Rosmini-Vaticano II: o decodificador de um complô de 130 anos
Terça-feira, 27 de maio de 2008
Artigo original disponível em Virgo Maria
- Demonstração da realização das “Cinco chagas da Igreja” (1832/1848) do padre Rosmini no Vaticano II
- A realização das « Cinco chagas da Igreja » no Vaticano II demonstrada, citações a apoio, e claramente explicitada pelo Centro Rosmini (conciliar) na Grã-Bretanha
- A Primeira Chaga
- Segunda Chaga
- Terceira Chaga
- Quarta Chaga
- Quinta Chaga
- Algumas questões suscitadas pelas palavras-chave dos sete preceitos
- Reflexão Final
Demonstração da realização das “Cinco chagas da Igreja” (1832/1848) do padre Rosmini no Vaticano II
Tradução para o português do documento oficial do Centro Rosmini na Inglaterra.
A verdade sobre as etapas do complô com mais de cem anos para preparar a destruição da Igreja continua a emergir do poço.
Trazemos por meio desta mensagem uma peça capital ao importante dossiê[1] que consagramos à questão Rosmini em 17 de abril de 2008.
Trata-se da tradução em português de um documento oficial do Centro Rosmini na Inglaterra, que demonstra em mais de 20 páginas, com muitos argumentos e detalhes, como o Concílio Vaticano II se dedicou, desde sua abertura em 1962, a realizar ponto por ponto o programa de destruição da Santa Igreja que constituía o livro chave “As 5 chagas da Igreja” redigido 130 anos antes, em 1832, sob a assinatura do padre Rosmini, mas que, por prudência (insuficiente graças à Providência), só foi publicado em 1848, para ser imediatamente condenado e colocado no Índice pelo Papa Pio IX alguns meses depois, em 1849.
(Convidamos os leitores a encontrar todos os detalhes e os principais documentos referindo-se ao dossiê VM em questão)
Diante de tal continuidade de 130 anos, como continuar obstinadamente a se recusar a admitir a realidade do complô contra a Igreja?
Aqui está, portanto, um jovem padre, subitamente sob a proteção do rei da Sardenha Carlo Alberto (F M
) da Casa de Saboia, e, sobretudo, protegido por uma figura rica e influente nos meios católicos, o Conde Giacomo Mellerio, o célebre joalheiro das cortes reais, cuja família era protegida dos Médici, que se vê subitamente impulsionado a partir de 1846 e, sobretudo, em 1848, junto a Giovanni Maria Mastaï Ferreti, eleito papa em junho de 1846 sob o nome de Pio IX, enquanto o governo (F
M
) britânico financiava a reunificação italiana para destruir os Estados pontifícios e subordinar um Papa que aceitaria a “presidência espiritual” de uma confederação italiana erguida contra o Império Austro-Húngaro.
Essa tentativa de entrismo do padre Rosmini falhou providencialmente em 1849.
De fato, foi abruptamente interrompida pela colocação de sua obra no índice pelo Papa Pio IX, que estava em fuga em Gaeta, após ter sido expulso de Roma pelas tropas de Garibaldi durante a revolução de 1848.
Mas desde 1832, ou seja, há 16 anos já, o padre Rosmini, que, para seu Instituto de Caridade, escolheu como emblema o pelicano, um símbolo recuperado pelos Maçons Escoceses para significar seu 18º grau iluminado de Cavaleiro Rosacruz, havia entregue uma obra chave que continha, para os iniciados que sabem ler no seu sentido real, todo o programa de crucificação e destruição da Igreja PELOS CLÉRIGOS.
Esse programa, público, mas escondido sob uma simbologia conhecida somente pelos meios subversivos que conspiram pela revolução da Igreja de dentro, será realizado ponto por ponto entre 1962 e 1965 durante o “Concílio” Vaticano II.
Os mestres de obras serão dois bispos apóstatas: o Rosacruzes Angelo Roncalli, que se tornou João XXIII, e o homossexual[2] Giovanni-Battista Montini, que se tornou Paulo VI.
Diante da evidência de tal complô, como Monsenhor Fellay ainda pode continuar a “discutir” com o que Monsenhor Lefebvre qualificou de “máfia” em conexão com a maçonaria?
E o padre Belwood (capelão das dominicanas de Kernabat desde setembro de 2007 e protegido do ex(?)-anglicano Monsenhor Williamson, o bispo da Rosa da FSSPX) assistiu a Roma à ‘beatificação’ de Rosmini pelo padre apóstata Ratzinger no dia 18 de novembro de 2007, e, depois, em Kernabat, junto aos filhos das famílias fiéis da FSSPX, se tornou o propagandista zeloso do sacerdote condenado por Pio IX e por Leão XIII.
A ordenação do padre Belwood foi feita no novo rito inválido promulgado em 1969, e, aparentemente, por um pseudo-“bispo” conciliar que teria sido ele mesmo “consagrado” no rito certamente inválido da nova pseudo “consagração” episcopal conciliar inventada por Dom Botte-Lécuyer-Bugniniù-Montini no dia 18 de junho de 1968.
A ordenação do padre Belwood, portanto, não é sacramentalmente válida.
Senhor Robert Belwood, à luz da teologia sacramental católica tradicional, não é mais do que um simples leigo que veste uma batina, e não possui de modo nenhum os poderes sacerdotais reais de um sacerdote católico. Ele nunca foi reordenado sob condições.
Até quando os fiéis e os clérigos vão suportar esse escândalo em silêncio e se deixar impor sem nada dizer sobre os sacramentos inválidos dentro da Fraternidade em Kernabat?
Ouça Monsenhor Lefebvre sobre a validade da missa!
Continuemos a boa luta
A Redação de Virgo-Maria
© 2008 virgo-maria.org
[1] http://www.virgo-maria.org/articles/2008/VM-2008-04-16-A-00-Rosmini.pdf
[2] Cf. o romance com chave A sotaina vermelha de Roger Peyrefitte.
A realização das « Cinco chagas da Igreja » no Vaticano II demonstrada, citações a apoio, e claramente explicitada pelo Centro Rosmini (conciliar) na Grã-Bretanha
As correspondências entre o livro de Rosmini de 1848 e os textos do Vaticano II são apresentadas com precisão.
CENTRO ROSMINI – REINO UNIDO
Rosmini Centre House of Prayer,
433 Fosse Way,
Ratcliffe-on-the-Wreake,
Leicester, LE7 4SJ
Fonte original em inglês
Tradução para o português
(Que o tradutor seja aqui calorosamente agradecido)
AS CINCO CHAGAS DA SANTA IGREJA
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Sem dúvida, trata-se da obra mais famosa de Rosmini, escrita com paixão e um grande amor pela Igreja. Isso lhe trouxe um enorme dano pessoal, mas ele sentia que a renovação da Igreja era de tal urgência que deveria estar preparado para sofrer por isso. Rosmini havia tomado a imagem da "Igreja crucificada" do Papa Inocêncio IV (1243-1254).
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Rosmini escreveu este livro em 1832, mas não o publicou, dizendo "OS TEMPOS NÃO ESTÃO MADUROS". Em 1846, um novo Papa é eleito, Pio IX, "QUE PARECE DESTINADO A RENOVAR A NOSSA ÉPOCA E DAR À IGREJA UM NOVO E GLORIOSO IMPULSO PARA UM DESENVOLVIMENTO INIMAGINÁVEL": Rosmini publicou seu livro em 1848 para um grupo de amigos "QUE COMPARTILHARAM MINHA DOR E AGORA COLOCAM COMIGO SUAS ESPERANÇAS NO FUTURO". Ele foi imediatamente editado, contra suas intenções, por editoras piratas. Sua difusão foi ampla e rápida. Houve uma edição em inglês publicada em Londres, traduzida por um cônego anglicano. Um episódio curioso ocorreu, relacionado à edição de Rovereto de 1863, quando muitos bispos e cardeais se reuniram em Trento para as celebrações do terceiro centenário do famoso Concílio. Algumas pessoas de Rovereto (a cidade natal de Rosmini) colocaram exemplares do livro nos quartos dos bispos e cardeais, mas os padres locais imediatamente removeram os livros e fizeram uma fogueira no pátio do Seminário. No entanto, o povo de Rovereto persistiu e enviou exemplares a todos os bispos e cardeais em seus endereços pessoais pelo mundo. [Com que dinheiro tudo isso? NdT]
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Com a perspectiva, podemos dizer que a publicação do livro em 1848 foi um grave erro, dada a agitada situação política da maior parte da Europa. Isso não poderia deixar de suscitar uma feroz oposição de todos os lados, mas particularmente do governo austríaco que ocupava quase toda a parte norte da Itália e considerava Rosmini como "NOSSO MAIS FORMIDÁVEL INIMIGO" e "O MAU GÊNIO DE PIO IX" (segundo uma carta do Embaixador da Áustria em Roma em 1849). Rosmini era súdito do Império Austríaco (Rovereto era austríaca na época), mas não escondia sua forte aspiração a uma Itália independente formada por uma confederação de estados italianos livres. Além disso, nas Cinco Chagas, Rosmini pleiteia uma plena liberdade da Igreja em todos os domínios legítimos, mas particularmente para a nomeação dos bispos e para a plena propriedade dos bens da Igreja. A Áustria, por outro lado, exercia na época um controle absoluto sobre a nomeação dos bispos do Império, e o clero e as propriedades da Igreja estavam sob sua autoridade. Durante toda a sua vida, Rosmini foi perseguido pelas autoridades austríacas.
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Mas por que os anos de 1848-1849 foram os piores para a publicação e a difusão das Cinco Chagas da Santa Igreja?
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Rosmini se dirigiu a Roma como enviado especial do Rei do Piemonte, Carlo Alberto, para persuadir o Papa a conceder uma Constituição aos Estados do Vaticano e aceitar assumir a liderança de uma Confederação dos Estados Italianos livres. O Papa, que tinha em alta estima Rosmini, o recebeu com satisfação e o advertiu para se preparar para ser feito Cardeal. Todos na Cúria estavam convencidos de que Rosmini seria o próximo Secretário de Estado. Infelizmente, a situação política de Roma deteriorou-se, com o assassinato do Primeiro-Ministro dos Estados do Vaticano e uma revolta popular. Padres e vários Cardeais foram mortos, e o Papa foi forçado a fugir de Roma disfarçado. Ele buscou refúgio no Reino de Nápoles e permaneceu em Gaeta durante mais de um ano sob a proteção do Rei de Nápoles e do governo austríaco. Ele pediu a Rosmini que o seguisse para Gaeta e, no início, considerou particularmente suas opiniões. As coisas mudaram radicalmente para Rosmini com a chegada do Embaixador da Áustria, "ESPERADO COMO O MESSIAS". O Papa foi facilmente convencido de que sua segurança e a dos Estados do Vaticano dependiam de seus protetores tradicionais, a Áustria e Nápoles, bem como de qualquer Potência que se opusesse aos movimentos de independência ou liberalização. O Papa disse a Rosmini que não era mais um "CONSTITUCIONALISTA" e que havia abandonado suas visões liberais em matéria de política. Além disso, Rosmini se viu praticamente impossibilitado de se aproximar do Papa, e os Cardeais, liderados pelo Cardeal Antonelli, um devotado apoiador da Áustria, se esforçaram para neutralizar sua influência sobre o Papa. E, de fato, eles usaram as Cinco Chagas como uma arma poderosa contra Rosmini.
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Sob a pressão de certos Cardeais, o Papa pediu a Rosmini que esclarecesse seu ensinamento sobre as seguintes opiniões contidas nas Cinco Chagas: 1) O direito divino do clero e do povo na eleição dos bispos; 2) A utilização do vernáculo na liturgia; 3) A crítica da Escolástica; 4) A separação da Igreja e do Estado. Rosmini esclareceu todos os pontos e enviou uma nota escrita ao Papa. Ele enviou uma segunda carta, mas sem resultado: alguns na corte papal garantiram que nenhuma correspondência chegasse ao Papa. Pouco depois, a polícia do Reino de Nápoles começou a assediar Rosmini, com a intenção evidente de fazê-lo deixar o reino e assim não poder mais influenciar o Papa.
