TRATADO DO INFERNO

CAPÍTULO I: Do lugar do inferno, de seu príncipe, da entrada das almas neste lugar de horror, e das penas que lhes são comuns

Um dia em que a serva de Deus estava muito doente, ela se fechou em sua cela, para se entregar com toda liberdade ao exercício da contemplação, onde encontrava sua consolação e todas as suas delícias. Era por volta de quatro horas da tarde: ela foi imediatamente arrebatada em êxtase, e o arcanjo Rafael, que ela não viu então, veio buscá-la e a conduziu à visão do inferno. Chegada à porta deste reino terrível, ela leu estas palavras escritas em caracteres de fogo:

"Este lugar é o inferno, onde não há nem descanso, nem consolação, nem esperança".

Estando esta porta aberta, ela olhou e viu um abismo tão profundo e tão espantoso, que desde então não podia falar sobre ele sem que seu sangue se gelasse de pavor. Deste abismo saíam gritos horríveis e exalações insuportáveis; então ela foi tomada de um horror extremo; mas ela ouviu a voz de seu condutor invisível, que lhe dizia para ter coragem, porque nenhum mal lhe aconteceria. Um pouco tranquilizada por esta voz amiga, ela observou mais atentamente esta porta, e viu que já bastante larga em sua entrada, ela ia se alargando cada vez mais em sua espessura; mas neste horrível corredor reinavam trevas inimagináveis; no entanto, fez-se para ela uma luz, e ela viu que o inferno era composto de três regiões: uma superior, outra inferior, e outra intermediária. Na região superior, tudo anunciava graves tormentos; naquela do meio, o aparato das torturas era ainda mais assustador; mas, na região mais baixa, o sofrimento era incompreensível. Estas três regiões eram separadas por longos espaços, onde as trevas eram espessas, e os instrumentos de tortura em número prodigioso e extraordinariamente variados.

Neste abismo terrível, vivia um imenso dragão que ocupava todo o seu comprimento: ele tinha sua cauda no inferno inferior, seu corpo no inferno intermediário e sua cabeça no inferno superior. Sua boca estava escancarada na abertura da porta que ele preenchia inteiramente; sua língua saía com um comprimento desmedido; seus olhos e orelhas lançavam chamas sem claridade, mas de um calor insuportável; sua garganta vomitava uma lava ardente e de um odor pestilento. Francisca ouviu neste abismo um barulho terrível: eram gritos, uivos, blasfêmias, lamentações dilacerantes, e tudo isso misturado a um calor sufocante, e a um odor insuportável, lhe fazia tanto mal, que ela acreditou que sua vida iria se aniquilar; no entanto, seu guia invisível a tranquilizou com suas inspirações, e lhe devolveu um pouco de coragem: ela precisava disso para suportar a visão da qual vamos falar.

Ela viu Satanás na forma mais terrível que se possa imaginar. Ele estava sentado em um assento que se assemelhava a uma longa viga, no inferno do meio, e ainda assim sua cabeça alcançava o topo do abismo, e seus pés desciam até o fundo; ele mantinha suas pernas abertas e seus braços estendidos, mas não em forma de cruz. Uma de suas mãos ameaçava o céu, e a outra parecia indicar o fundo do precipício. Dois imensos chifres de cervo coroavam sua testa; eram muito ramificados, e os inúmeros pequenos chifres que saíam deles, como tantos ramos, pareciam tantas chaminés por onde escapavam colunas de chamas e fumaça. Seu rosto era de uma feiura repulsiva e de um aspecto terrível. Sua boca, como a do dragão, vomitava um rio de fogo muito ardente; mas sem claridade e de um fedor horrível. Ele usava no pescoço uma coleira de ferro vermelho. Uma corrente ardente o amarrava pelo meio do corpo, e seus pés e mãos estavam igualmente acorrentados. Os ferros de suas mãos estavam fortemente presos à abóbada do abismo; os de seus pés estavam presos a um anel fixado no fundo do abismo, e a corrente que lhe prendia os rins, também prendia o dragão do qual falamos.

A esta visão sucedeu outra. A serva de Deus viu de todos os lados almas que os espíritos que as haviam tentado traziam de volta a esta terrível morada: elas carregavam seus pecados escritos em suas testas em caracteres tão inteligíveis, que a santa compreendia por quais crimes cada uma delas estava condenada. Essas letras, no entanto, eram apenas para ela; pois essas almas infelizes conheciam reciprocamente seus pecados apenas pelo pensamento. Os demônios que as conduziam as sobrecarregavam de piadas, reprovações amargas e maus-tratos, que seria difícil relatar, tão inventiva era a raiva desses monstros. À medida que essas almas chegavam à entrada do abismo, os demônios as derrubavam e as precipitavam, de cabeça para baixo, na boca sempre aberta do dragão. Assim engolidas, elas deslizavam rapidamente em suas entranhas, e na abertura inferior, eram recebidas por outros demônios que as conduziam imediatamente ao seu príncipe, aquele monstro acorrentado, do qual acabamos de falar. Ele as julgava imediatamente, e após designar o lugar que deveriam ocupar de acordo com seus crimes, ele as entregava a demônios que lhe serviam de satélites para conduzi-las até lá. A santa notou que essa transferência não era feita da mesma maneira que a das almas que passam do purgatório ao paraíso. Embora a distância que estas últimas têm que percorrer seja incomparavelmente maior do que a de um inferno a outro, já que elas precisam atravessar a terra, o céu dos astros e o cristalino, para chegar ao empíreo; no entanto, essa viagem é feita num piscar de olhos. A marcha das almas que Francisca via serem levadas pelos guardas do tirano infernal era, ao contrário, muito lenta, tanto por causa das densas trevas que tinham que atravessar com uma espécie de violência, quanto pelas torturas que lhes infligiam nos espaços intermediários dos quais falamos. Portanto, era somente após algum tempo que os demônios acabavam por depositá-las no fundo do abismo.

