REFLEXÕES SOBRE OS INIMIGOS E A MANOBRA

por JEAN  VAQUIÉ


Aviso. Trata-se aqui apenas de REFLEXÕES, ou seja, de notas, muitas vezes apressadas, algumas recentes, outras antigas, inspiradas pelas circunstâncias, mas sempre destinadas aos militantes de direita.


Não se deve procurar aqui nem um plano rigoroso, nem demonstrações completas. Não se trata de um tratado. O raciocínio geral é homogêneo, mas não é desenvolvido de maneira professoral. São mais afirmações que se aceitarão ou não. Acreditamos, no entanto, que estas reflexões podem esclarecer os amigos que lutam hoje em uma fase desfavorável e contra um inimigo muito superior em número e meios de ação.


Jean Vaquié, 1986.

As Inimizades

A natureza decaída na qual estamos imersos é o cenário de um combate. Tal é o nosso estado natural: nascemos em um campo de batalha: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela" (Gên. III, 15). É Deus quem fala assim à serpente que acaba de derrubar nossos primeiros pais de seu trono real.

O texto latino da Vulgata merece nossa atenção:

"Inimicitias ponam inter te et mulierem, et SEMEN tuum et SEMEN illius."

As duas descendências são duas sementes, dois germes que estão separados desde o início e que não têm nada em comum, por isso o texto repete duas vezes a palavra semen.

A descendência por excelência da mulher é Maria e, portanto, também seu Filho. E a descendência por excelência da serpente é o Anticristo que, pelo efeito da misericórdia divina, aparecerá apenas no fim dos tempos.

O que é anunciado pelos profetas para o fim dos tempos não é a reconciliação das duas descendências, mas a VITÓRIA da descendência da mulher, ou seja, a vitória de Cristo. Esta vitória fará cessar o regime de guerra e trará a paz, tendo o inimigo sido expulso.

Precisamos aqui esclarecer que nossa atitude em relação aos nossos Primeiros Pais não deve ser nem de desprezo nem de reprovação, e isso por duas razões. Primeiro, não há um homem que possa assegurar que teria agido melhor do que eles em seu lugar. E, em segundo lugar, enquanto o que faz a santidade do anjo é a inocência, o que faz a santidade do homem é a penitência. Ora, que penitência foi a de Adão e Eva quando viram o afastamento de Deus, a expulsão do paraíso, depois a inclemência da natureza, a doença, a discórdia e a morte entrarem no mundo, especialmente para eles que haviam conhecido a isenção desses males. Se a culpa de Adão e Eva é, segundo os Padres, inconcebível, sua penitência também é "inconcebível". Muitos Doutores tendem a acreditar na salvação de nossos Primeiros Pais, que foram os primeiros a serem libertados do Sheol pela Descida de Cristo.

Também aconselhamos nossos amigos tradicionalistas a terem para com eles a mesma deferência que Cristo certamente demonstra para com Seus Primeiros Pais.

Voltaremos frequentemente a esse estado de beligerância, revelado desde os primeiros versículos do Gênesis, entre as duas descendências. Falaremos novamente sobre as duas cidades, os dois estandartes, os dois corpos místicos. Ouçamos imediatamente São Paulo nos falar sobre a incompatibilidade dos dois cálices:

"Vocês não podem beber ao mesmo tempo do cálice do Senhor e do cálice do demônio." (I Cor. X, 21).

São Paulo é belicoso, seu emblema é a espada, ele tem o senso da guerra que está sempre presente em seu espírito; ele proíbe qualquer comércio entre a luz e as trevas:

"Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis. Pois que união há entre a justiça e a iniquidade? Que comunhão, entre a luz e as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Ou que união, entre o crente e o incrédulo?" (II Cor. 6:14-15).

A Igreja na terra não é conciliadora, como sugerem os documentos emanados do recente concílio, ela é MILITANTE, como a sã e antiga doutrina nunca deixou de ensinar. Já a sinagoga dos judeus estava rodeada por colossos como o Egito e Assur, sempre em guerra latente ou declarada contra ela. Da mesma forma, a Igreja dos Gentios, se está em paz com Deus, está em guerra com os colossos do mundo.