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Rosmini deixou Nápoles em 15 de julho de 1849. Em 13 de agosto de 1849, enquanto viajava para Stresa, ele recebeu uma carta da Congregação do Índice indicando que, por ordem do Papa, tinha-se reunido (em maio-junho, quando Rosmini estava em Nápoles, mas a reunião foi escondida dele) e decretou que o livro "Das Cinco Chagas da Santa Igreja" estava condenado e incluído na lista de livros proibidos. O Papa aprovou o decreto e pediu que ele se submetesse. Rosmini obedeceu imediatamente: "FUI MANTIDO NA IGNORÂNCIA DAS REUNIÕES DA CONGREGAÇÃO E AS RAZÕES DA CONDENAÇÃO NUNCA ME FORAM DADAS. MANIFESTEI MINHA PLENA SUBMISSÃO... Sit nomen Domini benedictum”. Ele escreveu sua carta de submissão: "COMO UM FILHO DEVOTO E OBEDIENTE DA SANTO SÉ, QUE PELA GRAÇA DE DEUS SEMPRE PROCLAMEI SER E SOU NO MEU INTERIOR, DECLARO QUE ME SUBMETO À PROIBIÇÃO DESTE LIVRO, ABSOLUTAMENTE, SIMPLESMENTE E DA MANEIRA MAIS COMPLETA POSSÍVEL, PEDINDO QUE INFORMEM O SANTO PAI E A SAGRADA CONGREGAÇÃO". Alguns dias depois, ele escreveu ao Mestre do Sagrado Palácio: "ADICIONO QUE PELA GRAÇA DE DEUS SOMENTE, NUNCA TIVE NA VIDA A MENOR TENTAÇÃO CONTRA A FÉ, NEM HESITEI EM CONDENAR QUALQUER COISA QUE O SANTO SÉ PUDESSE ENCONTRAR DE ERRADO EM MEUS ESCRITOS OU EM OUTRO LUGAR".
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Nenhuma razão oficial para a condenação foi nunca dada. Rosmini estava certo de que não havia nada de teologicamente errado no livro; na sua opinião, o livro havia sido condenado sob pressão da Áustria devido à sua insistência em afirmar que a eleição dos bispos não cabe ao Estado, mas à Igreja e que o clero e o povo têm um direito divino de eleger seus bispos, com a aprovação do Papa, que tem a palavra final.
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O Índice sobre o livro foi levantado apenas alguns anos antes do Vaticano II. Era conhecido pela maioria dos bispos que participaram do Vaticano II, e muitas das ideias do livro se materializaram nos Documentos do Vaticano II. O Papa Paulo VI chamava As Cinco Chagas da Santa Igreja de "UM LIVRO PROFÉTICO". Para muitos, algumas das Chagas ainda aguardam correção, e talvez precisemos de um Vaticano III para abordar mais decisivamente as Terceira, Quarta e Quinta Chagas; mesmo as Primeira e Segunda Chagas ainda estão amplamente abertas, embora a Igreja do Vaticano II tenha produzido documentos importantes para "cure-las".
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As Cinco Chagas da Santa Igreja é uma obra teológica valiosa sobre a Igreja que Rosmini amava de todo o seu coração. Aqui estão alguns pontos importantes que foram retomados pelo Vaticano II e pelos documentos pontifícios subsequentes:
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A união viva do clero e dos leigos em um só povo de Deus
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A participação ativa e inteligente de todos na Liturgia
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A Cristandade como uma realidade e mistério "sobrenatural"
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O caráter essencial das Escrituras e dos Sacramentos
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O retorno às antigas tradições e aos Pais da Igreja
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A necessidade de uma teologia viva
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A formação aprofundada do clero nas Escrituras, nos Pais, na Tradição
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A colegialidade dos bispos com o Papa à frente do Colégio
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A consciência renovada entre os Cristãos de que o Bispo é o Pai e o Pastor da Igreja local
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A presença e o consentimento do Povo de Deus (clero e leigos) para a eleição de seu Pastor, o Bispo
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A responsabilidade de todo o Povo de Deus em relação à Igreja
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A liberdade da Igreja em relação aos poderes políticos e à riqueza materialista
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A pobreza efetiva do bispo e do clero, vivida como uma vocação
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As obras de caridade da Igreja em relação aos pobres, das quais os ricos da Igreja são em parte devedores
Um último ponto sobre a história das Cinco Chagas: Rosmini sofreu grandemente após a condenação do livro. Sua reputação estabelecida como filósofo, teólogo e guia espiritual cristão tornou-se suspeita. Amigos o abandonaram. Algumas escolas de teologia deixaram de ensinar suas teorias. O Instituto de Caridade também sofreu. Os rosminianos não foram mais bem-vindos em certos dioceses, alguns bispos se opuseram à abertura de novas instituições rosminianas, e o influxo de noviços quase parou. O martírio de Rosmini e de seu Instituto terminou apenas em 2002, quando o Vaticano publicou uma declaração, uma espécie de arrependimento pelo tratamento dado a Rosmini.
As Cinco Chagas da Santa Igreja e alguns documentos do Vaticano II:
1ª Chaga | Ver CONSTITUIÇÃO SOBRE A LITURGIA SAGRADA |
2ª Chaga |
Ver DECRETO SOBRE A FORMAÇÃO DOS PADRES Ver também o DECRETO SOBRE O MINISTÉRIO E A VIDA DOS PADRES |
3ª Chaga |
Ver DECRETO SOBRE O OFÍCIO PASTORAL DOS BISPOS NA IGREJA. Ver também Lumen Gentium. |
4ª Chaga |
Ver DECRETO SOBRE O OFÍCIO PASTORAL DOS BISPOS NA IGREJA. Ver também a DECLARAÇÃO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA. |
5ª Chaga |
Ver a DECLARAÇÃO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA. Ver também as diversas encíclicas sobre os problemas sociais. |
A Primeira Chaga
A CHAGA na MÃO ESQUERDA DA SANTA IGREJA: A DIVISÃO ENTRE O POVO E O CLERO no culto público
“TODOS OS FIEIS, clero e povo, representam e formam na Igreja a maravilhosa unidade indicada por Cristo quando diz: "quando dois ou três estão reunidos em meu nome, [de acordo com tudo o que solicitarem][3], EU ESTOU NO MEIO DELES".
Rosmini tinha uma opinião muito elevada sobre a dignidade dos leigos. Os "fieis", para Rosmini, são o clero e os leigos juntos, representando e formando na Igreja a maravilhosa unidade indicada por Cristo quando diz: "quando dois ou três estão reunidos em meu nome, [de acordo com tudo o que pedirem], eu estou no meio deles". Cristo pede a unidade de espíritos e corações, o clero e o povo agindo "como um só homem", assim como a Escritura diz a respeito dos antigos israelitas.
Rosmini escreve sobre a dignidade dos leigos: "HÁ SEMPRE ENTRE ELES HOMENS E MULHERES PRUDENTES E SANTOS, TENDO O SENSO DE CRISTO. O POVO FAZ PARTE DO CORPO MÍSTICO DE CRISTO; UNIDOS A SEUS PASTORES E INCORPORADOS À CABEÇA, FORMAM UM SÓ CORPO. NO SEU BATISMO E NA SUA CONFIRMAÇÃO, ELES RECEBERAM A MARCA DE UM CARÁTER INDELÉVEL E SACERDOTAL... O/ A CRISTÃO(Ã) ORDINÁRIO POSSUI UM SACERDÓCIO QUE LHE DÁ UMA DIGNIDADE, PODERES ESPECIAIS E UM SENTIDO DE ESPIRITUALIDADE. O CLERO TEM SEUS DIREITOS, MAS OS CRISTÃOS TAMBÉM. POR EXEMPLO, O CRISTÃO PODE E DEVE OPOR-SE A UM BISPO QUE PROFESSE ABERTAMENTE A HERESIA. SEU SENTIDO DO SOBRENATURAL LHE ENSINA ISSO E LHE DÁ O DIREITO DE O FAZER. OS PARES DA IGREJA ENSINARAM QUE A PARTICIPAÇÃO DO POVO NA ESCOLHA DE SEUS PASTORES VEM DA LEI DIVINA...". Rosmini escreveu isso em 1832, sozinho entre todos os escritores cristãos da época.
Os primeiros Cristãos, Apóstolos e fiéis, estavam "unidos de coração e espírito", agiam como se fossem um só Corpo. Por quê? Eles acreditavam nas mesmas verdades, participavam totalmente, corpo e alma, de suas liturgias, da Eucaristia e dos Sacramentos. Cada um compreendia o que devia ser dito e feito.
JESUS veio para salvar a pessoa em sua totalidade, corpo e alma. O Evangelho apela a ambos os elementos da natureza humana, o espírito e o coração. Os Apóstolos foram verdadeiramente enviados para "pregar", para instruir o povo. Mas eles não fundaram uma escola de filosofia, nem realizaram milagres apenas para provar que o que diziam era a Verdade, nem deram exemplos de grande virtude para convencer seus ouvintes. Se tivessem apresentado o Cristianismo simplesmente como testemunho, como verdades a crer, não teriam tido tanto êxito. Seu apelo teria sido grandemente diminuído.
O que fizeram os Apóstolos para salvar a totalidade da pessoa, inteligência e sentimento, espírito e coração, e submeter o mundo inteiro a uma cruz?
O mandamento de Jesus foi: "Vão pelo mundo e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Seu mandamento era "falar" à inteligência através da pregação, regenerar a vontade, tocar o coração, falar aos sentimentos "batizando", pelos Sacramentos, pelos atos de culto do Novo Testamento. Os Sacramentos eram os ritos misteriosos e as obras poderosas pelos quais os Apóstolos reformaram o mundo inteiro. "Os Sacramentos eram as palavras e sinais de Deus, criando uma nova alma, uma nova vida, novos céus e uma nova terra. Os Apóstolos acrescentaram à sua pregação o culto Católico, que consiste principalmente no Sacrifício da Missa, nos Sacramentos e nas orações que os expressam".
Os Apóstolos acrescentaram orações, cerimônias e ritos nobres, mas não trouxeram nada que fosse desprovido de significado.
O culto não era um espetáculo, o povo não estava lá para ver, mas para constituir um elemento importante do culto no templo de Deus. O culto sublime da Santa Igreja é assim um ato comum do clero e do povo juntos.
“O Povo – escreve Rosmini – deveria ser atuante assim como ouvinte, enquanto que, na verdade, ele é, na maioria das vezes, presente à Missa como as colunas e as estátuas do edifício”. Eles deveriam ter uma compreensão profunda dos mistérios, orações, símbolos e ritos que constituem o culto Católico. “A separação dos leigos da Igreja durante o culto, devido à falta de compreensão, é a primeira dessas chagas sangrentas que escorrem do Corpo Místico de Jesus Cristo”.
Rosmini rapidamente tranquiliza aqueles que, sem que haja culpa de sua parte, simplesmente não compreendem o que se passa na Igreja, dizendo ao Espírito "AJUDE-NOS NA NOSSA FRAQUEZA. PORQUE NÃO SABEMOS ORAR COMO DEVE SER. MAS O PRÓPRIO ESPÍRITO INTERCEDE POR NÓS COM GEMIDOS INEXPRIMÍVEIS". A voz do povo simples, sem educação, se for impulsionada pelo Espírito, penetra até o céu. Mas o culto é um ato comum do clero e do povo, e juntos nos aproximamos do trono da graça, é com a mesma compreensão de nossa parte que o fervor, a veneração e a devoção aumentam. O amor cresce entre o clero e o povo, e dentro do povo.
Quais são as razões para tantas divisões dolorosas e tristes na Igreja?
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A causa primeira do muro de divisão é a falta de instrução viva entre os Cristãos. Cristo diz para "pregar" primeiro: o povo deve receber as verdades dos Evangelhos, ser educado na fé, nas Escrituras, nas tradições e na moral. Em seguida, Ele diz: “batizem-nos”, os Sacramentos são simplesmente as realidades poderosas do que foi ensinado. O ensino deve ser complementado e ganhar vida na participação no culto Católico. Rosmini é defensor de catecismos mais longos, pois eles são mais do que meras repetições de fórmulas ou resumos abstratos. A Fé é uma coisa viva, e a transmissão da verdade deve andar de mãos dadas com a experiência do poder sobrenatural que emana do culto. Não pode haver plena participação na Liturgia sem um sólido conhecimento das verdades da fé. Essa profunda penetração, que Rosmini deriva da Igreja de tempos primitivos, foi perdida há muitos séculos; os cursos de RCIA (Rito de Iniciação Cristã para Adultos) e todas as abordagens modernas do catecumenato reforçam o vínculo íntimo entre catequese e culto.
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A segunda razão para a divisão é que o latim, usado no culto, não é mais a língua do povo. A compreensão das palavras é essencial para apreender o poder dos Sacramentos; povo e clero não podem orar de um só coração e de um só espírito se as palavras usadas na oração não são compreendidas. O fim do latim como língua viva é devido às invasões bárbaras e a outros fatores, mas é um fato.
