I. DA TEOSOFIA À ANTROPOSOFIA
- INTRODUÇÃO
- TEOSOFIA E ANTROPOSOFIA
- HELENA PETROVNA BLAVATSKY
- AS INSPIRADORAS VIENENSES
- DISCÍPULO DE FAUSTO
- PRIMEIRA ILUMINAÇÃO
- BERLIM, A SERPENTE VERDE E O BELO LÍRIO
- LÚCIFER-GNOSE
- O TELEGRAMA DE ADYAR
- O GOETHEANUM
INTRODUÇÃO
No estudo "Gnose e Gnosticismo na França no século XX", publicado no Boletim da Sociedade Barruel n° 12, foram mencionadas algumas das organizações que militam desde o início do século para difundir um pensamento neognóstico na Europa.
Se as redes guenonianas agiram por muito tempo com uma discrição à qual, aliás, não renunciaram totalmente, longe disso, outras, por outro lado, exerceram suas atividades abertamente, às vezes até com grande alarde.
Convém, portanto, manter o olhar atento sobre essas múltiplas variedades subversivas, e propomos um estudo sobre a Antroposofia e seu fundador Rudolf Steiner.
TEOSOFIA E ANTROPOSOFIA
A teosofia e a antroposofia são dois movimentos de pensamento ligados por um estreito parentesco. Ambos interessam principalmente à Sociedade Barruel porque se apresentam, um e outro, como COMPATÍVEIS com o catolicismo mais rigoroso. Essa compatibilidade, não teremos dificuldade em demonstrar, é perfeitamente ilusória. Seria melhor falar de incompatibilidade radical, e a Igreja deve temer, vindo de um como do outro, perigos de contaminação nada desprezíveis.
Ora, é precisamente a vocação da Sociedade Barruel sinalizar os perigos de contaminação que podem provir dos movimentos de pensamento heterodoxos. Assim, propomo-nos a estudar sucessivamente a Teosofia e a Antroposofia.
Com todo o rigor histórico, deveríamos começar pela teosofia, que é alguns anos anterior à sua irmã antroposófica; de fato, Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia, militou primeiro nas fileiras da Teosofia de Madame Blavatsky e só se separou dela posteriormente. Seria, portanto, lógico começar pelo estudo da Teosofia, mas parece-nos mais urgente examinar primeiro o movimento steineriano porque é aquele dos dois que exerce maior atração sobre os católicos de hoje, fragilizados pelo "Concílio da dúvida", sob cuja influência ainda estamos.
Após termos dito algumas palavras sobre a Teosofia para bem compreender a posição respectiva de seus dois movimentos, é sobre a Antroposofia que focaremos nosso primeiro exame.
HELENA PETROVNA BLAVATSKY
Aquela que se tornaria a fundadora e a prodigiosa animadora da "Sociedade Teosófica" é de origem germano-russa. Seu pai, o coronel Von Rottenstern Hahn, era de linhagem mecklenburguesa fixada na Rússia. Sua mãe, Héléna Fadeef, era filha de um conselheiro do Czar.
Héléna Pétrovna nasceu em 1831, na época de uma terrível epidemia de cólera. "Ela entrou no mundo em meio a caixões e lágrimas", escreve um de seus biógrafos. Durante seu batismo, alguém ateou fogo, por inadvertência, com um círio, à casula do padre, que foi gravemente queimado; na confusão, várias pessoas foram feridas. Viu-se, nesse acidente, o presságio de uma influência diabólica que se exerceria sobre ela.
Quando chegou à idade de se casar, seu pai a repreendeu por negligenciar sua aparência e ser tão pouco feminina quanto possível. Lançou-lhe esta provocação, dizendo que ela seria incapaz de seduzir até mesmo aquele velho corvo do general Blavatsky, tão feio e de quem tanto zombavam. Héléna Pétrovna levou o pai à letra e seduziu, de fato, o velho general, que a pediu em casamento. E o casamento aconteceu. Mas os esposos nunca coabitaram. Desde a noite de núpcias, ela começou a fazer ao marido cenas violentas e repetidas. Ele foi obrigado a mantê-la trancada para evitar suas extravagâncias. Ao fim de alguns meses, ela acabou fugindo para o Cairo, no Egito, onde começou a vida itinerante e romanesca que conhecemos. Ela não reviu o general seu esposo, mas nunca deixou de se fazer chamar Madame Héléna Pétrovna Blavatsky, nome que seus adeptos, mais tarde, reduziriam às suas iniciais H. P. B.