Francisca também viu chegarem outras almas menos culpadas que as primeiras, e ainda assim condenadas; elas eram precipitadas na boca do dragão, apresentadas a Lúcifer, julgadas e transferidas pelos demônios, como as outras; mas, em vez de descerem ao fundo do abismo, elas subiam para o inferno superior, com a mesma lentidão, no entanto, e sofrendo tormentos proporcionais aos seus pecados. Chegando à sua prisão, elas encontravam uma multidão de demônios em forma de serpentes e bestas ferozes, cuja visão as aterrorizava. Os olhares de Satanás as assustavam ainda mais e, sem falar do incêndio geral no qual estavam envolvidas, o fogo que saía do príncipe das trevas lhes fazia sentir cruelmente seu ardor devorador. Ao seu redor reinava uma noite eterna; de modo que nada podia fazer diversão às penas que elas suportavam. Lá, como nas outras partes do inferno, cada uma das almas condenadas era entregue a dois demônios principais, executores dos decretos da justiça divina. A função do primeiro era golpeá-la, dilacerá-la e atormentá-la sem cessar; a do segundo era zombar de sua desgraça, repreendendo-a por tê-la atraído por sua culpa; lembrando-a continuamente da lembrança de seus pecados, mas da maneira mais opressiva, perguntando-lhe como ela pôde ceder às tentações e consentir em ofender seu Criador; repreendendo-a, enfim, por todos os meios que ela tivera de se salvar, e todas as ocasiões de fazer o bem, que ela perdera por sua culpa. Daí remorsos dilacerantes que, unidos aos tormentos que o outro carrasco lhe fazia experimentar, a colocavam em um estado de raiva e desespero, que ela expressava por uivos e blasfêmias. O encargo confiado a esses dois demônios não era, no entanto, exclusivo: todos os outros tinham igualmente o direito de insultá-la e atormentá-la, e não deixavam de usá-lo. A serva de Deus tendo desejado saber que diferença havia entre os habitantes das três províncias desse reino terrível, foi-lhe dito que, na região inferior, estavam colocados os maiores criminosos; na do meio os criminosos medianos e na região superior os menos culpados dos condenados. As almas que você vê neste lugar mais alto, acrescentou a voz que a instruía, são aquelas dos judeus que, exceto por sua obstinação, viveram isentos de grandes crimes, aquelas dos cristãos que negligenciaram a confissão durante a vida e foram privados dela na morte, etc. Tudo o que a bem-aventurada via e ouvia a enchia de espanto; mas seu guia tinha grande cuidado em tranquilizá-la e fortalecê-la.

CAPÍTULO II: Tormentos particulares exercidos sobre nove tipos de culpados

1° Suplícios daqueles que ultrajaram a natureza com suas impurezas.

Francisca viu na parte mais baixa e horrível do inferno homens e mulheres que suportavam torturas terríveis. Os demônios que lhes serviam de carrascos os faziam sentar em barras de ferro incandescentes, que penetravam o corpo em todo o seu comprimento e saíam pelo topo da cabeça, e enquanto um deles retirava essa barra e a enfiava novamente, os outros, com tenazes ardentes, lhes dilaceravam as carnes da cabeça aos pés. Ora, esses tormentos eram contínuos e isso sem exclusão das penas gerais, quero dizer, do fogo, do frio glacial, das densas trevas, das blasfêmias e dos rangeres de dentes.

2° Suplícios dos usurários.

Não longe da cela dos primeiros, Francisca viu outra onde os criminosos eram torturados de maneira diferente, e foi-lhe dito que eram os usurários. Ora, esses infelizes estavam deitados e pregados em uma mesa de fogo, os braços estendidos, mas não em forma de cruz, e o guia de Francisca lhe disse a esse respeito que todo sinal da cruz era banido dessas moradas infernais. Cada um deles tinha um círculo de ferro vermelho na cabeça. Os demônios pegavam em caldeirões ouro e prata fundidos que despejavam em suas bocas; eles também faziam escorrer em uma abertura que haviam feito no lugar do coração, dizendo: lembrem-se, almas miseráveis, da afeição que vocês tinham por esses metais durante a vida; foi ela que os conduziu aonde vocês estão. Eles os mergulhavam em seguida em uma cuba cheia de ouro e prata liquefeitos; de modo que elas não faziam mais que passar de um tormento a outro, sem obter um momento de repouso. Elas sofriam, além disso, as penas comuns a todas as outras almas condenadas; o que as reduzia a um terrível desespero: assim, elas não cessavam de blasfemar o nome sagrado d'Aquele que exercia sobre elas suas justas vinganças.

3° Suplícios dos blasfemadores.

Francisca viu, na mesma região, os profanadores obstinados de Deus, da santa Virgem e dos santos. Ora, eles estavam submetidos a torturas terríveis. Os demônios, armados de pinças ardentes, puxavam suas línguas e as aplicavam sobre carvões em brasa, ou então pegavam esses carvões e os colocavam em suas bocas; em seguida, os mergulhavam em caldeirões de óleo fervente, ou então os faziam engolir, dizendo: "Como ousavam blasfemar o que os céus reverenciam, almas malditas e desesperadas?". Não longe destes estavam os covardes que renunciaram a Jesus Cristo por medo dos suplícios; mas seus tormentos não eram tão rigorosos, Deus tendo em conta a fraqueza humana que os fez sucumbir.

4° Suplícios dos traidores.

Francisca viu no mesmo bairro as torturas que exerciam os demônios impiedosos sobre os homens infiéis a seus mestres, e sobretudo sobre os cristãos que só assumiram compromissos na pia batismal para profaná-los. Esses cruéis carrascos lhes arrancavam o coração com tenazes ardentes e o devolviam em seguida para arrancá-lo de novo. Eles os desciam também de tempos em tempos em cubas cheias de piche fervente e lhes diziam, mantendo-os submersos: "Almas falsas e pérfidas, sem coração e sem fidelidade, não contentes em trair seus mestres temporais, vocês ousaram trair seu próprio Deus; pois vocês assumiram na pia batismal o compromisso solene de renunciar a Satanás, suas pompas e suas obras, e vocês fizeram exatamente o oposto. Não esqueçam essas promessas e recebam o castigo que sua violação lhes mereceu". A essas reprovações amargas sucediam os uivos das vítimas; elas blasfemavam também os sacramentos, sobretudo o santo batismo, e amaldiçoavam seu divino autor.

5° Suplícios dos homicidas.

Um pouco mais longe, ela viu homens de feições ferozes, mergulhados em um imenso caldeirão cheio de sangue em ebulição. Ora, os demônios vinham pegá-los nesse caldeirão fervente e os jogavam em outro cheio de água meio congelada; depois os retiravam deste para submergí-los no primeiro. Mas esse não era seu único tormento, outros demônios armados de punhais inflamados lhes perfuravam o coração e só retiravam o ferro da ferida para mergulhá-lo novamente. Junto a esses homens sanguinários, estavam colocadas aquelas mães que se desnaturaram a ponto de tirar a vida de seus próprios filhos, e suas torturas eram mais ou menos as mesmas.

6° Suplícios dos apóstatas que abandonaram a fé católica não por fraqueza, mas por corrupção.

Os demônios os serravam pelo meio do corpo, com serras de ferro vermelho, mergulhadas em chumbo derretido. Ora, a recuperação das carnes ocorria subitamente após a operação, e permitia aos carrascos recomeçar incessantemente.

7° Suplício dos incestuosos.

