SANTA FELICIDADE E SEUS SETE FILHOS, MÁRTIRES
DIVINA ELOQUIA CUM LEGENTE CRESCUNT
♰ Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo:
Ó Senhor Jesus Cristo, abre o meu coração para que eu possa ouvir e entender Tua palavra e fazer Tua vontade, pois sou um residente temporário nesta terra. Não oculte Teus mandamentos de mim, mas abre meus olhos para que possa compreender as maravilhas da Tua lei. Dizei-me as coisas ocultas e secretas de Tua sabedoria. Em Ti deposito a minha esperança, ó Deus meu, de que Tu iluminarás a minha mente e o meu entendimento com a luz de Tua sabedoria, não apenas para cultivar as coisas que estão escritas, mas para cumpri-las, para que não peque ao ler as vidas, obras e provérbios dos santos, mas para que sirvam à minha restauração, iluminação e santificação, para a salvação da minha alma e herança na vida eterna. Pois Tu És a luz daqueles que residem nas trevas, e de Ti vem toda a boa obra e dádiva. Amém.
♰ São João Crisóstomo, rogai por nós.
♰ Pater Noster
♰ Glória
SANTA FELICIDADE E SEUS SETE FILHOS, MÁRTIRES
Os magníficos elogios que os santos Padres entreteceram à Santa Felicidade e os títulos pomposos que lhe dão mostram que não era somente uma dama cristã das mais virtuosas, mas que era de família distintíssima, e que quer por seu merecimento, quer pela nobreza e cargo de seu marido, era das mais fidalgas de Roma. Vivia ela por meados do segundo século em tempo dos imperadores Antonino e Marco Aurélio. É uma conjectura de todo ponto aceitável a de que seu marido era cristão, pois que tão tolerante se mostrou para com seus sentimentos religiosos e na educação dos filhos em temor de Deus e na fé.
Depois da morte de seu esposo, que aconteceu aí por 160, Felicidade compreendeu que, se Deus quebrava os laços que os prendiam, fora para que os de seu amor fossem mais fortes e inquebrantáveis. Renunciou, pois, por volta ao pacto de um segundo matrimonio; a viuvez pareceu-lhe um estado muito asado para santificar-se; renunciando ao luxo, aos enfeites e a tudo que poderia revestir, semblante de mundanidade, forcejou por se parecer o mais possível com o retrato que São Paulo deixou acerca da viúva cristã.
O retiro ofereceu-lhe desde logo um sedutor atrativo; passava uma boa parte do dia e da noite em oração não descurava por isso os cuidados da educação dos seus filhos e da família, porque bem sabia ela que nisso estavam um dos seus primeiros deveres. Os seus filhos, moços ainda, eram os seguintes: Janeiro, Félix, Felipe, Silano, Alexandre, Vital e Marcial.
O cuidado que lhe mereceram bem depressa produziu seus frutos, e os exemplos, mais ainda do que as palavras, embeberam-lhes a alma na piedade e no bom leite da doutrina cristã.
Falava-lhes quase sempre dos falsos ouropéis da honra mundana e dos bens caducos desta vida, ao passo que muito alevantava seus brios com a narração das venturas que os santos possuíam no céu. Quanto sereis ditosos, meus filhos, dizia-lhes ela, referindo-lhes os que sofriam todos os dias em Roma e em outras partes, tantos mártires ilustres, e como eu seria mais feliz das mais se eu vos vira algum dia dar vosso sangue por Jesus Cristo. Os votos que dirigia todos os dias aos céus por eles e suas palavras haviam inflamado no coração destas almas inocentes um tão grande desejo de serem mártires que a sua conversação não versava frequentemente senão na coroa do martírio.
Quanto a mim, dizia o mais velho, São Janeiro, tenho o direito de derramar o meu sangue, antes de qualquer de vós, por Jesus Cristo. Por sermos os mais novos, diziam Vital e Marcial, nem por isso seremos menos generosos; e se o tirano quiser poupar-nos, gritaremos tão alto que somos cristãos que o havemos de forçar a conceder-nos a coroa do martírio. E nós, diziam o restante, quereríeis que ficássemos de fora... tão alto gritaríamos que por fim haviam de escutar-nos! A mãe ouvia com prazer indizível este pio certame de seus filhos e não cessava de pedir a Deus que lhos aceitasse todos em sacrifício.
