contra iustitiam, ut dictum est; ita etiam quicumque ex pacto tacito vel expresso quodcumque aliud acceperit cuius pretium pecunia mensurari potest, simile peccatum incurrit. Si vero accipiat aliquid huiusmodi non quasi exigens, nec quasi ex aliqua obligatione tacita vel expressa, sed sicut gratuitum donum, non peccat, quia etiam antequam pecuniam mutuasset, licite poterat aliquod donum gratis accipere, nec peioris conditionis efficitur per hoc quod mutuavit.
Recompensationem vero eorum quae pecunia non mensurantur licet pro mutuo exigere, puta benevolentiam et amorem eius qui mutuavit, vel aliquid huiusmodi.
Ad primum ergo dicendum quod ille qui mutuum dat potest absque peccato in pactum deducere cum eo qui mutuum accipit recompensationem damni per quod subtrahitur sibi aliquid quod debet habere, hoc enim non est vendere usum pecuniae, sed damnum vitare. Et potest esse quod accipiens mutuum maius damnum evitet quam dans incurret, unde accipiens mutuum cum sua utilitate damnum alterius recompensat. Recompensationem vero damni quod consideratur in hoc quod de pecunia non lucratur, non potest in pactum deducere, quia non debet vendere id quod nondum habet et potest impediri multipliciter ab habendo.
Ad secundum dicendum quod recompensatio alicuius beneficii dupliciter fieri potest. Uno quidem modo, ex debito iustitiae, ad quod aliquis ex certo pacto obligari potest. Et hoc debitum attenditur secundum quantitatem beneficii quod quis accepit. Et ideo ille qui accipit mutuum pecuniae, vel cuiuscumque similis rei cuius usus est eius consumptio, non tenetur ad plus recompensandum quam mutuo acceperit. Unde contra iustitiam est si ad plus reddendum obligetur. Alio modo tenetur aliquis ad recompensandum beneficium ex debito amicitiae, in quo magis consideratur affectus ex quo aliquis beneficium contulit quam etiam quantitas eius quod fecit. Et tali debito non competit civilis obligatio, per quam inducitur quaedam necessitas, ut non spontanea recompensatio fiat.
Ad tertium dicendum quod si aliquis ex pecunia mutuata expectet vel exigat, quasi per obligationem pacti taciti vel expressi, recompensationem muneris ab obsequio vel lingua, perinde est ac si expectaret vel exigeret munus a manu, quia utrumque pecunia aestimari potest, ut patet in his qui locant operas suas, quas manu vel lingua exercent. Si vero munus ab obsequio vel lingua non quasi ex obligatione rei exhibeat, sed ex benevolentia, quae sub aestimatione pecuniae non cadit, licet hoc accipere et exigere et expectare.
Ad quartum dicendum quod pecunia non potest vendi pro pecunia ampliori quam sit quantitas pecuniae mutuatae, quae restituenda est, nec ibi aliquid est exigendum aut expectandum nisi benevolentiae affectus, qui sub aestimatione pecuniae non cadit, ex quo potest procedere spontanea mutuatio. Repugnat autem ei obligatio ad mutuum in posterum faciendum, quia etiam talis obligatio pecunia aestimari posset. Et ideo licet simul mutuanti unum aliquid aliud mutuare, non autem licet eum obligare ad mutuum in posterum faciendum.
Ad quintum dicendum quod ille qui mutuat pecuniam transfert dominium pecuniae in eum cui mutuat. Unde ille cui pecunia mutuatur sub suo periculo tenet eam, et tenetur integre restituere. Unde non debet amplius exigere ille qui mutuavit. Sed ille qui committit pecuniam suam vel mercatori vel artifici per modum societatis cuiusdam, non transfert dominium pecuniae suae in illum, sed remanet eius, ita quod cum periculo ipsius mercator de ea negotiatur vel artifex operatur. Et ideo licite potest partem lucri inde provenientis expetere, tanquam de re sua.