Houve em todos os tempos homens e mulheres que, levados por uma paixão cega, cometeram impurezas com pessoas que lhes eram unidas por laços de sangue ou por laços espirituais. Ora, a Serva de Deus os viu em uma cela vizinha à dos habitantes de Sodoma. Ora, os demônios os mergulhavam em uma fossa cheia de matérias infectas em ebulição; depois, retirando-os de lá, os cortavam em quartos, e quando esses quartos se reuniam, o que acontecia imediatamente, eles os mergulhavam novamente na cloaca ardente e fétida.

8° Suplícios dos magos.

No inferno do meio, a bem-aventurada viu aqueles que, durante sua vida, estavam em comércio com o demônio, e aqueles que os consultavam e lhes davam confiança. Eles estavam envolvidos em trevas terríveis, e os carrascos os apedrejavam com pedras de ferro incandescentes. Havia lá uma grelha quadrada, no meio da qual ardia um fogo terrível. Ora, de tempos em tempos os demônios deitavam suas vítimas sobre essa grelha, e as mantinham fortemente acorrentadas; depois as retiravam de lá para apedrejá-las novamente.

9° Suplícios dos excomungados.

A serva de Deus notou que todas as almas precipitadas na boca do demônio não saíam de seu corpo. Tendo desejado saber quais eram as almas que ela não via reaparecer, foi-lhe dito que eram as almas daqueles que morreram na excomunhão. Elas descem, acrescentou a voz que a instruía, na cauda do dragão, que se prolonga até o fundo do abismo, e é um vasto foco onde arde um fogo devorador. Elas estavam, portanto, encerradas nessa terrível prisão, e os demônios que rondavam ao redor lhes gritavam com voz insultante:

"Então são vocês que, cegados por suas paixões e embrutecidos pela sensualidade, desprezaram os raios da Igreja? Bem, fervam agora na cauda do dragão".

"Ai! Ai!", respondiam de dentro vozes lamentosas, "que infortúnio é o nosso, e que males terríveis suportamos!"

CAPÍTULO III: Como os pecados capitais são punidos no inferno inferior

1° Tormentos dos orgulhosos.

A bem-aventurada viu uma vasta prisão cujos habitantes eram muito numerosos, e lhe foi dito que eram os soberbos. Esta prisão estava dividida em várias seções, onde as vítimas eram classificadas segundo as diversas espécies deste pecado. Os ambiciosos eram aqueles que os demônios pareciam desprezar mais. Tanto quanto esses miseráveis haviam sido famintos por honras durante suas vidas, tanto eram agora saciados de opróbrios e confusão. Ao punir estes, eles não esqueciam, no entanto, dos outros. Cada família de orgulhosos, se posso falar assim, tinha sua pena própria e particular; mas havia um castigo horrível que era comum a todos.

No meio desta prisão especial estava colocado um enorme leão de bronze avermelhado pelo fogo. Sua boca estava levantada no ar e largamente aberta, e suas mandíbulas, em vez de dentes, eram armadas com um grande número de navalhas afiadas. Seu ventre era um covil de serpentes e outras bestas venenosas, e a abertura posterior era como a entrada do corpo deste monstro, guarnecida de lâminas ardentes e horrivelmente afiadas. Ora, os demônios encarregados de atormentar essas tristes vítimas as lançavam no ar de maneira a fazê-las cair na boca do leão. Todas cortadas e quase divididas pelas navalhas, elas passavam pela garganta deste monstro e caíam em suas largas entranhas, no meio dos répteis que fervilhavam neste lugar infecto, e exerciam sobre elas sua raiva infernal. Elas gravitavam em seguida para a parte posterior onde demônios as agarravam com pinças ardentes, e as puxavam violentamente para si, através das navalhas com as quais a abertura era bordejada, e este jogo cruel os carrascos recomeçavam incessantemente. Estas almas, irritadas e enraivecidas por tão horríveis tormentos, uivavam de uma maneira terrível e proferiam blasfêmias horrendas. "Uivem", lhes diziam os espíritos infernais;

"uivem, soberbos malditos, que por tanto tempo fizeram guerra ao Criador na terra. Vocês têm boas razões para se desesperar, pois suas desgraças nunca terminarão".

2° Tormentos dos condenados que foram sujeitos à ira.

Francisca notou que eles eram punidos segundo seus diversos graus de culpabilidade; mas eis uma pena que lhes era comum. Havia em sua prisão uma serpente de bronze, que o fogo do inferno mantinha continuamente incandescente. Seu peito era largo, seu pescoço elevado como uma coluna e sua boca escancarada. Nesta horrível boca estavam plantadas em forma de crescente longas e fortes agulhas, cujas pontas eram direcionadas para a garganta do animal. Ora, os demônios, pegando estas almas das quais falamos, as lançavam por esta abertura no corpo do monstro; depois as retiravam com tenazes ardentes todas dilaceradas pelas pontas que encontravam em sua saída. Ora, elas sofriam continuamente este suplício, que as reduzia a um terrível desespero, e lhes arrancava as mais horrendas blasfêmias.

3° Tormentos dos avarentos.

A bem-aventurada viu em seguida os avarentos em uma fossa cheia de grandes serpentes que tinham braços. Cada um destes horrendos répteis se agarrava a um destes culpados, que a justiça divina lhes havia abandonado. Ele lhe batia na boca com sua cauda, lhe dilacerava o coração com os dentes, e o apertava em seus braços, de maneira a sufocá-lo, se isso fosse possível; mas outros demônios vinham arrancá-los de seus horríveis abraços, com tenazes de ferro, que os dilaceravam de uma maneira horrível, e iam mergulhá-los em uma segunda fossa cheia de ouro e prata liquefeitos, sobrecarregando-os com suas zombarias e sarcasmos.

4° Tormentos dos invejosos.

Cada um destes infelizes estava coberto por um manto de chamas, tinha um verme venenoso que lhe roía o coração, penetrava em seu peito, e, subindo pela garganta se apresentava à boca, que forçava a abrir convulsivamente; mas um demônio o impedia de sair, apertando com a mão o pescoço da vítima, o que lhe causava insuportáveis sufocamentos; e enquanto a sufocava assim com uma mão, ele segurava com a outra uma espada com a qual lhe perfurava o coração. Um segundo demônio vinha em seguida, que lhe arrancava o coração do peito, o mergulhava em imundícies, e o devolvia, para arrancá-lo novamente, e assim sem fim; e estes tratamentos bárbaros eram acompanhados de zombarias e reprovações, que reduziam estes infortunados à raiva e ao desespero.

5° Tormentos dos preguiçosos.

