RUDOLF STEINER
JEAN VAQUIÉ
Minha obra é para o Rei
E minha língua para o louvar
OS AMIGOS DE JEAN VAQUIÉ - Caderno N° 7
ACRF, BP 2 – 44140 AIGREFEUILLE
O documento original pode ser acessado no site Virgo Maria
- I. DA TEOSOFIA À ANTROPOSOFIA
- INTRODUÇÃO
- TEOSOFIA E ANTROPOSOFIA
- HELENA PETROVNA BLAVATSKY
- AS INSPIRADORAS VIENENSES
- DISCÍPULO DE FAUSTO
- PRIMEIRA ILUMINAÇÃO
- BERLIM, A SERPENTE VERDE E O BELO LÍRIO
- LÚCIFER-GNOSE
- O TELEGRAMA DE ADYAR
- O GOETHEANUM
- II. A INICIAÇÃO AOS PEQUENOS MISTÉRIOS NA ANTROPOSOFIA DE RUDOLF STEINER
- INTRODUÇÃO
- OS ÓRGÃOS DA CLARIVIDÊNCIA
- A VISÃO ESPIRITUAL
- OS OUVIDOS DA ALMA
- TRÊS ORDENS DE INFORMAÇÕES
- O OLHO ESPIRITUAL
- ENTIDADES FLUORESCENTES
- OS MISTÉRIOS MENORES
- A PROVA DO FOGO
- A PROVA DA ÁGUA
- A PROVA DO AR
- DUAS BEBIDAS
- SALVAGUARDA
- III. A "CRISTOLOGIA" DE RUDOLF STEINER
- UMA OBRA DE VISIONÁRIO
- STEINER, QUINTO EVANGELISTA
- LIVRAR-SE DA IGREJA
- UM PENSAMENTO EXTRASSENSORIAL
- O INSPIRADOR TENEBROSO
- A IMPULSÃO CRÍSTICA UNIVERSAL
- AS RECONSTITUIÇÕES EVANGÉLICAS
- O ARCABOUÇO CONCEITUAL
- COSMOLOGIA GNÓSTICA
- A VISÃO DA ESTRELA
- A ENTIDADE CRÍSTICA SE APROXIMA
- OS DOIS MENINOS JESUS
- O BATISMO-ENCARNAÇÃO
- GÓLGOTA-GÓLGOTA
- UMA ENTIDADE LUCIFERIANA
- O HINO AO CRISTO-SOL
I. DA TEOSOFIA À ANTROPOSOFIA
INTRODUÇÃO
No estudo "Gnose e Gnosticismo na França no século XX", publicado no Boletim da Sociedade Barruel n° 12, foram mencionadas algumas das organizações que militam desde o início do século para difundir um pensamento neognóstico na Europa.
Se as redes guenonianas agiram por muito tempo com uma discrição à qual, aliás, não renunciaram totalmente, longe disso, outras, por outro lado, exerceram suas atividades abertamente, às vezes até com grande alarde.
Convém, portanto, manter o olhar atento sobre essas múltiplas variedades subversivas, e propomos um estudo sobre a Antroposofia e seu fundador Rudolf Steiner.
TEOSOFIA E ANTROPOSOFIA
A teosofia e a antroposofia são dois movimentos de pensamento ligados por um estreito parentesco. Ambos interessam principalmente à Sociedade Barruel porque se apresentam, um e outro, como COMPATÍVEIS com o catolicismo mais rigoroso. Essa compatibilidade, não teremos dificuldade em demonstrar, é perfeitamente ilusória. Seria melhor falar de incompatibilidade radical, e a Igreja deve temer, vindo de um como do outro, perigos de contaminação nada desprezíveis.
Ora, é precisamente a vocação da Sociedade Barruel sinalizar os perigos de contaminação que podem provir dos movimentos de pensamento heterodoxos. Assim, propomo-nos a estudar sucessivamente a Teosofia e a Antroposofia.
Com todo o rigor histórico, deveríamos começar pela teosofia, que é alguns anos anterior à sua irmã antroposófica; de fato, Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia, militou primeiro nas fileiras da Teosofia de Madame Blavatsky e só se separou dela posteriormente. Seria, portanto, lógico começar pelo estudo da Teosofia, mas parece-nos mais urgente examinar primeiro o movimento steineriano porque é aquele dos dois que exerce maior atração sobre os católicos de hoje, fragilizados pelo "Concílio da dúvida", sob cuja influência ainda estamos.
Após termos dito algumas palavras sobre a Teosofia para bem compreender a posição respectiva de seus dois movimentos, é sobre a Antroposofia que focaremos nosso primeiro exame.
HELENA PETROVNA BLAVATSKY
Aquela que se tornaria a fundadora e a prodigiosa animadora da "Sociedade Teosófica" é de origem germano-russa. Seu pai, o coronel Von Rottenstern Hahn, era de linhagem mecklenburguesa fixada na Rússia. Sua mãe, Héléna Fadeef, era filha de um conselheiro do Czar.
Héléna Pétrovna nasceu em 1831, na época de uma terrível epidemia de cólera. "Ela entrou no mundo em meio a caixões e lágrimas", escreve um de seus biógrafos. Durante seu batismo, alguém ateou fogo, por inadvertência, com um círio, à casula do padre, que foi gravemente queimado; na confusão, várias pessoas foram feridas. Viu-se, nesse acidente, o presságio de uma influência diabólica que se exerceria sobre ela.
Quando chegou à idade de se casar, seu pai a repreendeu por negligenciar sua aparência e ser tão pouco feminina quanto possível. Lançou-lhe esta provocação, dizendo que ela seria incapaz de seduzir até mesmo aquele velho corvo do general Blavatsky, tão feio e de quem tanto zombavam. Héléna Pétrovna levou o pai à letra e seduziu, de fato, o velho general, que a pediu em casamento. E o casamento aconteceu. Mas os esposos nunca coabitaram. Desde a noite de núpcias, ela começou a fazer ao marido cenas violentas e repetidas. Ele foi obrigado a mantê-la trancada para evitar suas extravagâncias. Ao fim de alguns meses, ela acabou fugindo para o Cairo, no Egito, onde começou a vida itinerante e romanesca que conhecemos. Ela não reviu o general seu esposo, mas nunca deixou de se fazer chamar Madame Héléna Pétrovna Blavatsky, nome que seus adeptos, mais tarde, reduziriam às suas iniciais H. P. B.
É impossível resumir seu périplo religioso, assim como seu périplo geográfico. Inúmeras viagens a levaram a Paris, Londres, Estados Unidos, Índia, Jerusalém... Ela se introduziu em toda sorte de seitas, fazendo-se iniciar em todas as práticas e doutrinas, desde o Vodu até o Budismo, passando pelo judaísmo, o Islã e a franco-maçonaria. De tudo isso ela constituía, em sua cabeça tumultuada, uma síntese exaltada.
Em 1874, "a corpulenta senhora" (pois era enorme) encontrou o coronel inglês Olcott, que era um excelente organizador e com quem ela fundou a "Sociedade de Teosofia", cuja sede foi fixada em Adyar, pequena cidade da Índia.
O nome desta cidade tornou-se o símbolo da teosofia; é assim que a editora parisiense que assegurou (e que ainda assegura) a difusão das obras teosóficas adotou o nome de Éditions Adyar.
Durante uma estadia na Europa, H. P. B. escreveu e publicou sua primeira grande obra: "A Doutrina Secreta", que é a exposição caótica de tudo o que ela havia colhido um pouco por toda parte em matéria de ocultismo, espiritismo, hinduísmo, maçonaria, gnose, judaísmo. Ela nunca deixou de escrever artigos, brochuras e livros. Um deles merece menção especial: "Ísis sem Véu", que ela redigiu em Nova York e que teve uma repercussão mundial. Ela sempre manteve para sua doutrina o nome de teosofia, ou sabedoria divina, que lhe fora dado desde o início.
Seu colaborador Olcott multiplicava-se para fundar, no Oriente como na Europa e na América, "Sociedades de Teosofia" que ele organizava com grande habilidade e animava com um prodigioso dinamismo, fazendo reinar ali as concepções MUNDIALISTAS, HUMANITÁRIAS e FEMINISTAS que ele havia tomado emprestadas de suas frequentações maçônicas.
Em 1889, a londrina Annie Besant veio juntar-se à Sociedade e figurou imediatamente em seu comitê diretor de Adyar. Foi ela quem, com a morte de H. P. B., em 1891, assegurou a direção da sociedade teosófica mundial.
Naturalmente, uma sociedade de teosofia havia sido fundada na Alemanha, como em todos os países da Europa. E não tardaram a confiar a direção a Rudolf Steiner. É tempo, portanto, de apresentar o personagem que passará a nos interessar.
AS INSPIRADORAS VIENENSES
Rudolf Steiner nasceu em 1861 numa pequena localidade da Áustria meridional, situada atualmente em território iugoslavo. Tinha um irmão e uma irmã, sendo ele o mais velho. Seu pai era funcionário da ferrovia. Foi um estudante muito aplicado e manifestou desde jovem qualidades intelectuais bastante excepcionais. Tornou-se o líder de uma escola de pensamento que figura entre as mais vigorosas de hoje, mas também entre as mais perigosas para o catolicismo ortodoxo.
Sua mentalidade orientou-o desde cedo para as matemáticas e a filosofia. Em Viena, frequentou simultaneamente a Escola Superior Técnica e a Universidade, onde preparou um doutorado em filosofia, doutorado que, por razões que nos escapam, ele só apresentaria alguns anos mais tarde na Faculdade de Rostock, no norte da Alemanha.
Ele teve tanto mais mérito por ser obrigado a prover ele mesmo seu sustento e seus estudos. Foi assim que se tornou preceptor numa família austríaca onde lhe confiaram a educação de um menino de dez anos acometido por hidrocefalia, portanto, com deficiência mental; ninguém mais queria se ocupar dele, nem mesmo seus pais. O jovem Rudolf Steiner, ainda estudante, obteve sucesso com essa criança além de toda esperança, pois o conduziu até o doutorado em medicina.
Esse sucesso espantoso é particularmente sintomático das capacidades didáticas de Steiner. Mostrou então que possuía tesouros de paciência, uma incontestável generosidade altruísta e uma profunda perspicácia psicológica.
Posteriormente, cultivou ainda mais esses dons naturais que fizeram dele um prodigioso pedagogo, como veremos quando examinarmos as realizações da sociedade antroposófica.
Rudolf Steiner teve numerosas relações femininas. Mas, ao ler seus biógrafos, somos obrigados a reconhecer que elas permaneciam na maioria das vezes no terreno do romantismo e mesmo da intelectualidade. Jacques Lautier, em seu livro "La Théosophie", nota que "Steiner foi subjugado pelo poder feminino". Quanto a Édouard Schuré, que foi seu amigo durante certo tempo, reconhece nele "uma sensibilidade profunda e feminina". Durante seus anos universitários, havia frequentado muito a obra de Goethe, que foi apresentado como o poeta e até mesmo o filósofo do "eterno feminino".
A primeira de suas inspiradoras vienenses foi Marie Lang: "Steiner, que estava em contato, em Viena, com uma teósofa renomada, Marie Lang, encontrou junto a ela o apaziguamento que desejava: as horas que passei com ela, escreve ele, foram-me infinitamente preciosas." (Jacques Lautier).
Outra vienense, teósofa também ela, exerceu sobre Steiner uma forte influência: Rosa Mayreder. As longas conversas com ela o enriqueceram, e ele escreve:
"Minha FILOSOFIA DA LIBERDADE tomava em mim formas cada vez mais definidas. Rosa Mayreder é a pessoa com quem mais falei sobre isso naquele momento. Ela me arrancou, em parte, da solidão íntima em que vivi. Se ela aspirava à visão da personalidade humana em si mesma, eu queria, quanto a mim, alcançar a revelação do mundo pela via espiritual que essa personalidade encontra no fundo de si mesma".
Temos aí já o esquema de sua teoria da "clarividência", a saber: a descoberta da essência das coisas pela introspecção profunda de si mesmo. Voltaremos a isso em detalhe, pois é bastante complicado.
DISCÍPULO DE FAUSTO
O período vienense termina. Rudolf Steiner deve deixar a Áustria e seus encantamentos teosóficos. Ele parte para a Alemanha e vai se instalar em Weimar, na Turíngia, onde seu novo trabalho consiste em supervisionar a edição das obras científicas de Goethe. No curso dessa tarefa de editor, ele é arrastado para o rastro filosófico do "Príncipe da literatura alemã".
Certamente, ele já tinha por Goethe, como vimos, uma grande admiração como cantor do eterno feminino. Em Viena, ele havia proferido uma conferência notável: "Goethe, pai de uma estética nova" (1888). Mas em Weimar é o conteúdo filosófico da obra inteira que vai marcá-lo de maneira indelével.
Qual é, então, a filosofia de Goethe?
Diz-se que ela se resume no tema geral do primeiro e do segundo Fausto. Esse tema geral é o da aposta que se estabeleceu entre Deus e Mefistófeles, aposta que é o tema do primeiro Fausto e cujo segundo nos dá o epílogo.
O demônio garante rebaixar Fausto à condição de bruto. Deus, ao contrário, afirma que o "sábio doutor" será capaz, por suas próprias forças, de triunfar da tentação. A partir daí, Fausto torna-se representante da humanidade inteira, a qual, segundo Goethe, é colocada na obrigação de se superar pela AÇÃO para realizar o ideal percebido por sua consciência. E o drama cênico torna-se um compêndio de filosofia.
No texto de Goethe, as últimas palavras de Fausto antes de morrer constituem verdadeiramente um hino naturalista e até humanitário. O velho mago passeia todo curvado, pelas alamedas de um grande parque:
"Não fiz mais que correr pelo mundo, agarrando pelos cabelos todo prazer, negligenciando o que não me podia bastar, e deixando ir o que me escapava. Assim, não fiz mais que realizar e desejar ainda e assim precipitei minha vida numa ação eterna".
Não pensemos que, nessas palavras, haja arrependimento. Não há nenhum, pelo contrário, pois Fausto continua assim seu último monólogo:
"Grande e poderoso desde o início, caminho agora com sabedoria e circunspecção. O círculo da terra me é suficientemente conhecido. Quanto à visão do outro mundo, ela nos está fechada. Como é insensato aquele que dirige seus olhares preocupados para esse lado, e que imagina estar acima das nuvens, acima de seus semelhantes! Que se contente, pois, de manter-se firme nesta terra: o mundo não é mudo para o homem que tem algum valor. De que serve flutuar na eternidade, tudo o que o homem conhece, ele pode apreender. Siga, pois, seu caminho, sem se apavorar com os fantasmas".
Chegando ao grande vestíbulo do palácio, Fausto prossegue sua última profissão de fé:
"Oferecerei vastas planícies a milhões de homens para que vivam ali livremente, senão com segurança. Eis campos verdejantes e férteis; homens e rebanhos repousam à vontade sobre a nova terra, ligados ao firme poder das colinas que eles erguem com seus trabalhos árduos. Um paraíso na terra! Sim, abandono-me à fé desta palavra que é a última fé da sabedoria. Possa eu desfrutar do espetáculo de uma atividade semelhante e viver com um povo livre numa terra de liberdade! No pressentimento de tal felicidade, desfruto agora do momento mais belo da minha vida."