Rosmini foi expressamente convidado pelo Papa a rejeitar a ideia que lhe era atribuída, de ser a favor da introdução do vernáculo na liturgia. Rosmini apresentou várias razões para manter o latim e não introduzir o vernáculo:
Interesse em manter a língua latina no culto:
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O latim reflete a imutabilidade da fé.
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O latim une muitos povos cristãos em um único rito.
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O latim significa a unidade e a grandeza da Igreja, bem como uma fraternidade comum.
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O latim produz uma atmosfera sobrenatural, além das palavras.
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O latim traz a alegria de saber que povos e santos do passado oraram com as mesmas palavras e expressões que usamos.
Desvantagens do vernáculo:
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As línguas modernas são numerosas demais e trazem divisões na Igreja.
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As línguas modernas são variáveis e instáveis, provocando mudanças constantes nas palavras da liturgia e perturbando a assistência ao culto.
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As línguas modernas carecem de termos precisos para conceitos teológicos elevados.
Rosmini acreditava que os sacerdotes deveriam fazer um maior esforço para fazer o povo entender a liturgia e as palavras utilizadas. Ele não era a favor da utilização do vernáculo, mas não teria objeções a sua introdução. Ele pedia uma educação aprofundada dos sacerdotes para que, sendo considerados o sal e a luz da comunidade cristã, pudessem promover incansavelmente a maior participação dos leigos na Missa e nos Sacramentos. Infelizmente, acrescentava Rosmini, a formação insuficiente do clero é a segunda chaga da Igreja.
É claro que Rosmini estaria longe de aprovar o tipo de inovações litúrgicas que, infelizmente, são muito frequentes em algumas de nossas paróquias. Ele achava que pequenas mudanças eram necessárias, apreciando imensamente a liturgia da Missa que chamamos de "tridentina". A chaga não estava na liturgia como ela era, mas no fato de que tanto os sacerdotes quanto o povo não compreendiam o que deveria ser feito e dito. Ele desejava uma liturgia "viva", uma liturgia celebrada pelos fiéis, clérigos e povo, formando "um espírito, um coração".
Rosmini foi ordenado sacerdote em 1821. Ele notou em seu diário: "A PARTIR DE AGORA EU DEVO SER UM HOMEM NOVO, VIVER NO CÉU PELO CORAÇÃO E PELO ESPÍRITO, FALAR SEMPRE COM CRISTO, DESPREZAR E FUGIR DAS COISAS DA TERRA. EU DEVO VOLTAR DO ALTAR COMO SANTO, APÓSTOLO, HOMEM DE DEUS". Santo João Bosco, a quem Rosmini ajudou em várias ocasiões, dizia dele: "EU NUNCA VI UM SACERDOTE CELEBRAR A MISSA COM MAIS DEDICAÇÃO DO QUE O PADRE ROSMINI".
Trecho da Constituição sobre a Liturgia Sagrada do Vaticano II:
“Dia após dia, a liturgia fortalece aqueles da Igreja no santo Templo do Senhor.”
“Aqueles que receberam a palavra foram batizados. Eles continuam com constância a receber o ensinamento dos Apóstolos e na comunhão da partilha do pão.”
“Essa participação pelo povo Cristão como uma 'raça escolhida, sacerdócio real, nação santa' é seu direito e seu dever em razão de seu batismo.”
“Seria vã a esperança de uma participação ativa sem que os próprios sacerdotes se tornem profundamente penetrados do espírito e do poder da liturgia.”
“Deve-se ajudar os sacerdotes a entender ainda mais profundamente do que se trata quando celebram os ritos sagrados; deve-se ajudá-los a viver a vida litúrgica e a compartilhá-la com os fiéis.”
[3] Acrescentado às próprias palavras de Cristo [Mat. 18, 20] (N. do T.)
Segunda Chaga
A FERIDA NA MÃO DIREITA DA SANTA IGREJA: A FORMAÇÃO INSUFICIENTE DO CLÉRIGO
“APENAS GRANDES HOMENS PODEM FORMAR GRANDES HOMENS”
- A Pregação e a Liturgia foram as duas grandes escolas abertas ao povo Cristão durante o período mais glorioso da história da Igreja. O ser humano inteiro foi interpelado pela Palavra de Deus e pelas palavras da Liturgia que falavam à mente, pela eficácia dos rituais, símbolos e ações dos Sacramentos, especialmente da Eucaristia, que tocavam os corações. Os pregadores da Palavra eram homens santos que preenchiam seus ouvintes com sua própria abundância espiritual transbordante.
- Temos uma descrição da Eucaristia tal como era celebrada nos primeiros tempos da Igreja, contendo os dois elementos fundamentais, as palavras e os atos: "APÓS O PÔR DO SOL, AQUELES QUE VÊM DAS CIDADES OU DAS CAMPANHAS REÚNEM-SE PARA UMA CELEBRAÇÃO COMUM. E LÁ, LEEM-SE AS MEMÓRIAS DOS APÓSTOLOS OU OS ESCRITOS DOS PROFETAS, TANTO QUANTO É POSSÍVEL. QUANDO O LEITOR TERMINA, AQUELE QUE PRESIDE FAZ UM DISCURSO, EXORTANDO INSTANTE OS SEUS OUVINTES A PRATICAREM ESTES BELOS ENSINAMENTOS EM SUAS VIDAS. EM SEGUIDA, TODOS SE LEVANTAM E RECITAM AS ORAÇÕES. QUANDO AS ORAÇÕES TERMINAM, TROCAMOS O BEIJO. ENTÃO ALGUÉM TRAZ O PÃO E UM CÁLICE DE VINHO MISTURADO COM ÁGUA. AQUELE QUE PRESIDE OS PEGA E OFERECE LOUVOR E GLÓRIA AO PAI, AO FILHO E AO ESPÍRITO SANTO, E DURANTE UM TEMPO CONSIDERÁVEL RENDENDO GRAÇAS (EM GREGO EUCHARISTIAN) POR TERMOS SIDO JULGADOS DIGNOS DESTES PRESENTES, TODOS OS ASSISTENTES SE UNEM À ACLAMAÇÃO DIZENDO AMÉM. QUANDO AQUELE QUE PRESIDE RENDE GRAÇAS E A ASSISTÊNCIA RESPONDE, AQUELAS PESSOAS QUE CHAMAMOS DIÁCONOS DÃO AQUELES QUE ESTÃO PRESENTES O PÃO "EUCARISTIZADO" E PEGAM PARA AQUELAS QUE ESTÃO AUSENTES. PARALELAMENTE, OS BENFEITORES DOAM O QUE QUISEREM. O QUE É RECOLHIDO É CONFIADO AQUELA QUE PRESIDE, A QUAL AJUDA COM ISSO OS ÓRFÃOS E AS VIÚVAS..." (São Justino, 150 d.C.).
- Os sacerdotes vêm destas fervorosas comunidades Cristãs, que participavam plenamente da liturgia e haviam assimilado o poder do Evangelho em suas vidas. Este fato permite explicar como alguns membros excepcionais de tais comunidades foram elevados, a pedido geral, do humilde estado de leigo ao de bispo em poucos dias: veja, por exemplo, São Ambrósio, São Alexandre, São Martinho, São Pedro Crisólogo. Eles eram membros apreciados de sua comunidade Cristã e todos conheciam seu zelo e fervor nas assembleias.
- Segundo os mesmos critérios, nosso próprio clero não é melhor que nossos fiéis. É a comunidade que gera os sacerdotes; uma boa comunidade Cristã gerará bons sacerdotes, uma comunidade Cristã morna gerará sacerdotes mornos.
- Rosmini lamentava que as comunidades Cristãs de sua época foram negligenciadas pelo clero ao ponto de que as liturgias já não eram compreendidas, que o conhecimento da Palavra era mínimo, e que o povo de Deus foi relegado ao papel de espectadores na celebração dos Sacramentos, incapazes de participar devido a uma grande ignorância. Que tipo de clero poderia emergir de comunidades tão fracas? "O primeiro estágio do sacerdócio é o Cristão em si mesmo": um Cristão fraco se tornará candidato ao sacerdócio, sem compreender a liturgia nem a Palavra de Deus, atraído pelo privilégio de uma posição superior na sociedade, não pelo amor a Deus e ao seu povo; um tal candidato fará um sacerdote fraco, que consequentemente dirigirá congregações mais fracas e instruirá novos candidatos ainda mais fracos. "COMO PODEMOS EMPREENDER A INSTRUÇÃO E A FORMAÇÃO AO SACERDÓCIO EM UMA TRADIÇÃO REALMENTE EMINENTE DE CANDIDATOS TÃO MAL PREPARADOS? ELES IGNORAM OS ELEMENTOS BÁSICOS QUE DEVEM CONHECER? ELES NÃO TÊM NENHUMA IDEIA DO TIPO DE SABER QUE SE ESPERA DE UM SACERDOTE, NENHUMA IDEIA DO QUE ESTÃO SE COMPROMETENDO COMO CANDIDATOS AO SACERDÓCIO. A POBREZA E A MISÉRIA DAS IDEIAS QUE SUSTENTAM A PREPARAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS ECLESIÁSTICOS MODERNOS PRODUZEM SACERDOTES IGNORANTES DA NATUREZA DA LAICIDADE CRISTÃ, DO SACERDÓCIO CRISTÃO E DOS VÍNCULOS SAGRADOS QUE OS RELACIONAM. MINISTROS DE CORAÇÃO MESQUINHO E ESPÍRITO ESTREITO, ELES SE TORNAM SACERDOTES E DIRIGENTES DE IGREJAS, FORMANDO SACERDOTES AINDA MAIS FRACOS E INDIGNOS QUE ELES MESMOS".
- Para Rosmini, esta situação lamentável remonta aos tempos sombrios da história Européia, a partir do final do século sexto. Ele acredita que os primeiros seis séculos constituem a idade de ouro da vida da Igreja; as incessantes invasões de bárbaros do Norte e do Leste trouxeram gradualmente mudançãs significativas em muitos aspectos da vida da Igreja, incluindo a formação para o sacerdócio. Eis sua análise histórica:
- Os sacerdotes da Igreja dos primeiros tempos foram formados pelos melhores homens que ela possuía. O "seminário" da Igreja nos primeiros tempos era a casa do Bispo. Os sacerdotes e diáconos viviam com seu bispo em uma comunidade de fé e amor. Eles aprendiam com seu bispo o amor pelas Escrituras, o zelo ardente pela Igreja, a preocupação pelos pobres. Santo Agostinho foi o educador de um grande número de sacerdotes e bispos que residiam com ele em sua casa. O mesmo se dá com Atanásio, Alexandre, Sixto, Jerônimo, Irineu, Panteno, Hermas: eles formaram grandes sacerdotes e bispos, tendo sido formados por outros grandes bispos. "Apenas grandes homens formam grandes homens", diz Rosmini. Os Apóstolos iniciaram o trabalho: Timóteo, Tito, Marcos, Evódio, Clemente, Inácio, Policarpo, todos bispos da Igreja primitiva, foram educados pelos próprios Apóstolos. Irineu, por sua vez, foi formado por Policarpo: "LEMBRO-ME ATÉ DO LUGAR ONDE O BEATO POLICARPO SE SENTAVA PARA PREGAR A PALAVRA DE DEUS. LEMBRO-ME COM PRECISÃO DA GRAVIDADE COM QUE ELE SE DESLOCAVA, SUA SANTIDADE EM TUDO QUE FAZIA, A DIGNIDADE DE SEUS TRAÇOS E SUA POSTURA, OS MÚLTIPLOS ENCORAJAMENTOS QUE ELE OFERECIA A SEU POVO. POSSO QUASE OUVIR A MANEIRA COMO ELE RELATAVA SUAS CONVERSAS COM SÃO JOÃO E OS OUTROS QUE VIRAM JESUS". Esses santos bispos se ocupavam pessoalmente da formação dos sacerdotes, e os educavam pela santidade de suas vidas e seu profundo conhecimento das Escrituras. A santidade de suas vidas garantia tanto a unidade dos sacerdotes com seus bispos quanto o ensino das mesmas doutrinas.