Francisca os viu sentados no meio de um grande fogo, com os braços cruzados e a cabeça inclinada sobre os joelhos. Seus assentos eram de pedras; essas pedras eram profundamente caneladas, e suas cavidades preenchidas com carvões em brasa: os próprios bancos estavam todos vermelhos e a chama que saía da brasa se fixava nessas tristes vítimas, cobrindo-as como uma vestimenta. Ora, os demônios, pegando-as com pinças ardentes, as derrubavam violentamente sobre esses leitos terríveis, e as arrastavam, virando-as e revirando-as de todas as maneiras; era para puni-las por terem perdido o tempo. Ao lado de cada uma delas estava um demônio que, com um cutelo, lhe fendia o peito e derramava óleo fervente, e isso para puni-las por terem presumido demais da misericórdia de Deus. Ele colocava ainda vermes em suas feridas, como punição pelos maus pensamentos aos quais sua ociosidade deixava o campo livre.

6° Tormentos dos gulosos.

Francisca pôde contemplar também os castigos da gula. Cada infeliz condenado por este vício tinha um demônio que o pegava pela cabeça e o arrastava sobre carvões ardentes, enquanto outro demônio, de pé sobre ele, o pisoteava com violência. Eles então lhe amarravam os pés e as mãos, e o precipitavam em um caldeirão cheio de piche derretido; depois, retirando-o de lá, o jogavam em outro cheio de água quase reduzida a gelo. Eles também derramavam vinho ardente em sua boca, para puni-lo pelos excessos culposos que havia cometido durante a vida. Durante esse tempo, seus carrascos lhe diziam em tom irônico:

"A pena dos gulosos, nesta morada, é o excesso quente e frio. Eis então onde suas intemperanças o conduziram"

Diziam outros espíritos infernais:

"De agora em diante, você terá serpentes como alimento e fogo como bebida".

7° Tormentos dos luxuriosos.

Francisca procurava com os olhos os escravos desta paixão vergonhosa; eles lhe foram mostrados. Estavam amarrados a postes de ferro em brasa, e os carrascos, com suas línguas ardentes, lambiam todas as partes de seus corpos, o que os fazia sofrer horrivelmente. Outros demônios, com tenazes, dilaceravam suas carnes em pedaços, como punição pela boa comida que faziam no mundo, o que servia para alimentar cada vez mais sua funesta paixão. Sob seus postes havia grelhas ardentes e armadas com pontas de ferro, junto às quais estavam deitadas horríveis serpentes. Os demônios, puxando bruscamente suas vítimas, as faziam cair de costas sobre esses leitos terríveis, e as serpentes se lançando sobre elas, as mordiam com uma raiva inconcebível. Este suplício era particular aos adúlteros.

CAPÍTULO IV: Suplícios particulares a sete espécies de pecadores

1° Tormentos dos ladrões.

A serva de Deus viu homens que estavam amarrados com cordas negras, por meio das quais os demônios os puxavam para cima; depois disso, os deixavam cair no fogo. Em seguida, os desciam em um poço de água gelada; de lá os faziam passar para um lago de chumbo derretido, onde os forçavam a beber uma horrível mistura de fel, piche e enxofre; finalmente, os jogavam em um covil de bestas ferozes. Ora, foi dito à santa que essas tristes vítimas eram os ladrões.

2° Tormentos dos filhos desnaturados.

Sempre houve na terra filhos detestáveis que, em vez de honrar seus pais, só tiveram por eles afastamento e desprezo, tornando-os excessivamente infelizes por sua insubordinação, seu mau caráter e suas violências. Ora, Francisca os viu em um imenso tonel, guarnecido de navalhas, e onde se encontravam serpentes ferozes. Os demônios rolavam essa terrível máquina, e as pobres vítimas que ela continha eram mordidas pelas serpentes e dilaceradas pelas navalhas. Foi observado à bem-aventurada que esses culpados e os outros não permaneciam sempre no inferno que lhes era designado. Do inferno inferior eles passavam às vezes para o inferno superior ou para o intermediário, ou destes para o mais baixo. Tendo desejado saber a razão, foi-lhe dito que era para sofrer o suplemento de penas devido às circunstâncias mais ou menos agravantes de seus pecados.

3° Tormentos daqueles que foram infiéis ao seu voto de castidade.

A posição desses infelizes era terrível. Os demônios os mergulhavam ora em um fogo ardente, onde corriam em fusão o piche e o enxofre, ora em um banho de água gelada; outras vezes os apertavam entre duas pranchas de ferro, armadas de pregos afiados, e perfuravam seus flancos com forcados. Enfim, para adicionar o insulto aos seus suplícios, não cessavam de lhes reprovar os crimes que haviam cometido.

"Lembrem-se", diziam-lhes, "de suas impurezas sacrílegas: esses prazeres, tão logo passados, lhes custam caro agora. Lembrem-se de tantos sacramentos que profanaram, e que só serviram para tornar sua condenação mais terrível".

4° Tormentos dos perjuros.

Eles tinham bonés de fogo na cabeça; suas línguas eram arrancadas, e suas mãos cortadas.

5° Tormentos dos detratores.

Cada um deles era entregue a uma víbora de sete cabeças. Falo da forma que havia tomado o demônio especialmente encarregado de atormentá-lo. Ora, eis para que lhe serviam suas sete bocas. Com a primeira, ele arrancava a língua do paciente; com a segunda, ele a comia; com a terceira, ele a cuspia no fogo; com a quarta, ele a retomava e a devolvia ao culpado; com a quinta, ele lhe furava os olhos; com a sexta, ele lhe arrancava o cérebro por uma orelha, e com a sétima, enfim, ele devorava suas narinas. Além disso, com as unhas de suas mãos, ele lhe dilacerava o corpo.

6° Tormentos das virgens loucas.

Francisca viu essas almas que, muito ciosas de conservar sua virgindade corporal, pouco cuidado tinham com a pureza de seu coração. Os demônios as flagelavam cruelmente com correntes de ferro em brasa.

7° Tormentos das viúvas viciosas.

Elas estavam amarradas aos galhos de uma enorme macieira, com a cabeça jogada para trás, e os demônios as faziam comer maçãs cheias de vermes. Além disso, dragões terríveis, enlaçando-se a elas, lhes dilaceravam o coração e as entranhas, enquanto a multidão de demônios não cessava de lhes reprovar sua má vida.

8° Tormentos das mulheres idólatras de sua beleza.

Elas tinham como cabeleira serpentes que lhes mordiam cruelmente o rosto, enquanto outros demônios enfiavam alfinetes em brasa em todas as partes de seu corpo; e, para aguçar os remorsos da consciência, não cessavam de lhes dizer:

"Vocês fizeram nosso ofício na terra, é justo que sejam associadas a nós durante a eternidade. Façam agora sua toalete nessas chamas".

Essas almas respondiam com blasfêmias horríveis a esses insultos de seus inimigos.