"Non veni pacem mittere in terram sed gladium" (Mat. X, 34). Não vim trazer a paz à terra, mas a espada.

São Luís Maria Grignion de Montfort é justamente considerado como aquele que melhor definiu o estado de inimizade que é o nosso nesta terra probatória. Veja como ele se expressa:

"...o diabo, sabendo bem que tem pouco tempo, e muito menos do que nunca, para perder as almas, redobra todos os dias seus esforços e combates: ele suscitará em breve cruéis perseguições e colocará terríveis armadilhas para os servos fiéis e os verdadeiros filhos de Maria, que ele tem mais dificuldade em superar do que os outros.

"É principalmente dessas últimas e cruéis perseguições do diabo, que aumentarão todos os dias até o reinado do Anticristo, que se deve entender esta primeira e célebre predição e maldição de Deus, pronunciada no paraíso terrestre contra a serpente. "Inimicitias ponam..." Jesus nunca fez e formou senão uma inimizade, mas irreconciliável, que durará e aumentará até o fim: é entre Maria, Sua digna Mãe, e o diabo; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e servos de Lúcifer; de modo que o inimigo mais terrível que Deus fez contra o diabo é Maria...

"Deus não apenas colocou uma inimizade, mas inimizades, não apenas entre Maria e o demônio, mas entre a raça da Santíssima Virgem e a raça do demônio; ou seja, Deus colocou inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do diabo; eles não se amam mutuamente, não têm correspondência interior uns com os outros.

"Os filhos de Belial, os escravos de Satanás, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até agora e perseguirão mais do que nunca aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, assim como Caim perseguiu seu irmão Abel e Esaú seu irmão Jacó, que são as figuras dos réprobos e dos predestinados (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, capítulo 1 - Artigo II)."

Voltaremos frequentemente, nas linhas que se seguirão, ao combate necessário entre as duas cidades, ao confronto entre os dois corpos místicos, o de Cristo e o do Anticristo. JESUS E BELIAL NÃO FORAM FEITOS PARA SE ABRAÇAREM, MAS PARA SE COMBATEREM. Conhecemos a fase final deste combate plurimilenar: é a destruição do Anticristo pelo Cristo ressuscitado e glorioso. É essa imagem que teremos constantemente em mente ao longo dessas reflexões. O servo precisa ter o orgulho de seu mestre. Servimos a um mestre vitorioso. Não se deve "pregar outra coisa senão a Cruz" (como diz São Paulo), mas é preciso pregar algo mais junto com a Cruz. Nossa fé repousa na Ressurreição de Nosso Senhor, vencedor da morte:

"Ubi est mors victoria tua" (I Cor. XV, 55). Morte, onde está a tua vitória?

Três Inimigos

O homem tem três inimigos a temer: o demônio, o mundo e ele mesmo. Eles são figurados, no Antigo Testamento, pelos três inimigos de Davi: Golias, Saul e Absalão.

Não trataremos aqui das lutas do homem contra si mesmo, não porque as consideremos negligenciáveis, mas porque elas colocam um problema do foro interno e nosso trabalho é mais orientado para o foro externo. No entanto, estamos perfeitamente conscientes de que as derrotas individuais pesam enormemente sobre o destino das sociedades humanas. As provações que Deus envia às nações, e que formam a trama de sua história, têm sua origem primeiramente nas transgressões do foro interno. Quando remontamos a cadeia de causas de nossos males, não devemos esquecer de continuar até essa causa inicial: as derrotas dos combates interiores.

Nossa atenção será mais especialmente atraída, no foro externo, pelos outros dois inimigos: o demônio e o mundo. Existe entre esses dois inimigos uma espécie de conjuração, pois o demônio é o príncipe deste mundo. Uma das revelações mais importantes das Sagradas Escrituras, e do Novo Testamento em particular, é a revelação do Anticristo. As Escrituras nos revelam o Cristo, o Verbo Encarnado, mas também nos revelam o adversário de Cristo, especificando que o império do mundo lhe foi virtualmente entregue e que, consequentemente, ele desempenha um papel primordial na terra. Não se compreende a história da humanidade se não se entende que o império do mundo é o ponto central da competição entre esses dois personagens principais, o Cristo e o Anticristo.