- Essa idade de ouro termina com as invasões dos bárbaros que trazem o caos e a destruição em todos os lugares. As sociedades ruíram, e o povo se agrupou em torno de seus sacerdotes e bispos, que se tornaram os mediadores entre o povo e seus novos senhores bárbaros. A Igreja foi subitamente sobrecarregada de honras e riquezas recebidas com sua aprovação. Os bispos tornaram-se funcionários dos novos estados, possuindo grande poder e riqueza, não mais livres, mas subordinados a seus senhores. Eles se distanciaram de seus sacerdotes, que se dividiram entre clero alto e baixo, competindo entre si pela aquisição de riquezas. Os bispos deixaram de ser amados e seguidos como pastores, tornando-se temidos como soberanos, distantes, cercados de armas e cortesãos. A vida comum entre bispos e sacerdotes cessou, e o cuidado pastoral foi deixado ao clero inferior, atraído agora ao sacerdócio não por homens santos e por uma vida sagrada, mas pela avareza e pela ambição.
- Rosmini vê a Santa Providência guiando os eventos, mesmo que tais eventos provoquem feridas profundas à Igreja. A participação dos sacerdotes e dos bispos nas estruturas de governo de uma sociedade dominada pela crueldade e ignorância dos mestres bárbaros fez com que os princípios Cristãos de amor ao próximo, justiça social, direitos da pessoa, mansidão e preocupação pelos pobres e doentes fossem gradualmente absorvidos, transformando a sociedade de dentro para fora.
- Nem todos os sacerdotes e bispos acolheram com benevolência a oportunidade de poder e influência que a mudança política trouxe. Rosmini menciona a queixa de São Gregório Magno, que dirigiu a Igreja nesse período, inconsolável ao ver os perigos do novo mundo: "NOMEADO BISPO, RETORNO AO MUNDO. AS CONDIÇÕES MODERNAS ADICIONARAM À MINHA TAREFA DE PASTOR MAIS PREOCUPAÇÕES DO QUE NUNCA TIVE NA MINHA VIDA DE LEIGO... AS MASSAS DE NEGÓCIOS QUE ME SOBEM DE TODOS OS LADOS, E O FLORECER DE RIQUEZAS QUE ME SUBMERGE, ME DÃO TODAS AS RAZÕES PARA DIZER QUE CAÍ NAS ÁGUAS PROFUNDAS, E A INUNDAÇÃO QUE ME SUBMERSA NAS QUESTÕES DO MUNDO TORNA IMPOSSÍVEL PARA MIM, NÃO APENAS PREGAR OS MILAGRES DO SENHOR, MAS ATÉ MESMO MEDITÁ-LOS". A ironia da situação era que, embora os bispos muitas vezes valorizassem seu novo status, poder e riqueza, os soberanos convertidos dedicavam suas coroas à Igreja, e sua maior glória era serem filhos e tributários da Igreja. Nessa época, quase todos os tronos da Europa estavam ocupados por um santo.
- Abandonados por seus bispos que se tornaram mais príncipes e soberanos deste mundo do que chefes espirituais, e carecendo de formação adequada, os sacerdotes atingiram um nível de degradação tal que perderam a estima do povo e se dedicaram a fazer dinheiro por todos os meios, usando os bens sagrados em seu benefício. As vendas de relíquias, sacramentos e indulgências tornaram-se generalizadas, e o vício e a ignorância tornaram-se a norma.
- O Concílio de Trento tentou remediar essa situação terrível ao proporcionar a fundação de seminários onde os candidatos ao sacerdócio pudessem receber uma formação adequada. Infelizmente, faltava aos formadores a grandeza dos bispos dos primeiros tempos da Igreja: "COMPAREM OS PROFESSORES - DIZ ROSMINI - SE QUISEREM TER UMA IDÉIA DOS DISCÍPULOS! DE UM LADO, OS BISPOS, OU OS HOMENS MAIS FAMOSOS DA IGREJA; DO OUTRO, OS JOVENS PROFESSORES DOS NOSSOS SEMINÁRIOS. QUE CONTRASTE!". Os professores de seminários, diz Rosmini, não têm experiência de vida, de paróquia, de trabalho pastoral. Eles são eruditos, mas sem sabedoria; conhecem de cor as fórmulas e os resumos das doutrinas, mas não têm a compreensão verdadeira dos grandes mistérios da fé.
- Além disso, os textos usados nos seminários são úteis para a erudição, mas não para formar sacerdotes em um modo de vida centrado em Cristo e no seu ensino. Os textos utilizados são "INSIGNIFICANTES, BANAIS, SEM ATRAÇÃO, O PRODUTO DE ESPÍRITOS ESTREITOS", que provocam nos estudantes o ódio ao aprendizado e à vida!
- As Escrituras foram o sublime manual da Igreja dos primeiros tempos, que inspirou o conhecimento e a fé juntos. Os Padres da Igreja utilizavam as Escrituras para todo seu ensino, elas os nutriram a eles próprios e a seus discípulos com as águas vivas da Palavra de Deus. Os comentários mais importantes da Bíblia vêm desses santos homens, e verdadeiramente todas as grandes obras teológicas tiveram como autores santos bispos. As obras dos Padres tornaram-se, por consequência, os manuais dos candidatos ao sacerdócio, mas após séculos ensinando-as, com muito poucas contribuições novas, até mesmo o estudo dos Padres tornou-se maçante e repetitivo. A etapa seguinte foi a introdução dos Compêndios de doutrinas, a Suma, que se tornou terreno dos Escolaístas, após Santo Tomás de Aquino. Mas enquanto Santo Tomás era imensamente profundo e sólido, seus discípulos reduziram o estudo teológico a fórmulas áridas, definições abstratas que não falavam ao coração das pessoas. "A CIÊNCIA TEOLOGICA PROGRESSIONOU, MAS A SABEDORIA DIMINUIU, E AS ESCOLAS TOMARAM UM CARÁTER ESTREITO E LIMITADO QUE FORMOU ESTUDANTES QUE FAZIAM PARTE DE UMA CLASSE SEPARADA DOS OUTROS SERES HUMANOS". Os novos teólogos, diz Rosmini, escolheram textos ainda mais inadequados para formar os candidatos: "ESTES LIVROS FORAM JULGADOS COMO OS MAIS MISERÁVEIS E DEBILITADOS TRABALHOS ESCRITOS EM DEZOITO SÉCULOS DE HISTÓRIA DA IGREJA. ELES CARECEM DE ESPÍRITO, DE PRINCÍPIOS, DE ESTILO E DE MÉTODO". Não é surpreendente, portanto, que o aprendizado da teologia e a vida Cristã tenham se tornado tão distantes. Não há substância, nem alimento da alma em tais obras, e os estudantes podem se permitir aprender as definições sem ter dúvidas sobre o pobre nível moral de suas vidas.
- Quão diferente era a educação dos sacerdotes nos tempos antigos; a metodologia era então unir o conhecimento à virtude, adquirir a verdadeira sabedoria, estudar enquanto se vive uma vida santa, cada aspecto nutrindo o outro. Buscava-se imitar Cristo, Sua Palavra divina e Seus atos extraordinários eram aprendidos e vividos, e o amor a Deus, o amor à Igreja e pelos pobres buscados com o mesmo entusiasmo que o amor pelas Escrituras e por todo verdadeiro saber.
- Em resumo, existem quatro explicações para a educação medíocre do clero:
- Os candidatos ao sacerdócio vêm de comunidades Cristãs fracas;
- Os candidatos moles e fracos são educados por sacerdotes moles e fracos;
- A pobreza dos manuais utilizados para formar os sacerdotes;
- A ausência de método adequado, o divórcio entre o ensino e a vida moral;
Para Rosmini, o Episcopado deve "curar" esta ferida. Mas os Bispos devem agir em conjunto, concordar em todos os princípios e métodos. O conjunto dos Bispos deve ser como a luz sobre a montanha, dirigindo seus sacerdotes pelo exemplo de sua comum santidade e unidade. Infelizmente, esta unidade essencial entre os bispos é o que falta. A desunião entre os bispos é a mais grave ferida no corpo crucificado da Igreja.
Trecho do Decreto do Vaticano II sobre a Formação dos Sacerdotes:
“Este Santo Concílio proclama a extrema importância da formação dos sacerdotes”
“Um programa para a formação dos sacerdotes deve ser empreendido pelas conferências Episcopais”
“A tarefa de encorajar as vocações cabe a toda a comunidade Cristã, que deve cumpri-la primeiro por uma vida toda Cristã... As famílias que vivem no espírito de fé, amor e respeito são uma espécie de introdução ao seminário... As paróquias ricas de vitalidade incentivam as vocações entre os jovens”
“Os diretores de seminários e os professores devem ser escolhidos entre os melhores... Eles devem criar um lar que fortaleça em cada um a alegria de sua vocação. Com uma participação ativa e amorosa, os Bispos devem inspirar a serem, e se mostrarem, verdadeiros irmãos em Cristo junto a seus estudantes”
“A formação espiritual deve estar intimamente ligada à formação doutrinal e paroquial... Elas devem ser ensinadas a prestar atenção a Cristo, a viver perpetuamente na companhia do Pai, do Filho e do Espírito Santo”
“Os seminaristas devem compreender plenamente que não são chamados às dominâncias e honras, mas a se dar inteiramente ao serviço de Deus e ao ministério pastoral”
“O estudo das Sagradas Escrituras deve ser a alma de toda teologia”.
Terceira Chaga
A ferida no lado da santa Igreja: a desunião dos Bispos
Os seis laços de ouro
A palavra "colegialidade" tem sido frequentemente ouvida desde o Concílio Vaticano II. O que isso significa? É uma doutrina moldada pelo Vaticano II segundo a qual os bispos formam um colégio que, unido sob a cabeça, o Papa, governa a Igreja. "A ORDEM DOS BISPOS É O SUCESSOR DO COLÉGIO DOS APÓSTOLOS EM SEU PAPEL DE ENSINANTES E PASTORES, E É NISSO QUE SE PERPETUA O COLÉGIO APOSTÓLICO. SEMPRE EM UNIÃO COM SUA CABEÇA, O PONTÍFICE SUPREMO, ELES EXERCEM PLENA AUTORIDADE SOBRE A IGREJA UNIVERSAL." (Lumen Gentium, 22). As tensões entre a primazia do papa e a colegialidade dos bispos sempre foram muito fortes. De forma significativa, o Vaticano II queria ressaltar que os bispos são realmente "vigários e legados de Cristo" e não "vigários do Papa". No entanto, muito recentemente, em 1996, o Arcebispo aposentado John Quinn se queixou de que a cúria papal frequentemente considerava a si mesma superior ao colégio dos bispos, dificultando assim o desenvolvimento da colegialidade. Atualmente, existem poucas estruturas colegiais, exceto por um Concílio Ecumênico. O Sínodo dos Bispos, criado por Paulo VI, é apenas um simples conselho do Papa: "Não é um órgão colegial de direção para a Igreja universal" (Ratzinger).
Essa união dos bispos entre si e com o Papa para formar um Colégio ainda não é efetiva. Muitos acreditam que precisamos de um Vaticano III para definir como realizar essa unidade perfeita dos bispos entre si e com o Papa, de modo que ela demonstre sua "plena autoridade sobre a Igreja universal". É indiscutível que enormes progressos foram feitos para curar essa "ferida" desde a época de Rosmini: os bispos se reúnem com mais regularidade em todos os níveis, muitos deles começam a se conhecer melhor; graças às Conferências Episcopais nacionais, documentos comuns são aprovados e divulgados. Mas os bispos sentem que cada um deles é responsável, não apenas por seu próprio diocese, mas pela Igreja universal? Existem estruturas que lhes permitem governar juntos a Igreja universal, sempre sob a liderança do Papa? Eles ensinam todos a mesma doutrina, a mesma liturgia, o mesmo código ético?
Rosmini afirma que a "colegialidade" ou a união de todos os bispos era praticada pelos bispos e Papas nos seis primeiros séculos da Igreja. Foi apenas quando os bispos entraram na arena política que a ferida da desunião e do conflito envenenou a Igreja. Aqui está sua análise histórica:
- JESUS, antes de sua paixão e morte, orou ao Pai para estabelecer seus apóstolos em perfeita unidade. A unidade na natureza divina da Santa Trindade é a fonte da unidade no Episcopado da Igreja.
- Os Apóstolos zelaram pela sua unidade e pela unidade de suas igrejas. Sua unidade interior era garantida pela comunhão de doutrinas e sacramentos; sua unidade exterior pelos fortes laços entre os Apóstolos e seu chefe, Pedro, e depois por seus sucessores.
- Embora dispersos entre as nações, os bispos eram conscientes de formar um só corpo dotado da mais alta autoridade. Seus corações e suas mentes eram dominados por esse grande conceito de unidade, e eles usavam todos os meios possíveis para se conectar entre si. Todos mantinham exatamente a mesma fé, o mesmo amor mútuo.