Pronunciadas estas últimas palavras, Fausto cai morto e os lêmures o agarram para colocá-lo num caixão.
No epílogo, Goethe explica como os anjos vieram buscar a alma do velho filósofo. E, no entanto, quando Fausto cai morto, a aposta parece ganha por Mefistófeles, que permanece junto ao cadáver e chama as legiões do inferno para que levem o sábio que se perdeu. Mas os anjos do céu chegam ao mesmo tempo que os demônios. Por que isso? Porque essa alma poderosa resistiu até o fim. Os pensamentos de esperança que Deus, o Deus de Goethe, lhe enviou no último momento o inebriaram no instante supremo. Assim, as sombrias cortes, convocadas por Mefisto, recuam e os anjos levam ao céu a alma do doutor Fausto. "Deixei-me então enganar por essa laia", exclama Mefistófeles. "Ela me rouba o fruto do meu esforço. Foi para isso que eles rondavam em torno do túmulo".
Toda a obra de Goethe está repleta de discursos semelhantes. É uma longa exaltação da ação humana e da comunhão naturalista. Uma linguagem suntuosa cobre uma filosofia positivamente humanitária. E Steiner, enquanto procedia às publicações que lhe haviam sido encomendadas, deliciava-se com ela e impregnava-se dela. Foi invadido por um sentimento de reconhecimento quase filial por Goethe. Quando, muito mais tarde, ele for levado a dar um nome ao templo antroposófico que edificaria em Dornach, perto de Basileia, ele o chamará de "Goetheanum".
PRIMEIRA ILUMINAÇÃO
É em Weimar que Steiner encontra uma nova inspiradora na pessoa de Gabrielle Reuter. Ela está atingida pelo vírus da ideologia feminista e o transmite a ele. Os temas emancipatórios sugeridos por essa mulher encontrarão lugar na "filosofia da liberdade" na qual ele não cessa de pensar.
Em Weimar ainda, ele conhece uma nova "mulher extraordinária", Elisabeth Förster, que é a irmã de Nietzsche. Ela o convida a ir conversar com o filósofo envelhecido. Mas ele tarda a realizar a viagem, de sorte que só se apresenta a Nietzsche numa época em que ele já perdeu a razão. Ele repousa mudo sobre um divã, os olhos perdidos; não vê seu visitante e não toma parte alguma na conversa.
E, no entanto, é junto a esse Nietzsche perdido nas nuvens que Steiner faz a experiência de sua primeira "iluminação". Ele a descreve nestes termos:
"E eis a VISÃO que tive naquele quarto: a alma de Nietzsche pairava acima desta cabeça física, banhando-se já na luz dos mundos espirituais, desses mundos que ela havia apaixonadamente desejado conhecer antes de afundar na loucura e que não havia encontrado. Mas ela permanecia ainda acorrentada ao corpo que a impedia de desabrochar na plena claridade do espírito". (Autobiografia).
Steiner interessou-se por Nietzsche a ponto de lhe dedicar uma obra extremamente admirativa: "Friedrich Nietzsche, um homem em luta contra seu tempo" (1895).
Foi ainda durante sua estadia em Weimar que ele defende a tese de doutorado em filosofia que havia preparado em Viena. Ele a defendeu na Universidade de Rostock, no Mecklenburg setentrional, não longe do litoral do Báltico. Há muito tempo, ele reunia os materiais. Pode-se considerá-la como a síntese de sua formação, de suas leituras e de suas relações. Intitulou-a "a filosofia da liberdade". Esse texto deu origem posteriormente a duas obras, publicadas pelas Edições Triades, e que se tornaram clássicos entre os antropósofos.
BERLIM, A SERPENTE VERDE E O BELO LÍRIO
Sua tarefa de editor das obras científicas de Goethe estando terminada, Rudolf Steiner deixou Weimar em 1897 e instalou-se em Berlim para dirigir uma revista literária. Morou na casa de uma viúva, Anna Eunicke, que já conhecia e com quem se entendia às mil maravilhas. De seu casamento anterior, ela tinha cinco filhos, o que não a impedia de assegurar a seu hóspede a calma e o conforto de uma casa bem cuidada. Acabaram por se casar em 1899. Mas Anna Eunicke morreu em 1911, deixando Steiner viúvo por sua vez.
Do período berlinense data a publicação de um conto fantástico: "A Serpente Verde e o Belo Lírio". Este conto pretendia ser uma explicação do hermetismo de Goethe. O autor deixava transparecer nele tendências rosacrucianas, ou seja, um gosto marcado pelo esoterismo cristão. Atraiu a atenção da jovem sociedade teosófica de Berlim; convidaram Steiner para fazer algumas conferências nos novos locais. Assim começou uma colaboração que se mostraria particularmente frutuosa.
Em suas conferências, Steiner encontrou uma dessas mulheres cultas que tanto o atraíam, Marie von Sivers, de origem russa, cujo charme eslavo agiu rapidamente sobre ele. Tornou-se teósofo, o que não lhe exigiu uma grande mudança, e desposou-a, três anos após a morte de sua primeira esposa.
Marie von Sivers apresentou Steiner a Annie Besant, de passagem por Berlim. Sabe-se que ela acabara de assumir a sucessão de madame Blavatsky na direção da sociedade de teosofia em Adyar, na Índia. Talentoso como o conhecemos, e particularmente formado nas disciplinas filosóficas, era evidente que Steiner se tornaria rapidamente o secretário-geral da seção alemã de teosofia. O ensinamento que ali ministrou foi resolutamente orientado na via do esoterismo cristão. É desta época que data sua obra: "Misticismo e Espírito Moderno".
Um episódio de sua vida berlinense permite compreender melhor a personalidade e as tendências de Rudolf Steiner. O socialista Guillaume Liebknecht (o adversário ferrenho de Bismarck e pai de Karl Liebknecht, que, em 1919, assumiria a liderança do movimento "Spartacus") havia fundado em Berlim uma universidade popular frequentada pelos operários socialistas. Convidaram Rudolf Steiner para fazer conferências ali. Sua "filosofia da liberdade", naturalista e humanitária, encontrava ali um campo de exercício totalmente indicado (1899-1904).
LÚCIFER-GNOSE
Rudolf Steiner havia aceitado o secretariado da sociedade alemã de teosofia com a condição de que pudesse expressar ali livremente suas próprias opiniões. A partir daí, não se priva disso, e conduz seu auditório numa direção que não é mais perfeitamente teosófica e que inaugura já a antroposofia.
Nesse espírito, ele começa a publicação de uma nova revista que intitula "Lúcifer". Ele precisa, evidentemente, que não se trata do anjo caído, mas do anjo "portador da luz". É uma distinção habitual nos meios ocultistas: raciocina-se como se o anjo "portador da luz" tivesse permanecido um anjo bom, ou como se sua expulsão do céu fosse uma lenda totalmente desprezível. Ao colocar sua revista sob o nome de Lúcifer, Steiner mostra sua ignorância ou, antes, sua atração pelo equívoco em matéria de demonologia.
Ele escreve em sua autobiografia:
"A revista Lúcifer recebeu logo um feliz impulso. Um certo Sr. Rappoport, de Viena, que editava uma revista 'Gnose', fez-me a proposta de reunir os dois periódicos. O Lúcifer saiu sob o título LÚCIFER-GNOSE e Rappoport suportou, durante certo tempo, uma parte das despesas. Lúcifer-Gnose teve uma carreira brilhante". (capítulo XXXII).
O fato é que o ensinamento já nitidamente antroposófico de Rudolf Steiner expressa-se pela primeira vez publicamente sob a dupla invocação de Lúcifer e da Gnose. Há aí uma disposição providencial que é um verdadeiro aviso e cujo sentido não poderia escapar a um cristão minimamente atento aos sinais exteriores da vontade divina.
Na revista "Lúcifer-Gnose", Rudolf Steiner dedica-se a responder ao problema crucial que lhe é caro há muito tempo e que ele formula assim: "Como se pode elevar ao conhecimento dos mundos superiores?"
Os mundos superiores são evidentemente, em seu espírito, os mundos espirituais. Ele resolve esse problema definindo o homem como "uma partícula macrocósmica" que traz em si, virtualmente, o universo inteiro.
Uma das grandes teses de Steiner é que se reencontra a imagem dos mundos superiores em si mesmo, com a condição de cavar fundo o suficiente. É uma noção que lhe é familiar e que, aliás, circula por toda parte, aclimatada como está na Europa há muito tempo pelos hermetistas. Tal é também a posição dos teósofos que, por sua parte, a tomaram emprestada dos hinduístas. Ao fazer desse problema o passo essencial de "Lúcifer-Gnose", Steiner permanece, portanto, na linha da sociedade teosófica.
O TELEGRAMA DE ADYAR
Mas ele se afasta dessa linha teosófica em dois pontos. Enquanto o centro de Adyar multiplica as críticas em relação à personalidade de Jesus, Steiner pretende conservar o que ele chama de ENTIDADE CRÍSTICA (definindo-a, aliás, de maneira muito pouco cristã, como veremos). E afasta-se dela também porque reprova as tentativas de busca, na Índia, de uma reencarnação de Buda ou de Cristo. Em suma, decidido a irradiar no meio europeu, que é forçosamente oriundo do velho atavismo cristão, Rudolf Steiner não quer adotar uma doutrina exclusivamente oriental. Sem dúvida, ele milita por uma transformação do cristianismo, mas quer conservar dele ao menos as aparências e a terminologia, o que não será evidentemente possível se permanecer na estrita observância de Adyar.
A ruptura foi consumada quando Annie Besant apresentou oficialmente o jovem hindu KRISHNAMURTI como o novo Buda e empreendeu, em sua companhia, uma turnê mundial. Steiner está totalmente determinado a não seguir semelhante caminho.
Estamos em 1913, a seção alemã envia um telegrama cominatório à sede central de Adyar para pedir a deposição de Annie Besant, deposição que foi naturalmente recusada. Em sua grande maioria, os teósofos alemães seguiram Steiner. E o fosso se aprofundou ainda mais quando, durante os primeiros meses da guerra, Annie Besant, num editorial famoso, lançou toda a teosofia mundial para o lado dos Aliados.
O GOETHEANUM
Restava apenas a Steiner encontrar um novo nome para seu movimento de pensamento. Intitulou-o ANTROPOSOFIA, o que significa "sabedoria humana". Essa sabedoria (sophia) é duplamente "humana". É-o primeiro porque é nas profundezas de si mesmo que o homem pode descobrir o universo inteiro; veremos isso quando analisarmos a mística antroposófica. A nova sabedoria é também humana porque a ENTIDADE CRÍSTICA, que se conserva, identifica-se, como veremos igualmente mais adiante, com a consciência coletiva da humanidade.
A partir de setembro de 1913, Steiner empreende, em Dornach, perto de Basileia, na Suíça, a construção de um templo-teatro ao qual dá o nome de GOETHEANUM em honra de Goethe. Houve sucessivamente dois Goetheanuns. O primeiro, que era construído em madeira, foi incendiado, sem dúvida por contestadores. O segundo, edificado em concreto, subsiste ainda hoje e serve de sede social à "Sociedade Antroposófica Universal". É igualmente um centro muito ativo de atividade teatral, musical e intelectual. O Goetheanum de Dornach ostenta oficialmente o título de "Universidade Livre de Ciência Espiritual".
Rudolf Steiner gozava, desde antes da guerra de 14-18, de uma reputação europeia. A "Livraria Acadêmica Perrin" havia publicado, em tradução francesa, uma primeira série de seus livres, em particular: "A Ciência Oculta" e "O Cristianismo como Fato Místico e os Mistérios Antigos". Foi para esta última obra que Édouard Schuré escreveu um prefácio onde se podia ler:
"A situação presente da humanidade, do ponto de vista religioso, não é menos grave do que era nos quatro primeiros séculos de nossa era. Então, tratava-se de saber se o cristianismo prevaleceria sobre o paganismo ainda tão poderoso. Hoje, os pensadores mais avançados se perguntam se o cristianismo permanecerá a religião dominante da humanidade ou se será substituído por outras formas religiosas com um nome e um espírito diferentes".
Steiner pertencia, de fato, à corte dos candidatos a essa substituição supostamente fatal.
Originárias do mesmo tronco orientalista e gnóstico, a teosofia e a antroposofia separaram-se agora. É o movimento criado por Rudolf Steiner que vai nos interessar primeiro porque é o mais próximo do cristianismo e, por conseguinte, é aquele dos dois que tem mais chances de enganar os cristãos. Mas seria longo demais expor o conjunto da doutrina antroposófica em um único artigo. Será preciso nos contentarmos, por ora, em estudar dois aspectos importantes: a mística e a cristologia.
II. A INICIAÇÃO AOS PEQUENOS MISTÉRIOS NA ANTROPOSOFIA DE RUDOLF STEINER
INTRODUÇÃO
Por que, entre os grandes capítulos da doutrina antroposófica, escolhemos a mística como tema do nosso primeiro desenvolvimento, em vez de outros capítulos, como o da cosmogonia, por exemplo? É porque a mística é a fonte de inspiração permanente de toda a doutrina.
Portanto, se, ao analisar a mística, conseguirmos determinar de qual espírito ela provém, saberemos, ao mesmo tempo, de qual espírito provém a doutrina inteira, por qual espírito ela é inspirada. E essa informação será preciosa para estimar o grau de nocividade da antroposofia para os Cristãos.
OS ÓRGÃOS DA CLARIVIDÊNCIA
Rudolf Steiner submete seus adeptos a uma disciplina espiritual cujas regras ele descreve em uma obra intitulada "A INICIAÇÃO ou como adquirir conhecimentos sobre os mundos superiores". Faremos frequentes referências a esta obra e a citaremos segundo a edição Triades de 1982.
Essa disciplina espiritual compreende três graus: "Os graus estabelecidos pela tradição à qual nos referimos são os três seguintes: 'a preparação, a iluminação e a iniciação'" (página 53).
A preparação consiste em uma concentração mental exercida sobre certos fenômenos naturais. O discípulo, também chamado de estudante, é convidado a meditar intensa e frequentemente sobre duas ordens de fenômenos: as germinações e os fenecimentos: "Ele dirige sua atenção, ora para seres em via de crescimento, de floração e de desabrochar, ora para coisas que fenecem e morrem". (p. 57).
O estudante vai se exercitar, durante semanas e meses, em uma contemplação, assim orientada, da natureza que o cerca.
Façamos aqui uma primeira constatação: faz-se com que ele medite sobre o mundo, não em seu funcionamento regular, mas em seu estado de devir e eterna renascença. Ele é, desde o início, direcionado para uma tomada de consciência aguda da universal e permanente MUTAÇÃO. Isso porque, de fato, a "transfiguração universal" ocupa, na doutrina antroposófica, um lugar central, como em todas as doutrinas gnósticas atuais.
Ao longo desta primeira fase do treinamento, o discípulo deverá manter uma atitude puramente observadora; sua atenção será retida pelo fenômeno exterior que ele examina: o botão de rosa que se abre ou, ao contrário, o tronco que apodrece. Quando estiver bem treinado na meditação intensiva de todos esses seres em processo de transformação, passará a um segundo exercício.
Neste segundo momento, ele voltará seu pensamento para si mesmo e concentrará sua atenção simultaneamente em duas coisas:
- o fenômeno EXTERIOR que ele observa,
- e o ECO que esse fenômeno provoca em seu espírito; ele se observará a si mesmo durante a observação.