_"E, levando-o para um lugar mais alto, mostrou-lhe todos os reinos da terra, em um instante. E o diabo lhe disse: a Ti darei todo esse poder e a glória destes reinos (hanc protestatem universam), porque a mim foi entregue, e a quem eu quiser eu a dou" (Lucas, IV, 5-6).

Ao falar assim, o diabo não diz nada além da verdade: todo o poder dos reinos da terra lhe foi de fato entregue, desde sua vitória sobre Adão. Tendo destronado o primeiro homem, ele virtualmente subiu ao trono que ficou vago, como acontece na ordem natural. Mas, como ele é um anjo, portanto um ser invisível, não pode reinar sobre os homens. Ele precisa delegar um representante visível e humano. É por isso que ele diz: "A quem eu quiser eu a dou". Esse representante é o possuído chamado Anticristo, que exercerá sobre a humanidade os direitos adquiridos por Satanás graças ao pecado original de Adão, mas também pelos inumeráveis "pecados atuais" dos homens.

E o diabo acrescenta:

"Portanto, se Tu te prostrares e me adorares, tudo será Teu" (Lucas, IV, 7).

O Escritor sagrado distingue o poder dos reinos e o culto a ser prestado ao diabo. É necessário manter essa distinção, sabendo que as duas coisas estão ligadas. O diabo nutre uma dupla ambição: ele quer o poder como um rei e o culto como um Deus. Por isso, Jesus, respeitando a distinção, responde dizendo que Ele não quer nem servir ao diabo como um rei, nem adorá-lo como um Deus: _

"Dominum Deum tuum adorabis, et illi soli servies." Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás (Lucas, IV, 8).

Um à sua direita, o outro à sua esquerda

Nós não temos ação sobre as expressões populares, elas se estabelecem espontaneamente e resultam de uma elaboração coletiva, à qual, aliás, o Verbo não é estranho, Ele que estabeleceu as leis da linguagem corrente. "A esquerda" é o lado das opiniões ditas "avançadas". "A direita" é o lado "da reação". Essa esquematização popular é por demais simplista, certamente, mas ela contém verdade.

No simbolismo de nossa Religião, a direita é o lado da salvação, da predileção, da eleição e do poder.

O lado da eleição. É o lado dos eleitos da segunda pesca milagrosa, aquela que aconteceu depois da Ressurreição:

"Crianças, vocês têm algum peixe?
- Não, eles responderam.
Ele lhes disse: Lancem a rede do lado direito da barca e vocês encontrarão...
Simão-Pedro puxou a rede até a terra, cheia de 153 grandes peixes, e embora fossem tantos, a rede não se rompeu".(João XXI, 5-11).

A rede representa a Igreja e os cento e cinquenta e três grandes peixes representam os eleitos.

A direita é também o lado da salvação:

"Proclama a Tua bondade, Tu que salvas aqueles que se refugiam à Tua direita contra seus inimigos". (Sl. XVI Vulg. 7).

A direita é ainda o lado da predileção:

"Depois de subir aos céus, Ele está agora à direita de Deus." (1 Pedro 3:22).

Podemos ainda citar muitos outros textos no mesmo sentido, em particular este:

"Um cordeiro estava de pé; parecia ter sido imolado. Ele veio e recebeu o livro da mão direita daquele que estava sentado no trono." (Apocalipse 5:7).

A direita é, por fim, o lado do poder de Cristo:

"Já sei que o Senhor salvou o Seu Ungido; Ele o atenderá dos céus, de Sua santa morada, pelos feitos vitoriosos de Sua mão direita." (Salmo 19 Vulg. 7).

A direita é o lado do bom ladrão:

"E com Ele crucificaram dois ladrões, um à Sua direita, outro à Sua esquerda." (Marcos 15:27).