- Como essa perfeita unidade era realizada? Rosmini menciona "seis laços de ouro" que unem os bispos em perfeita unidade.
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Os bispos se conheciam pessoalmente entre si. Tito, Timóteo, Policarpo, Inácio, Irineu, João Crisóstomo, Gregório de Nyssa, Gregório de Nazianzo foram bispos que conheciam pessoalmente muitos outros santos bispos mesmo antes de serem nomeados. Era bem conhecido que a casa de Santo Agostinho era a casa na qual muitos futuros bispos foram formados. Esses grandes bispos formaram outros grandes bispos e mantiveram seus profundos laços de amizade e amor cristão.
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Os bispos, mesmo os mais isolados, correspondiam continuamente, embora não dispusessem dos nossos meios de comunicação. As cartas dos bispos eram lidas respeitosamente nas assembleias. Os Apóstolos escreviam para suas igrejas, e os outros bispos seguiam seus exemplos: Clemente, Inácio, Sotero, Atanásio, João Crisóstomo, etc. Particularmente comoventes são as cartas escritas por Inácio a várias igrejas quando foi levado a Roma para ser martirizado (aos Efésios, Magnésios, Tralianos, Romanos, Filadélfios e Esmirnenses). Na sua carta à igreja de Roma, São Dionísio escreve: "HOJE CELEBRAMOS O DIA DO SENHOR E LEMOS SUA CARTA. CONTINUAREMOS A LÊ-LA PARA NOSSO ENSINO, COMO FAZEMOS COM AS CARTAS QUE CLEMENTE NOS ENVIA." Sete cartas desse grande bispo nos chegaram, escritas a diferentes igrejas: aos Romanos, Lacedemônios, Atenienses, Nicodêmienses, habitantes do Ponto, da Creta e de Gnossos.
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Os bispos se visitavam mutuamente com caridade, ou movidos pelo zelo pelas questões da Igreja. Sua devoção se aplicava mais à Igreja universal do que suas próprias igrejas os investiam. Eles eram conscientes de ser bispos da Igreja Católica, e percebiam que um diocese não poderia ser separada do corpo inteiro dos fiéis. Cada Igreja local incorporava a totalidade do que a Igreja realmente é, mas seus bispos eram conscientes da necessidade fundamental de estar em união com os outros bispos e com o bispo de Roma.
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As Assembleias e Concílios, especialmente os concílios provinciais, se reuniam com frequência. Os bispos de uma província buscavam mutuamente seus pareceres, para esclarecer um ponto de doutrina, encontrar soluções comuns. Os bispos consultavam frequentemente seus sacerdotes e fiéis, prestando conta de seu governo. O consentimento dos fiéis em todas as áreas era tão valorizado que, se rejeitassem um bispo, não eram obrigados a aceitá-lo e outra pessoa adequada era nomeada em seu lugar. São Cipriano escrevia a seus sacerdotes: "No início do meu episcopado, decidi não tomar nenhuma decisão sem solicitar seu parecer e o dos fiéis".
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O bispo metropolitano tinha autoridade sobre os bispos de uma província, embora sedes mais importantes reunissem várias províncias e metropolitanos sob sua autoridade. Essa organização permitia a uniformidade da doutrina e da prática e fortalecia os laços entre as igrejas e os bispos.
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A autoridade universal do Papa, que era a rocha-fundamento da unidade da Igreja universal. Para todas as suas necessidades importantes, os bispos e as igrejas do mundo todo recorriam a ele como um pai, um juiz, um professor, um chefe, o centro e a fonte comum. Roma era considerada o supremo trono onde era visível no sucessor de São Pedro a sã doutrina e a unidade da Igreja na terra. O Papa era o símbolo da unidade da Igreja universal, e os bispos realizavam continuamente peregrinações a Roma para orar sobre a tumba de São Pedro e prestar contas ao Papa.
A idade de ouro da Igreja terminou após seis séculos. A mesma força destrutiva responsável pela formação insuficiente de sacerdotes foi também a causa da desunião entre os bispos: foi o fim do Império Romano e as incessantes invasões dos reinos bárbaros, com a instituição do sistema feudal. No colapso do antigo sistema, os bispos tornaram-se os intermediários entre o povo e os senhores bárbaros e foram forçados a entrar na arena política, adquirindo nesse ocasião poder, riquezas e privilégios. A "Cristianização" da Europa foi o resultado da presença e da influência dos bispos na administração pública, mas essa implicação teve consequências infelizes para a Igreja. Os bispos rapidamente aprenderam a amar seu novo status político, e se cercaram de cortesãos, homens de armas, e de todas as marcas exteriores que invejavam nos príncipes reais. Inventaram protocolos, títulos, construíram palácios, e geralmente se afastaram de seu clero inferior e do povo. A avareza, o ódio, os desentendimentos, os apetites, a licença se espalharam entre eles, tornando-os servís aos seus senhores que garantiam sua posição. "Eles se tornaram escravos de homens ricamente vestidos, em vez de apóstolos livres de um Cristo nu". A implicação dos bispos na política causou profundas dissensões entre eles. Rosmini menciona os esforços dos ambiciosos bispos de Constantinopla, de Ravena, dos antipapas, para obter mais poder para si mesmos e para seus próprios senhores políticos; [houve] o surgimento de igrejas "nacionalistas" dirigidas por bispos mais leais a seus soberanos do que ao Papa e aos Evangelhos.
A acumulação de riqueza e poder dos bispos era invejada não apenas pelo povo e pelo clero, mas logo atraiu a nobreza e os soberanos, muitos deles, em diferentes épocas da história, se apropriaram de todos os seus bens. A resposta dos bispos foi defender suas riquezas por meio de "excomunhões", mostrando a realidade de sua riqueza e trazendo para a Igreja os piores resultados.
Rosmini afirma que a fé católica poderia ter sido preservada em algumas nações se a Igreja tivesse sido libertada da riqueza que a colocava em perigo. "É REALMENTE POSSÍVEL ENCONTRAR UM CLERO IMENSAMENTE RICO O SUFICIENTE CORAJOSO PARA SE EMPOBRECER, OU MESMO TER SENSO COMUM SUFICIENTE PARA COMPREENDER QUE EMPOBRECER A IGREJA É SALVÁ-LA?"
A Igreja aspira à liberdade, não à riqueza. Liberados de toda interferência política, libertos de todo compromisso político e da riqueza, os Bispos, pobres e simples como os Apóstolos, se tornariam novamente um farol de comunhão entre eles e estariam prontos para prosseguir com vigor a pregação do Reino de Deus a todas as criaturas.
Mas para alcançar esse desengajamento político, a eleição dos bispos deve ser exclusivamente de competência da Igreja. Isso só pode ser alcançado quando a quarta ferida da Igreja for fechada.
Trecho de Lumen Gentium e do Decreto sobre os Bispos do Vaticano II
“Para que os próprios bispos possam ser um só e indivisível, Jesus colocou Pedro acima dos outros Apóstolos e deu a ele uma fonte permanente e visível e o fundamento da unidade da fé e da amizade.”
“A natureza colegial e o significado da ordem episcopal encontram sua origem na prática muito antiga pela qual os bispos nomeados ao redor do mundo estavam ligados entre si e com o bispo de Roma por laços de unidade, caridade e paz.”
“O Pontífice Romano é a fonte visível e perpétua e o fundamento da unidade dos bispos e dos fiéis... cada Bispo representa sua própria Igreja, mas todos juntos, em união com o Papa, representam a Igreja inteira.”
“Os Bispos estão unidos em um colégio ou corpo... A ordem Episcopal é o objeto da plena e suprema potência sobre a Igreja universal. Mas esse poder deve ser exercido apenas com o consentimento do pontífice romano.”
“Os Bispos devem sempre reconhecer que estão ligados entre si e devem demonstrar seu interesse por todas as igrejas.”
“Quando exerce seu ministério de pai e pastor, um bispo deve se apresentar em meio ao seu povo como servo. Que ele seja um bom pastor que conhece seu rebanho e que seu rebanho o conheça. Que ele seja um verdadeiro pai que se destaque no espírito de amor por todos.”
“Nos primeiros séculos da Igreja, os Bispos que dirigiam igrejas individuais eram profundamente influenciados pela caridade fraterna e pelo zelo pela missão universal que os apóstolos receberam. Assim, eles colocaram seus recursos em comum e unificaram seus projetos para o bem comum e o das igrejas individuais. Foi assim que foram estabelecidos sínodos, concílios provinciais... Este Santo Concílio deseja, essencialmente, que as veneráveis instituições dos sínodos e concílios floresçam com um novo vigor.”
Quarta Chaga
A ferida no pé direito da santa Igreja: a nomeação dos Bispos nas mãos do poder civil.
Não se pode servir a dois senhores
Durante mais de mil anos, e na época de Rosmini, imperadores, reis e governantes da Europa e do mundo se arrogavam, pela força ou obtinham da Igreja, por meio da coerção, o direito de nomear bispos para os assentos de seus respectivos países. Era simplesmente solicitado ao Papa, ou reservava-se a ele o direito de "confirmar" suas nomeações. Essa é a "ferida" que Rosmini destaca neste capítulo, mas ao apresentá-la e dar um relato histórico muito doloroso de como uma Igreja "livre" foi subjugada aos poderes civis, ele sugere também que a Igreja deve retornar às práticas dos primeiros tempos, quando os bispos eram eleitos pelo clero e pelos fiéis. Foi essa segunda questão que fez refletir fiéis e teólogos em nossa própria época, e que constituiu o pretexto para a condenação do livro.
Para Rosmini, o clero e os fiéis têm um direito "divino" de eleger seu pastor. Pio IX pediu-lhe que esclarecesse este ponto de teologia, que parecia considerar como "inválidas" as eleições de bispos nomeados exclusivamente pelos soberanos com a aprovação do Papa. Outros bispos e teólogos fizeram o mesmo pedido, e Rosmini foi obrigado a publicar três cartas que havia escrito ao cônego Giuseppe Gatti. Ele faz a distinção entre "direito divino constitutivo" e "direito divino moral". O clero e os fiéis têm, para a eleição dos bispos, um "direito divino moral" apenas, e a violação desse direito não acarreta "invalidade"; o Papa tem, sem dúvida, a possibilidade de ultrapassar esse direito do clero e dos fiéis se for forçado por outras razões importantes. Portanto, as nomeações de bispos feitas pelo poder civil são perfeitamente "válidas" se forem ratificadas pelo Papa, como estipulado pelo Concílio de Trento. A violação do "direito divino constitutivo", ao contrário, "invalida" qualquer ação que seja, mas não é o caso do direito divino moral do clero e dos fiéis de eleger seu bispo.
Rosmini, portanto, reivindica apenas um "direito divino moral" para a eleição dos bispos pelo clero e pelos fiéis. Mas é realmente um direito importante, de origem "divina", e deve, portanto, ser exercido se não houver outras considerações essenciais. Rosmini justifica os Papas que permitiram a intervenção de poderes civis na eleição de bispos quando consideravam que era um "menor mal".
E agora, o que dizer? A maioria dos governos civis, felizmente, abandonou o "privilégio" de eleger seus próprios bispos, reconhecendo a liberdade da Igreja nessa importante matéria; dizemos "a maioria" porque sabemos que a influência estatal não cessou em todos os lugares, veja a China, Cuba e os Estados totalitários. Mas e o "direito divino moral" do clero e dos fiéis de eleger seus bispos?
Aqui estão as últimas notícias do Reino Unido: os fiéis de Northampton estão sem bispo há muito tempo, e aguardam a reflexão do Papa e sua decisão sobre um nome dentre os três propostos por um número restrito de bispos. O clero ordinário e o povo de Deus de Northampton não foram consultados: tudo o que eles sabem é que seu Pastor pode ser uma pessoa desconhecida vinda de uma região distante da Grã-Bretanha que provavelmente não tem conhecimento das pessoas, das igrejas ou da situação real do povo de Deus de Northampton.
Esse é um exemplo típico, mas o mesmo procedimento é seguido em toda parte para a eleição de bispos: é chegada a hora de reconhecer e respeitar na prática o direito moral divino do clero e dos fiéis de eleger seu Pastor?