Quando a simultaneidade dessas duas observações, uma objetiva (o fenômeno exterior) e a outra subjetiva (o eco sensorial), for realizada com facilidade e equilíbrio, então o estudante sentirá, ao que parece, germinar nele toda uma nova ordem de sentimentos e pensamentos. Compreende-se que o treinamento para alcançar essa dupla percepção seja muito longo: "Graças a esses sentimentos e a esses pensamentos, edificar-se-ão os ÓRGÃOS DA CLARIVIDÊNCIA". (p. 59)
Em que consistem esses novos órgãos psicológicos? Não nos explicam realmente, sob o pretexto de que, para compreender bem essa edificação, é preciso tê-la experimentado por si mesmo. O estudante, dizem-nos, terá formado em si uma nova faculdade que lhe permitirá entrar em comunhão com a natureza e vibrar em uníssono com ela. Aquele que se entrega a este treinamento com perseverança, regularidade e método "vê abrir-se para si um mundo novo: o MUNDO PSÍQUICO; o que se chama de mundo astral começa a despontar como uma aura. Crescimento e decrescimento não são mais para ele, como antes, fatos que despertam impressões vagas, mas realidades que se expressam em linhas e figuras espirituais cuja existência ele nunca antes suspeitara... Pouco a pouco, o mundo psíquico ou astral se desdobra lentamente diante dele". (p. 60)
Antes de prosseguir, precisemos bem a fase a que chegou o estudante antroposofista. Por uma observação intensiva e penetrante, ele ampliou a impressão que o espetáculo dos objetos materiais, das plantas e dos animais produz nele. Em seguida, ele também ampliou o eco que esses fenômenos sensoriais normalmente provocam nele, estudando-os isoladamente. Finalmente, ele OBJETIVOU o eco assim hipertrofiado, que passará a ter, em seu espírito, o valor de um ser em si. À imagem objetiva do mundo, que ele continua a ver como antes, é claro, vem sobrepor-se uma outra imagem desse mesmo mundo, uma outra imagem que será como uma radiografia desse mesmo mundo.
É exatamente o que diz, em outras palavras, o próprio Rudolf Steiner: "Quando o estudante chega ao ponto de poder contemplar, sob sua forma espiritual, fenômenos igualmente perceptíveis ao seu olho físico, ele não está muito longe de ver coisas que não têm existência física alguma e que, por conseguinte, permanecem integralmente ocultas (ocultadas) para aquele que ignora a ciência secreta". (p. 61)
A VISÃO ESPIRITUAL
Os fenômenos naturais exteriores (aliás, já escolhidos entre desabrochamentos e degenerescências) contemplados com penetração produzem no espírito do estudante em treinamento duas impressões sucessivas.
- A primeira é a impressão comum a todo observador: é superficial e sensorial.
- A segunda se realiza no nível psíquico profundo: é particular àquele que soube educar e sensibilizar seu psiquismo interno para torná-lo reativo; é, portanto, um eco, como notamos, mas um eco anormalmente amplificado pela atenção sustentada sobre ele. E amplificado a ponto de se tornar, por sua vez, um objeto de observação interna.
O estudante tornou-se capaz de recolher duas versões do mundo:
- uma versão sensorial
- e uma versão interna.
Então, intervém para ele um novo elemento de formação. É a INTERPRETAÇÃO do que acontece agora nele. Seus instrutores antroposóficos vão lhe explicar o sentido e a verdadeira natureza da versão interna recém-recebida: dirão a ele que é uma VISÃO ESPIRITUAL do mundo; ele supostamente verá doravante a "face" espiritual das coisas; e acreditará nisso facilmente, dado o caráter vago e vaporoso das novas imagens que se formam em seu psiquismo.
Esse eco amplificado é agora considerado, pelo sujeito que o experimenta, como pertencente ao mundo das almas, ao mundo das ideias, isto é, ao mundo espiritual ou "mundo superior". Dizem-lhe que adquiriu a visão do Espírito.
O eco de uma coisa material sobre o psiquismo do estudante tornou-se, portanto, uma coisa espiritual. Pelo menos, é essa assimilação, perfeitamente arbitrária, aliás, que vai inspirar doravante todo o resto da espiritualidade antroposófica: "Um ponto importante é o que a ciência secreta chama de 'orientação' nos mundos superiores. Chega-se a essa orientação penetrando-se inteiramente da consciência de que os sentimentos e os pensamentos são fatos reais, da mesma forma que as cadeiras e as mesas no mundo físico". (p. 62)
O estudante agora acredita ter se tornado sensível à estrutura espiritual que estaria subjacente a todo objeto material, a todo vegetal e a todo animal. Esses ditos seres espirituais que ele discerne em transparência no interior de todas as coisas, ele passará a tratá-los como objetos entre os quais deve se orientar e se deslocar, como se faz com os objetos materiais: "Assim como, na vida física, ele encontra seu caminho através das coisas físicas, ele sabe agora se orientar entre os fenômenos de crescimento e de perecimento que acabou de aprofundar da maneira descrita acima". (p. 63)
OS OUVIDOS DA ALMA
Assim como se treinou para penetrar nos objetos visíveis e para se compenetrar deles, o discípulo vai se compenetrar das sensações sonoras para discernir sua espiritualidade oculta. Todo um procedimento lhe é fornecido para que, também aqui, ele se torne co-vibrante a todos os tipos de sons: os ruídos minerais, os gritos dos animais, os risos e os choros dos homens:
"O estudante deve aprender a sentir assim a natureza inteira. Ele semeia, desse modo, novos germes no mundo de suas ideias e de seus sentimentos. A natureza começa então a lhe revelar seus mistérios por intermédio dos sons que expressam a vida... Onde antes se acreditava perceber apenas um som, as ressonâncias dos corpos ditos inanimados, o discípulo percebe agora uma nova linguagem da alma... ele começa a ouvir com a alma". (p. 65)
TRÊS ORDENS DE INFORMAÇÕES
A fase preparatória teve primeiro como objetivo principal fazer nascer, no psiquismo profundo, uma nova faculdade de apreensão das coisas físicas exteriores. Aos nossos olhos e ouvidos agora exercitados, elas se deixam observar como que por transparência até em seu interior "espiritual". Percebemos esse núcleo espiritual em torno do qual elas são construídas. As imagens assim elaboradas são, pelos instrutores antroposóficos, consideradas psíquicas, astrais, superiores e espirituais.
Ao mesmo tempo em que se tornou apto a captar essas novas informações, o estudante, graças ao mesmo trabalho, graças à mesma faculdade de clarividência, tornou-se também capaz de receber duas outras categorias de informações.
Primeiramente, o sujeito poderá escutar a si mesmo como que com um amplificador: "Ouve-se então o VERBO INTERIOR".
Por intermédio da faculdade de apreensão recém-edificada, o estudante ouvirá informações provenientes de seu SUBCONSCIENTE, as quais permaneciam antes inaudíveis.
Mas ele também vai "captar informações que emanam do mundo DOS ESPÍRITOS e que não encontram meio de se expressar por sons exteriores perceptíveis ao ouvido físico... verdades de origem espiritual lhe são reveladas progressivamente. Ouve-se em espírito". (p. 67)
Acabamos de operar uma importante distinção entre três ordens de informações:
- as primeiras, que provêm dos objetos exteriores após terem ecoado no psiquismo;
- as segundas, que provêm do inconsciente ou, mais geralmente, do próprio espírito do sujeito;
- as terceiras, que provêm dos seres espirituais e que podem, eventualmente, irromper na vida mental do discípulo.
Certamente, Rudolf Steiner conhece essa distinção e recorre a ela algumas vezes. Mas, na maioria das vezes, ele mantém, ao contrário, a confusão entre essas três ordens de informação, estabelecendo entre elas uma espécie de equivalência. Ainda não estamos suficientemente avançados em nosso estudo para apreender as razões dessa confusão. Que nos baste, por enquanto, notá-la.
O OLHO ESPIRITUAL
O trabalho da fase preparatória está agora concluído. Dotou o estudante de uma faculdade psíquica de recepção que Rudolf Steiner chama de "órgão de clarividência". É uma faculdade, diz ele, que dormita em cada homem e que o treinamento progressivo apenas desperta. O discípulo antroposofista vai agora fazer funcionar esse órgão utilizando o mesmo método de concentração de espírito que lhe serviu para constituí-lo. Ele está agora a caminho da segunda fase de sua ascensão "espiritual": a da ILUMINAÇÃO.
Mas aconselham-no a recorrer doravante, seja a um guia, que deverá ser evidentemente um antroposofista confirmado, seja a obras selecionadas nas quais a ciência oculta será exposta com prudência. O método de observação intensa de um objeto mineral, vegetal ou animal continua sendo a regra essencial e continuará a ser aplicado.
Mas a intensidade da observação não é suficiente. Não basta incrustar em si a natureza e nela se incrustar; é preciso ainda fazê-lo em um certo espírito. É preciso que a meditação já esteja orientada para certos temas de reflexão, como já esteve discretamente, vimos, durante a preparação. E esses temas de reflexão serão fornecidos ao discípulo seja por monitores designados, seja por obras antroposóficas redigidas para esse fim. Eis um exemplo desses temas: "Os primeiros passos consistem em observar de uma forma muito particular certos fenômenos e certos seres naturais; por exemplo, um cristal transparente de belas facetas, depois uma planta, um animal. Que se comece por concentrar toda a atenção na COMPARAÇÃO entre a pedra e o animal da maneira que será descrita. Os pensamentos aqui indicados devem tomar conta de toda a alma, acompanhados de sentimentos muito vivos. Nenhum outro pensamento, nenhum outro sentimento deve se misturar e perturbar a intensidade da observação. Que se diga, então, o seguinte: 'A pedra tem uma forma, o animal também tem uma forma. A pedra permanece imóvel em seu lugar, o animal muda de lugar. É o desejo, o instinto que impele o animal a mudar de lugar, e é também à satisfação de seus instintos que serve a forma do animal; seus órgãos e os membros que lhe servem de instrumentos são moldados, de acordo com esses instintos, pelo desejo, enquanto a forma da pedra é o resultado de forças onde o desejo não entra'". (p. 69-70).
Vê-se imediatamente que transpusemos um novo patamar na condução de nossa meditação. Trata-se agora de entrar no MUNDO DAS CAUSAS e é por isso que se faz o adepto meditar não mais apenas sobre a estrutura profunda (pretensamente espiritual) das coisas, mas sobre seu DINAMISMO interno. O estudante é convidado a buscar "o porquê" dos seres e dos comportamentos. Mais ainda, a perseverança de seus exercícios contemplativos fará dessas "causas" novos seres espirituais. Ele vai objetivá-los. O órgão da clarividência, exercitado nesse sentido, aumentará sua atividade; ele se tornará o que a ciência oculta chama de OLHO ESPIRITUAL, porque vê, não mais as coisas, mas o espírito das coisas, isto é, sua causa. Pelo menos, é o que se ensina.
Se, na tela de seu olho espiritual, o estudante vê aparecer o espírito que supostamente reside nas coisas inanimadas, nas plantas e nos animais, a fortiori verá ele se perfilarem os movimentos de seu próprio espírito. É, em todo caso, o que afirmam todos aqueles que têm a experiência efetiva desses exercícios: "Cada um pode dizer: na esfera dos meus sentimentos pessoais e das minhas ideias, encontram-se ocultos os mistérios mais augustos; mas até agora eu não soube percebê-los. O problema reside, portanto, finalmente nisto: o homem carrega por toda parte consigo seu corpo, sua alma e seu espírito, mas só é CONSCIENTE de seu CORPO e não de sua alma e de seu espírito. Ora, o ocultista torna-se consciente de sua alma e de seu espírito, como o homem comum o é de seu corpo. É por isso que importa orientar na boa direção os sentimentos e os pensamentos. Então se desenvolverá, na vida comum, a faculdade de perceber as coisas invisíveis". (p. 77-78)
ENTIDADES FLUORESCENTES
Para avançar mais um grau, o discípulo vai agora exercer, sobre seres humanos, o método de observação e meditação que até então se contentara em aplicar aos minerais, às plantas e aos animais.
Mas então esses novos objetos de observação diferirão dos antigos, pois não são mais guiados por seus instintos, mas pela vontade de uma alma espiritual e livre. Assim, os monitores antroposóficos aconselharão seu estudante a se tornar sensível, tanto quanto possível, às INTENÇÕES OCULTAS das pessoas cuja gesticulação eles observam e meditam.
Compreendemos bem que eles possam adquirir assim uma grande sagacidade, ainda mais que seu treinamento dura semanas e até anos. Somente o que não podemos compreender é o fenômeno mental que vai se produzir nele após tantos exercícios perseverantes. Não teríamos nenhuma ideia se antroposofistas experientes não nos descrevessem unanimemente esse fenômeno. Com efeito, o discípulo sentirá agora os primeiros sintomas do que os ocultistas chamam de ILUMINAÇÃO. Deixemos o próprio Steiner falar: "...O sentimento que a planta inspira, por sua natureza, assim como por seu grau de intensidade, ocupa o meio-termo entre o sentimento que a pedra desperta e o que o animal provoca. Os órgãos que se formam dessa maneira são 'os olhos espirituais'. Aprende-se progressivamente a perceber através deles AS CORES do mundo da alma e do espírito. Enquanto se assimilou apenas o que foi descrito para a fase preparatória, o mundo espiritual, suas linhas e suas figuras permanecem obscuros.
"Pela 'iluminação', ele se clareia. Aqui também, notemos bem que as palavras 'claro' e 'obscuro'", assim como as outras expressões que empregamos, exprimem nosso pensamento apenas de forma muito aproximada. A partir do momento em que se usa a linguagem comum, não poderia ser de outra forma. Essa linguagem é feita apenas para as condições físicas.
"A ciência secreta qualifica de 'azul' ou 'azul-vermelho' o que os órgãos da clarividência veem irradiar da pedra. O que é sentido como emanação de um animal é visto em 'vermelho' ou 'vermelho-amarelo'. Na realidade, as cores assim percebidas são de natureza espiritual. Aquela que sai da planta é 'verde', tendendo progressivamente para um 'rosa-claro' claro e etéreo. Pois a planta, de todos os seres vivos, é aquela que, nos mundos superiores, se assemelha sob certos aspectos à sua aparência no mundo físico. O mesmo não acontece com a pedra e com o animal". (p. 71-72)
Os próprios espíritos puros, quando observados com o olho espiritual, também têm sua cor própria: "Os seres dos mundos superiores, que nunca revestem um corpo físico, também têm cores muitas vezes admiráveis, mas também muitas vezes hediondas. De fato, nos mundos superiores, a riqueza das cores é infinitamente mais variada do que no mundo físico". (p. 72)
Por qual tipo de radiações o olho espiritual se deixou verdadeiramente impressionar? É uma questão muito difícil à qual não podemos responder aqui. Tentaremos resolver esse problema quando tratarmos da distinção a ser estabelecida entre a mística verdadeira e a falsa. O que é certo por enquanto é que todas essas ENTIDADES FLUORESCENTES não são unicamente subjetivas.
Steiner insiste no fato de que, entre os iluminados, há unanimidade quanto aos efeitos sentidos: as colorações ou as irisações são as mesmas quaisquer que sejam os observadores. Eles podem falar sobre isso entre si sem que surja nenhum mal-entendido. Um mesmo objeto provoca em todos uma mesma cor.