Uma tradição constante afirma que o bom ladrão estava à direita de Cristo. Ele também o havia primeiro insultado, como fazia seu companheiro de esquerda: "...e o insultavam" (Mateus 27:44). Mas, tomado de repente pela incomparável majestade de Cristo na cruz, o bom ladrão fez calar seu vizinho, dizendo-lhe:

"Nem mesmo tens temor de Deus, tu que estás sujeito à mesma condenação? E nós, justamente, pois recebemos o que merecem nossas ações; mas Ele nada de mal fez." (Lucas 23:40).

No campo de batalha de hoje, há ladrões da direita. Certamente eles não poderiam se colocar como modelos, pois eles também têm más obras e "o insultaram". Mas eles pelo menos conservam o temor de Deus e são tomados de admiração diante da majestade de Cristo, e por isso se salvarão.

Quanto à esquerda, desde a mais alta antiguidade, é o lado sinistro, de acordo com a etimologia.

Das Cumplicidades Mundiais

Nosso raciocínio será de ordem estratégica. Não faremos obra de erudição e presumiremos conhecidas e aceitas as análises históricas e políticas dos escritores tradicionalistas contemporâneos [1]. É a dinâmica e as linhas de força de nossa sociedade que nos interessarão. Mas nossa estratégia não se limitará à ordem natural. Ela incluirá parâmetros e até mesmo postulados de ordem sobrenatural.

Nosso ponto de partida será a constatação, que não é posta em dúvida por ninguém, da irresistível expansão do sovietismo em todo o mundo. A mancha vermelha se estende no mapa e nunca se retrai; mais cedo ou mais tarde, ela englobará a Europa. Este avanço metódico só é retardado por sua própria prudência; ele só se depara com uma inércia passiva, sem convicção e, no final das contas, impotente. Nossas reflexões se concentrarão na natureza das forças em jogo e na evolução previsível de seu confronto.

Aqueles que se opõem à expansão comunista mundial, em qualquer nível que pertençam, têm diante de si energias que são de dois tipos:

  1. forças diretamente soviéticas;
  2. todo um conjunto de cumplicidades que são exteriores à disciplina soviética.

Enumeremos rapidamente os principais componentes das forças diretamente soviéticas:

Essas forças obedecem à direção monolítica da intelligentsia comunista, que se impôs uma missão de mutação planetária. Elas formam, por si só, um conjunto de extraordinário poder.

Mas essas forças diretamente soviéticas são ainda secundadas por toda uma rede de cumplicidades externas que não dependem da direção comunista e que, no entanto, lhe dão apoio. Esta rede de cumplicidades tem o efeito de neutralizar a cada momento as reações que a expansão soviética inevitavelmente gera onde quer que ameace se expandir.

A estrutura desta rede de cumplicidades é a maçonaria racionalista. A Revolução Francesa já foi sua obra. Os historiadores republicanos tentaram contestar essa evidência porque ela é incompatível com sua tese de espontaneidade revolucionária. Mas incontestávelmente, a gestação maçônica da Revolução de 1789 se impõe. Fiel à mesma lógica, a maçonaria também gerou a Comuna de 1871 e o comunismo que é sua continuação. Ela o incubou primeiro como doutrina, depois como partido, finalmente como Estado. Este regime infernal nunca teria se instalado na Rússia, nem se incrustado por 70 anos neste infeliz país, nem se espalhado por um mundo ao qual instintivamente aterroriza, já que é o regime da expropriação, sem o apoio de poderosas forças secretas de revolução. A atividade dos agentes soviéticos sozinhos, cujos organismos acabamos de enumerar, não explica a neutralidade, e em alguns casos a verdadeira conivência das grandes Potências, ditas capitalistas, das quais o comunismo em expansão sempre se beneficiou.

Se a maçonaria forma a estrutura dessa conivência geral, ela não é o único elemento. Não querendo nos sobrecarregar com um volumoso aparato de erudição, não enumeraremos aqui todos os pontos de apoio da coletivização planetária. Basta-nos citar os dois mais conhecidos; os eruditos não terão dificuldade em preencher as lacunas de nossa enumeração.