Rosmini sugeriu até um método a ser seguido para a eleição do bispo. Registros deveriam ser abertos em cada paróquia do diocese "DENTRO DOS QUAIS OS FIÉIS QUE DESEJASSEM PODERIAM DAR SUA OPINIÃO SOBRE A ESCOLHA DE UM BISPO, INDICAR AS IRREGULARIDADES CANÔNICAS INCORRIDAS POR AQUELES QUE PODERIAM SER ESCOLHIDOS, E NOMEAR O SACERDOTE QUE CONSIDERASSEM O MAIS APTO PARA SER O FUTURO PASTOR DO DIOCESE". Orações seriam feitas no diocese em vista do melhor resultado. Os registros seriam fechados após oito dias pelos sacerdotes da paróquia, que reuniriam "Doze dos mais antigos paroquianos" e os demais sacerdotes da paróquia para examinar os resultados, discuti-los e enviá-los.
O clero então se reuniria na Catedral, os diferentes sacerdotes de paróquia seriam ouvidos, e os nomes escolhidos pelos fiéis seriam tornados públicos entre os cônegos e sacerdotes reunidos. A assembleia vota nos sacerdotes de sua escolha, e se os nomes das duas eleições (fiéis, sacerdotes) forem os mesmos, a assembleia passa para a próxima etapa; caso contrário, eles estudam os resultados e procuram extrair o nome que recebeu mais votos. Se o clero não aprovar nenhum dos nomes dados pelos fiéis, deve apresentar suas razões e propor seus próprios nomes. Os nomes escolhidos pelos fiéis e aqueles do clero, ou o nome que foi escolhido pela maioria dos dois grupos, são enviados ao bispo metropolitano, que se reunirá com outros bispos provinciais como "árbitros", e eles submeterão a decisão ao Papa como juiz supremo. Em todos os casos, o Papa tomará a decisão final. A ELEIÇÃO DO PAPA, NO ENTANTO, É OUTRA QUESTÃO E NÃO DEVE SER MUDADA.
A história da Igreja se apresenta a nossos olhos de forma clara quando Rosmini nos faz um retrato lamentável da luta entre a Igreja e o poder sobre o direito de nomeação dos bispos e dos padres. OS SEIS PRIMEIROS SÉCULOS CONSTITUEM A ERA DOURADA DA IGREJA: A IGREJA ERA POBRE MAS LIVRE, E AS ESTRUTURAS ORIGINAIS ESTABELECIDAS PELOS APÓSTOLOS E SEUS SUCESSORES IMEDIATOS ERAM SEGUIDAS EM TODO LUGAR, O BISPO ERA ELEITO PELO CLERO E PELOS FIÉIS. Rosmini apresenta numerosas provas de suas afirmações, tiradas da Igreja de Roma a Ocidente, da Igreja de Alexandria a Leste, e das influentes Igrejas da África.
- São Clemente, papa e mártir, e discípulo e sucessor de São Pedro, escreveu esta carta à igreja de Corinto: "NOSSOS APÓSTOLOS SABIAM POR NOSSO SENHOR JESUS CRISTO QUE HAVERIA DISSENSOS SOBRE A NOMEAÇÃO DOS FUTUROS BISPOS. POR ESSA RAZÃO, ELES ESTABELECERAM UMA REGRA PARA AS SUCESSÕES FUTURAS: OS BISPOS DEVEM SER HOMENS EXCEPCIONAIS ELEITOS COM O CONSENTIMENTO E A APROVAÇÃO DE TODA A IGREJA". A Constituição apostólica, atribuída a São Pedro, estipula: "EU, PEDRO, O PRIMEIRO ENTRE VÓS, DECLARO QUE A PESSOA QUE DEVE SER ORDENADA BISPO DEVE SER SEM FALHAS EM TUDO, E ESCOLHIDA POR TODOS OS FIÉIS COMO A MAIS DIGNA... AQUELE QUE PRESIDE A ASSEMBLEIA DEVE PERGUNTAR AOS SACERDOTES E AOS FIÉIS SE É ESSA A ESCOLHA DELES. SE ELES APROVAREM, DEVE PERGUNTAR SE TODOS TESTIFICAM A DIGNIDADE DA PESSOA PARA ESTE OFÍCIO... QUANDO ELES DÃO SEU CONSENTIMENTO PELA TERCEIRA VEZ, A PESSOA PODE SER ELEITA." São Clemente e seus sucessores permaneceram fiéis a essa tradição, como podemos ver através dos atos de São Cornélio, Júlio, Zosimo, Bonifácio, Celestino, Leão Magno, Hilário, Hormisdas, Gregório Magno, Adriano I, Gregório VII, Urbano II, Pascoal II e muitos outros. Todos esses testemunhos defenderam firmemente a tradição da eleição dos bispos pelo clero e pelos fiéis.
- Qual era a tradição de Alexandria sobre a presença ativa do povo cristão na eleição dos bispos? São Atanásio e Orígines falam vagamente da mesma tradição na eleição dos bispos. Orígines escreve: "QUANDO UM BISPO É ORDENADO, OS FIÉIS DEVEM ESTAR PRESENTES DE FORMA A QUE TODOS CONHEÇAM E SE ASSEGUREM DE QUE A PESSOA MAIS DIGNIFICADA, SÁBIA, SANTA E VIRTUOSA ENTRE ELES FOI ESCOLHIDA PARA O EPISCOPADO EM PRESENÇA DE TODOS. ASSIM, MAIS TARDE, NÃO HAVERÁ RECLAMAÇÕES NEM DÚVIDAS SOBRE O BISPO. OS APÓSTOLOS INSISTIAM NISSO EM RELAÇÃO À NOMEAÇÃO DOS BISPOS." E São Atanásio: "QUANDO OS FIÉIS ESTÃO REUNIDOS, A ORDENAÇÃO DEVE OCORRER NA PRESENÇA DELES E DO CLERO. O IMPERADOR CONSTÂNCIO - LAMENTA ATANÁSIO - PENSA QUE PODE MUDAR A LEI DE DEUS VIOLANDO AS ORDENAÇÕES DO SENHOR TRANSMITIDAS PELOS APÓSTOLOS. ELE ENVIOU BISPOS ACOMPANHADOS DE MILITARES A FIÉIS DISTANTES CONTRA SUA VONTADE. SUAS ÚNICAS RECOMENDAÇÕES E AVISOS FORAM AMEAÇAS E CARTAS AOS MAGISTRADOS".
- As igrejas da África testemunham a mesma tradição ininterrupta. São Cipriano escreve: "RECONHECEMOS QUE A ESCOLHA DE UM BISPO NA PRESENÇA E SOB OS OLHOS DE TODOS OS FIÉIS, QUANDO SUA DIGNIDADE E SUA APTIDÃO SÃO APOIADAS PELA ASSISTÊNCIA E O TESTEMUNHO DO PÚBLICO, NOS VEM DA AUTORIDADE DIVINA... O QUE MANTEMOS EM TODAS AS NOSSAS PROVÍNCIAS COMO A LEGÍTIMA CELEBRAÇÃO DE ORDENAÇÃO DEVE SER PRESERVADA E MANTIDA COMO UMA REGRA DIVINA E APOSTÓLICA. O POVO DO QUAL O NOVO CHEFE FOI ORDENADO, OS BISPOS PROVINCIAIS DEVEM SE REUNIR DE FORMA A QUE O BISPO SEJA ESCOLHIDO NA PRESENÇA DOS FIÉIS QUE ESTÃO PERFEITAMENTE A PAR DA VIDA DE CADA UM E DE COMO CADA UM SE COMPORTA".
A história mostra indubitavelmente que nas maiores Igrejas fundadas pelos Apóstolos, nas igrejas de Roma, Alexandria, Antioquia, Constantinopla, Éfeso, Cesaréia, Heráclides, Corinto, Tessalônica, Cartago e em muitas outras, durante séculos os fiéis tiveram uma participação ativa na escolha dos bispos. Um bispo sem o apoio e a aprovação dos fiéis era considerado um usurpador ilegal.
Essa tradição permaneceu sólida e universal durante os seis primeiros séculos da Igreja. As invasões dos exércitos bárbaros que provocaram a queda do velho Império Romano trouxeram mudanças dramáticas na Igreja, particularmente em seu estado de Mãe pobre, mas livre de todos os seus rebanhos. Os novos senhores bárbaros dotaram a Igreja de riqueza e poder, enquanto a subjugaram através de bispos que se tornaram progressivamente príncipes políticos sob a autoridade dos senhores.
A batalha com o poder secular pelo direito de escolha dos bispos durou muitos séculos. A Igreja se defendia com decretos e cânones, e fortes afirmações de muitos concílios. O Papa Símaco, por exemplo, já em 500, publicou um decreto na presença de 218 bispos, declarando: "NÃO PODEMOS CONCEDER QUALQUER PODER DE DECISÃO DENTRO DA IGREJA ÀQUELES CUJO DEVER É SEGUIR, EM VEZ DE COMANDAR", e confirma a antiga maneira de escolher os bispos com o consentimento do clero e dos fiéis. Gregório Magno escrevia em 593: "INFORMEM O CLERO E OS FIÉIS DA CIDADE A CONSENTIREM COM A ESCOLHA DE UM BISPO, E ENVIE O DECRETO DE ELEIÇÃO DE MODO QUE ELE SEJA ORDENADO COM NOSSA APROVAÇÃO, SEGUNDO A PRÁTICA ANTIGA. SOBRETUDO, NÃO PERMITAM QUE O PODER REAL, OU O PATRONATO DE PESSOAS DE ALTA POSIÇÃO, TENHA ALGUMA INFLUÊNCIA NA ELEIÇÃO".
Mas todos os esforços para salvaguardar esse princípio fundamental de liberdade para a Igreja tiveram pouco efeito diante de reis e príncipes poderosos e determinados, resolutos a adquirir toda a autoridade e poder para si mesmos. Eles inicialmente falaram de "assentimento real" para a ordenação dos bispos, depois consideraram os bispos como seus súditos e sua propriedade, como bens da coroa. Muitas vezes, ao morrer um bispo, não nomeavam outro durante um longo período, o que lhes permitia enriquecer-se com as rendas das propriedades do bispo falecido. Era comum que o rei oferecesse o assento episcopal ao melhor licitante. E como os sacerdotes comuns também possuíam rendas eclesiásticas, os reis decidiram que a Igreja não poderia nomear nem mesmo um simples sacerdote sem a permissão real.
A liberdade de escolha nas eleições episcopais foi quase totalmente perdida no início do século XI. O padre Ingulfo, um contemporâneo de Guilherme, o Conquistador, descreve assim a situação na Inglaterra: "HÁ ANOS, NÃO HÁ MAIS ELEIÇÃO DE PRELADOS LIVRE E CANÔNICA; OS ASSENTOS DE BISPOS E PADRES SÃO ATRIBUÍDOS À VONTADE DA CORTE REAL COM O ANEL E O BASTÃO PASTORAL". É preciso ler as tristes páginas produzidas por Rosmini como prova do que ele afirma, especialmente os atos heroicos de Hincmar, o santo arcebispo de Reims, e de Pascoal II.
Foi Gregório VII quem pôs fim a esse longo e triste período da história da Igreja. Não vamos entrar nos detalhes das batalhas de Gregório contra os reis e príncipes de seu tempo, especialmente o imperador Henrique IV, que o fez esperar descalço na neve por vários dias diante de seu palácio em Canossa antes de admiti-lo e receber dele palavras de arrependimento pelos danos que infligiu à Igreja por sua arrogância em vender assentos episcopais e fazer o Papa ser desafiado por bispos. Em uma das cartas de Henrique IV ao Papa, antes de seu ato de submissão em Canossa, lemos: "NOSSO SENHOR O REI ORDENA QUE VOS RENUNCIEIS AO VOSSO SEU ASSENTO APOSTÓLICO E PAPAL, QUE É SEU, E QUE DEIXEIS DE OCUPAR ESSE ASSENTO BENDITO"! Rosmini afirma que o verdadeiro combate entre "sacerdócio" e "império" era, na verdade, um combate entre bispos corruptos que se negavam a se reformar e a Igreja que desejava reformá-los. Por trás de cada soberano ambicioso na Europa estavam muitos bispos corruptos, muito mais leais às coroas do que à Igreja, e esses bispos aconselhavam constantemente seus soberanos a arrancar mais poder da Igreja.
Após a vitória de Gregório sobre o império, surgiu um período relativamente tranquilo para a Igreja, um período durante o qual as antigas tradições e disciplinas foram restabelecidas. Mas, após cerca de um século, "O DIABO ENCONTROU UM NOVO E SUTIL MEIO DE PERTURBAR A PAZ E A PROSPERIDADE DA IGREJA: OS PRIVILÉGIOS SEM LIMITES". A Igreja havia triunfado com Gregório VII, ganhando assim poder e prestígio. Ela utilizou esse poder para concentrar nas mãos dos Papas todos os direitos de nomeação de bispos e padres em todos os lugares. Essa concentração de poderes na papado gerou um imenso ressentimento entre os cristãos, que reagiram "com nojo em vez de raiva" ao ver os chefes supremos da Igreja reservando para si todos os privilégios para adquirir mais riqueza e autoridade.