É certo, portanto, que o espírito do iluminado se deixou penetrar por uma forma sutil da matéria, forma sutil à qual o homem normalmente não é sensível. Sua "faculdade de contemplação", latente no início, está agora invadida, não mais por Deus, para quem ela é feita, no entanto, mas pela franja vibratória última da matéria. Uma "comunhão natural" se realizou. Para ser mais geral e mais teórico, fala-se de preferência de uma COMUNHÃO CÓSMICA.
Steiner descreve da seguinte forma a iluminação que encerra esta fase de treinamento do discípulo: "Faz anos que ele espera sem perceber os frutos de seu trabalho; um dia, sentado pacificamente em seu quarto silencioso, de repente uma luz espiritual o envolve; as paredes desaparecem, tornam-se transparentes ao olhar da alma e um novo universo se desenrola diante do olho agora clarividente e ressoa em seu ouvido agora aberto ao espírito". (p. 129)
OS MISTÉRIOS MENORES
Agora que está iluminado, o discípulo empreenderá a terceira fase de sua ascensão na "Sociedade Antroposófica Universal". Ele se dirigirá para a INICIAÇÃO. Mas seus monitores não podem lhe explicar de imediato o caminho que lhe farão seguir; a revelação virá com o avanço: "As comunicações que se seguirão são os elementos de uma disciplina espiritual cujo nome e natureza aparecerão claramente a todos aqueles que souberem aplicá-los como se deve". (p. 55)
Ele sabe apenas que está sendo conduzido à iniciação.
O que é, então, a iniciação? "A iniciação é o grau supremo de uma disciplina oculta sobre o qual se possa, em um livro, dar indicações ainda acessíveis a todos". (p. 97)
Já nos haviam dito, algumas páginas antes: "Não se encontrará aqui, naturalmente, senão o que pode ser exposto ao público. São indicações extraídas de um ensinamento íntimo bem mais profundo". (p.55)
Existe, nas esferas dirigentes da sociedade de Antroposofia, "um ensinamento íntimo muito mais profundo" do qual os livros publicados são apenas EXTRATOS.
Por enquanto, o discípulo deve pensar apenas em uma iniciação menor. Em plena posse de seus órgãos de clarividência, familiarizado com uma visão colorida, iridescente e "iluminativa" do mundo circundante, ele refletirá sobre a natureza interna das coisas, sobre sua causalidade e seu devir, assim como sobre o lugar de seu eu pessoal. E chegará assim à iniciação aos PEQUENOS MISTÉRIOS. Ele não deve querer queimar etapas e visar mais longe por enquanto: "O que se poderia dizer sobre os graus que estão além da iniciação não seria mais compreensível. Mas saber-se-á encontrar o caminho, se através da preparação, da iluminação e da iniciação, penetrou-se até os Mistérios menores". (p. 97)
A iniciação de que trata a obra de Rudolf Steiner conduz apenas à revelação dos mistérios menores. Isso significa, portanto, que existem também "mistérios maiores" dos quais não se fala porque não seriam "minimamente compreensíveis" para nós.
Mas o que compreendemos, em todo caso, é que no livro "A iniciação ou como adquirir conhecimentos sobre os mundos superiores", Rudolf Steiner não fala de CERIMÔNIA RITUAL.
Na Sociedade Antroposófica, a iniciação aos mistérios menores não é ritualizada. Mas é, mesmo assim, muito supervisionada, como veremos. Não se pode, portanto, considerá-la uma "auto-iniciação". O caminho a seguir é marcado por uma série de provas bem graduadas que só podem ser superadas sob o controle de monitores confirmados.
A PROVA DO FOGO
Trata-se aqui muito mais de uma experiência do que de uma prova propriamente dita. Notemos que não é uma experiência no sentido científico da palavra, mas uma "experiência mística". Steiner tem perfeita consciência disso e o especifica nestes termos: "A primeira consiste em adquirir, sobre as propriedades materiais dos corpos inanimados, depois das plantas, dos animais e enfim do homem, visões MAIS exatas do que as visões habituais. Não entendemos por isso o que hoje se chama conhecimento científico. Não se trata de ciência, mas de VISÕES." (p. 99)
Vejamos, então, o que essas visões ensinam ao candidato: "O candidato à iniciação aprende a reconhecer de que maneira as coisas da natureza e os seres vivos se manifestam ao olho e ao ouvido espirituais, de sorte que, em certa medida, esses fenômenos aparecem ao observador como desvelados e nus". (p. 99)
Já notamos que, durante a etapa preparatória, o estudante se exercitava em perceber SIMULTANEAMENTE a visão física e a visão oculta e colorida. Ele cultivou por muito tempo essa dupla visão. Desta vez, durante a prova que lhe é proposta, ele deve se esforçar para suprimir a visão física para deixar aparecer apenas a visão oculta. Ele deve chegar a ver apenas as imagens que lhe são fornecidas pelo olho espiritual (ou pelo ouvido espiritual para os sons).
"O que ele vê e o que ouve se subtrai ao olho e ao ouvido físicos. Para a visão sensorial, eles estão cobertos por um véu. Esse véu cai, diante do candidato, seguindo um processo que se pode chamar de fenômeno espiritual de CONSUMAÇÃO. É por isso que se nomeia esta primeira provação A PROVA DO FOGO." (p. 99)
A casca física e sensorial dos seres desapareceu. Foi queimada. Resta a visão daquilo que o discípulo toma pela essência profunda das coisas e que não é, na realidade, senão sua franja vibratória última. Seu órgão de clarividência está povoado por essas entidades iridescentes cujas cores características ele já conhece bem.
É então que se produz um novo fenômeno psicológico muito curioso, sob o efeito, aliás, da vontade do estudante: essas entidades se tornarão para ele como as letras e as palavras de uma nova língua, que não se deixará de declarar "espiritual", é claro, "na alma onde cresce o conhecimento clarividente, objetivo, uma faculdade se desenvolve, uma força a impele a decifrar os fenômenos e os seres espirituais como os caracteres de uma escrita (p. 101).
Essa faculdade e essa força são ainda melhor descritas na passagem seguinte: "Os signos da escrita oculta não são arbitrariamente compostos, mas conformes às forças que agem no universo. Aprende-se por eles a linguagem das coisas. O candidato constata logo que os signos que descobre correspondem às figuras, às cores, aos sons... que aprendeu durante a preparação e a iluminação. Ele se dá conta de que ainda só fez soletrar o alfabeto. Somente agora ele vai começar a ler nos mundos superiores". (p. 102)
Assim, pela consumação de seu "véu sensorial", as coisas e os seres do mundo aparecem como as sílabas e as palavras de uma nova linguagem.
A PROVA DA ÁGUA
Os monitores que supervisionam o treinamento iniciático do discípulo vão lhe impor uma certa tarefa a cumprir. Os documentos escritos não dão nenhuma precisão sobre a natureza dessa tarefa; é, portanto, provável que ela seja deixada à apreciação dos monitores. Colocar-se-á o candidato à iniciação na necessidade de tomar uma decisão levando em conta unicamente os dados que seu olho espiritual lhe fornece. Assim se verá se ele está realmente familiarizado com seu universo espiritual.
"Para aquele que chegou a este grau de treinamento, existem deveres que não são mais determinados por nenhum móvel exterior, não são as circunstâncias externas que o guiam neste domínio, mas sim regras de conduta que lhe foram reveladas pela LINGUAGEM OCULTA. Pela segunda prova, ele deve provar agora que essas regras o dirigem com tanta segurança e firmeza quanto um funcionário submetido ao seu regulamento". (p. 104)
Os monitores definirão, portanto, para ele uma certa ação a cumprir sem que lhe seja permitido, na realização dessa ação, levar em conta os dados exteriores. Ele deverá confiar exclusivamente em seus "órgãos de clarividência": "Para este fim, o candidato deve se sentir colocado, em um momento de seu treinamento, diante de uma certa tarefa. Ele deve realizar uma ação inspirando-se no que percebeu durante os períodos de preparação e iluminação. E essa própria ação, ele deve decifrá-la NA LINGUAGEM DOS SINAIS. Se ele souber reconhecer seu dever e agir em consequência, terá superado vitoriosamente a prova". (p. 105)
Por que essa prova se chama "prova da água"?
"Porque, escreve Steiner, o candidato perde o solo firme que as condições exteriores proporcionam, assim como falta todo apoio àquele que nada em águas profundas. A prova deve ser RENOVADA até que o candidato tenha conquistado uma perfeita segurança". (p. 105).
Trata-se de provar o domínio de si mesmo em meio aos "mundos superiores".
A PROVA DO AR
O objetivo da terceira prova é provocar no candidato uma tomada de consciência nítida de seu EU SUPERIOR. Infelizmente, o capítulo que Rudolf Steiner dedica a este assunto em seu livro "A Iniciação" é redigido em termos particularmente velados. Seu curto desenvolvimento permanece em uma névoa que mal permite adivinhar como a prova se desenrola. As diretrizes precisas são certamente dadas de viva voz ao candidato por seus monitores.
Na prova anterior, a da água, ele estava reduzido aos únicos dados de seu olho espiritual para desvendar uma situação difícil. Desta vez, na prova do ar, um degrau a mais é transposto no despojamento. Não lhe é permitido sequer recorrer ao órgão da clarividência que lhe permitia orientar-se no "mundo superior". Ele terá que tomar uma decisão rápida e não lhe resta senão seu julgamento interior. Será colocado em uma situação onde uma referência ao mundo superior lhe seria até impossível, e aliás, de nada lhe serviria. "Se o candidato progrediu o suficiente, a terceira provação o espera. Tudo é entregue em suas mãos. Ele se encontra em uma situação onde nada o impele a agir. Ele está completamente só para encontrar seu caminho. Nada nem ninguém poderia lhe dar a força de que precisa, senão ele mesmo. A coisa essencial consiste em ver claro imediatamente, pois aqui ele deve encontrar seu EU SUPERIOR, no verdadeiro sentido da palavra. Ele deve rapidamente se decidir a seguir a indicação do ESPÍRITO em todas as coisas. O que impede de dar ouvidos aos avisos do ESPÍRITO deve ser superado com firmeza". (p. 109-110)
Esta terceira prova é chamada PROVA DO AR em todas as escolas de ocultismo e não apenas na antroposofia.
Por que este nome?
"Porque o candidato se encontra privado tanto do apoio sólido dos impulsos vindos de fora quanto da ajuda das percepções 'espirituais' de formas, cores... etc... adquiridas durante a preparação e a iluminação. Ele está reduzido exclusivamente a si mesmo". (p. 11?) [Nota: A página original parece ter um erro de digitação, 'p. 11', provavelmente deveria ser 110 ou 111.]
Ele nem sequer é mais carregado pelas águas; está como que "no ar".
Não saberemos mais. Permaneceremos no vago quanto às modalidades desta terceira prova. Contentam-se em nos dizer que ela é a última. O discípulo atingiu agora a consciência de seu "eu superior", ou seja, ele assimilou perfeitamente o novo espírito que lhe foi transmitido, a nova visão do mundo que lhe foi inculcada.
Pode-se declarar que ele se tornou um homem novo. Doravante, o discípulo vitorioso é considerado INICIADO AOS PEQUENOS MISTÉRIOS, e isso, é importante lembrar, sem que a iniciação tenha sido marcada por qualquer cerimônia ritual.
DUAS BEBIDAS
Ao longo das três fases da preparação, da iluminação e da iniciação, o discípulo colocou em jogo uma incontestável RELIGIOSIDADE natural. Essa religiosidade, ele precisará dela ao longo de toda a sua vida de militante antroposofista. É preciso, portanto, que ele a conserve e a discipline. É preciso que cultive simultaneamente o esquecimento do antigo mundo grosseiro e material, e a lembrança do mundo espiritual no qual acaba de entrar.
Para este fim, farão com que ele beba duas bebidas místicas: a "bebida do esquecimento" e a "bebida da lembrança".
O que é a BEBIDA DO ESQUECIMENTO? É a bebida que o novo iniciado supostamente terá absorvido quando tiver relegado o universo sensorial a segundo plano e seu espírito tiver se povoado dessas "entidades de consumação" que a prova do fogo fez aparecer nele. Quando essa "maturidade iniciática" for realizada, então ele terá recebido "o que se chama simbolicamente de bebida do esquecimento, ou seja, ele possuirá o segredo de agir sem se deixar a todo instante perturbar pela MEMÓRIA INFERIOR". (p. 113)
A "memória inferior" é a visão do universo tal como resulta dos "dados não corrigidos" dos sentidos. E a "memória superior" é aquela que é fruto da contemplação permanente da "face oculta das coisas".
O novo iniciado deverá ainda engolir "misticamente" uma segunda bebida: "A segunda bebida que se oferece ao iniciado é a BEBIDA DA LEMBRANÇA. Graças a ela, torna-se possível para ele ter sempre presentes no espírito as verdades superiores. A memória comum não seria suficiente. É preciso incorporá-las e não formar mais com elas senão um único e mesmo ser. Não basta conhecê-las, elas devem se integrar totalmente à ação viva como o alimento ou a bebida da vida física. Elas devem se expressar pelo que é o próprio homem, espalhar-se nele e tornar-se como as funções vitais de seu organismo. Assim, ele realiza sempre mais espiritualmente o objetivo para o qual a natureza o construiu fisicamente". (p. 114)
Todo esse treinamento contemplativo terá, portanto, como resultado, como era fácil de prever desde o início, incorporar intimamente o iniciado À NATUREZA e introduzi-lo numa verdadeira COMUNHÃO CÓSMICA. Esse ponto de chegada ainda é apenas sugerido pelo texto de Rudolf Steiner; será marcado posteriormente com muito mais precisão.
Se ele se impregna cada vez mais desse novo espírito, dessa nova "comunhão", dessa nova mística, o iniciado mostra suas capacidades para subir ainda mais um degrau. Ele pode esperar ultrapassar os "pequenos mistérios". "Ele possui o direito de penetrar no TEMPLO DOS CONHECIMENTOS SUPERIORES. Apenas roçaremos o que haveria ainda a dizer aqui". (p. 111)
É evidente que a ascensão iniciática do militante antroposofista continua em direção aos "mistérios superiores" ou GRANDES MISTÉRIOS. Mas os documentos publicados só fazem menção a essa ascensão em termos velados. O caminho para a iniciação aos "grandes mistérios" não é descrito em detalhes como foi o caminho para os pequenos mistérios.
SALVAGUARDA
Uma tal ginástica de espírito é eminentemente traumatizante. O exercício permanente dessa singular mística leva a fazer o mundo ambiente sofrer uma perpétua INVERSÃO. O que o homem comum considera o lado certo, o iniciado considera O AVESSO. Para ele, ater-se ao testemunho dos sentidos é ver apenas o avesso da cena. Não se vê o mundo em sua verdadeira essência, pensa ele, a não ser que se observe sua radiografia profunda na tela do "olho espiritual" ou órgão da clarividência. O antroposofista encontra-se, portanto, colocado entre duas visões do mundo: a visão sensorial, que ele acredita ser ilusória, e a visão dita "espiritual", que ele acredita ser essencial e superior. Há verdadeiramente motivos para ter vertigem e até mesmo para enlouquecer; aliás, é o que acontece com bastante frequência. Steiner é o primeiro a ter plena consciência disso. E, no entanto, é um perigo ao qual ele submete deliberadamente seu discípulo.