CAPÍTULO V: Blasfêmias dos condenados

Todo esse terrível lugar ressoava com horríveis blasfêmias. Seus infelizes habitantes amaldiçoavam Deus, como se Ele só lhes tivesse feito mal, e nunca nenhum bem; eles amaldiçoavam a humanidade sagrada de Nosso Senhor Jesus Cristo; eles amaldiçoavam todos os Seus mistérios, cuja lembrança só lhes recordava ingratidões criminosas; eles amaldiçoavam todas as graças que haviam obtido por Seus méritos, e cujo abuso lhes havia atraído tão horríveis castigos. Toda a santa vida desse Deus salvador provocava suas blasfêmias; mas cada um se dedicava a profanar de uma maneira especial a circunstância que mais lhe desagradava. Este amaldiçoava Sua Encarnação, aquele Seu Nascimento; este Sua Circuncisão e aquele Seu Batismo; este Sua Penitência, aquele Sua Paixão; um outro Sua Ressurreição, outro Sua Ascensão gloriosa. Nada do que fez nosso amável Salvador, para a salvação de nossas almas, era respeitado, porque todos esses benefícios foram para eles apenas objetos de ingratidão. Eles amaldiçoavam e blasfemavam o doce nome de Maria, suas prerrogativas, suas virtudes, mas sobretudo sua maternidade divina; porque se ela não tivesse posto o filho de Deus no mundo, eles teriam sido menos culpados, e não teriam que suportar tão horríveis tormentos. Assim, portanto, sua eternidade é toda empregada em blasfemar e amaldiçoar, mas com tal raiva e tão profundo desespero, que, se não tivessem outros suplícios, isso bastaria para torná-los infinitamente infelizes. No entanto, eles sofrem as outras penas comuns a todos os condenados, e além disso, as penas que lhes são particulares, como acabo de dizer.

CAPÍTULO VI: Número dos demônios, seus nomes e seus empregos

Na visão XVII, onde a criação dos anjos e sua classificação foram manifestadas à serva de Deus, Deus a fez discernir aqueles que deveriam pecar daqueles que permaneceriam fiéis. Ela foi então testemunha de sua revolta e da horrível queda que ela lhes mereceu. Ora, ela não foi tão profunda para uns quanto para outros: um terço desses infortunados permaneceu nos ares, outro terço parou na terra e o último terço caiu até o inferno. Essa diferença nos castigos correspondeu àquelas que Deus notou nas circunstâncias de sua falta comum. Entre esses espíritos rebeldes, houve aqueles que abraçaram alegremente, se posso falar assim, a causa de Lúcifer; e outros que viram com indiferença essa revolta contra o Criador, e permaneceram neutros. Os primeiros foram precipitados imediatamente no inferno, de onde nunca saem, a menos que Deus os solte quando Ele quer atingir a terra com alguma grande calamidade, para punir os pecados dos homens. Os segundos foram lançados parte nos ares, e parte na terra; e são estes últimos que nos tentam, como direi mais tarde.

Lúcifer, que quis ser igual a Deus no céu, é o monarca dos infernos, mas monarca acorrentado e mais infeliz que todos os outros. Ele tem sob si três príncipes aos quais todos os demônios, divididos em três corpos, estão sujeitos pela vontade de Deus; assim como no céu, os bons anjos estão divididos em três hierarquias presididas por três espíritos de uma glória superior. Esses três príncipes da milícia celeste foram tirados dos três primeiros coros, onde eram os mais nobres e os mais excelentes; assim, os três príncipes da milícia infernal foram escolhidos como os mais malvados dos espíritos dos mesmos coros, que hastearam o estandarte da revolta.

Lúcifer era no céu o mais nobre dos anjos que se revoltaram, e seu orgulho o tornou o mais malvado de todos os demônios. É por isso que a justiça de Deus o deu como rei a todos os seus companheiros e aos condenados, com poder de governá-los e puni-los, segundo seus caprichos; o que faz com que o chamem de tirano dos infernos. Além dessa presidência geral, ele ainda é estabelecido sobre o vício do orgulho. O primeiro dos três príncipes que comandam sob suas ordens, se chama Asmodeu: era no céu um querubim, e hoje é o espírito impuro que preside a todos os pecados desonestos. O segundo príncipe se chama Mammon: era antigamente um trono, e agora preside aos diversos pecados que faz cometer o amor ao dinheiro. O terceiro príncipe leva o nome de Belzebu; ele pertencia originalmente ao coro das dominações, e agora está estabelecido sobre todos os crimes que gera a idolatria, e preside às trevas infernais. É também dele que vêm aquelas que cegam os espíritos dos humanos. Esses três chefes, assim como seu monarca, nunca saem de suas prisões infernais; quando a justiça de Deus quer exercer sobre a terra alguma vingança notável, esses príncipes malditos deputam para esse efeito um número suficiente de seus demônios subordinados; pois às vezes acontece que os flagelos com os quais Deus quer atingir os povos, exigem mais forças ou mais malícias do que têm os maus espíritos espalhados sobre a terra e no ar. Então os infernais mais malvados e mais enfurecidos tornam-se auxiliares indispensáveis. Mas fora desses casos raros, esses grandes culpados não podem sair das prisões onde estão confinados.

Todos esses espíritos infortunados estão classificados no abismo segundo sua ordem hierárquica. A primeira hierarquia, composta de serafins, querubins e tronos, habita o inferno mais baixo; eles suportam tormentos mais cruéis que os outros, e exercem as vinganças celestes sobre os maiores pecadores. Lúcifer, que foi um serafim, exerce sobre eles uma autoridade especial, em virtude do orgulho do qual ele tem a alta presidência. Os demônios dessa hierarquia só são enviados à terra quando a cólera de Deus permite que o orgulho prevaleça para punir as nações.

A segunda hierarquia, formada por dominações, principados e potestades, permanece no inferno do meio. Ela tem como príncipe Asmodeu que, como já disse, preside aos pecados da luxúria. Pode-se adivinhar que os demônios dessa hierarquia estão na terra quando os povos se abandonam ao vício infame da impureza.

A terceira hierarquia, que se compõe de virtudes, arcanjos e anjos, tem como chefe Mammon, e habita o inferno superior. Quando esses demônios são soltos sobre a terra, a sede de riquezas prevalece por toda parte, e só se fala de ouro ou prata. Quanto a Belzebu, ele é o príncipe das trevas, e as espalha, quando Deus permite, nas inteligências, para sufocar a luz da consciência e a da verdadeira fé. Tal é a ordem que reina entre os demônios nos infernos; quanto ao seu número, é inumerável.

Encontram-se essas mesmas hierarquias entre os demônios que permanecem no ar e na terra, mas eles não têm chefes, e consequentemente vivem na independência e uma espécie de igualdade. São os demônios aéreos que, na maioria das vezes, desencadeiam os ventos, excitam as tempestades, produzem as tormentas, as chuvas de granizo e as inundações. Sua intenção nisso é fazer mal aos homens, sobretudo diminuindo sua confiança na divina Providência, e fazendo-os murmurar contra a vontade de Deus.