Os bispos reunidos no Concílio de Basileia atacaram os privilégios papais, levando todos os reis e soberanos a pedir ao papa que reconhecesse seus direitos e privilégios. A consequência terrível foi abandonar mais uma vez ao poder temporal a nomeação dos bispos. Os tratados resultantes forçaram os papas a renunciar a uma grande parte da liberdade de escolha nas nomeações episcopais. A nomeação dos bispos foi atribuída ao rei; a Santa Sé reteve apenas o poder de confirmar a nomeação. "De fato, esse novo tipo de disciplina, que prevalece até hoje e causa uma das feridas mais dolorosas e amargas à Esposa crucificada de Cristo, repartiu os "privilégios" entre os soberanos e os papas".
Tal era a situação na época de Rosmini. Ele levanta um problema importante ao convidar os reis e imperadores a deixar de lado seu privilégio indevido de nomear os bispos. Ele argumenta com eles e sustenta que é do seu interesse bem compreendido deixar que a Igreja de Deus escolha seus bispos. Ele lista quatro condições fundamentais para a eleição dos bispos que, segundo ele, podem ser devidamente atendidas pela Igreja, nunca pelo Estado:
- "A melhor pessoa será escolhida como bispo": quem está em melhor posição para julgar as qualidades necessárias para um bispo, senão o Pastor de seu rebanho, que guia seu povo em direção à santidade por meio de uma firme doutrina e retidão moral?
- "O sacerdote escolhido deverá ser conhecido, amado e desejado por aqueles que ele está chamado a governar": o desejo da igreja de ter como pai e pastor o sacerdote que se sente em casa é bom e razoável. Mas, se os soberanos nomeiam os bispos, os desejos dos fiéis raramente são ouvidos.
- "O sacerdote escolhido para bispo deve ter integrado há muito o clero da diocese que ele deve governar, e não ser enviado como um estranho de uma terra distante": é do interesse da igreja local que a pessoa que se tornará o pai de todos seja conhecida por todos. Os soberanos praticam favoritismo e seu interesse pessoal, não o interesse dos fiéis.
- "De modo geral, apenas o corpo moral ou a pessoa moral em questão é capaz de julgar o que é bom para si mesma": a Igreja é uma realidade espiritual e moral, e seu interesse e sua missão diferem notavelmente das preocupações dos poderes civis. A Igreja sabe o que é melhor para ela, e os cristãos sabem qual é seu interesse quando se trata de sua salvação.
Para concluir, Rosmini, após ter plenamente aprovado a máxima promulgada por Leão Magno, "A pessoa que governa o todo deve ser escolhida por todos", faz um resumo dos direitos e deveres do povo de Deus na eleição de seu bispo:
- Dar testemunho da virtude e da dignidade do bispo que recebem. Eles podem tornar públicos os defeitos conhecidos, assim como diz Cipriano: "para que assim, na presença dos fiéis, o bem e o mal possam ser discernidos".
- Formular seus desejos e pedidos para o bispo cujas virtudes testemunham. Os bispos de Alexandria, ao apoiar a eleição de Santo Atanásio, sustentavam que ele se tornou bispo quando "toda a multidão, com toda a assembleia da Igreja Católica, unidas em um só corpo e em uma só alma, choravam e clamavam em favor de Atanásio como bispo da igreja. Eles suplicavam publicamente a Cristo por isso, e nos imploraram durante dias e noites, sem deixar a igreja ou permitir que deixássemos. Nós mesmos, esta cidade, e toda a província somos testemunhas disso".
- Recusar um bispo que foi escolhido, desde que a recusa seja feita pela maioria da parte mais confiável dos membros da diocese. São Celestino prescreve que "nenhum bispo será dado aos fiéis que não queiram recebê-lo". É uma espécie de veto reconhecido pela Igreja como um direito do povo cristão.
Trecho do Decreto sobre os Bispos do Concílio Vaticano II:
"Por definição, os bispos gozam de plena e inteira liberdade e de independência em relação a qualquer poder civil... o ministério apostólico dos bispos, tendo sido instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, prossegue um objetivo espiritual e sobrenatural; este Sagrado Sínodo declara que o direito de nomear e instituir os bispos pertence efetivamente, particularmente e por si mesmo exclusivamente à autoridade eclesiástica competente. Portanto, a fim de proteger devidamente a liberdade da Igreja e promover mais adequada e eficientemente o bem-estar dos fiéis, este muito santo Concílio deseja que, no futuro, os poderes civis não possam mais beneficiar-se de direitos ou privilégios para a eleição, a nomeação, a apresentação ou a designação ao ofício episcopal. Esses poderes civis, que o santo Sínodo agradece com gratidão por sua atitude favorável em relação à Igreja, são convidados com a maior benevolência a renunciar voluntariamente aos direitos e privilégios acima mencionados dos quais gozam atualmente por tratado ou costume".
Quinta Chaga
A CHAGA NO PÉ ESQUERDO: AS RESTRIÇÕES NO LIVRE USO DE SEUS PRÓPRIOS BENS PELA IGREJA.
A Igreja dos primeiros tempos era pobre, mas livre
O leitor contemporâneo das Cinco Chagas encontrará este capítulo muito estimulante para a Igreja. As quatro primeiras chagas ainda são muito atuais hoje, e o caminho ainda é longo antes que o trabalho de cura seja concluído. No entanto, está-se mais consciente da necessidade de encontrar remédios eficazes, e o Concílio Vaticano II certamente produziu documentos marcantes que refletem a verdadeira intenção da Igreja de se reformar de dentro para fora.
Mesmo após uma leitura superficial do capítulo da quinta chaga, é claro que a visão da Igreja que Rosmini tinha era que a Esposa de Cristo abraçava a mesma pobreza que seu Esposo, que dizia: "AS RAPOSAS TÊM SEUS TUGÚRIOS, E AS AVES TÊM SEUS NINHOS, MAS O FILHO DO HOMEM NÃO TEM ONDE RECLINAR A CABEÇA". Rosmini pede que os papas, os bispos e os padres adotem a pobreza evangélica, assim como era na Igreja dos primeiros tempos. "A PROFISSÃO DE PAUPERIDADE FOI DURANTE MUITO TEMPO A GLÓRIA DO MINISTÉRIO SACERDOTAL; A MAIORIA DOS HOMENS CHAMADOS AO SACERDÓCIO ABANDONAVAM SEUS BENS OU OS DOAVAM AOS POBRES... AS MÃOS ESTENDIDAS DOS POBRES, DAS VIÚVAS, DOS LEPRAS, DOS ESCRAVOS, DOS PEREGRINOS E DOS INDIGENTES FORMAVAM OS CELARES ONDE A IGREJA PODIA DEPOSITAR SEUS TESOUROS SEM TEMER O ROUBO".
Poucas pessoas hoje estariam dispostas a admitir que a Igreja oficial é pobre. Papas, bispos, padres e ordens religiosas não são considerados os melhores exemplos de pobreza, com algumas exceções. A opinião geral é que o clero está pelo menos confortavelmente bem, muitas vezes mais do que confortável, e ocasionalmente rico. Essa percepção pode ser imprecisa, mas é frequentemente repetida; e muitos não estão convencidos pelo argumento de que ser pobre é viver de acordo com os padrões da maioria das pessoas que o clero serve. Alguns dirão que Cristo e os Apóstolos não escolheram viver de acordo com os padrões dominantes; escolheram a pobreza dos pobres e sua existência precária. A Igreja dos primeiros tempos era pobre, mas livre. Sua pobreza evangélica era resguardada por sete máximas que regulavam a aquisição, administração e uso dos bens materiais. Rosmini explica em um apelo apaixonado essas antigas máximas que a Igreja de seu tempo, a Igreja de nosso tempo, poderia novamente seguir se desejar ser o sal da terra e a luz do mundo.
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A primeira exigência era que todas as ofertas feitas à Igreja devem ser "espontâneas". Cristo obrigava os fiéis a sustentarem aqueles que trabalhavam pelo Evangelho, mas apelava para a aceitação livre do Seu Evangelho por parte dos fiéis e para sua reação moral. São Paulo, embora reconhecendo que tinha o direito moral de "comer e beber" para pregar o Evangelho, raramente o reivindicava, preferindo trabalhar arduamente por sua comida e pela de seus companheiros. Mais ainda, a obrigação imposta por Cristo ao fiel de sustentar o clero não ia além do estritamente necessário para os pregadores do Evangelho, [que] "MORAM NA MESMA CASA, COMENDO E BEBENDO O QUE PODIAM OBTER". Este preceito é enfatizado por Tertuliano no início do século III: "AQUELE QUE PODE PÕE CADA MÊS UM DINHEIRO DE LADO, OU QUANDO DECIDIR. NINGUÉM É FORÇADO; TODOS DÃO ESPONTANEAMENTE. ESTE DINHEIRO É UM INVESTIMENTO DE PIETY". A espontaneidade terminou quando as ofertas foram forçadas por sanções impostas pelo braço secular. Isso ocorreu com a instituição do "feudalismo" no século VIII. Para Rosmini, o feudalismo foi um desastre total para a Igreja, a causa mais profunda de todas as cinco chagas da Igreja. "O FEUDALISMO – DIZ ROSMINI – EXTINGUIU A LIBERDADE DA IGREJA E GEROU SUAS AFLIÇÕES". Os reis bárbaros se consideravam os proprietários de tudo o que estava em seu território, incluindo os bens da Igreja. Eles distribuíam favores aos bispos e esperavam em troca lealdade e submissão totais a eles. Os chefes bárbaros consideravam que as pessoas e os bens eram "deles" por direito de conquista. "PODEMOS IMAGINAR FACILMENTE O QUE ACONTECEU QUANDO SEUS BENS NÃO ESTIVERAM MAIS EM LIVRE POSSE DA IGREJA, MAS DETIDOS SOB A DOMINAÇÃO DE UM PODER TEMPORAL. AS OFERTAS ERAM EXTORQUIDAS À FORÇA, O ÚNICO PODER DE COAÇÃO DISPONÍVEL E COMPREENDIDO PELO BRAÇO SECULAR". O uso da força modificou a verdadeira natureza das ofertas ao clero. Os fiéis não gostavam de ser forçados a dar e seu apego e amor pelo clero desapareceram. O clero passou a ter a garantia de uma renda constante que não dependia da soma de seu trabalho. Além disso, todas as doações à Igreja eram consideradas, em última instância, como propriedade do chefe feudal, que podia apropriar-se dessas doações conforme desejasse. Esta "semente funesta", diz Rosmini, levou à confiscação dos bens dos mosteiros e das igrejas ao longo dos séculos seguintes, incluindo o recente decreto de 2 de Novembro de 1789, no qual a Assembleia Nacional Francesa declarou todos os bens da Igreja à disposição do Estado.
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O segundo preceito protegendo a Igreja da corrupção era que os bens deveriam ser possuídos, administrados e dispensados em comum. Inicialmente, os fiéis traziam o fruto do que havia sido vendido e o depositavam aos pés dos Apóstolos. A distribuição era feita a cada um segundo suas necessidades. Podemos apenas admirar o amor e a união entre os crentes e nos maravilhar com a vida comum entre o clero e os fiéis. Esta exigência foi preservada durante um longo período. O bispo, como sucessor dos Apóstolos, distribuía normalmente todo mês o que era necessário para o sustento do clero que exercia o ministério em suas dioceses. Os fundos proviam das posses da igreja, ninguém tinha bens próprios. Quando Constantino autorizou os legados em favor da Igreja em 321, ele decretou: "QUALQUER PESSOA TEM O DIREITO DE FAZER O LEGADO QUE QUISER AO SANTO E CATÓLICO CONSELHO DA SANTA IGREJA CATÓLICA". O imperador Valente fez uma lei proibindo legados pessoais em favor de membros do clero; São Ambrósio e São Jerônimo aprovaram a lei. Os bens detidos em comum e administrados pela prudente solicitude dos bispos, após consulta a seu clero, eram de grande auxílio para produzir e preservar a união entre o clero e entre o clero e os fiéis. Tudo isso terminou com o feudalismo, que implicava vassalagem, servidões ao chefe, que se tornou o senhor de tudo o que os bispos possuíam. O bispo, com seus bens, tornou-se um indivíduo isolado, um homem como os outros, um cortesão compartilhando a vida da corte, às vezes um chefe de homens armados. O bispo, tornando-se senhor ou barão em seu próprio nome e no de seu chefe, fez com que a Igreja deixasse de ser visível nele; ele não era mais bispo e chefe de sua igreja, e dos fiéis que estavam unidos a ele. "ESSA TERRÍVEL E ARTIFICIAL TRANSFORMAÇÃO DOS HOMENS DE IGREJA INSTALOU NO ESPÍRITO DOS BISPOS MEDIEVAIS A IDEIA DE SUA PRÓPRIA INDIVIDUALIDADE, E ENFRAQUECEU A NOÇÃO DE UNIDADE DO CORPO DOS BISPOS E DOS CLÉRIGOS. ELA DOBROU AS DIOCESES AOS LIMITES DO ESTADO OU DAS FRONTEIRAS FEUDAL. AO FINAL, QUASE TODOS OS BENS DA IGREJA FORAM ADMINISTRADOS E BENEFICIARAM CLÉRIGOS PESSOAIS".