Ad sextum dicendum quod si quis pro pecunia sibi mutuata obliget rem aliquam cuius usus pretio aestimari potest, debet usum illius rei ille qui mutuavit computare in restitutionem eius quod mutuavit. Alioquin, si usum illius rei quasi gratis sibi superaddi velit, idem est ac si pecuniam acciperet pro mutuo, quod est usurarium, nisi forte esset talis res cuius usus sine pretio soleat concedi inter amicos, sicut patet de libro accommodato.
Ad septimum dicendum quod si aliquis carius velit vendere res suas quam sit iustum pretium, ut de pecunia solvenda emptorem expectet, usura manifeste committitur, quia huiusmodi expectatio pretii solvendi habet rationem mutui; unde quidquid ultra iustum pretium pro huiusmodi expectatione exigitur, est quasi pretium mutui, quod pertinet ad rationem usurae. Similiter etiam si quis emptor velit rem emere vilius quam sit iustum pretium, eo quod pecuniam ante solvit quam possit ei tradi, est peccatum usurae, quia etiam ista anticipatio solutionis pecuniae habet mutui rationem, cuius quoddam pretium est quod diminuitur de iusto pretio rei emptae. Si vero aliquis de iusto pretio velit diminuere ut pecuniam prius habeat, non peccat peccato usurae.
Artigo III - Há obrigação de restituir tudo o que se lucrou com o dinheiro usurário?
QUANTO AO TERCEIRO, ASSIM SE PROCEDE: parece que há obrigação de restituir tudo o que se lucrou com o dinheiro usurário.
- Com efeito, o Apóstolo declara: "Se a raiz é santa, também o são os ramos." Portanto, pela mesma razão, se a raiz é corrompida, também o serão os ramos. Ora, aqui a raiz é usurária. Logo, tudo o que por ela se adquire é usurário, e há obrigação de restituir.
- ALÉM DISSO, nas Decretais estipula-se: "As propriedades adquiridas com rendas usurárias devem-se vender e o seu preço deve ser restituído àqueles de quem foi extorquido." Logo, por idêntica razão, tudo o mais que se adquire com dinheiro usurário deve ser restituído.
- ADEMAIS, o que alguém compra com dinheiro usurário só lhe pertence em virtude do dinheiro que empregou. Logo, não tem sobre a coisa adquirida maior direito do que sobre o dinheiro que deu. Ora, ele estava obrigado a restituir o dinheiro usurário. Logo, deve também restituir o que com ele adquiriu.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, cada um pode conservar licitamente o que legitimamente adquiriu. Ora, o que se adquire com dinheiro usurário, por vezes adquire-se legitimamente. Logo, pode conservar-se licitamente.
RESPONDO. Como foi dito acima, há certas coisas cujo uso consiste em seu próprio consumo, nem são suscetíveis de usufruto, segundo o direito. Por conseguinte, se por usura foram adquiridos tais bens, como dinheiro, trigo, vinho, ou algo semelhante, não se está obrigado a restituir mais do que o recebido, porque o que depois se conseguiu adquirir com essas coisas não é fruto delas mesmas, porém da atividade humana. A não ser que, pela detenção de tais bens, um outro tenha sido danificado, perdendo algo de seus bens, porque, então, há obrigação de reparar o prejuízo causado.
Ao invés, há outras coisas cujo uso não se confunde com o consumo delas e podem ser objeto de usufruto, por exemplo, uma casa, um campo e outros bens semelhantes. Portanto, se alguém conseguir por usura a casa ou o campo de outrem, não somente estaria obrigado a restituir a casa ou o campo, mas também as rendas dessas propriedades, porque são frutos de coisas cujo domínio pertence a outra pessoa e lhe são, portanto, devidos.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que a raiz não tem apenas o caráter de matéria, como o dinheiro fruto de usura; mas tem igualmente uma função de causa ativa, enquanto dá à árvore seu alimento. Não há, portanto, paridade no argumento.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que as propriedades adquiridas graças ao dinheiro usurário não pertencem àqueles de quem vem esse dinheiro, mas aos compradores. No entanto, elas estão hipotecadas àqueles de quem foi recebido o dinheiro usurário, como os outros bens de quem praticou a usura. Por isso, não se prescreve que esses bens sejam atribuídos àqueles de quem se recebeu juros, porque talvez valham mais do que os juros percebidos, mas se ordena que esses bens sejam vendidos e que o preço deles seja restituído, segundo a quantidade dos juros recebidos.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que o que se adquire com o dinheiro usurário pertence ao adquirente em virtude do dinheiro usurário como de uma causa apenas instrumental, mas a sua atividade própria é a causa principal da aquisição. Por isso, ele tem mais direito sobre os bens que conseguiu com o dinheiro usurário do que sobre esse dinheiro.