É impossível resumir seu périplo religioso, assim como seu périplo geográfico. Inúmeras viagens a levaram a Paris, Londres, Estados Unidos, Índia, Jerusalém... Ela se introduziu em toda sorte de seitas, fazendo-se iniciar em todas as práticas e doutrinas, desde o Vodu até o Budismo, passando pelo judaísmo, o Islã e a franco-maçonaria. De tudo isso ela constituía, em sua cabeça tumultuada, uma síntese exaltada.
Em 1874, "a corpulenta senhora" (pois era enorme) encontrou o coronel inglês Olcott, que era um excelente organizador e com quem ela fundou a "Sociedade de Teosofia", cuja sede foi fixada em Adyar, pequena cidade da Índia.
O nome desta cidade tornou-se o símbolo da teosofia; é assim que a editora parisiense que assegurou (e que ainda assegura) a difusão das obras teosóficas adotou o nome de Éditions Adyar.
Durante uma estadia na Europa, H. P. B. escreveu e publicou sua primeira grande obra: "A Doutrina Secreta", que é a exposição caótica de tudo o que ela havia colhido um pouco por toda parte em matéria de ocultismo, espiritismo, hinduísmo, maçonaria, gnose, judaísmo. Ela nunca deixou de escrever artigos, brochuras e livros. Um deles merece menção especial: "Ísis sem Véu", que ela redigiu em Nova York e que teve uma repercussão mundial. Ela sempre manteve para sua doutrina o nome de teosofia, ou sabedoria divina, que lhe fora dado desde o início.
Seu colaborador Olcott multiplicava-se para fundar, no Oriente como na Europa e na América, "Sociedades de Teosofia" que ele organizava com grande habilidade e animava com um prodigioso dinamismo, fazendo reinar ali as concepções MUNDIALISTAS, HUMANITÁRIAS e FEMINISTAS que ele havia tomado emprestadas de suas frequentações maçônicas.
Em 1889, a londrina Annie Besant veio juntar-se à Sociedade e figurou imediatamente em seu comitê diretor de Adyar. Foi ela quem, com a morte de H. P. B., em 1891, assegurou a direção da sociedade teosófica mundial.
Naturalmente, uma sociedade de teosofia havia sido fundada na Alemanha, como em todos os países da Europa. E não tardaram a confiar a direção a Rudolf Steiner. É tempo, portanto, de apresentar o personagem que passará a nos interessar.
AS INSPIRADORAS VIENENSES
Rudolf Steiner nasceu em 1861 numa pequena localidade da Áustria meridional, situada atualmente em território iugoslavo. Tinha um irmão e uma irmã, sendo ele o mais velho. Seu pai era funcionário da ferrovia. Foi um estudante muito aplicado e manifestou desde jovem qualidades intelectuais bastante excepcionais. Tornou-se o líder de uma escola de pensamento que figura entre as mais vigorosas de hoje, mas também entre as mais perigosas para o catolicismo ortodoxo.
Sua mentalidade orientou-o desde cedo para as matemáticas e a filosofia. Em Viena, frequentou simultaneamente a Escola Superior Técnica e a Universidade, onde preparou um doutorado em filosofia, doutorado que, por razões que nos escapam, ele só apresentaria alguns anos mais tarde na Faculdade de Rostock, no norte da Alemanha.
Ele teve tanto mais mérito por ser obrigado a prover ele mesmo seu sustento e seus estudos. Foi assim que se tornou preceptor numa família austríaca onde lhe confiaram a educação de um menino de dez anos acometido por hidrocefalia, portanto, com deficiência mental; ninguém mais queria se ocupar dele, nem mesmo seus pais. O jovem Rudolf Steiner, ainda estudante, obteve sucesso com essa criança além de toda esperança, pois o conduziu até o doutorado em medicina.
Esse sucesso espantoso é particularmente sintomático das capacidades didáticas de Steiner. Mostrou então que possuía tesouros de paciência, uma incontestável generosidade altruísta e uma profunda perspicácia psicológica.
Posteriormente, cultivou ainda mais esses dons naturais que fizeram dele um prodigioso pedagogo, como veremos quando examinarmos as realizações da sociedade antroposófica.