Citamos apenas dois exemplos: as sociedades fabianas e a trilateral. Mas é notório que existe uma quantidade de organismos filocomunistas, ou sovietófilos, que não pertencem ao sistema comunista. Toda uma rede mundial de apoio psicológico e logístico foi estabelecida, da qual muitas malhas não dependem da disciplina moscovita. Esses organismos ao mesmo tempo cúmplices e independentes constituem um fenômeno ao qual não se presta atenção suficiente. Eles supõem a existência de uma coordenação entre, por um lado, o sovietismo centrado em Moscou e, por outro lado, seus apoios voluntários e internacionais.

Onde devemos situar o super-estado-maior que coordena o conjunto dessas duas forças? Obviamente, só podemos situar em Moscou o estado-maior das forças moscovitas. Dele dependem as técnicas sindicais, parlamentares e revolucionárias, a infiltração e a paralisia dos poderes burgueses, a preparação da guerra revolucionária, tudo o que regula a atividade dos militantes do partido e dos sujeitos soviéticos.

Mas a cronologia estratégica geral, as grandes oportunidades gerais, por exemplo, a desestabilização e a "passagem para o Leste" da República Sul-Africana, a coletivização da economia sul-americana e todas as campanhas absolutamente artificiais que não correspondem a nenhuma necessidade real e profunda, por quem são decididas e levadas a bom termo? Os trabalhos publicados até agora constituem abordagens certamente muito interessantes, mas não dão inteira satisfação. É preciso reconhecer que eles se deparam com um problema de informação quase insolúvel. O organismo central se aloja em alguma sinarquia ou alguma maçonaria? Os pesquisadores acabarão por descobri-lo.

Tudo se passa como se a Rússia Soviética fosse o braço secular de uma super-igreja que se serve dele para realizar certa tarefa. Pode-se, portanto, no organograma da revolução mundial, reservar, em pontilhado, um lugar para um super-estado-maior que escapa até agora à observação direta, mas que constitui uma necessidade orgânica. É ele que estimula, ou eventualmente freia, a guerra de classes, também chamada às vezes de guerra vertical, que se tornou universal e que se sobrepõe às guerras horizontais entre Estados.


[1] Ler em particular: "O tratado do Espírito Santo" de Monsenhor Gaume e "A Conspiração anticristã, O Templo Maçônico querendo se erguer sobre as ruínas da Igreja Católica" de Monsenhor Delassus.

Três Ministros de Lúcifer

Mélanie Calvat, a pastora de La Salette, viveu em perpétua contemplação. Ela recebia, por intuição intelectual, constantes luzes sobre o estado da sociedade contemporânea. Um dia, ela revelou a um de seus correspondentes que Lúcifer parecia assistido, no governo deste mundo, por uma espécie de ministério composto de três membros: Mamom, Asmodeu e Belzebu, que são três poderosos espíritos caídos. Esta reflexão de Mélanie Calvat merece ser meditada [1].

Não é surpreendente saber que, para conduzir sua estratégia mundial, Lúcifer utiliza poderosos auxiliares espirituais que o descarregam de certos trabalhos básicos e que amolecem a sociedade humana para facilitar sua manobra.

Mamom é o deus do dinheiro. Ele acabou submetendo a humanidade inteira a uma impregnação mercantil que a tornou totalmente venalizada. Ele legalizou a usura, tão severamente reprimida pelos cânones da Idade Média. E assim fundou o capitalismo, pois sem juros não há capital. Ele, portanto, criou enormes massas monetárias que circulam cada vez mais rápido nas artérias da economia e que imprimem aos intercâmbios um coeficiente de aceleração absolutamente patológico. Pelo ministério de Mamom, tudo está à venda. Ouçamos São João fazer o inventário das cargas dos comerciantes:

"...Cargas de ouro, prata, pedras preciosas, pérolas, linho fino, púrpura e escarlate... de trigo, gado, ovelhas e cavalos, e carros, e corpos e almas de homens" (Apocalipse 18:12-13).

Negociam-se almas de homens. Assim impregnada de mercantilismo, a sociedade torna-se um húmus fértil para as plantas venenosas do inferno.