Por que correr tal risco?
Colocamos a questão, mas não a responderemos, pelo menos por enquanto. Rudolf Steiner pensa, é certo, que vale a pena correr esse risco, dada a excelência do mundo "espiritual e superior" com o qual o iniciado é posto em contato. Não queremos aqui iniciar a discussão sobre a verdadeira natureza desse mundo pretensamente "espiritual e superior".
Lembremos aqui que ele é, na realidade, constituído apenas pela franja vibratória última da matéria. E acrescentemos a isso o agravante de que verdadeiros espíritos, mas espíritos decaídos, vêm na maioria das vezes se misturar a essa franja ondulatória material, da maneira como os morcegos se agarram aos nossos cabelos.
Os maus espíritos vêm parasitar essas vibrações sutis, o que explica, de fato, a impressão de espiritualidade que elas produzem. Mas só poderemos aprofundar o problema durante um exame discriminativo aprofundado da mística verdadeira em comparação com a falsa. É o que faremos um dia.
Resta que Steiner está consciente do perigo de vertigem e de loucura, e que ele corre o risco mesmo assim. Mas para diminuir ao máximo esse risco, ele vai erguer uma SALVAGUARDA em torno de seu discípulo em exercício. Ele estabelece toda uma série de precauções psicológicas nas quais se mostrou um PEDAGOGO GENIAL.
O estabelecimento de sua salvaguarda baseia-se na distinção entre a imaginação e o olho espiritual. A imaginação produz fantasmas irreais e diferentes de um sujeito para outro, enquanto o órgão da clarividência percebe entidades que são as mesmas para todos os observadores. Mantendo firme a objetividade dos dados do olho espiritual, ele repelirá os da imaginação. É ela, diz ele, a grande culpada, a grande responsável pelos acidentes. É ela que faz todo o sistema descarrilar. A precaução primeira é, portanto, calar a imaginação: "Não se deve cessar um instante de reforçar o BOM SENSO que distingue a verdade da ilusão. Durante todos esses exercícios, não se deve perder um único minuto o domínio consciente de si mesmo. Deve-se pensar com tanta segurança como se se tratasse das coisas e dos acontecimentos da vida cotidiana. Seria lamentável cair em um estado próximo da alucinação. As ideias devem permanecer claras, para não dizer frias, e isso sem falhas. Se esses exercícios fizessem perder o EQUILÍBRIO INTERIOR, e se impedissem de julgar de forma sã as coisas da vida comum como se fazia antes, uma falta muito grave teria sido cometida". (p. 82)
A salvaguarda de Steiner é, portanto, uma desconfiança sistemática da imaginação aliada, é claro, em contrapartida, a uma confiança absoluta na objetividade do olho espiritual. Mas ele não se contenta com isso; acrescenta outra precaução: a LENTIDÃO e a PROGRESSIVIDADE do treinamento. Ele retorna a essa precaução ainda mais frequentemente do que à primeira. É preciso, insiste ele, proceder por pequenas etapas e refazer incansavelmente os mesmos exercícios para que "tudo corra sobre rodas", como se diz hoje em dia. Ora, é no estabelecimento desses exercícios progressivos que Steiner deu provas de um verdadeiro gênio didático. Ele copiou certos procedimentos das outras escolas de ocultismo, é claro, mas o que acrescentou de sua própria lavra faz dele um "mestre".
Um MESTRE DA FALSA MÍSTICA.
III. A "CRISTOLOGIA" DE RUDOLF STEINER
UMA OBRA DE VISIONÁRIO
Quando deixou a Sociedade Teosófica de Madame Blavatsky e Annie Besant para fundar o movimento antroposófico, Rudolf Steiner não abandonou completamente as noções orientais das quais estava impregnado. Foi assim, por exemplo, que ele conservou, em seu novo sistema, a lei do KARMA (lei do encadeamento das consequências), a da MAIA (lei da ilusão universal) e a da REENCARNAÇÃO das almas. Ele se contentou em adicionar alguns elementos "crísticos" que empreendeu harmonizar com suas bases orientais. E começou a falar de Jesus de Nazaré com uma vibrante admiração. Seu lirismo é particularmente intenso quando chega a se expressar sobre o Gólgota:
"Assim, quando a cruz se ergueu sobre o Gólgota e o sangue jorrou das chagas do Cristo, um evento cósmico aconteceu, um novo centro foi criado no universo. E nós, outros homens, assistimos a esse evento, seja em nosso corpo físico ou fora dele, entre duas existências terrestres. Mas agora trata-se de compreendermos que, ao contemplar o Cristo em agonia, é ao nascimento de um novo SOL que assistimos". ("O Evangelho de São João", Éditions Triades p. 195)
A doutrina antroposófica de Steiner contém, portanto, um componente cristológico. E é esta CRISTOLOGIA STEINERIANA que gostaríamos de examinar aqui. O ardente proselitismo que demonstrou dirigiu-se aos cristãos, não para confirmá-los em sua fé, mas, ao contrário, para desviá-los da Igreja e fazê-los adotar sua mistura de cristianismo, hinduísmo e também ocultismo. A Igreja, repete ele, traiu sua missão; ela deformou a mensagem de seu fundador; está em plena decomposição; seu tempo acabou e agora é preciso substituí-la. Pois Steiner também participa da disputa. E é justamente a vocação da Sociedade Antroposófica renovar o cristianismo moribundo.
Basta ler alguns capítulos das obras cristológicas de Rudolf Steiner para perceber que não se trata de um trabalho de crítica histórica ou de discussão doutrinária. As noções novas que ele traz, não as deve à sua erudição, mas à sua mística. Ele fez uma obra de visionário. É em sua CLARIVIDÊNCIA que ele vai buscar. Pois, como vimos em nossos dois capítulos anteriores, ele pacientemente educou em si uma faculdade mental que lhe permite ver, a partir de seu "olhar interior", as forças espirituais (ou que ele crê serem espirituais) que estão em jogo na História. Ele evoca na tela de sua "clarividência" as cenas evangélicas das quais deseja obter uma compreensão profunda. E é baseando-se nessas espécies de visões que ele estabelece seu novo evangelho e sua nova doutrina.
Em suma, ele se comporta como o fazem os místicos cristãos, como São Vicente Ferrer, Santa Hildegarda, Maria de Ágreda ou Catarina Emmerich... (para citar apenas um pequeno número), com a diferença de que os visionários católicos, iluminados por uma luz divina, apenas confirmam ou completam os textos canônicos, "na analogia da fé", enquanto Steiner acumula as inovações e invenções mais extravagantes. Aliás, saberemos a origem de sua clarividência quando tivermos examinado seus frutos.
STEINER, QUINTO EVANGELISTA
As obras completas de Steiner contam com mais de cinquenta volumes, entre os quais uma forte proporção é consagrada a assuntos que tocam muito de perto o cristianismo. Faremos, para seguir a regra, um breve inventário dos documentos que expõem essa cristologia de um gênero particular.
Três obras são comentários sobre cada um dos três evangelistas sinóticos: São Mateus, São Marcos e São Lucas. São três séries de uma dezena de conferências cada, que foram posteriormente reunidas em livros; cada conferência constituindo um capítulo. Quanto ao quarto evangelho, o de São João, ele inspirou Steiner em duas obras. Uma em 1908, "O Evangelho de São João", que é um comentário análogo aos três precedentes. A outra em 1909, que se intitula: "O Evangelho de São João em suas relações com os outros três Evangelhos" e que contém interpretações particularmente estranhas.
E depois, no início de 1914, Steiner profere em Cristiana, em Oslo e em Berlim, uma série de conferências sobre um pretenso QUINTO EVANGELHO, que nada mais é do que o resultado das "pesquisas clarividentes" do próprio Steiner. Ei-lo, portanto, promovido, por si mesmo, à dignidade de "quinto evangelista". Esta obra expõe uma cristologia radicalmente ocultista.
Mas a cristologia steineriana transborda largamente o quadro da interpretação evangélica. Eis alguns títulos de livros, quase todos constituídos por séries de dez ou doze conferências:
- "As Hierarquias Espirituais e seu reflexo no Mundo Físico, Zodíaco, Planetas, Cosmos";
- "A Filosofia de São Tomás de Aquino";
- "O Plano de fundo espiritual do Mundo exterior, a Queda dos Espíritos das Trevas";
- "A Missão de Micael e a Revelação dos Verdadeiros Segredos da Natureza Humana";
- "O Oriente à Luz do Ocidente, os Filhos de Lúcifer e os Irmãos do Cristo";
- "O Impulso do Cristo e a Consciência do Eu";
- "O Cristo e o Mundo Espiritual, a Conquista do Graal";
- "O Esoterismo Cristão, Esboço de uma Cosmogonia Psicológica";
- "A Criação segundo a Bíblia, os Mistérios do Gênese";
- "O Apocalipse".
É no conjunto dessas obras que se encontra expressa a cristologia de Rudolf Steiner. Mas não esqueçamos que essa cristologia representa apenas uma parte de sua doutrina. A trama de fundo continua sendo a teosofia, o hinduísmo e o ocultismo, como bastariam para provar os títulos de suas outras obras:
- "O Homem à Luz do Ocultismo, da Teosofia e da Filosofia";
- "Manifestação do Karma";
- "Pensamento Humano, Pensamento Cósmico" ... etc.
Certamente, Steiner tem a pretensão de nos expor um CRISTIANISMO ENRIQUECIDO pela clarividência. Mas ele não é verdadeiramente cristão. Ele apenas formula uma visão ocultista do cristianismo.
LIVRAR-SE DA IGREJA
Para edificar sua cristologia, Rudolf Steiner começa por fazer tábula rasa de tudo o que ensina o magistério eclesiástico:
"Quero ressaltar que, quando falo aqui do MISTÉRIO DO GÓLGOTA, não coloco nada, nesta expressão, que se relacione à religião; tenho em vista apenas os fatos objetivos que se oferecem à observação material e espiritual. Faço inteira abstração das doutrinas professadas nas diferentes Igrejas sobre o mistério do Gólgota para considerar apenas o que aconteceu no curso da evolução histórica".
Ele manifesta completo desprezo pela teologia eclesiástica:
"Parece que a teologia se deu a tarefa de erguer o maior número possível de obstáculos diante de todo esforço de compreensão neste domínio. Quanto mais avança, mais parece se afastar do objetivo". ("O Cristo e o Mundo Espiritual" Éditions Triades p. 25 e 39).
Não devemos, portanto, esperar de Steiner nem uma exegese da Escritura em boa forma, nem uma investigação patrística, nem uma pesquisa dos escritores escolásticos, nem uma menção às decisões do Magistério, mesmo reservando-se o direito de criticá-las posteriormente. Ele ignora totalmente toda a ciência eclesiástica.
Steiner possui sua própria CIÊNCIA ESPIRITUAL. Ele utiliza sua própria abordagem. A cristologia que ele apresenta é inteiramente repensada por ele. Ele a funda sobre o que chama de suas "observações espirituais". Essas "visões de clarividência", como ele também as chama, ele as declara "CIENTÍFICAS". Ele não quer que sejam discutidas porque são, diz ele, absolutamente objetivas e totalmente independentes da subjetividade do observador. Sobre elas pode-se, estima ele, edificar uma nova, mas verdadeira, ciência espiritual.
UM PENSAMENTO EXTRASSENSORIAL
Qual é, para um cristão, o verdadeiro valor dessa ciência espiritual? Sabemos que uma das grandes ambições de Steiner é penetrar o mundo das forças espirituais. Para consegui-lo, ele trabalha para destacar o pensamento humano de sua base sensorial. Quanto mais o pensamento for DESENCARNADO, pensa ele, melhor será sua apreensão do mundo dos espíritos, já que os espíritos não caem sob nossos sentidos:
"Fortalecer suas faculdades psíquicas de maneira a torná-las progressivamente INDEPENDENTES do organismo físico", tal é o objetivo de Steiner, segundo seu discípulo H. E. Lauer, na obra "A Antroposofia e o Futuro do Cristianismo".
Essa desencarnação do pensamento lhe parece essencial. Na mesma obra, Lauer ressalta em várias ocasiões que Steiner dava o exemplo:
"Seu pensamento tinha naturalmente o caráter de uma intuição suprassensorial". (p. 22)
Um pouco mais abaixo, ele insiste na necessidade de destacar o pensamento de sua dependência em relação ao corpo. É preciso, diz ele:
"transformar a totalidade da atividade psíquica em um órgão capaz de experiências suprassensíveis, tornando-a AUTÔNOMA em relação ao corpo". (p. 80)
Ele estima mesmo que, se conseguirmos adquirir essa autonomia, não somente penetramos o mundo dos espíritos, mas modificamos o estado da consciência humana. E é a isso que, segundo ele, é preciso chegar. Deve-se chegar a:
"libertar o pensamento dos laços que o prendem ao corpo e, por aí, neste domínio do pensamento liberto, a procurar a ressurreição da consciência do Eu". (p. 142)
Mas então, operando assim, aproxima-se o pensamento humano do pensamento angélico. Copiam-se as operações mentais humanas sobre as dos anjos. Os anjos são privados de aparelhos sensoriais. Seu pensamento é intuitivo e não recorre a imagens sensíveis. Seu modo de percepção e de raciocínio é EXTRASSENSORIAL. E é para obter essa semelhança com o modo de pensamento angélico que Steiner se treinou para adquirir uma representação extrassensorial do mundo material. É, pelo menos, o que ele buscou.
Quando ele observa as famosas silhuetas iridescentes, das quais falamos no capítulo precedente, substituírem o aspecto corrente e sensorial das coisas, ele acredita ter dado um grande passo em direção ao modo de percepção e, portanto, de pensamento dos espíritos. Ele acredita ter entrado no mundo dos espíritos e fala da clarividência como sendo uma "investigação espiritual".
Mas, na realidade, ele está aí em plena ilusão.
Qual é, de fato, a natureza da aura vaporosa e colorida que envolve os objetos contemplados pelo clarividente?
Steiner declara que essa aura é de natureza ESPIRITUAL e, em consequência, ele vai se exercitar pacientemente a não ver mais que a aura e a mascarar o objeto ele mesmo. À força de se exercitar, ele conseguirá. E se acreditará habilitado a dizer:
"Adquiri a visão ESPIRITUAL das coisas. Entrei no mundo dos espíritos."
Nada é mais falso; já o dissemos, mas é preciso repeti-lo aqui. Na realidade, a observação clarividente é sensível não a um elemento espiritual que estaria latente na matéria, mas à FRANJA VIBRATÓRIA da qual todo objeto material, e a fortiori todo ser biológico, se encontra rodeado. Trata-se de uma irradiação simplesmente FÍSICA. Não se trata de uma auréola espiritual, mas de uma margem ondulatória, portanto perfeitamente material, embora SUTIL. Steiner prospectou aí uma zona à qual nossos sentidos não nos dão acesso normalmente e naturalmente. Mas é uma zona que não é, por isso, uma zona espiritual.
Steiner acreditou angelizar seu pensamento e torná-lo independente dos sentidos. Acreditou lhe prover a intuição espiritual. Mas, na verdade, ele se contentou em torná-lo sensível a uma franja vibratória sutil que não é acessível aos órgãos dos sentidos em seu estado ordinário, mas que se torna acessível quando esses mesmos órgãos sofreram um treinamento apropriado.