Os demônios da primeira hierarquia, que vivem na terra, não deixam de aproveitar também essas ocasiões favoráveis à sua malícia; encontrando os homens irritados por essas calamidades e muito enfraquecidos em sua submissão e confiança, eles os fazem cair muito mais facilmente no vício do orgulho. Os da segunda hierarquia não deixam, por sua vez, de precipitá-los de sua altura soberba na cloaca impura, o que dá em seguida toda facilidade aos demônios da terceira hierarquia de fazê-los cair nos pecados que gera o amor ao dinheiro. Então os anjos que presidam às trevas os cegam, fazem com que abandonem o caminho da verdade e tornam seu retorno extremamente difícil. Assim, todos os demônios, apesar das diferenças em suas funções, conspiram e ajudam-se mutuamente a perder as almas. Uns enfraquecem sua fé, outros os empurram para o orgulho, alguns para a impureza, outros para o amor às riquezas, e ainda outros lançam um véu sobre seus olhos e os afastam tanto do caminho da salvação que a maioria nunca mais o encontra. O único meio de escapar desse complô infernal seria se levantar rapidamente da primeira queda, e é exatamente isso que essas pobres almas não fazem. Daí resulta essa cadeia de tentações, que, de queda em queda, as conduz ao fundo do precipício.

Quando eu disse que os demônios que estão no ar e na terra não têm chefes, quis dizer apenas que eles não têm oficiais subalternos; pois todos estão submetidos a Lúcifer, e obedecem às suas ordens, porque tal é a vontade da justiça divina. Apesar do ódio que têm pelos homens, nenhum deles ousaria tentá-los sem a ordem de Lúcifer, e o próprio Lúcifer não pode prescrever, nesse gênero, senão o que lhe permite o Senhor cheio de bondade e compaixão por nós.

Lúcifer vê todos os seus demônios, não apenas aqueles que estão ao seu redor no inferno, mas também aqueles que estão no ar e na terra. Todos também o veem sem nenhum obstáculo, e compreendem perfeitamente todas as suas vontades. Eles também se veem e se compreendem muito bem uns aos outros.

Os espíritos malignos, espalhados no ar e na terra, não sentem os ataques do fogo do inferno; nem por isso são menos excessivamente infelizes, tanto porque se maltratam e se golpeiam incessantemente uns aos outros, quanto porque as operações dos bons anjos neste mundo lhes causam um despeito que os atormenta cruelmente. As penas daqueles que pertencem à primeira hierarquia são mais acerbas do que as dos espíritos da segunda, e estes são mais infelizes do que os espíritos da terceira. A mesma justiça distributiva preside aos tormentos dos espíritos infernais; mas estes estão todos à mercê do ardor das chamas infernais.

Os demônios que permanecem no meio de nós, e receberam o poder de nos tentar, são todos espíritos caídos do último coro. Os anjos encarregados de nossa guarda também são simples anjos. Esses espíritos tentadores estão incessantemente ocupados em preparar nossa perdição. Os meios que empregam para isso são tão sutis e variados, que uma alma que lhes escapa é muito feliz, e não poderia demonstrar demais sua gratidão ao Senhor. Não há um instante do dia e da noite em que esses cruéis inimigos não tentem uma tentação ou outra, a fim de cansar aqueles que não podem vencer pela astúcia ou violência. A paciência é, portanto, a arma defensiva por excelência. Ai de quem a deixa cair de suas mãos! Quando esses tentadores ordinários encontram almas fortes e pacientes, que não podem abalar, eles chamam em seu socorro companheiros mais astutos e malignos, não para combater com eles ou em seu lugar, pois Deus não o permite; mas para lhes sugerir estratagemas mais eficazes. Francisca sabia tudo isso por experiência: era raro que ela fosse tentada apenas por seu demônio. Geralmente, ele se associava a outros; e ainda muito fracos, eles recorriam à malícia dos espíritos superiores que permaneciam no ar. Ela se tornara tão hábil nessa guerra, que ao sustentar um ataque, ela sabia a qual coro havia pertencido aquele cujo conselho a dirigia, e quem ele era.

Quando os demônios querem lançar um assalto a uma alma hábil e forte, uns a atacam de frente, e outros se colocam atrás dela. É dessa maneira que eles combatiam ordinariamente contra nossa bem-aventurada, e ela os via fazer sinais para concertar seus meios.

Quando uma alma, vencida pelas tentações, morre em seu pecado, seu tentador habitual a leva com prontidão, seguido por muitos outros que a sobrecarregam de ultrajes e não cessam de atormentá-la até que seja precipitada no inferno. Esses espíritos detestáveis entregam-se então a uma alegria feroz. Seu anjo da guarda, após tê-la seguido até a entrada do abismo, retira-se assim que ela desaparece e volta ao céu.

Quando uma alma, ao contrário, é condenada ao purgatório, seu tentador é cruelmente espancado por ordem de Lúcifer por ter deixado escapar sua presa. Ele permanece, no entanto, lá, fora do purgatório, mas perto o suficiente para que a alma o veja e ouça as reprovações que ele faz sobre as causas de seus tormentos. Quando ela deixa o purgatório para subir ao céu, esse demônio retorna à terra para se misturar àqueles que nos tentam; mas é para eles um objeto de zombaria, por ter cumprido mal a missão da qual estava encarregado.

Todos aqueles que deixam assim escapar as almas não podem mais cumprir o ofício de tentadores. Eles vagam aqui e ali, reduzidos a prestar aos homens outros maus serviços, quando podem. Às vezes, Lúcifer, para puni-los, os aloja vergonhosamente em corpos de animais, ou então os usa, com a permissão de Deus, para exercer possessões que frequentemente lhes atraem novos castigos e novas vergonhas. Os demônios, ao contrário, que conseguiram perder as almas às quais Lúcifer os havia ligado, após tê-las levado aos infernos, reaparecem na terra, cobertos de glória entre seus semelhantes, e desempenham um papel ainda maior na guerra que fazem aos filhos de Deus. São eles que os outros chamam em seu auxílio, como mais experientes e hábeis, quando têm que lidar com almas fortes e generosas que riem de seus vãos esforços.

Todo demônio encarregado da missão de perder uma alma não se ocupa das outras; ele só quer aquela, e emprega todos os seus cuidados para fazê-la pecar ou perturbar sua paz. No entanto, quando a venceu, ele a impele, tanto quanto pode, a tentar, molestar ou escandalizar outras almas.

Há outros demônios do mesmo coro que aqueles que nos tentam, que vivem no meio de nós sem nos atacar. Sua missão é vigiar aqueles que nos tentam e castigá-los cada vez que não conseguem nos fazer pecar.