Asmodeu é o demônio da luxúria. Ele é mencionado no livro de Tobias. É o espírito infernal que se apoderou de Sara (não a esposa de Abraão, mas outra Sara). Tinham-lhe dado sucessivamente sete maridos que, um após o outro, foram mortos pelo demônio Asmodeu. Sara foi libertada desse demônio que a infestava, a ela e ao seu entorno, pelo arcanjo Rafael, graças à fumaça do mesmo fígado que devolveu a visão a Tobias, pois a luxúria produz o cegamento do espírito. No segredo de La Salette, a Santíssima Virgem disse que alguns conventos se tornarão "pastos de Asmodeu e dos seus". A impregnação erótica de nossa sociedade atinge não apenas os moralistas cristãos, mas também os sociólogos agnósticos. É provavelmente dessa impregnação que provém o cegamento dos espíritos em relação às coisas da Religião.

Belzebu é o deus que envia moscas sobre os rebanhos. Esse nome é a contração de "Baal" e "Zebube"; significa literalmente "o Senhor das moscas". É o deus que lança maldições e que tem o poder de expulsar os demônios (ou melhor, de deslocá-los). Ele produz hoje a impregnação ocultista da sociedade, criando aí uma verdadeira contra-religião, uma superstição outrora subjacente, agora invasiva e dominante. A superstição ocultista está onipresente.

A reflexão de Mélanie Calvat não carece de interesse.

  1. Ela explica a profundidade do domínio de Satanás sobre o mundo contemporâneo, a tripla impregnação proporcionada por Mamom, Asmodeu e Belzebu fornece ao "príncipe deste mundo" condições gerais favoráveis à sua estratégia complicada.

  2. Mas ela nos faz entender também que uma ação simplesmente humana não será suficiente para destruir essa tripla impregnação, pois ela é obra de forças espirituais más muito mais fortes do que os homens. Será necessário que a força de Deus intervenha.


[1] Santa Francisca Romana, em uma de suas visões do inferno, também fala deste "grande conselho" de Lúcifer. Ela até mesmo especifica que Asmodeu tinha no céu o posto de querubim, Mamom o de trono e Belzebu o de dominação.

A Infraestrutura

A "Grande Prostituta" do Apocalipse, à qual São João dá o nome de "Meretrix magna", é-nos mostrada alternadamente "sentada sobre as águas" e "sentada sobre a besta escarlate". Distingamos essas duas situações.

Porque ela está sentada sobre as águas, pode-se dizer que ela personifica a autoridade que vem de baixo; ela representa, portanto, a "Soberania Popular". De fato, as águas simbolizam as massas populares:

"As águas que viste, onde a prostituta está sentada, são os povos, as nações e as línguas" (Apoc. XVII, 15).

A Meretrix magna representa a democracia e a república. E aqui pensamos inevitavelmente na expressão tão usada, entre os realistas dos anos 30, que davam à república o nome de "vagabunda" ("a vagabunda será enforcada"); eles assim faziam uma excelente tradução do Apocalipse.

A Meretrix magna também é mostrada sentada sobre a besta escarlate (Apoc. XVII, 1). Ora, a Besta é o corpo místico do qual o Anticristo será a cabeça. A mulher democrática precisa se apoiar nessa contra-igreja que forma sua infraestrutura.

O último versículo do capítulo XVII nos dá uma imagem da Meretrix magna:

"E a mulher que viste é a grande cidade que tem a realeza sobre os reis da terra" (Apoc. XVII, 18).

Como não reconhecer aí a imagem da república universal. Essa "grande cidade" é a reconstrução, no fim dos tempos, da Torre de Babel da qual os homens queriam fazer a capital do mundo. Esse projeto provocou a ira de Deus e resultou na confusão das línguas e na dispersão das nações. Pois Deus não quer, para reinar sobre toda a humanidade, outro mestre além do Seu Ungido.

Acabamos de ver que a maçonaria é a armação que sustenta o sovietismo assim como já sustentou a república dos jacobinos. Ela se proclama contra-igreja e super-igreja. Ela é realmente a besta do Apocalipse, a infraestrutura da autoridade que vem de baixo. Convém examinar, mesmo que sucintamente, os mecanismos de seu funcionamento interno e de sua ação externa.

Iniciação aos Mistérios de Baixo

O funcionamento interno da maçonaria é comandado pela dupla natureza dessa associação. Ela é, de fato, ao mesmo tempo uma sociedade de pensamento e uma congregação iniciática.