Houve, portanto, nele, CONFUSÃO entre, por um lado, o "espiritual" no qual ele acreditou entrar e, por outro lado, o "físico sutil" no qual ele finalmente permaneceu.
O INSPIRADOR TENEBROSO
É nesta zona do "físico sutil" que o antropósofo clarividente vai doravante se mover para aí buscar informações sempre mais aprofundadas sobre o mundo espiritual. Mas o que ele vai, de fato, encontrar aí, senão os demônios dos quais se pode dizer verdadeiramente que o esperam? Pois os espíritos decaídos assombram esse físico sutil no qual vêm se agarrar como morcegos em uma cabeleira.
Mediante um novo esforço de meditação, nosso clarividente vai se aprofundar nesta zona sutil para aí evocar as cenas marcantes da História religiosa da humanidade, sem hesitar em remontar aos tempos mais recuados.
Os episódios essenciais do Evangelho, os grandes marcos do paganismo, os enigmas nebulosos da civilização atlante e até as emanações sucessivas dos éons celestes serão, um após o outro, objeto da observação prolongada do clarividente.
O que ele vai perscrutar preferencialmente em todas essas evocações?
Deixando como secundárias as particularidades materiais e positivamente históricas das cenas assim imaginadas, o antropósofo buscará principalmente o que é espiritual. Ele vai concentrar sua atenção nas forces espirituais que entram em jogo e em competição no curso da história. Ele não vai elaborar retrospectivamente uma "história factual", mas uma "história espiritual", ou pelo menos o que lhe apareceu como tal. História onde as entidades do mundo dos espíritos, assim como as grandes PULSÕES COLETIVAS da humanidade terrestre, substituirão os episódios históricos precisos. Vamos ver o inspirador tenebroso em ação neste claro-escuro.
A IMPULSÃO CRÍSTICA UNIVERSAL
Steiner não direciona seu "olhar interior" para o cristianismo institucional que nos descreve a História clássica da Igreja, pois ele não passa, a seu ver, de um invólucro anedótico e material sem importância. O que ele vai observar graças à clarividência é um cristianismo muito mais real e mais profundo. É um pretenso CRISTIANISMO INCONSCIENTE e popular que caminha, de século em século, à margem, ou melhor, abaixo, do cristianismo oficial da hierarquia.
O que vai lhe interessar é O INCONSCIENTE COLETIVO do Cristianismo. É um conjunto de pulsões obscuras das quais ele, aliás, vai sentir manifestações bem anteriores à era cristã, em certos grandes iniciados como, por exemplo, Zoroastro, ou ainda entre as Sibilas da religião greco-romana. É sobre tais pulsões cristianóides que Steiner vai direcionar sua observação espiritual. Somente elas serão objeto de seu exame.
Quanto às modalidades desse exame, nós já as conhecemos, pois as expusemos no capítulo "A Iniciação aos Pequenos Mistérios na Antroposofia de Rudolf Steiner".
Ele vai aplicar, ao objeto de observação que acabamos de definir, a faculdade de clarividência adquirida graças a um treinamento longo e sábio. Pela aplicação desta nova faculdade mental, ele poderá, diz ele, fazer remontar à CONSCIÊNCIA CLARA todas as pulsões obscuras das quais o cristianismo popular foi sede ao longo dos séculos e que ainda nunca foram examinadas. Pois é nelas que reside, segundo ele, o cristianismo verdadeiro e essencial:
"Do ponto de vista da ciência espiritual, é um espetáculo grandioso o da entrada em jogo da IMPULSÃO CRÍSTICA. É preciso ver como, a partir do Concílio de Niceia, discutem e se disputam todos aqueles que se ocupam de fixar os dogmas. Eles só veem as coisas sob o ângulo de sua consciência superficial e, durante esse tempo, o que há de mais importante para o cristianismo se passa nas PROFUNDEZAS SUBCONSCIENTES DAS ALMAS. Pois a impulsão do Cristo não age lá onde se discute, mas nas profundezas." ("O Cristo e o Mundo Espiritual" p. 82-83).
Tais são a matéria a estudar e as modalidades segundo as quais se vai estudá-la:
"O CONHECIMENTO nos revelará ainda muitas coisas que nos surpreenderão talvez, se as olharmos apenas superficialmente, mas que são sintomas da ação do Cristo nas profundezas da alma humana". (ib.)
Impulsos religiosos inconscientes examinados à luz da clarividência, tal é o fundo da cristologia steineriana. Não é uma cristologia histórica. É a história de um certo cristianismo inconsciente.
AS RECONSTITUIÇÕES EVANGÉLICAS
Vejamos agora a clarividência em ação. Ela vai reconstituir, em uma tela interior, as cenas evangélicas das quais quer descobrir o sentido profundo. Peçamos alguns exemplos à obra de Steiner "O Evangelho de São João em suas Relações com os outros Evangelhos" (Éditions Triades).
O clarividente é
"aquele que pode realmente mergulhar tão profundamente nos eventos que ocorreram outrora na Palestina pelo mistério do Gólgota, que se confunde com eles, vê esses eventos como tangíveis diante de si, vivendo de uma vida que se comunica à própria circulação de seu sangue". (p. 13)
"Vedes por aí com que profundidade os evangelhos nos devolvem as verdades espirituais que se pode reencontrar também independentemente dos textos".
"O INVESTIGADOR ESPIRITUAL deve saber que tudo o que se encontra nos evangelhos pode ser assim reencontrado por ele". (p. 117)
"Este relato repousa inteiramente sobre uma observação clarividente, e é falso dizer que seria apenas uma alegoria ou um símbolo. É um FATO ESPIRITUAL que se desenrola na realidade no plano astral." (página 155)
"Se durante semanas e meses, talvez anos, estamos mergulhados em um sentimento de humildade universal, compreendemos o que significa o lava-pés. E todo o sentido deste evento se revela então ao discípulo como em uma VISÃO que lhe ensina que este evento realmente aconteceu. O fio do CONHECIMENTO o leva até o ponto onde toda outra prova é supérflua. Pois ele VÊ DIRETAMENTE, no mundo espiritual, a cena do Cristo no lava-pés". (p. 213)
Se agora explorarmos a obra "O Cristo e o Mundo Espiritual", encontramos as mesmas descrições da clarividência em exercício. Ela estende seu campo de aplicação às manifestações espirituais de um certo PROTO-CRISTIANISMO que teriam ocorrido na antiguidade pagã, tanto no Oriente quanto no Ocidente:
"Consideremos primeiramente os GRANDES INSTRUTORES da Índia antiga. Se, com a ajuda da clarividência, o investigador espiritual se transporta para a alma de um desses grandes instrutores..." (p. 37)
"Se, prosseguindo nossa pesquisa, nos transportarmos para as almas que viveram no tempo da civilização de Zoroastro, veríamos..." (p. 38)
O olhar interior de Rudolf Steiner é, portanto, especialmente dirigido ao estado das almas, mais especificamente às FORÇAS ESPIRITUAIS que são postas em jogo nas cenas históricas que ele se esforça por reviver. Se ele chega a falar das Sibilas, essas profetisas do antigo paganismo, ele se expressa assim:
"Quando, pelos meios da ciência espiritual, se reconstitui o que aconteceu, vê-se cada uma dessas mulheres como possuída por seu fanatismo, surgir diante da multidão que ela força a escutar... "Enfim, o próprio cristianismo foi tocado por essa influência... "Assim, mesmo na época em que o cristianismo se espalhava, alguns, com o olhar ainda voltado para as Sibilas, levam em conta o que elas profetizam: a destruição da ordem estabelecida e a vinda de uma nova ordem no mundo. Seria preciso estar cego pelas concepções do racionalismo moderno para não ver que influência penetrante as Sibilas exerceram no mundo onde nascia o cristianismo". (p. 40-41)
Os Éons das mitologias gnósticas, eles mesmos, tornam-se visíveis ao olhar interior:
" ... os trinta Éons que a clarividência permite ver escalonarem-se de grau em grau em direção a uma perfeição cada vez maior". (p. 29)
"As almas dotadas hoje de clarividência poderiam experimentar uma impressão muito grande se, remontando pelo pensamento puro à época em que esta se aprofundou, e fazendo abstração de qualquer outra coisa, elas refletissem sobre a maneira como nasceram, no mundo greco-romano, as IDEIAS das quais nos nutrimos ainda hoje". (p. 27)
O ARCABOUÇO CONCEITUAL
As fontes inspiradoras de Steiner se reduzem a esse mecanismo místico (ou mais exatamente pseudo-místico) e não acontece de ele recorrer a fontes mais livrescas?
Já observamos que ele não abandona nem a cultura FILOSÓFICA que adquiriu por seu contato com os pensadores alemães de sua época, nem a bagagem ORIENTAL que levou consigo quando deixou a Sociedade Teosófica (a Lei do Karma, a reencarnação, a lei da Maia...)
Mas o arcabouço conceitual sobre o qual a mística steineriana vai então operar não é constituído unicamente por essas duas aquisições, a filosófica e a oriental. É preciso acrescentar outra, que ele cultiva há muito tempo, é o legado GNÓSTICO. Tomemos nota de sua admiração pelos escritores da Gnose:
"Fizeram-se sobre a Gnose as opiniões mais diversas. Ela é em geral muito pouco conhecida e, no entanto, os documentos oficiais já podem dar uma ideia de sua EXTRAORDINÁRIA PROFUNDIDADE. Os gnósticos tiveram a intuição de que era preciso buscar em mundos infinitamente longínquos as causas dos eventos da Palestina". ("O Cristo e o Mundo Espiritual" p. 28).
O arcabouço conceitual sobre o qual a mística de Steiner vai bordar é, portanto, constituído por fibras diversas: a filosofia alemã dos séculos XVIII e XIX, o orientalismo de Madame Blavatsky e a gnose, reforçada aliás por uma forte participação OCULTISTA à qual ele não cessa de fazer alusão. Tal é a luz intelectual pela qual seu "olhar interior" será iluminado.
Tal é a orientação que ele vai tomar. É nesse legado que ele buscará os esquemas de seu pensamento em todas as suas operações discursivas.
E não podemos aqui senão constatar, mais uma vez, o paralelismo entre a verdadeira e a falsa mística. Esse arcabouço de noções intelectuais desempenha, na mística steineriana, um papel semelhante ao da FÉ na mística cristã. Mas é uma fé invertida, uma espécie de anti-fé. O mecanismo das duas místicas, a verdadeira e a falsa, é análogo, pelo menos no início; mais exatamente, é paralelo. O que as diferencia essencialmente, e finalmente as opõe, é a atmosfera na qual elas se desenvolvem respectivamente; é a luz que as ilumina. Essa luz, que não é a mesma para uma e para outra, as orienta em direções diametralmente opostas.
A verdadeira mística, a dos cristãos, é iluminada pela Fé e conduz aos abismos do Alto.
A falsa mística é iluminada pela luz da Gnose e conduz aos abismos de Baixo.
COSMOLOGIA GNÓSTICA
É tempo de examinar enfim a que resultados chegaram todos esses processos psicológicos de gestação, que construção doutrinária e, mais particularmente, que cristologia eles permitiram elaborar.
Steiner estima que foram os gnósticos que viram corretamente quanto às origens do universo:
"Experimenta-se hoje um verdadeiro alívio quando se pode imaginar que existia na origem uma substância muito sutil de onde saíram tanto o espiritual quanto o físico". ("O Cristo e o Mundo Espiritual" p. 28)
Tocamos aqui um dos elementos essenciais da cosmogonia steineriana, a qual se molda assim na cosmogonia gnóstica: na origem de tudo encontra-se uma SUBSTÂNCIA ÚNICA, semi-espiritual e semi-física, de onde saíram posteriormente tanto o mundo dos corpos quanto o mundo dos espíritos. Tendo uma origem comum, o espírito e a matéria não se distinguem essencialmente, ontologicamente diriam os metafísicos. Pode-se reencontrar traços de espírito na matéria e inversamente.
Qual é a origem dessa substância primitiva e única, desse constituinte universal, virtualmente material e espiritual ao mesmo tempo?
Aqui também Steiner segue a lição dos gnósticos:
"Pois a Gnose, no ponto de partida de sua cosmogonia, não coloca nada que se possa chamar de matéria. Para ela, a origem do mundo se encontra em Deus-Pai. Emanando de alguma forma dele, reina o que a alma pode alcançar quando, rejeitando toda representação material, ela desce em si mesma: o silêncio, o silêncio infinito, anterior ao tempo e ao espaço. É este casal, formado pelo PAI do universo e pelo SILÊNCIO preexistente ao espaço, que os gnósticos contemplavam". ("O Cristo e o Mundo Espiritual" p. 99)
Steiner adota, portanto, essencialmente o EMANATISMO GNÓSTICO. Contudo, ele o submete ao controle da clarividência, a qual permite corrigi-lo para modernizá-lo:
"A ciência espiritual do século XX deverá naturalmente ir mais longe que a Gnose. Procuramos apenas nos colocar em seu ponto de vista". (ib. p. 30).
O que ele entende pela expressão "a ciência espiritual do século XX"?
É o nome que ele dá anonimamente à sua própria técnica de clarividência. E se ele a declara científica é porque, segundo ele, ela constitui uma prática experimental que não tem nada de subjetivo e que é, ao contrário, perfeitamente objetiva. Ora, vimos que essa pretensão é verdadeira em parte, mas apenas em parte.
A cosmogonia steineriana se desenvolve na lógica do emanatismo gnóstico:
"Da união do Pai e do Silêncio, o gnóstico via nascer o que se poderia igualmente chamar tanto de MUNDOS quanto de SERES. Destes desciam outros ainda, isso através de trinta graus. E após o trigésimo grau, a partir do trigésimo primeiro, encontrava-se o que se oferece agora aos nossos olhos". (ib. p. 29)
Em outros termos, o universo que habitamos ocupa o 31º grau abaixo do EMANANTE, do qual ele é oriundo e com o qual não apresenta, em última análise, nenhuma solução de continuidade. Uma substância primordial, físico-espiritual, repartiu-se entre dois polos, o polo material e o polo espiritual. A parte da substância primordial que se materializou deu origem a toda sorte de corpos físicos. Da mesma forma, a parte da substância primordial que se espiritualizou deu origem a uma infinidade de seres espirituais. Em particular, as almas humanas pertencem inicialmente a uma única e mesma "substância de alma":
"Esta SUBSTÂNCIA DE ALMA que devia descer dos mundos espirituais sobre a terra para ser partilhada entre as individualidades humanas". (ib. p. 54 em nota).
Tal é a cosmogonia, inspirada na Gnose, que é ensinada na Sociedade Antroposófica. Era preciso passar por ela antes de abordar a cristologia propriamente dita.
A VISÃO DA ESTRELA
Os gnósticos davam a apelação de EONS a cada um desses mundos emanados do casal Pai-Silêncio. Steiner prefere abandonar essa apelação. Ele abandona também a repartição do mundo dos espíritos em trinta graus. Ele se contenta com três escalões:
- o "Devachan superior" que está diretamente em contato com o casal Pai-Silêncio,
- o "Devachan inferior" que constitui um mundo intermediário,
- e enfim o "mundo astral" que é imediatamente contíguo ao mundo material sensível.