Rudolf Steiner teve numerosas relações femininas. Mas, ao ler seus biógrafos, somos obrigados a reconhecer que elas permaneciam na maioria das vezes no terreno do romantismo e mesmo da intelectualidade. Jacques Lautier, em seu livro "La Théosophie", nota que "Steiner foi subjugado pelo poder feminino". Quanto a Édouard Schuré, que foi seu amigo durante certo tempo, reconhece nele "uma sensibilidade profunda e feminina". Durante seus anos universitários, havia frequentado muito a obra de Goethe, que foi apresentado como o poeta e até mesmo o filósofo do "eterno feminino".
A primeira de suas inspiradoras vienenses foi Marie Lang: "Steiner, que estava em contato, em Viena, com uma teósofa renomada, Marie Lang, encontrou junto a ela o apaziguamento que desejava: as horas que passei com ela, escreve ele, foram-me infinitamente preciosas." (Jacques Lautier).
Outra vienense, teósofa também ela, exerceu sobre Steiner uma forte influência: Rosa Mayreder. As longas conversas com ela o enriqueceram, e ele escreve:
"Minha FILOSOFIA DA LIBERDADE tomava em mim formas cada vez mais definidas. Rosa Mayreder é a pessoa com quem mais falei sobre isso naquele momento. Ela me arrancou, em parte, da solidão íntima em que vivi. Se ela aspirava à visão da personalidade humana em si mesma, eu queria, quanto a mim, alcançar a revelação do mundo pela via espiritual que essa personalidade encontra no fundo de si mesma".
Temos aí já o esquema de sua teoria da "clarividência", a saber: a descoberta da essência das coisas pela introspecção profunda de si mesmo. Voltaremos a isso em detalhe, pois é bastante complicado.
DISCÍPULO DE FAUSTO
O período vienense termina. Rudolf Steiner deve deixar a Áustria e seus encantamentos teosóficos. Ele parte para a Alemanha e vai se instalar em Weimar, na Turíngia, onde seu novo trabalho consiste em supervisionar a edição das obras científicas de Goethe. No curso dessa tarefa de editor, ele é arrastado para o rastro filosófico do "Príncipe da literatura alemã".
Certamente, ele já tinha por Goethe, como vimos, uma grande admiração como cantor do eterno feminino. Em Viena, ele havia proferido uma conferência notável: "Goethe, pai de uma estética nova" (1888). Mas em Weimar é o conteúdo filosófico da obra inteira que vai marcá-lo de maneira indelével.
Qual é, então, a filosofia de Goethe?
Diz-se que ela se resume no tema geral do primeiro e do segundo Fausto. Esse tema geral é o da aposta que se estabeleceu entre Deus e Mefistófeles, aposta que é o tema do primeiro Fausto e cujo segundo nos dá o epílogo.
O demônio garante rebaixar Fausto à condição de bruto. Deus, ao contrário, afirma que o "sábio doutor" será capaz, por suas próprias forças, de triunfar da tentação. A partir daí, Fausto torna-se representante da humanidade inteira, a qual, segundo Goethe, é colocada na obrigação de se superar pela AÇÃO para realizar o ideal percebido por sua consciência. E o drama cênico torna-se um compêndio de filosofia.
No texto de Goethe, as últimas palavras de Fausto antes de morrer constituem verdadeiramente um hino naturalista e até humanitário. O velho mago passeia todo curvado, pelas alamedas de um grande parque:
"Não fiz mais que correr pelo mundo, agarrando pelos cabelos todo prazer, negligenciando o que não me podia bastar, e deixando ir o que me escapava. Assim, não fiz mais que realizar e desejar ainda e assim precipitei minha vida numa ação eterna".
Não pensemos que, nessas palavras, haja arrependimento. Não há nenhum, pelo contrário, pois Fausto continua assim seu último monólogo:
"Grande e poderoso desde o início, caminho agora com sabedoria e circunspecção. O círculo da terra me é suficientemente conhecido. Quanto à visão do outro mundo, ela nos está fechada. Como é insensato aquele que dirige seus olhares preocupados para esse lado, e que imagina estar acima das nuvens, acima de seus semelhantes! Que se contente, pois, de manter-se firme nesta terra: o mundo não é mudo para o homem que tem algum valor. De que serve flutuar na eternidade, tudo o que o homem conhece, ele pode apreender. Siga, pois, seu caminho, sem se apavorar com os fantasmas".