Latim
Ad tertium sic proceditur. Videtur quod quidquid aliquis de pecunia usuraria lucratus fuerit, reddere teneatur. Dicit enim apostolus, ad Rom. XI, si radix sancta, et rami. Ergo, eadem ratione, si radix infecta, et rami. Sed radix fuit usuraria. Ergo et quidquid ex ea acquisitum est, est usurarium. Ergo tenetur ad restitutionem illius.
Praeterea, sicut dicitur extra, de usuris, in illa decretali, cum tu sicut asseris, possessiones quae de usuris sunt comparatae debent vendi, et ipsarum pretia his a quibus sunt extorta restitui. Ergo, eadem ratione, quidquid aliud ex pecunia usuraria acquiritur debet restitui.
Praeterea, illud quod aliquis emit de pecunia usuraria debetur sibi ratione pecuniae quam dedit. Non ergo habet maius ius in re quam acquisivit quam in pecunia quam dedit. Sed pecuniam usurariam tenebatur restituere. Ergo et illud quod ex ea acquirit tenetur restituere.
Sed contra, quilibet potest licite tenere id quod legitime acquisivit. Sed id quod acquiritur per pecuniam usurariam interdum legitime acquiritur. Ergo licite potest retineri.
Respondeo dicendum quod, sicut supra dictum est, res quaedam sunt quarum usus est ipsarum rerum consumptio, quae non habent usumfructum, secundum iura. Et ideo si talia fuerint per usuram extorta, puta denarii, triticum, vinum aut aliquid huiusmodi, non tenetur homo ad restituendum nisi id quod accepit, quia id quod de tali re est acquisitum non est fructus huius rei, sed humanae industriae. Nisi forte per detentionem talis rei alter sit damnificatus, amittendo aliquid de bonis suis, tunc enim tenetur ad recompensationem nocumenti.
Quaedam vero res sunt quarum usus non est earum consumptio, et talia habent usumfructum, sicut domus et ager et alia huiusmodi. Et ideo si quis domum alterius vel agrum per usuram extorsisset, non solum teneretur restituere domum vel agrum, sed etiam fructus inde perceptos, quia sunt fructus rerum quarum alius est dominus, et ideo ei debentur.
Ad primum ergo dicendum quod radix non solum habet rationem materiae, sicut pecunia usuraria, sed habet etiam aliqualiter rationem causae activae, inquantum administrat nutrimentum. Et ideo non est simile.
Ad secundum dicendum quod possessiones quae de usuris sunt comparatae non sunt eorum quorum fuerunt usurae, sed illorum qui eas emerunt. Sunt tamen obligatae illis a quibus fuerunt usurae acceptae, sicut et alia bona usurarii. Et ideo non praecipitur quod assignentur illae possessiones his a quibus fuerunt acceptae usurae, quia forte plus valent quam usurae quas dederunt, sed praecipitur quod vendantur possessiones et earum pretia restituantur, scilicet secundum quantitatem usurae acceptae.
Ad tertium dicendum quod illud quod acquiritur de pecunia usuraria debetur quidem acquirenti propter pecuniam usurariam datam sicut propter causam instrumentalem, sed propter suam industriam sicut propter causam principalem. Et ideo plus iuris habet in re acquisita de pecunia usuraria quam in ipsa pecunia usuraria.
Artigo IV - É lícito receber dinheiro emprestado pagando juros?