E naturalmente ele vai dirigir sua clarividência sobre esses mundos que nos dominam a fim de elucidar seus mistérios. Ei-lo, portanto, dirigindo seu olhar espiritual na zona do Pai-Silêncio "em direção ao plano que está ainda acima do Devachan superior". ("O Cristo e o Mundo Espiritual", p. 27)
Ele está absorto, há um momento, nesta contemplação quando uma VISÃO se apresenta ao seu olho interior:
"Então aparece a ESTRELA que fez sentir sua força no pensamento greco-latino... Vê-se aparecer, além do Devachan, o que se pode chamar simbolicamente de uma estrela, isto é, a ENTIDADE ESPIRITUAL que está na origem do impulso de pensamento ocorrido no início de nossa era." (ib., p. 27)
Ele retorna um pouco mais abaixo sobre esta mesma "visão da estrela" que visivelmente o golpeou e marcou para sempre. Ele buscava a causa do que entrou nas almas na época greco-latina e esperava que sua faculdade de clarividência lhe revelasse essa causa:
"Eu esperava, não em vão, pois surge, no horizonte, infinitamente longínquo da vida espiritual, uma ESTRELA e desta estrela irradia uma força da qual tenho o direito de dizer que está na origem de minha experiência interior." (ib. p. 27-28).
Tal é a famosa "visão da estrela" da qual ele fala sem cessar e que foi para ele uma iluminação.
Após um interminável périplo através dos filósofos gregos e latinos, das sibilas, dos Rishis da Índia para terminar pela lenda do Graal, Steiner chega a desvelar que esta "estrela", esta "entidade espiritual" da qual ele teve a visão não é outra senão o Logos.
Somos obrigados a confessar que estamos muito menos seguros disso do que ele. Dados os procedimentos de mística provocada que Steiner emprega, dada a orientação e a iluminação gnóstica, ocultista e hinduísta no meio das quais sua clarividência se exerce, esta estrela-entidade, que faz assim sua aparição furtiva, nos parece, ao contrário, assemelhar-se muito de perto àquela "estrela caída do Céu" da qual fala Isaías para designar Lúcifer. E se, como ele diz, tal "força" está na origem de sua experiência interior, há grandes chances de que toda essa mística venha, em última instância, do demônio. É a esta mesma conclusão que já nos conduziu a análise da mística steineriana. E a continuação de nossa investigação reforçará ainda mais esta opinião.
A ENTIDADE CRÍSTICA SE APROXIMA
Segundo Steiner, o Sol, a Terra e a Lua não constituíam primitivamente senão um único e mesmo astro. Deste astro inicial, o Sol se destacou primeiro, arrastando consigo, em sua vizinhança, uma certa categoria de almas e de espíritos que se pode desde então chamar de "solares". Depois foi a vez da Lua de se destacar; ela também arrastou as almas e os espíritos lunares. A Terra restou sozinha, ocupada pelos homens; mas não eram os primeiríssimos homens, os quais tinham visto a luz em Saturno em tempos ainda mais longínquos. Os homens terrestres primitivos eram muito diferentes do que são hoje. Suas almas estavam longe de apresentar, com seus corpos, laços tão estreitos quanto os que têm em nossa época. As almas humanas, nessas idades originais, não estavam completamente encarnadas. Quanto aos corpos humanos, eles flutuavam sobre a água e se assemelhavam a corpos de moluscos. Se sabemos tudo isso, é graças à "ciência espiritual do século XX", isto é, mais precisamente à investigação clarividente "científica" de Rudolf Steiner.
Mas já a ENTIDADE CRÍSTICA havia iniciado sua marcha de aproximação em direção à Terra. Sua primeira etapa foi o Sol, assim que ele se tornou um astro independente. Em termos obscuros, quase hesitantes, Steiner coloca a "Entidade" em relação íntima com o Sol, seja porque ela se identificava com ele em um plano simplesmente simbólico, seja porque ela se misturava às almas arrastadas pelo Sol quando ele se separou do astro hélio-terrestre inicial. Seja como for, a frequentação do Sol pela entidade crística "produziu certos resultados que permaneceram ligados às atividades do Sol." ("O Cristo e o Mundo Espiritual", p. 60). Em suas cerimônias do Goetheanum de Dornach, os antropósofos cantam um hino ao CRISTO-SOL.
Por etapas, a Entidade se aproxima da Terra. Os "grandes instrutores" da Índia tiveram a intuição dessa aproximação. As Sibilas do entorno mediterrâneo também. Mas é o personagem de ZOROASTRO que será o primeiro grande beneficiário de sua visita. Zoroastro também, à sua maneira, terá sua "visão da estrela", como mais tarde Steiner:
"Quando Zoroastro elevava seu olhar clarividente em direção ao Sol, ele não via apenas o Sol físico; e ele dizia como se vê, ao redor do homem, uma aura, assim vê-se ao redor do Sol a grande 'aura solar', isto é, 'AHURA MAZDA'. É a grande Aura solar que havia produzido o homem. O homem é a imagem do Espírito solar, de Ahura Mazda". ("O Evangelho de São João em suas relações com os outros Evangelhos", p. 29)
Aquele que Zoroastro via sob a forma de Ahura Mazda não era outro senão a Entidade crística, apressada em se manifestar:
"E a iniciação de Zoroastro teve por efeito fazê-lo sentir esses resultados na atividade do Sol. É daí que nasceu sua doutrina, que é como a projeção, a revelação do que havia ocorrido em tempos infinitamente longínquos." ("O Cristo e o Mundo Espiritual", p. 60)
Continuemos a exposição da doutrina steineriana. Moisés foi o sucessor de Zoroastro na percepção da aproximação do Cristo. É na sarça ardente, depois no Sinai, que ele viu a Entidade crística.
Mas nos é precisado bem que essas manifestações da Entidade-Estrela não devem ser confundidas com as reencarnações sucessivas às quais está submetida a alma daquele que viria a ser o Menino-Jesus. Pois é preciso distinguir dois seres: por um lado, a Entidade crística que se aproxima da Terra, mas que não se encarna ainda; e, por outro lado, a personalidade do Menino-Jesus que deve tornar-se "portadora" do Cristo e cuja alma se prepara também para esse papel por reencarnações sucessivas, sobre a Terra.
O advento terrestre da Entidade crística está agora próximo.
A que fase da evolução histórica da humanidade este advento se produz? É preciso saber que a primeira grande era terrestre é a era ATLANTEANA e que ela se divide em sete períodos fabulosos e pré-históricos. Esta era atlanteana começa no momento em que a Terra adquiriu sua independência como astro separado, e ela termina por ocasião do colapso da Atlântida no mar, catástrofe que corresponde ao Dilúvio da Bíblia.
Depois vem a era PÓS-ATLANTEANA, dividida ela mesma em sete períodos. Quatro desses períodos já se passaram: o período proto-hindu, o período proto-persa, o período caldeu-egípcio e o período greco-latino. O evento do Gólgota se situa no início do quinto período pós-atlanteano, no qual ainda estamos. Ele será seguido por outros dois períodos dos quais não conhecemos os nomes. Depois disso, a grande era pós-atlanteana terminará.
OS DOIS MENINOS JESUS
Rudolf Steiner e seus discípulos falam de Jesus Cristo com uma grande deferência. Nunca lhes escapa uma palavra sarcástica ou mesmo apenas dubitativa. Não há dúvida de que eles pretendem pertencer ao cristianismo e se apresentar como cristãos. Lê-se frequentemente sob sua pena locuções como esta, por exemplo:
"Um precursor (São João Batista) antecipou a aparição da maior personalidade que jamais tenha tomado parte na evolução humana".
Mas não há por que se deixar enternecer por tais declarações. Elas são frequentes mesmo entre os piores inimigos da Religião. O Padre Barruel, em seu "Mémoire pour servir à l'Histoire du Jacobinisme", cita frases do mesmo estilo descobertas entre os Iluminados da Baviera:
"Ninguém abriu caminhos tão seguros para a liberdade quanto nosso Grande Jesus de Nazaré".
Os antropósofos também têm, ao menos ao ouvi-los, um grande respeito pela Escritura Sagrada, que citam de bom grado. Eis, por exemplo, um belo elogio feito por Rudolf Steiner ao Evangelho segundo São João:
"O Evangelho de São João, como os três Evangelhos que o completam, são documentos repletos de PROFUNDEZAS INFINITAS. Acabamos de estudar algumas delas. Se pudéssemos continuar, faríamos ressaltar outras. Nunca teríamos terminado de estudar esses escritos e de tirar deles tudo o que contêm. Não se atingirá verdadeiramente o fundo". ("O Evangelho de São João em suas Relações com os outros Evangelhos", p. 219)
Vamos ver agora como Steiner usa textos que ele saúda tão baixo. Não só ele escolhe as passagens que lhe convêm, ignorando totalmente aquelas que o contradiriam, mas ainda submete aquelas que conserva a uma "investigação espiritual" que as desfigura completamente. Vamos ver, por exemplo, "quais experiências prepararam a encarnação na alma de Jesus de Nazaré".
Chegou o momento, de fato, para a Entidade crística que se aproximou lentamente da Terra, de se encarnar enfim. Um "portador" lhe foi preparado, um homem no qual ela deve vir habitar e que deve ser "tomado" por ela:
"É preciso agora sobre a Terra, após esta preparação nas esferas espirituais, que um ser carnal seja TOMADO pela Entidade crística". ("O Cristo e o Mundo Espiritual" p. 66)
Vamos assistir às peripécias bizarras desta "tomada".
Aprendamos primeiramente que não há um Menino-Jesus único, mas que existem dois. Eis algo que a Igreja, naturalmente, sempre nos deixou ignorar. Steiner declara que há dois Meninos-Jesus que correspondem a cada uma das duas genealogias canônicas: a primeira sendo aquela pela qual começa o Evangelho de São Mateus e a segunda aquela que ocupa o capítulo III de São Lucas. Elas conduzem cada uma a um Menino-Jesus diferente. Eis, segundo Steiner, as características dessas duas genealogias e, portanto, de seus dois Meninos-Jesus respectivos.
A genealogia de São Mateus segue, posteriormente a Davi, a linhagem real de Salomão. É ela que transmite o corpo físico no qual se encarnará a alma, mais exatamente "o Eu", do maior dos iniciados solares, a saber, Zoroastro. É este Menino-Jesus que foge para o Egito e que, em seu retorno, se instala em Nazaré. Ele pertence, portanto, à linhagem iniciática real. Nos desenvolvimentos de Steiner, este Menino-Jesus é chamado de "JESUS DE SALOMÃO".
A genealogia de São Lucas, por sua vez, faz aparecer um personagem totalmente diferente. A partir de Davi, ela bifurca para seguir, não mais a linhagem real de Salomão, mas a linhagem sacerdotal de Natã. A criança que nasce desta segunda linhagem é penetrada, graças ao atavismo oriundo de Natã, por uma certa substância etérica. E esta substância etérica nada mais é do que a parte etérica de Adão que reaparece assim nesta criança e que fará dela o digno receptáculo de uma misteriosa incorporação. A Criança da linhagem sacerdotal descrita por São Lucas não contém o Eu de Zoroastro, mas traz a herança espiritual de Buda. Esta criança pertence à linhagem iniciática sacerdotal. Steiner lhe dá o nome de MENINO-JESUS DE NATÃ.
Entre esses dois Meninos-Jesus, tão diferentes um do outro, mas que têm a mesma idade, vai agora ocorrer uma espécie de fusão que Steiner descreve em termos particularmente vaporosos:
"O Jesus de Salomão evoluiu, até seu décimo segundo ano, como podia fazê-lo naquela época um 'Eu' de tal grandeza. Sabemos também que este Eu passou para o corpo do outro Menino-Jesus, aquele cuja personalidade se reflete no Evangelho de São Lucas e que chamamos de Menino-Jesus de Natã. É este Jesus de Natã que devemos considerar agora. Não se trata, em seu caso, de um ser humano no sentido usual da palavra, mas de um ser do qual não se pode dizer que tenha se encarnado precedentemente sobre a Terra. Este Jesus de Natã nunca tinha sido homem sobre a Terra". ("O Cristo e o Mundo Espiritual", p. 54)
Graças à sua visão clarividente, Steiner nos descreve como, na festa da Páscoa, em Jerusalém, quando as duas crianças Jesus tinham ambas 12 anos, o Eu de Zoroastro deixou o corpo do Menino-Jesus de Salomão para vir fecundar o ser predestinado que era o Menino-Jesus de Natã. Por este transplante, as duas correntes espirituais da humanidade, a corrente zoroastriana e a corrente búdica, se uniram.
Mas então o que aconteceu com o pobre Menino-Jesus de Salomão, assim esvaziado de seu "Eu zoroastriano" que ele cedeu ao seu pequeno camarada? Ele morreu?
Steiner não parece ter tido a curiosidade de pedir a solução deste enigma à sua clarividência. Ele nos diz apenas que o Menino-Jesus de Natã, a partir desta fecundação, será nomeado por ele "O MENINO-JESUS DE NAZARÉ". Não há mais, de fato, senão um único Menino-Jesus; nada impede, portanto, Steiner de retornar à terminologia clássica.
Essa duplicação dos meninos Jesus é, aliás, uma velha história. Que Steiner tenha aprofundado a ideia em sua clarividência, é mais que verossímil, já que ele fazia tudo ser controlado por sua "ciência espiritual". Mas é certo também que ele foi ajudado por suas lembranças da arte humanista. Assinalam-se, de fato, alguns raros quadros da Renascença italiana onde a Virgem Santíssima é representada rodeada por três crianças, das quais uma é, com certeza, São João Batista, sempre reconhecível, e das quais as outras duas, da mesma idade, são aparentemente gêmeas.
Esta velha lenda gnóstica, aparentada de longe ao docetismo, circulava nos meios esotéricos da Renascença. Steiner se fez eco dela, confirmado que foi por seu "olho interior".
O BATISMO-ENCARNAÇÃO
Jesus de Nazaré agora completou sua preparação. Mas é preciso saber que ele será apenas o portador (poder-se-ia dizer também o vetor) de uma personalidade superior a ele, esta "Entidade crística" que também terminou sua marcha de aproximação em direção à Terra. Esses dois seres, um terrestre, o outro celeste, estão prontos agora para entrar em contato. Este contato ocorrerá sob a forma de uma "TOMADA" de Jesus de Nazaré pela Entidade crística. E esta tomada se realizará no momento do Batismo no Jordão:
"No momento em que o ser humano Jesus de Nazaré atinge o ponto culminante de seu desenvolvimento, de modo que seu corpo humano é a expressão de seu espírito, nesse momento ele atinge a maturidade necessária para receber o Cristo no Batismo de São João". ("O Evangelho de São João em suas Relações com os outros Evangelhos", p. 32)
"A época em que, por assim dizer, o Cristo se encarna em uma personalidade terrestre é marcada distintamente nos quatro Evangelhos: é o Batismo no Jordão. No momento caracterizado, no Evangelho de São João, pela descida do Espírito sobre Jesus sob a forma de uma pomba, o Cristo nasce na alma de Jesus de Nazaré como um novo EU SUPERIOR". (p. 42-43).
"A Entidade do Cristo desceu das alturas espirituais no momento do Batismo, ela permaneceu no corpo de Jesus de Nazaré." (p. 131).