Cada vez que ouvem pronunciar devotamente o santo Nome de Jesus, eles se prostram espiritualmente, não de bom grado, mas por força. Francisca viu uma vez vários em forma humana que, a esse Nome sagrado que ela pronunciava ao conversar com seu confessor, inclinaram suas testas com profundo respeito, até o pó. Este Nome sagrado é para eles um novo suplício, que os faz sofrer tanto mais cruelmente quanto mais avançada no amor e mais perfeita é a pessoa que o pronuncia. Quando os ímpios profanam este nome adorável, esses espíritos réprobos não se entristecem; mas são forçados a se inclinar, como para reparar a injúria que Lhe é feita. Eles agem da mesma forma quando é tomado em vão. Sem essa adoração forçada, eles ficariam muito contentes em ouvir blasfemar esse santo Nome. Os bons anjos, ao contrário, em tais ocasiões, o adoram profundamente, o louvam e o bendizem com um amor incomparável. Quando é pronunciado com um verdadeiro sentimento de devoção, eles lhe prestam as mesmas homenagens, mas com um vivo sentimento de alegria. Cada vez que nossa bem-aventurada proferia esse santíssimo Nome, ela via seu arcanjo assumir um ar extraordinariamente alegre e inclinar-se de uma maneira tão graciosa que ela ficava toda abrasada de amor.

Quando as almas vivem no hábito do pecado mortal, os demônios entram nelas e as dominam de várias maneiras, que variam segundo a qualidade e a quantidade de seus crimes; mas quando elas recebem a absolvição com um coração contrito, eles perdem sua dominação, desalojam o mais rápido possível e se colocam novamente ao lado delas para tentá-las de novo; mas seus ataques são menos intensos, porque a confissão diminuiu suas forças.

CAPÍTULO VII: Dos limbos

Quando a serva de Deus foi transportada à entrada do inferno, ela viu bem perto um anjo de pé em outra porta: era a porta dos limbos, dessa prisão onde todas as almas justas da terra esperaram por tanto tempo a vinda do Libertador. Este lugar, embora contíguo ao inferno, não tem nenhuma comunicação com ele. Sua elevação está para o inferno como a de uma casa para os porões da casa vizinha; ou seja, sua parte mais baixa é superior à mais elevada do inferno. Não há neste lugar nem fogo, nem gelo, nem serpentes, nem demônios, nem odor pestilento; não se ouvem nem uivos, nem blasfêmias; não se sofre nenhuma outra pena além da privação da luz; pois é sempre noite. É lá que se encontra a morada eterna das crianças mortas sem batismo. Sua distribuição é a mesma que a do inferno. Há uma parte superior, uma inferior e uma intermediária. A parte superior é habitada pelas crianças nascidas ou concebidas de pais cristãos. Na parte intermediária estão confinadas as crianças dos judeus, mortas antes de terem pecado. Sua posição é a mesma que a das primeiras, exceto que sua prisão é ainda mais tenebrosa. Na parte inferior encontram-se as crianças nascidas ou concebidas por efeito de um crime contrário ao voto solene de castidade ou à afinidade espiritual. Lá reina uma noite mais profunda que nas duas partes mais elevadas.

CAPÍTULO VIII: Do purgatório

Após as visões supramencionadas, a serva de Deus foi conduzida à do purgatório, cuja distribuição é a mesma que a do inferno. Ao se aproximar deste triste lugar, ela leu estas palavras escritas na porta:

"Aqui é o purgatório, lugar de esperança, onde as almas aguardam o cumprimento de seu desejo".

O anjo Rafael lhe mostrou as três partes desta morada; e eis o que ela viu lá:

Na parte mais baixa, queima um fogo que dá luz, diferente nisso do fogo do inferno, que é negro e sem qualquer claridade. Este fogo é muito ardente e de cor vermelha. É lá que são punidas as almas devedoras à justiça divina da pena temporal que mereceram por grandes pecados; e o fogo as atormenta mais ou menos rigorosamente, segundo a qualidade e a quantidade de suas dívidas. O anjo lhe disse que sete anos de sofrimentos nesta parte inferior correspondem à pena temporal merecida por um único pecado mortal.

À esquerda dessas almas, mas fora do purgatório, Francisca viu os demônios que as tentavam durante a vida, e ela observou que essas pobres almas sofriam muito com sua visão e com as reprovações que eles não cessavam de lhes fazer ouvir. "Vocês preferiram", diziam-lhes, "seguir nossas ilusões e nossas persuasões, em vez dos preceitos do Evangelho. Vocês tiveram a loucura de ofender Aquele a quem eram devedores de sua criação e redenção. Permaneçam aqui agora para expiar suas ingratidões". De resto, o poder dos demônios sobre essas almas se limita a essas duas coisas: afligi-las com suas reprovações e com seu horrível aspecto.

Essas almas, colocadas no fogo do purgatório inferior, aquiescem humildemente à justiça divina; no entanto, o rigor das penas que suportam lhes arranca gemidos que ninguém nesta vida poderia compreender. Elas aquiescem à vontade de seu juiz, porque compreendem perfeitamente a equidade dos tormentos que suportam. Ora, essa aquiescência é a causa de Deus prestar ouvidos às suas queixas, de ser tocado por elas e lhes dar algumas consolações. Ele não as arranca por isso das chamas que as queimam, mas faz com que encontrem em sua própria submissão uma espécie de refrigério, assim como no pensamento de que logo chegarão à glória eterna. Elas conhecem não apenas seus próprios pecados, mas também os das outras almas que sofrem com elas, e todas estão contentes com a justiça punitiva de Deus, que se exerce com tanta equidade.

Quando um anjo da guarda conduz ao purgatório inferior a alma que lhe foi confiada, ele se coloca fora da prisão, do lado direito da porta, enquanto o anjo mau se coloca do lado esquerdo; e ele permanece lá até que essa alma, completamente purificada, se torne livre para subir ao céu. É ele quem recolhe os sufrágios oferecidos por ela na terra e os apresenta à justiça de Deus, que os devolve a ele para que os aplique a essa pobre alma, como um remédio que suaviza seus males. Ele apresenta igualmente a Deus todas as boas obras que ela fez durante sua vida mortal, enquanto o anjo mau recorda constantemente os pecados que ela cometeu à justiça do Senhor. Quando uma alma fez legados piedosos antes de seu falecimento, Deus, em Sua bondade, os aceita imediatamente e os recompensa, mesmo que não recebam sua execução por falha daqueles que eram encarregados disso. No entanto, se ela adiou essas boas obras para depois de sua morte, por apego às suas riquezas, Deus só a recompensa após o término do tempo determinado por ela para seu cumprimento.