Chegando ao grande vestíbulo do palácio, Fausto prossegue sua última profissão de fé:
"Oferecerei vastas planícies a milhões de homens para que vivam ali livremente, senão com segurança. Eis campos verdejantes e férteis; homens e rebanhos repousam à vontade sobre a nova terra, ligados ao firme poder das colinas que eles erguem com seus trabalhos árduos. Um paraíso na terra! Sim, abandono-me à fé desta palavra que é a última fé da sabedoria. Possa eu desfrutar do espetáculo de uma atividade semelhante e viver com um povo livre numa terra de liberdade! No pressentimento de tal felicidade, desfruto agora do momento mais belo da minha vida."
Pronunciadas estas últimas palavras, Fausto cai morto e os lêmures o agarram para colocá-lo num caixão.
No epílogo, Goethe explica como os anjos vieram buscar a alma do velho filósofo. E, no entanto, quando Fausto cai morto, a aposta parece ganha por Mefistófeles, que permanece junto ao cadáver e chama as legiões do inferno para que levem o sábio que se perdeu. Mas os anjos do céu chegam ao mesmo tempo que os demônios. Por que isso? Porque essa alma poderosa resistiu até o fim. Os pensamentos de esperança que Deus, o Deus de Goethe, lhe enviou no último momento o inebriaram no instante supremo. Assim, as sombrias cortes, convocadas por Mefisto, recuam e os anjos levam ao céu a alma do doutor Fausto. "Deixei-me então enganar por essa laia", exclama Mefistófeles. "Ela me rouba o fruto do meu esforço. Foi para isso que eles rondavam em torno do túmulo".
Toda a obra de Goethe está repleta de discursos semelhantes. É uma longa exaltação da ação humana e da comunhão naturalista. Uma linguagem suntuosa cobre uma filosofia positivamente humanitária. E Steiner, enquanto procedia às publicações que lhe haviam sido encomendadas, deliciava-se com ela e impregnava-se dela. Foi invadido por um sentimento de reconhecimento quase filial por Goethe. Quando, muito mais tarde, ele for levado a dar um nome ao templo antroposófico que edificaria em Dornach, perto de Basileia, ele o chamará de "Goetheanum".
PRIMEIRA ILUMINAÇÃO
É em Weimar que Steiner encontra uma nova inspiradora na pessoa de Gabrielle Reuter. Ela está atingida pelo vírus da ideologia feminista e o transmite a ele. Os temas emancipatórios sugeridos por essa mulher encontrarão lugar na "filosofia da liberdade" na qual ele não cessa de pensar.
Em Weimar ainda, ele conhece uma nova "mulher extraordinária", Elisabeth Förster, que é a irmã de Nietzsche. Ela o convida a ir conversar com o filósofo envelhecido. Mas ele tarda a realizar a viagem, de sorte que só se apresenta a Nietzsche numa época em que ele já perdeu a razão. Ele repousa mudo sobre um divã, os olhos perdidos; não vê seu visitante e não toma parte alguma na conversa.
E, no entanto, é junto a esse Nietzsche perdido nas nuvens que Steiner faz a experiência de sua primeira "iluminação". Ele a descreve nestes termos:
"E eis a VISÃO que tive naquele quarto: a alma de Nietzsche pairava acima desta cabeça física, banhando-se já na luz dos mundos espirituais, desses mundos que ela havia apaixonadamente desejado conhecer antes de afundar na loucura e que não havia encontrado. Mas ela permanecia ainda acorrentada ao corpo que a impedia de desabrochar na plena claridade do espírito". (Autobiografia).
Steiner interessou-se por Nietzsche a ponto de lhe dedicar uma obra extremamente admirativa: "Friedrich Nietzsche, um homem em luta contra seu tempo" (1895).
Foi ainda durante sua estadia em Weimar que ele defende a tese de doutorado em filosofia que havia preparado em Viena. Ele a defendeu na Universidade de Rostock, no Mecklenburg setentrional, não longe do litoral do Báltico. Há muito tempo, ele reunia os materiais. Pode-se considerá-la como a síntese de sua formação, de suas leituras e de suas relações. Intitulou-a "a filosofia da liberdade". Esse texto deu origem posteriormente a duas obras, publicadas pelas Edições Triades, e que se tornaram clássicos entre os antropósofos.
BERLIM, A SERPENTE VERDE E O BELO LÍRIO
Sua tarefa de editor das obras científicas de Goethe estando terminada, Rudolf Steiner deixou Weimar em 1897 e instalou-se em Berlim para dirigir uma revista literária. Morou na casa de uma viúva, Anna Eunicke, que já conhecia e com quem se entendia às mil maravilhas. De seu casamento anterior, ela tinha cinco filhos, o que não a impedia de assegurar a seu hóspede a calma e o conforto de uma casa bem cuidada. Acabaram por se casar em 1899. Mas Anna Eunicke morreu em 1911, deixando Steiner viúvo por sua vez.