Seus votos foram atendidos. A vida edificante de Santa Felicidade e de seus filhos fazia tamanha impressão para os corações que não só os fiéis de Roma eram confirmados assim na fé mais os próprios pagãos ficavam encantados e, muito persuadidos de que uma religião que tem seguidores tão santos não podia deixar de ser verdadeira, renunciavam às suas ímpias superstições e abraçavam o cristianismo. Os sacerdotes dos ídolos alarmaram-se por isso e dirigiam suas queixas ao imperador Marco Aurélio, que estava então em Roma, e representaram-lhe que não havia socorro a esperar dos deuses enquanto Felicidade e seus filhos os desprezassem impunemente no centro da capital do império; que era de seu interesse e de sua honra atalhar a que esta família continuasse a insultar a religião dos romanos; e que para aplacar a cólera dos deuses lhe suplicavam mandasse que esta dama e seus filhos lhes oferecessem públicos sacrifícios.
O imperador, intimado por estas representações e zeloso partidário de tão monstruosa superstição, deu ordem para que Felicidade e seus filhos fossem presos; encarregou Públio, prefeito de Roma, de lhes instruir rapidamente o processo se recusassem obedecer e aplacar os deuses por sacrifícios. A antiga nobreza da dama cristã, sua reputação e suas varias qualidades moveram o prefeito a empregar todos os meios de a ganhar e a seduzir.
É indescritível a alegria desta heroína cristã e de seus filhos quando tão perto se viram de pôr a mão na coroa. Felicidade foi à casa do prefeito, que a recebeu admiravelmente, falou-lhe com toda cortesia e declarou-lhe que vontade do imperador era elevar seus filhos às primeiras dignidades do império, contanto que ela e eles sacrificassem aos deuses, sem o que se sentisse exposta com eles aos maiores tormentos.
“Senhor, respondeu a santa com ar modesto, mas firme, as ameaças não me podem abalar, como também não podem as promessas, porque o Espírito Santo, que habita em mim, há de tornar-me vitoriosa de todo o inferno. Toda a minha confiança está no meu Deus, espero que sendo-Lhe fiéis eu e meus filhos não possamos ser vencidos nem pelas carícias nem pelos tormentos”.
Públio, admirado de semelhante resposta: “Como eu vos lamento, diz-lhe, por encarardes a morte complacentemente; deixar viver ao menos vossos filhos”. “Meus filhos, tornou ela, hão de viver eternamente, se morrerem por uma tão boa causa; olhá-los-ia, contudo, como já mortos se para viver tivessem a fraqueza de sacrificar a vossas divindades”.
Este primeiro interrogatório passou-se na casa do prefeito sem formalidades de justiça. Mas no dia seguinte Públio comparecer no seu tribunal, mandou vir à sua presença a mãe e os filhos, tão pouco assustados que bem mostravam no rosto que lhes ia dentro na alma. O prefeito, impressionado pela beleza dos moços, dirigindo-se à mãe, diz-lhe:
“Tende piedade desta tenra e brilhante juventude; vinde, meus pobres moços, eu quero fazer-vos felizes”.
A estas palavras, Santa Felicidade, tomando um tom de mãe e ao mesmo tempo de heroína cristã:
“Dizei antes que os quereis perder sem remédio, respondeu ela, fazendo-os extremamente infelizes”.
E voltando em seguida para seus filhos:
“Meus filhos, diz-lhes em um tom firme e gracioso, eis chegado o dia do triunfo; levantai os olhos para o céu e vede Jesus Cristo que vos oferece a cada um a sua coroa. Deu Ele o Seu sangue por vossa salvação, dai generosamente o vosso por Sua Glória; não temais nem a morte nem os suplícios; tornai-vos dignos do martírio por vossa constância; mostrai-vos fiéis e ficai firmes até ao derradeiro alento pela fé de Jesus Cristo”.