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O terceiro e precioso preceito era que o clero não deveria usar os bens da igreja exceto para seu sustento exclusivamente; o restante deveria ser consagrado a obras piedosas, especialmente aos donativos para os pobres. Cristo fundamentou o apostolado na pobreza e na entrega à Providência, sendo Ele mesmo o perfeito exemplo. Consequentemente, durante o melhor período da Igreja, entrar nas fileiras do clero equivalia a fazer profissão de pobreza evangélica. O estado de pobreza foi durante muito tempo a glória do ministério sacerdotal; a maioria dos homens chamados ao sacerdócio abandonava seus bens ou os doava aos pobres. Esses homens nunca usaram a riqueza da Igreja para seu próprio benefício como se lhes pertencessem, mas a aceitavam em depósito para os pobres. O bispo, o primeiro entre os pobres e aquele responsável por sua distribuição, podia justamente tomar algo para si e para o clero. Rosmini cita Júlio Pomério, um discípulo de Santo Agostinho, que, após louvar São Paulino e São Hilário por terem adotado a pobreza vindo de um estado de grande riqueza, escrevia: "É FÁCIL COMPREENDER QUAL ERA A SANTIDADE DESTES HOMENS (QUE RENUNCIARAM A TUDO PARA SE TORNAREM DISCÍPULOS DE CRISTO) QUE ESTAVAM PERFEITAMENTE CONSCIENTES DE QUE OS BENS DA IGREJA PERTENCIAM AOS POBRES. ELES NUNCA FIZERAM USO DESSA RIQUEZA PARA ELES MESMOS, MAS A ACEITARAM EM DEPÓSITO PARA OS POBRES". O feudalismo pôs fim a essa época abençoada. Quando os bispos e os padres se tornaram subordinados a seus senhores políticos, os bens depositados na Igreja pela generosidade dos fiéis "Em vez de fluir para os pobres, ou permaneceram inutilizados, ou acabaram nas mãos do senhor local voraz", e os pobres deixaram de ser uma carga sagrada confiada aos cuidados das igrejas.
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O quarto preceito que governava os bens da Igreja e salvaguardava a integridade do clero era que as riquezas eclesiásticas usadas para fins piedosos e caritativos também podiam ser consagradas a trabalhos determinados para prevenir que o arbítrio e o interesse pessoal interferissem na gestão dos bens. Na Igreja das origens, os recursos eram atribuídos a empregos definidos segundo uma distribuição em quatro divisões: para ajudar o bispo, o clero e os pobres, e as despesas de manutenção dos edifícios da igreja e do culto. "É CERTO – DIZ ROSMINI – QUE O MELHOR REMÉDIO CONTRA A CORRUPÇÃO ACOMPANHANDO AS RIQUEZAS CONSISTIA EM ESTABELECER NOS DIVERSOS CONCÍLIOS LEIS REGULANDO PRECISAMENTE SEU USO; " A corrupção e a ruína de muitos antigos mosteiros deve ser imputada à falta de objetos precisos para os quais direcionar as grandes riquezas que possuíam as casas religiosas. Resultou que os padres e outros superiores controlando as finanças gastaram as receitas segundo sua vontade. O feudalismo destruiu a justa distribuição dos bens da Igreja em quatro categorias, acumulando, ao contrário, toda a riqueza entre as mãos de poucos dominantes.
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O quinto preceito salvaguardando a Igreja do perigo das riquezas era "uma alma generosa, pronta a dar, lenta a receber". A grande regra fixada nos corações humanos eram as nobres palavras de Cristo: "é mais vantajoso dar do que receber". Os bispos consideravam o dinheiro e a administração como um fardo, devendo ser carregados unicamente por motivos de caridade. Santo Ambrósio rejeitava legados e doações se soubesse que parentes pobres do doador poderiam sofrer em decorrência. Santo Agostinho teve que se defender da seguinte acusação: "O bispo Agostinho dá com total generosidade, mas não aceita nada". Que acusação gloriosa, diz Rosmini! Agostinho dizia que preferiria viver feliz com os dons do povo de Deus do que ser carregado com a responsabilidade das finanças, e estava disposto a ceder aos fiéis de modo que todos os servos e ministros de Deus pudessem viver compartilhando sobre o altar. Mas os leigos recusaram firmemente sua oferta. É verdadeiramente doloroso e prejudicial para os verdadeiros interesses da Igreja, além de escandaloso, que a opinião pública esteja convencida em todo lugar de que a Igreja está sempre de mão estendida para receber, mas nunca para dar. É triste encontrar pessoas que pensam que o que a Igreja coloca em seu tesouro nunca sai de lá; o resultado é o desprezo, a inveja, a diminuição da generosidade entre os fiéis, e a impressão de que as riquezas da Igreja se acumulam século após século sem preocupação com as necessidades dos pobres.
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O sexto preceito obrigava a Igreja a tornar pública a gestão de todos os seus bens. Nos primeiros tempos da Igreja, os bispos consultavam o clero e os fiéis em todas as áreas, incluindo o uso das riquezas da Igreja. Além disso, os sacerdotes e diáconos encarregados da administração deveriam ser aprovados por toda a igreja, de acordo com a tradição Apostólica. Santo João Crisóstomo não temia prestar contas sobre sua gestão das receitas da igreja: "Estamos prontos para informá-los sobre nossa gestão". O mesmo espírito e as mesmas práticas animavam todos os bispos dos primeiros tempos. As pessoas que dão devem ser informadas sobre o que é feito de suas doações. Rosmini sugere que os fiéis sejam envolvidos desde o início, desde a escolha das obras às quais os fundos devem ser consagrados, até o relatório sobre como o dinheiro foi gasto. Ao tornar públicas todas as finanças, a Igreja brilharia diante do mundo, e a tentação de usar os fundos de maneira indevida seria consideravelmente reduzida. "A OBRIGAÇÃO DE APRESENTAR AOS FIÉIS, E AO PÚBLICO EM GERAL, UM RELATÓRIO DE SUA GESTÃO ESTIMULARIA O NECESSÁRIO DESPERTAR DE MUITAS CONSCIÊNCIAS ADORMECIDAS, E GARANTIRIA QUE AS FUNÇÕES DA IGREJA SÃO EXERCIDAS POR PESSOAS HONESTAS, SINCERAS E DEDICADAS".
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O sétimo e último preceito é que a Igreja deve administrar seus bens com vigilância e prudência. Os bens da Igreja pertencem a Deus e aos pobres, e ela deve prestar a Deus as contas sobre como gerenciou Seus bens. É verdade, diz Rosmini, que ao longo dos séculos a avareza voraz dos soberanos e dos Estados privou a Igreja de muitas de suas posses. Mas sem dúvida, muitas de suas riquezas foram dilapidadas por homens da Igreja que as usaram egoisticamente para seus próprios desígnios como se lhe pertencessem. Rosmini acrescenta: "SE CONSIDERARMOS O QUE A IGREJA RECEBEU DURANTE SEUS SEIS SÉCULOS DE EXISTÊNCIA, E TUDO O QUE FOI PERDIDO DEVIDO A UMA GESTÃO FALTANDO SERIEDADE E CUIDADO, PODEMOS APENAS IMAGINAR ONDE ELA ESTARIA SE SEUS BENS TIVESSEM SIDO SEMPRE ADMINISTRADOS COM PRUDÊNCIA".
Na época moderna, a doutrina social da Igreja certamente despertou as consciências em todos os locais. Desde Rerum Novarum até Populorum Progressio, passando por Mater et Magistra e Pacem in Terris, a Igreja falou de maneira muito eloquente em favor dos pobres, dos oprimidos, dos desfavorecidos econômicos no mundo. Ao longo dos séculos, a Igreja foi a melhor defensora e uma mãe para os doentes, os marginalizados, os rejeitados. Dentre todas as instituições humanas, existe alguma que possa ser comparada à Igreja em seu empenho e dedicação aos pobres durante sua longa história?
E ainda, Rosmini sugere que a própria Igreja precisa fazer um exame de consciência e considerar que as sete máximas que a ajudaram nos tempos antigos a viver de acordo com a pobreza evangélica desejada por seu divino Fundador aparecem como muito autênticas e pertinentes, hoje como ontem. Os documentos do Concílio Vaticano II falam da pobreza evangélica na vida religiosa. Porém, para Rosmini, a pobreza evangélica é uma característica, uma qualidade, uma necessidade de toda a Igreja. É a Igreja que deve ser pobre, e os sete preceitos deveriam ser as linhas mestras de toda a Igreja.
Algumas questões suscitadas pelas palavras-chave dos sete preceitos
- Espontaneidade: A Igreja deve aceitar pagamentos do estado provenientes da tributação dos cidadãos? Os bispos italianos recebem do Estado salários para seus padres com dinheiro proveniente da tributação de todos os cidadãos. O mesmo ocorre na Alemanha e na Suíça, assim como em outros países.
- A Igreja possui tudo em comum: Por que há uma tal disparidade no clero? Por que uma tal disparidade entre os diocesanos ao redor do mundo? A propriedade individual ainda é a norma?
- Os bens da Igreja devem servir às necessidades estritas do clero, dos edifícios e do culto, sobrando tudo para os pobres: Pensamos que isso é o caso? Os padres e bispos se distinguem por sua pobreza? Existe realmente um fundo para os pobres em cada paróquia ou diocese?
- Os fundos devem ser alocados a obras ou tarefas determinadas: Isso acontece em nossas paróquias e dioceses, na Igreja ao redor do mundo? Algumas pessoas têm a responsabilidade de gastar o dinheiro de todos? Os fiéis são regularmente consultados sobre os assuntos financeiros da paróquia ou diocese?
- É mais vantajoso dar do que receber: As igrejas não acumulam demais, sempre prontas para receber, nunca dispostas a dar generosamente aos pobres? Nossas igrejas não são "negócios" em vez do Corpo de Cristo?
- Contas públicas: As igrejas consultam os fiéis em todos os assuntos financeiros, considerando os fiéis como detentores, junto com o clero e os pobres, de todos os seus bens? É dado aos fiéis um relatório detalhado das receitas e despesas, de forma regular? Isso se aplica igualmente a dioceses, ordens religiosas e ao Vaticano.
- Os bens da Igreja pertencem a Deus: As igrejas consideram todas as suas propriedades e ativos financeiros como "propriedade de Deus"? Elas são cuidadosas e escrupulosas na maneira de administrar o que lhes foi confiado para o benefício de todos?
Reflexão Final
“Pelas Suas Chagas somos curados”
“Intra Tua vulnera absconde me”
As Cinco Chagas da Igreja não devem ser causa de desespero e pessimismo. As feridas sangrentas de Cristo na cruz não põem fim à história. Cristo ressuscitou, e as marcas dessas chagas tornaram-se os formidáveis sinais do amor infinito de Deus por nós e de Sua redenção salvadora. A água e o precioso Sangue que saíram da ferida do lado tornaram-se os rios da água viva do batismo e a maná dos céus da Eucaristia, verdadeiramente a Igreja foi criada por elas. As Cinco Chagas da Igreja são um desafio, mas colocamos toda a nossa confiança no poder da Santíssima Trindade. O terceiro Preceito da perfeição Cristã incumbe todos os batizados de "permanecer perfeitamente tranquilos sobre tudo o que acontece à Igreja de Jesus Cristo, conforme os desígnios de Deus, e de seguir a palavra de Deus trabalhando pela Igreja".
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