QUANTO AO QUARTO, ASSIM SE PROCEDE: parece que não é lícito receber dinheiro emprestado pagando usura.
- Com efeito, o Apóstolo proclama: "São dignos de morte, não somente os que cometem o pecado, mas ainda os que aprovam os seus autores." Ora, quem recebe dinheiro emprestado pagando juros consente no pecado do usurário e lhe dá ocasião de pecar. Logo, também peca.
- ALÉM DISSO, por nenhuma vantagem temporal se deve dar a outrem ocasião de pecar, pois seria um escândalo ativo, que é sempre pecado, como já ficou explicado. Ora, quem pede emprestado ao usurário lhe dá expressamente ocasião de pecar. Logo, nenhuma vantagem temporal o pode escusar.
- ADEMAIS, a necessidade que impele por vezes a depositar dinheiro em poder do usurário não é menor do que a que constringe a dele receber um empréstimo. Ora, depositar dinheiro nas mãos do usurário parece ser completamente ilícito, como também o é entregar uma espada a um louco, uma virgem a um luxurioso ou comida a um glutão. Logo, também não é lícito receber empréstimo de um usurário.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, quem sofre uma injustiça não peca, como ensina o Filósofo. Por isso, a injustiça, explica ele ainda, não é o meio-termo entre dois vícios. Ora, o usurário peca, cometendo uma injustiça contra quem dele recebe dinheiro sob condição de pagar juros. Logo, quem aceita esse empréstimo usurário não peca.
RESPONDO. De modo algum é lícito induzir alguém a pecar. É lícito, porém, tirar proveito do pecado de outrem para o bem. Pois, também Deus usa de todos os pecados para algum bem; de qualquer mal, Ele tira um bem, diz Agostinho. E o mesmo Agostinho, interrogado por Publícola se era lícito aceitar o juramento de quem jurou pelos seus falsos deuses, pecando assim manifestamente, por lhes atribuir uma reverência divina, responde: "Quem recorre ao juramento daquele que jura pelos falsos deuses, não para o mal, mas para o bem, não se associa ao pecado que consiste em jurar pelo demônio, mas ao que há de bom em seu pacto, pelo qual guardou a fidelidade. Pecaria, contudo, se o induzisse a jurar pelos falsos deuses."
Igualmente na questão que nos ocupa, deve afirmar-se que de nenhuma maneira é lícito induzir outrem a emprestar com usura; no entanto, receber empréstimo com juros das mãos de quem está disposto a fazê-lo e exerce a usura, é lícito, tendo em vista algum bem, que é satisfazer à necessidade própria ou de outro. Assim como é lícito a quem caiu nas mãos de salteadores, exibir-lhes os bens que traz consigo e deixar cometer o pecado de roubo, para não ser morto, seguindo nisso o exemplo dos dez homens que disseram a Ismael: "não nos mates, pois temos um tesouro oculto no campo," como se narra no livro de Jeremias.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que quem toma dinheiro emprestado com juros não consente no pecado do usurário, mas dele se serve. Não lhe apraz a cobrança de juros, mas o empréstimo, que é um bem.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que quem recebe o dinheiro emprestado com juros não dá ocasião ao usurário de receber esses juros, mas de fazer um empréstimo. O próprio usurário tira ocasião de pecar da malícia de seu coração. Por conseguinte, há escândalo passivo de sua parte, sem que haja escândalo ativo da parte de quem solicita o empréstimo. Nem por causa desse escândalo passivo, se deve deixar de procurar o empréstimo, quando se está em necessidade; pois, tal escândalo passivo não provém da fraqueza ou da ignorância, mas da malícia.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que se alguém confiasse seu dinheiro a um usurário, que sem isso não poderia exercer a usura, ou que o confiasse na intenção de fazer obter maior lucro pela usura, lhe daria então matéria de pecado e seria, portanto, cúmplice de sua falta. Mas, se alguém recorre a um usurário, que já tem por onde exercer sua usura e lhe confia seu dinheiro para o ter em segurança, não peca, mas se serve de um homem pecador para conseguir um bem.