Do período berlinense data a publicação de um conto fantástico: "A Serpente Verde e o Belo Lírio". Este conto pretendia ser uma explicação do hermetismo de Goethe. O autor deixava transparecer nele tendências rosacrucianas, ou seja, um gosto marcado pelo esoterismo cristão. Atraiu a atenção da jovem sociedade teosófica de Berlim; convidaram Steiner para fazer algumas conferências nos novos locais. Assim começou uma colaboração que se mostraria particularmente frutuosa.
Em suas conferências, Steiner encontrou uma dessas mulheres cultas que tanto o atraíam, Marie von Sivers, de origem russa, cujo charme eslavo agiu rapidamente sobre ele. Tornou-se teósofo, o que não lhe exigiu uma grande mudança, e desposou-a, três anos após a morte de sua primeira esposa.
Marie von Sivers apresentou Steiner a Annie Besant, de passagem por Berlim. Sabe-se que ela acabara de assumir a sucessão de madame Blavatsky na direção da sociedade de teosofia em Adyar, na Índia. Talentoso como o conhecemos, e particularmente formado nas disciplinas filosóficas, era evidente que Steiner se tornaria rapidamente o secretário-geral da seção alemã de teosofia. O ensinamento que ali ministrou foi resolutamente orientado na via do esoterismo cristão. É desta época que data sua obra: "Misticismo e Espírito Moderno".
Um episódio de sua vida berlinense permite compreender melhor a personalidade e as tendências de Rudolf Steiner. O socialista Guillaume Liebknecht (o adversário ferrenho de Bismarck e pai de Karl Liebknecht, que, em 1919, assumiria a liderança do movimento "Spartacus") havia fundado em Berlim uma universidade popular frequentada pelos operários socialistas. Convidaram Rudolf Steiner para fazer conferências ali. Sua "filosofia da liberdade", naturalista e humanitária, encontrava ali um campo de exercício totalmente indicado (1899-1904).
LÚCIFER-GNOSE
Rudolf Steiner havia aceitado o secretariado da sociedade alemã de teosofia com a condição de que pudesse expressar ali livremente suas próprias opiniões. A partir daí, não se priva disso, e conduz seu auditório numa direção que não é mais perfeitamente teosófica e que inaugura já a antroposofia.
Nesse espírito, ele começa a publicação de uma nova revista que intitula "Lúcifer". Ele precisa, evidentemente, que não se trata do anjo caído, mas do anjo "portador da luz". É uma distinção habitual nos meios ocultistas: raciocina-se como se o anjo "portador da luz" tivesse permanecido um anjo bom, ou como se sua expulsão do céu fosse uma lenda totalmente desprezível. Ao colocar sua revista sob o nome de Lúcifer, Steiner mostra sua ignorância ou, antes, sua atração pelo equívoco em matéria de demonologia.
Ele escreve em sua autobiografia:
"A revista Lúcifer recebeu logo um feliz impulso. Um certo Sr. Rappoport, de Viena, que editava uma revista 'Gnose', fez-me a proposta de reunir os dois periódicos. O Lúcifer saiu sob o título LÚCIFER-GNOSE e Rappoport suportou, durante certo tempo, uma parte das despesas. Lúcifer-Gnose teve uma carreira brilhante". (capítulo XXXII).
O fato é que o ensinamento já nitidamente antroposófico de Rudolf Steiner expressa-se pela primeira vez publicamente sob a dupla invocação de Lúcifer e da Gnose. Há aí uma disposição providencial que é um verdadeiro aviso e cujo sentido não poderia escapar a um cristão minimamente atento aos sinais exteriores da vontade divina.
Na revista "Lúcifer-Gnose", Rudolf Steiner dedica-se a responder ao problema crucial que lhe é caro há muito tempo e que ele formula assim: "Como se pode elevar ao conhecimento dos mundos superiores?"
Os mundos superiores são evidentemente, em seu espírito, os mundos espirituais. Ele resolve esse problema definindo o homem como "uma partícula macrocósmica" que traz em si, virtualmente, o universo inteiro.