O prefeito, desapontado pela ousadia da mãe, mandou que a esbofeteassem rudemente, censurando-lhe a liberdade que tomara de exortar seus filhos em sua presença a desprezar as ordens do imperador.
Mandando em seguida aproximar os filhos, dirigindo-se ao mais velho:
“Sê mais sábio do que tua mãe, meu filho, disse-lhe, obedecendo às ordens do imperador; do contrário vou mandar-vos açoitar com escarmento e condenar-vos ao último suplicio”.
“Minha mãe é sábia, respondeu ele, e eu seria muito insensato se pelo temor dos tormentos me arriscasse a uma morte sempiterna. Pois será prudência desobedecer a meu Deus para obedecer ao meu príncipe? Eu não temo nem os flagelos nem os suplícios e espero que Deus me concederá a graça de lhe ser fiel até à morte”.
O juiz em resposta mandou-o fustigar cruelmente e conduzir em seguida à prisão.
O prefeito julgou que o segundo seria menos resoluto e mais dócil, e tentou seduzi-lo com um longo arrazoado acerca do poder quimérico de seus deuses. Félix interrompendo-o:
“Basta uma tintura de razão e de bom-senso, diz-lhe para ver que vossos deuses são puras fábulas. Sabei que não pode haver mais que um Deus verdadeiro. Eis minha crença e a de meus irmãos: Todos os vossos tormentos não poderão nunca abalar nossa fé nem o amor que temos a nosso Salvador, Jesus Cristo, por cuja Glória nos sepultamos felizes em dar a vida”.
O ar e o tom desta reposta de Félix espantou Públio; ordenou que fosse tratado como seu irmão. Julgando dos imediatos como dos primeiros, mandou-os a todos para a prisão, retendo apenas os dois mais novos, na persuasão de que sua juvenil idade lhos tornaria mais fracos e acessíveis. Acarinhou-os, forcejou pelos ganhar por lisonjeiras promessas e de atemorizá-los com ameaças, mas tudo inutilmente.
“Não acrediteis, disse-lhe Vital, que por ser mais novo eu seja menos generoso do que meus irmãos”.
“Estais cansado de viver, não é assim?”, perguntou-lhes o juiz.
“Não, senhor, respondeu o jovem, mas estou pronto a morrer antes do que a sacrificar aos demônios”.
“Que demônios são esses?”, disse-lhes Públio.
“São todos os vossos deuses, respondeu Vital, aos quais me quereis forçar a oferecer sacrifícios, mas podeis tirar-me a vida, porque eu nunca tal farei”.
Marcial, o mais novo de todos, mostrou uma ousadia e uma firmeza que se não desmentiu um instante; nada temia tanto como que o poupassem.
“Também eu sou cristão, clamava ele, tenho tanto horror a vossos ídolos como meus irmãos; mandai-me matar, que eu sou cristão”.
Públio não pode deixar de admirar uma ousadia e uma coragem tão descomunal em idade tão tenra. Mandou os sete irmãos para a prisão e foi dar conta do interrogatório ao imperador; o príncipe impressionou-se bastante e deu suas ordens para que fossem prontamente executados. Esta nova foi um motivo de intensa alegria para os mártires, que marchavam para o lugar do suplício como se fossem para o Capitólio como triunfadores. Janeiro foi cruelmente açoitado com flagelos chumbados e expirou no tormento; Félix e Felipe, fustigados com um pau até morrerem; Silano foi precipitado; Alexandre, Vital e Marcial tiveram a cabeça cortada. Santa Felicidade, sua mãe, teve igual sorte; foi a derradeira: Suas apreensões por deixar vivos seus filhos eram maiores do que as dos pais carnais têm pela morte dos seus. Além da glória de seu martírio particular acrescenta um santo Padre, na homilia que compôs em sua honra, pode dizer-se que ela padeceu todos os suplícios dos filhos e que, assim, foi oito vezes mártir.
♰ Santa Felicidade e seus Santos Filhos, rogai por nós.
Data de comemoração: 10 de julho