Latim
Ad quartum sic proceditur. Videtur quod non liceat pecuniam accipere mutuo sub usura. Dicit enim apostolus, Rom. I, quod digni sunt morte non solum qui faciunt peccata, sed etiam qui consentiunt facientibus. Sed ille qui accipit pecuniam mutuo sub usuris consentit usurario in suo peccato, et praebet ei occasionem peccandi. Ergo etiam ipse peccat.
Praeterea, pro nullo commodo temporali debet aliquis alteri quamcumque occasionem praebere peccandi, hoc enim pertinet ad rationem scandali activi, quod semper est peccatum, ut supra dictum est. Sed ille qui petit mutuum ab usurario expresse dat ei occasionem peccandi. Ergo pro nullo commodo temporali excusatur.
Praeterea, non minor videtur esse necessitas quandoque deponendi pecuniam suam apud usurarium quam mutuum accipiendi ab ipso. Sed deponere pecuniam apud usurarium videtur esse omnino illicitum, sicut illicitum esset deponere gladium apud furiosum, vel virginem committere luxurioso, seu cibum guloso. Ergo neque licitum est accipere mutuum ab usurario.
Sed contra, ille qui iniuriam patitur non peccat, secundum philosophum, in V Ethic., unde iustitia non est media inter duo vitia, ut ibidem dicitur. Sed usurarius peccat inquantum facit iniustitiam accipienti mutuum sub usuris. Ergo ille qui accipit mutuum sub usuris non peccat.
Respondeo dicendum quod inducere hominem ad peccandum nullo modo licet, uti tamen peccato alterius ad bonum licitum est, quia et Deus utitur omnibus peccatis ad aliquod bonum, ex quolibet enim malo elicit aliquod bonum, ut dicitur in Enchiridio. Et ideo Augustinus Publicolae quaerenti utrum liceret uti iuramento eius qui per falsos deos iurat, in quo manifeste peccat eis reverentiam divinam adhibens, respondit quod qui utitur fide illius qui per falsos deos iurat, non ad malum sed ad bonum, non peccato illius se sociat, quo per Daemonia iuravit, sed pacto bono eius, quo fidem servavit. Si tamen induceret eum ad iurandum per falsos deos, peccaret.
Ita etiam in proposito dicendum est quod nullo modo licet inducere aliquem ad mutuandum sub usuris, licet tamen ab eo qui hoc paratus est facere et usuras exercet, mutuum accipere sub usuris, propter aliquod bonum, quod est subventio suae necessitatis vel alterius. Sicut etiam licet ei qui incidit in latrones manifestare bona quae habet, quae latrones diripiendo peccant, ad hoc quod non occidatur, exemplo decem virorum qui dixerunt ad Ismahel, noli occidere nos, quia habemus thesaurum in agro, ut dicitur Ierem. XLI.
Ad primum ergo dicendum quod ille qui accipit pecuniam mutuo sub usuris non consentit in peccatum usurarii, sed utitur eo. Nec placet ei usurarum acceptio, sed mutuatio, quae est bona.
Ad secundum dicendum quod ille qui accipit pecuniam mutuo sub usuris non dat usurario occasionem usuras accipiendi, sed mutuandi, ipse autem usurarius sumit occasionem peccandi ex malitia cordis sui. Unde scandalum passivum est ex parte sua, non autem activum ex parte petentis mutuum. Nec tamen propter huiusmodi scandalum passivum debet alius a mutuo petendo desistere, si indigeat, quia huiusmodi passivum scandalum non provenit ex infirmitate vel ignorantia, sed ex malitia.
Ad tertium dicendum quod si quis committeret pecuniam suam usurario non habenti alias unde usuras exerceret; vel hac intentione committeret ut inde copiosius per usuram lucraretur; daret materiam peccanti. Unde et ipse esset particeps culpae. Si autem aliquis usurario alias habenti unde usuras exerceat, pecuniam suam committat ut tutius servetur, non peccat, sed utitur homine peccatore ad bonum.