Uma das grandes teses de Steiner é que se reencontra a imagem dos mundos superiores em si mesmo, com a condição de cavar fundo o suficiente. É uma noção que lhe é familiar e que, aliás, circula por toda parte, aclimatada como está na Europa há muito tempo pelos hermetistas. Tal é também a posição dos teósofos que, por sua parte, a tomaram emprestada dos hinduístas. Ao fazer desse problema o passo essencial de "Lúcifer-Gnose", Steiner permanece, portanto, na linha da sociedade teosófica.
O TELEGRAMA DE ADYAR
Mas ele se afasta dessa linha teosófica em dois pontos. Enquanto o centro de Adyar multiplica as críticas em relação à personalidade de Jesus, Steiner pretende conservar o que ele chama de ENTIDADE CRÍSTICA (definindo-a, aliás, de maneira muito pouco cristã, como veremos). E afasta-se dela também porque reprova as tentativas de busca, na Índia, de uma reencarnação de Buda ou de Cristo. Em suma, decidido a irradiar no meio europeu, que é forçosamente oriundo do velho atavismo cristão, Rudolf Steiner não quer adotar uma doutrina exclusivamente oriental. Sem dúvida, ele milita por uma transformação do cristianismo, mas quer conservar dele ao menos as aparências e a terminologia, o que não será evidentemente possível se permanecer na estrita observância de Adyar.
A ruptura foi consumada quando Annie Besant apresentou oficialmente o jovem hindu KRISHNAMURTI como o novo Buda e empreendeu, em sua companhia, uma turnê mundial. Steiner está totalmente determinado a não seguir semelhante caminho.
Estamos em 1913, a seção alemã envia um telegrama cominatório à sede central de Adyar para pedir a deposição de Annie Besant, deposição que foi naturalmente recusada. Em sua grande maioria, os teósofos alemães seguiram Steiner. E o fosso se aprofundou ainda mais quando, durante os primeiros meses da guerra, Annie Besant, num editorial famoso, lançou toda a teosofia mundial para o lado dos Aliados.
O GOETHEANUM
Restava apenas a Steiner encontrar um novo nome para seu movimento de pensamento. Intitulou-o ANTROPOSOFIA, o que significa "sabedoria humana". Essa sabedoria (sophia) é duplamente "humana". É-o primeiro porque é nas profundezas de si mesmo que o homem pode descobrir o universo inteiro; veremos isso quando analisarmos a mística antroposófica. A nova sabedoria é também humana porque a ENTIDADE CRÍSTICA, que se conserva, identifica-se, como veremos igualmente mais adiante, com a consciência coletiva da humanidade.
A partir de setembro de 1913, Steiner empreende, em Dornach, perto de Basileia, na Suíça, a construção de um templo-teatro ao qual dá o nome de GOETHEANUM em honra de Goethe. Houve sucessivamente dois Goetheanuns. O primeiro, que era construído em madeira, foi incendiado, sem dúvida por contestadores. O segundo, edificado em concreto, subsiste ainda hoje e serve de sede social à "Sociedade Antroposófica Universal". É igualmente um centro muito ativo de atividade teatral, musical e intelectual. O Goetheanum de Dornach ostenta oficialmente o título de "Universidade Livre de Ciência Espiritual".
Rudolf Steiner gozava, desde antes da guerra de 14-18, de uma reputação europeia. A "Livraria Acadêmica Perrin" havia publicado, em tradução francesa, uma primeira série de seus livres, em particular: "A Ciência Oculta" e "O Cristianismo como Fato Místico e os Mistérios Antigos". Foi para esta última obra que Édouard Schuré escreveu um prefácio onde se podia ler:
"A situação presente da humanidade, do ponto de vista religioso, não é menos grave do que era nos quatro primeiros séculos de nossa era. Então, tratava-se de saber se o cristianismo prevaleceria sobre o paganismo ainda tão poderoso. Hoje, os pensadores mais avançados se perguntam se o cristianismo permanecerá a religião dominante da humanidade ou se será substituído por outras formas religiosas com um nome e um espírito diferentes".
Steiner pertencia, de fato, à corte dos candidatos a essa substituição supostamente fatal.
Originárias do mesmo tronco orientalista e gnóstico, a teosofia e a antroposofia separaram-se agora. É o movimento criado por Rudolf Steiner que vai nos interessar primeiro porque é o mais próximo do cristianismo e, por conseguinte, é aquele dos dois que tem mais chances de enganar os cristãos. Mas seria longo demais expor o conjunto da doutrina antroposófica em um único artigo. Será preciso nos contentarmos, por ora, em estudar dois aspectos importantes: a mística e a cristologia.