Para dar lugar a este "Eu superior" que o "tomou" e do qual se tornou o portador, foi preciso que Jesus de Nazaré fizesse o vazio em si. Foi preciso que ele fizesse o sacrifício de seu próprio Eu; pois houve ali, assegura-nos Steiner, um verdadeiro SACRIFÍCIO, anunciador daquele da Cruz:
"Se o Cristo pôde vir habitar um corpo, é porque este corpo lhe foi oferecido em sacrifício". (ib. p. 138)
"Este sacrifício consiste no fato de que, por volta dos trinta anos, o Eu de Jesus de Nazaré pode deixar o corpo físico, o corpo etérico e o corpo astral que ele purificou e enobreceu. Nada é melhor nem mais puro que este triplo receptáculo humano. No momento do Batismo, neste receptáculo abandonado pelo Eu de Jesus de Nazaré, desce a ENTIDADE que ainda não passou por nenhuma encarnação anterior, a Entidade crística". (ib. p. 151)
Ora, não há dúvida de que, no espírito de Steiner, a entidade crística se identifica com o Logos, como vimos. Pode-se dizer, portanto, que, segundo ele, a encarnação só ocorreu realmente no Jordão. O personagem de Jesus Cristo que se afasta do Jordão após este evento memorável é TOTALMENTE OUTRO que o Jesus de Nazaré que dele se aproximara algumas horas antes. Houve ali duas personalidades diferentes.
Estamos aqui na presença de uma noção gnóstica muito antiga e muito conhecida, contra a qual Santo Irineu já se indignava. Em seu "Tratado das Heresias" (Livro III, Iª parte, cap. 2), falando do Batismo de Jesus, ele se expressa assim:
"Pois não houve então uma descida de um pretenso Cristo sobre Jesus, e não se pode pretender que um tenha sido o Cristo e outro Jesus. Mas o Verbo de Deus, o Salvador de todos e o Senhor do céu e da terra, este Verbo que não é outro senão Jesus, assim como já mostramos por ter revestido uma carne e ter sido UNGIDO do Espírito pelo Pai, tornou-se Jesus Cristo".
Portanto, no Jordão, segundo a sã doutrina (aqui expressa por Santo Irineu), não houve "tomada", nem "substituição de Eu", nem "encarnação". O que foi manifestado publicamente foi uma "unção", aquela que Isaías havia profetizado.
Mas então, se a noção que encontramos em Steiner já é uma noção gnóstica, como se explica que ele nos a apresente como oriunda da clarividência?
De duas, uma:
- ou bem suas leituras gnósticas influenciaram, sem que ele soubesse, suas observações clarividentes (as quais não são, portanto, tão objetivas quanto ele declara);
- ou bem o inspirador místico de Steiner é o mesmo espírito que já inspirava os gnósticos e que repete no século XIX o que ensinava no século III.
Que julgamento fazer sobre tudo isso? Não falemos desta acumulação de inverossimilhanças históricas; elas bastam, por si sós, para desacreditar o "visionário" que pretende tê-las observado com seu olho interior.
Restam algumas enormidades teológicas ainda mais inverossímeis. Primeiro, não se trata de uma verdadeira encarnação; é, no máximo, uma espécie de incorporação por troca de "Eu" (operação singular, aliás). E depois, o corolário obrigatório desta pseudo-encarnação é o desaparecimento da "Maternidade divina" de Maria; tal é talvez até o objetivo secreto de todas essas invenções. Notemos também que, segundo esta contagem, o personagem de "Jesus Cristo", sob sua forma completa, teria vivido sobre a terra apenas três anos, entre o Batismo e a Crucificação.
A terminologia cristã pode subsistir nas obras cristológicas de Steiner, ela designará doravante apenas noções bizarras, totalmente estranhas ao cristianismo, mas que, em contrapartida, se aparentam diretamente à mitologia gnóstica.
GÓLGOTA-GÓLGOTA
Em todos os desenvolvimentos de Steiner, a palavra Gólgota retorna com uma frequência que não pode deixar de chamar a atenção; não há dúvida de que essa repetição incansável denota nele um verdadeiro fascínio. Não houve conferência de Steiner (e sabemos que cada conferência se tornou o capítulo de um livro) onde ele não proclame que "o mistério do Gólgota é o pivô essencial da história humana".
Ele não se privou de aplicar, a este evento essencial, um esforço de "investigação espiritual" particularmente insistente. E chegou, como não poderíamos nos espantar, a novas deformações das verdades da fé concernentes à morte de Cristo e à redenção da humanidade. Para ele, a morte de Jesus Cristo na Cruz é algo totalmente diferente do que a quitação, pelo "Justo", da dívida acumulada pelas injustiças dos pecadores para com o legislador divino. Certamente Steiner conserva, aqui também, o vocabulário da Igreja, mas desfigura seu sentido, não expressando mais do que um cristianismo verbal totalmente oco.
Quem é o personagem que, segundo Steiner, se apresenta no Gólgota?
É, portanto, este Jesus Cristo formado, há apenas três anos no Jordão, pela descida, no corpo de Jesus de Nazaré, do "Eu Superior" do Cristo. Trata-se, consequentemente, de um personagem totalmente imaginário que não tem mais nada em comum com o Cristo histórico dos Evangelhos.
O que vai acontecer, na Cruz, para o personagem assim definido?
Certamente vão nos falar, com muito lirismo, de sangue derramado e de redenção; conservar-se-á toda uma parte da terminologia cristã, mas ela recobrirá noções que não têm mais nada de cristão, a não ser a consonância, e que serão próprias da antroposofia. Aqui Jesus Cristo não é mais o cordeiro inocente que Se faz culpado para atrair sobre Si os golpes da Justiça divina. Ele se torna apenas o Espírito que se faz carne para espiritualizar a carne.
A Crucificação não é mais o Sacrifício de reconciliação que apazigua a Justiça de um Deus ofendido. Segundo Steiner, Jesus Cristo seria simplesmente um AGENTE DE ESPIRITUALIZAÇÃO da humanidade e mesmo da Terra. O Gólgota constitui o início da renovação do estatuto da vida humana sobre a Terra. É uma nova INICIAÇÃO da humanidade. A Redenção, da qual se continuará a falar, não se define mais como um resgate, segundo a etimologia da palavra, mas como uma espiritualização. Começada no Gólgota, onde ela se realiza virtualmente, esta espiritualização se tornará efetiva em três fases sucessivas:
- ela vai primeiro transformar o Eu humano individual;
- ela vai em seguida incorporar a vida divina ao conjunto da humanidade;
- enfim, ela vai consagrar um novo tipo de INICIAÇÃO.
Retomemos separadamente cada uma dessas três fases, resumindo o mais fielmente possível as ideias de Rudolf Steiner.
No plano individual, o mistério do Gólgota provocou uma IMPREGNAÇÃO da substância humana pelo divino:
" ...o homem recebeu poder de espiritualizar, nas profundezas de seu Eu, seu ser psíquico, vital e físico. A 'morte-ressurreição' do Cristo 'insuflou uma nova vida ao corpo etérico'. Esta vida nova, imperecível, foi trazida ao corpo etérico pelo Cristo. Depende, portanto, do Cristo que o corpo humano, senão votado à morte, seja transformado, preservado da corrupção, dotado da faculdade de tomar uma forma incorruptível. O Cristo derramou a vida no corpo etérico". ("O Evangelho de São João em suas Relações..." p. 183). Pelo mistério do Gólgota, "O EU HUMANO É CRISTIFICADO".
No plano geral, a virtude do Gólgota incorpora um acréscimo de vida espiritual ao conjunto da humanidade:
"A impulsão crística, após ter se manifestado através de Jesus de Nazaré, uniu-se à EVOLUÇÃO DA TERRA...
Uma nova era começa para a humanidade?
Já sabemos que não é segundo um modo de resgate; certamente se conserva a palavra redenção, mas ela toma o sentido de um simples processo de espiritualização. É por um modo de "conhecimento", mais exatamente por uma nova e melhor inteligência do Evangelho que se fará esta incorporação espiritual, esta nova e melhor infusão de vitalidade:
"A inteligência do Evangelho de São João conduzirá a humanidade à compreensão mais ampla do mistério do Gólgota: da morte perdendo, para a evolução humana, seu caráter enganador. O que aconteceu no Gólgota não demonstra apenas ao nosso conhecimento que a morte é na realidade a fonte de toda vida, mas que o homem pode tomar, diante da morte, uma posição que lhe permita infundir sempre mais vida em si, até o ponto de vencer a morte". (ib., p. 200-201)
A ideia de vitória sobre a morte pela espiritualização vai se concretizar cada vez mais, entre os discípulos de Steiner, e se prolongar até suas extremas consequências:
"Enfim, o Eu humano terá adquirido tal poder sobre a matéria de seu corpo físico que o transformará em HOMEM-ESPÍRITO, expressão humana do Logos criador".
Assim se expressa um discípulo de marca de Rudolf Steiner, L. Hadjetlache, em seu prefácio à nova edição de "O Evangelho de São João em suas Relações com os outros Evangelhos", p. 18.
Nos séculos futuros vai se exercer a atividade do Eu humano assim cristificado. Por esta atividade, o homem se tornará por sua vez CRIADOR, pois depositário da Sabedoria criadora de Deus. O eu criador obterá a força de agir sobre os fenômenos da vida. Ele poderá metamorfosear o corpo vital ou etérico. Ele levará à maturidade o germe de vida espiritual e divina que foi depositado outrora, neste corpo etérico, pelas hierarquias espirituais e que a Entidade crística levou ao seu máximo.
Eis enfim quais são os efeitos do "evento do Gólgota", tais como os representa Rudolf Steiner, no plano iniciático.
O Gólgota fez progredir a iniciação humana em um grau. Aqui também a Entidade crística, porque é espiritual, operou no sentido de uma maior espiritualização. Sob o regime do paganismo, era na esfera do INCONSCIENTE que se produzia o contato iniciático do humano com o divino; era ainda apenas uma iniciação no plano psíquico, isto é, na zona inferior do mental.
Desde o evento do Gólgota, é no CONSCIENTE que o espírito do homem pode participar do divino. Em outros termos, a afiliação iniciática, de inconsciente que era sob o regime do paganismo, tornou-se consciente sob o regime cristão e é nisso que ela se espiritualizou.
O que ele entende por iniciação cristã?
Ele não o precisa, pelo menos em sua obra sobre a cristologia. Mas ele a evoca aqui em um sentido certamente muito amplo e muito vago. O que é certo é que Steiner concede à iniciação nova, isto é, cristã, um valor superior à antiga que estava em uso no paganismo. Pode-se notar aí ainda uma vontade de se distinguir das doutrinas orientais que permaneceram as da teosofia, e nas quais tal superioridade da iniciação cristã é absolutamente desconhecida.
UMA ENTIDADE LUCIFERIANA
Vimos que a Entidade crística, da qual nos falaram tantas vezes, aproximou-se da Terra, por etapas, desde o fim da era atlanteana. A tendência de Steiner a considerar este ser como apresentando as características de um anjo é absolutamente evidente. A Entidade crística que ele encontra com tanta frequência em sua investigação espiritual é indubitavelmente um anjo. Ora ele se contenta em sugeri-lo prudentemente, ora ousa afirmá-lo nitidamente:
"Seria preciso dizer que o Cristo se fez alma em um 'SER ANGÉLICO'". ("O Cristo e o Mundo Espiritual", p. 61)
"O ser angélico habitado pelo Cristo teve que cumprir um ato que rejeita fora da alma humana o elemento caótico que devia ser expulso dela para que a harmonia e a ordem pudessem reinar no pensamento, no sentimento e na vontade. Uma imagem se oferece a nós: façamo-la viver diante de nosso olhar interior (clarividência). É a imagem deste SER ANGÉLICO, do Ser que está ainda nos mundos espirituais mas que se tornará mais tarde o Menino-Jesus de Natã..." (ib. p. 61)
Este ser, no espírito de Steiner, é angélico por natureza, ou não seria ele antes o resultado da angelização da divindade, isto é, da descida da divindade em um anjo?
Certas passagens tenderiam a prová-lo:
"Nos mistérios apolíneos, dizia-se que uma divindade muito grande havia um dia tomado posse de um SER DA HIERARQUIA DOS ANJOS e que um reflexo de sua ação harmonizadora sobre o pensamento, o sentimento e a vontade se encontrava na música..." (ib. p. 64)
"Apolo, de fato, é o Ser angélico do qual falamos, é um aspecto, uma projeção na mentalidade grega do Ser angélico cuja ação realmente se exerceu no fim da Atlântida e que era animado pelo Cristo. É este Ser que, pela voz das Pítias, inculcou a sabedoria aos Gregos, este Apolo, reflexo do ANJO HABITADO PELO CRISTO, isto é, o Ser angélico animado pelo Cristo". (ib. p. 65)
E ele termina suas considerações sobre o angelismo da Entidade crística com estas palavras:
"Eis o que nos revela A OBSERVAÇÃO OCULTA". (p. 65)
Tudo isso tem, portanto, por origem a falsa mística na qual ele se tornou mestre. É evidente que toda esta mitologia crística, à qual ele dá o nome de cristologia, ele a deve ao seu "olhar interior", isto é, à sua clarividência. Temos, portanto, um traço suplementar provando que esta falsa mística põe em jogo uma forte participação demoníaca.
Qual é, então, de fato, esta ENTIDADE ANGÉLICA, senão Lúcifer procurando se passar pelo Cristo?
De tal sorte que a pretensa "cristologia" de Rudolf Steiner nos dá do Cristo uma definição na qual Lúcifer pode vir se alojar sem que se tenha que mudar uma palavra. Ao honrar o Cristo da Antroposofia, honra-se o Anticristo.
O HINO AO CRISTO-SOL
Muitos outros aspectos deste CRISTIANISMO ENRIQUECIDO pela clarividência seriam ainda a examinar. Pois a influência do movimento antroposófico é considerável no mundo inteiro e constitui uma real tentação ideológica e religiosa para muitas pessoas. Assim, seremos obrigados a retornar regularmente a este assunto.
Para concluir a presente exposição, não poderíamos fazer melhor do que reproduzir as palavras do hino ao CRISTO-SOL que se canta nas cerimônias antroposóficas que se desenrolam no Goetheanum de Dornach, perto de Basileia, na Suíça, centro mundial do movimento. Vamos aí reconhecer facilmente esta religiosidade fremente e luciferiana que de cristã só tem a pretensão.
Luz do mundo, Cristo-Sol
Aquece nossos corações, ilumina nossas frontes
Para que sejam boas as vontades
Que germinam em nossos corações
E amadurecem em nossos espíritos.
Na virada das eras
A luz espiritual dos mundos
Entrou no fluxo da essência terrestre:
As Trevas da noite deviam cessar de agir;
Então a clara luz do dia raiou nas almas dos homens;
Luz que aquece o coração dos pobres pastores
Luz que ilumina a fronte dos sábios reis.
Alma do homem, tu vives nos membros,
Que pelo mundo da essência
Te levam até a essência do oceano espiritual
Exerce a lembrança do espírito nas profundezas da alma,
Onde na atividade do ser criador dos mundos,
Teu eu, no eu de Deus, haure sua essência;
Em verdade tu viverás na essência cósmica do homem.
Pois o Espírito-Pai age nas alturas,
Nas profundezas dos mundos gerando o ser.
Serafins, Querubins, Tronos, Fazei ressoar, desde as alturas,
A palavra que as profundezas reenviam
E ela diz "Ex Deo nascimur". [Nascemos de Deus]
JEAN VAQUIÉ