Este purgatório inferior se divide em três prisões separadas, onde o fogo não tem um ardor igual; é mais ardente na primeira que na segunda, e na segunda que na terceira. Ora, a primeira é destinada aos religiosos e aos padres, mesmo que tenham cometido pecados menores que os seculares, porque tiveram mais luz e não honraram sua dignidade como deviam. Francisca viu neste cárcere um padre muito piedoso, mas que havia contentado demais seu apetite no uso dos alimentos. A segunda prisão é a morada dos religiosos e dos clérigos que não foram honrados com o sacerdócio. Na terceira, estão confinadas as almas seculares que cometeram pecados mortais e não os expiaram durante a vida. Os tormentos, no entanto, não são iguais em cada uma dessas prisões; são mais ou menos cruéis segundo a medida das dívidas e a qualidade das pessoas. Os superiores sofrem mais que os inferiores; conforme uma alma é mais ou menos culpada, os suplícios são mais ou menos cruéis, e sua duração mais ou menos longa.

Após ter considerado o purgatório inferior, Francisca foi conduzida à visão do purgatório intermediário. Ora, ele se divide, como o outro, em três partes, sendo a primeira um lago de água gelada, a segunda um lago de piche derretido, misturado com óleo fervente, e a terceira um lago de metais liquefeitos. É neste purgatório que estão alojadas as almas que não cometeram pecados graves o suficiente para merecer serem colocadas no purgatório inferior. São, portanto, os pecados veniais que conduzem a este purgatório intermediário. Ora, há nesta prisão trinta e oito anjos que estão constantemente ocupados em transferir essas pobres almas de um lago para outro, o que fazem com maneiras muito graciosas e grande caridade. Estes anjos não são escolhidos entre seus anjos da guarda; são outros anjos que a bondade de Deus encarregou deste ministério. Atribuo sua missão à bondade de Deus porque sua presença é de grande consolação para essas almas.

A serva de Deus recebeu nesta visão várias luzes sobre a aplicação dos sufrágios que os vivos oferecem pelos mortos, que merecem ser comunicadas. Ela soube 1º que as missas, indulgências concedidas e boas obras oferecidas para certas almas por seus parentes e amigos não lhes são integralmente aplicadas; elas recebem a melhor parte, mas o resto é distribuído entre todas as almas do purgatório. Francisca soube 2º que essas oferendas, feitas por erro a almas que estão no paraíso, beneficiam primeiro aqueles que as fazem, e depois as almas do purgatório. Ela soube 3º que esses mesmos socorros dirigidos pelos vivos a almas que eles acreditam estar a caminho da salvação, e que estão reprovadas, entram integralmente nos tesouros de seus autores, porque nem os condenados podem se beneficiar delas, nem Deus permite que sejam aplicadas às almas do purgatório. É notável que Francisca, ao sair de uma dessas visões, que havia durado cerca de duas horas, acreditou ter empregado um tempo muito considerável. Resulta daí, portanto, que o tempo que parece passar rápido na terra, parece muito longo na eternidade.

CAPÍTULO IX: Da glória dos santos no céu

Quando as almas bem-aventuradas fazem sua entrada no céu, elas são conduzidas aos lugares que lhes foram designados, segundo seus méritos. Se, para chegar lá, elas precisam atravessar alguns coros angélicos, os espíritos que os compõem lhes fazem um acolhimento extremamente alegre; mas nada se iguala à recepção que lhes é feita nos coros onde elas devem tomar lugar. São, da parte dos anjos aos quais elas são associadas, apenas demonstrações de alegria e amizade por elas, apenas cânticos de louvores e bênçãos para render graças a Deus por sua felicidade, e essa alegria dura muito mais tempo nesses coros do que nos outros. Todas as vezes que nossa bem-aventurada, interrogada por seu confessor, falava dessa alegria angélica, causada pela vinda de algumas almas associadas à sua glória, a lembrança de sua multidão, da doçura inexprimível de seus cantos, de suas demonstrações, de seus transportes, a punha fora de si; seu rosto então estava todo em fogo, e seu coração se derretia como a cera aos raios do sol. O padre lhe perguntando um dia quais eram os mais perfeitos dos espíritos humanos ou angélicos colocados na mesma glória, ela respondeu que os espíritos humanos têm uma perfeição superior, por causa do tempo mais longo que lhes foi dado para merecer; mas que os anjos são mais puros e mais belos, que eles penetram melhor na compreensão divina, e que seus cantos são muito mais melodiosos. É preciso, no entanto, excetuar a augusta Maria desta regra geral.

Cada vez, acrescentava a serva de Deus, que sou elevada à visão beatífica, experimento vários espantos.

Me espanto 1º com minha falta de penetração na compreensão divina, causada pela união de minha alma com meu corpo mortal, e essa incapacidade me humilha muito, e me dá um grande desprezo por mim mesma.

Me espanto 2º, fico totalmente estupefata, cada vez que considero no espelho divino a sutileza penetrante dos serafins quanto à compreensão do grande abismo.

Me espanto 3º, mas muito mais ainda, ao considerar a profundidade da divindade criadora e governante dessas inteligências sutis.

Eis, dizia ainda a bem-aventurada, algumas observações que fiz relativamente aos espíritos gloriosos. 1º Na ordem dos serafins, uns penetram mais adiante que outros na compreensão divina. Há entre eles uma gradação de inteligência, que existe igualmente em todos os outros coros. O que digo dos anjos, digo igualmente dos espíritos humanos que lhes são associados. Todos os espíritos de um mesmo coro não estão igualmente próximos da divindade. Ora, quanto mais uma inteligência vê de perto esse abismo, melhor ela o penetra. 2º Todos os espíritos humanos, colocados na glória, não a possuem no mesmo grau. Alguns, enquanto viviam em sua carne mortal, receberam uma inteligência mais sutil, e seguindo suas operações intelectuais segundo sua capacidade, penetraram mais adiante no abismo da divindade, olhando no espelho divino, cuja visão constitui a beatitude: eles trouxeram, portanto, para o céu um espírito mais capaz e mais penetrante. Ora, quanto mais uma alma tem de capacidade e de sutileza no entendimento, mais ela é saciada na visão beatífica. É verdade que no céu todas as almas são plenamente saciadas; mas cada uma o é segundo a medida de sua capacidade e da sutileza com a qual ela penetra na compreensão da vontade divina. Quando os apóstolos receberam o Espírito Santo, nem todos obtiveram a mesma medida de graça. Aqueles que tinham mais capacidade e sutileza no entendimento, a receberam em um grau mais alto. Ora, o que dispõe a uma maior graça, dispõe igualmente a uma maior glória. Francisca via tudo isso, durante seus êxtases, no espelho divino. De resto, ela frequentemente declarou que submetia todas as suas palavras ao julgamento da Igreja católica, em cujo seio ela desejava viver e morrer.

LOUVOR SEJA A DEUS. AMÉM.