Como funciona uma SOCIEDADE DE PENSAMENTO (também chamada "sociedade filosófica")?

Ela elabora uma opinião comum e, consequentemente, também uma vontade coletiva. O pensamento e as intenções são, pelo menos em princípio, gerados pela base. Colocam-se em comum elementos dos quais se forma um feixe. Por exemplo, o "comitê de leitura" de uma editora é uma pequena sociedade de pensamento, pois define uma orientação intelectual. Da mesma forma, o "escritório de estudos" de uma empresa industrial. Da mesma forma, o "conselho diretor" de um partido político. Algumas dessas sociedades são efêmeras e constituem apenas combinações instáveis. Outras têm uma longa duração, como uma academia.

Por muitos de seus mecanismos, a maçonaria é uma sociedade de pensamento. Nela se realiza um trabalho de elaboração de uma certa filosofia e de uma vontade coletiva. Como tal, pode ser considerada democrática. Juridicamente, é assim que ela funciona. As lojas elegem deputados que se reúnem em convenção. As "reuniões", ou seja, as sessões, são organizadas em muitos aspectos como as assembleias parlamentares, com um presidente, uma mesa diretora, oradores, uma ordem do dia, moções... A Assembleia Nacional trabalha à maneira de uma loja.

Uma CONGREGAÇÃO INICIÁTICA (também chamada "irmandade iniciática") se caracteriza pela iniciação, é a própria evidência. E a iniciação é uma cerimônia com duplo efeito.

  1. Primeiro, ela incorpora o novo membro (ou o recém-promovido) à irmandade.
  2. Em seguida, ela projeta sobre ele uma INFLUÊNCIA ESPIRITUAL. E essa influência espiritual produz no iniciado certo número de efeitos psicológicos mais ou menos nitidamente percebidos por ele. Esses efeitos psicológicos constituem o que os próprios maçons chamam de iluminação iniciática.

Quais são, mais precisamente, os efeitos psicológicos dessa iluminação? Os maçons que, em suas obras, descreveram os mecanismos da iniciação, dão essa "influência espiritual" como produzindo neles uma impressão luminosa e benéfica. É por essa razão que eles falam de uma "iluminação".

Após a iniciação, o pensamento do iniciado é alterado, sua compreensão das coisas não é mais a mesma. Ocorreu nele uma mutação espiritual; ele adotou definitivamente um novo ponto de vista, uma nova perspectiva, um novo espírito, para ele o espetáculo do mundo não é mais iluminado pela mesma luz.

Mas então, que explicação os maçons dão sobre a natureza da influência espiritual que operou neles uma tal mudança?

É preciso reconhecer que eles não se fazem muitas perguntas e, quando se fazem, é para responder que a influência espiritual iniciática é, ou de natureza gregária, ou de natureza cósmica, ou as duas simultaneamente.

O cristão, para julgar todos esses fenômenos psicológicos e místicos, não pode fazer melhor do que consultar os mestres da vida espiritual, em particular São Francisco de Sales, Santa Teresa d'Ávila e, sobretudo, São João da Cruz, que recebeu o título de "Doutor Místico". Eles descreveram as condições da verdadeira mística divina e, ao contrário, detectaram a influência do demônio nos caminhos contemplativos que se afastam das saudáveis disciplinas do espírito.

Portanto, se compararmos a mística cristã e a mística maçônica, tal como se manifesta na iniciação, somos obrigados a constatar que a influência espiritual exercida durante a iluminação é simplesmente a do demônio. Certamente, ela parece luminosa e benéfica, porque o demônio opera ali, como faz tão frequentemente, disfarçado de anjo de luz. Nada de surpreendente, portanto, que a aglutinação ao seu "corpo místico" produza uma impressão de luz e seja sentida como uma iluminação. Mas trata-se de uma falsa luz cuja verdadeira natureza é a das trevas.

Claro, o maçom iniciado jamais admitirá que foi "iluminado" por um demônio, portanto "entenebrecido" e iniciado nos mistérios de baixo. Mas o cristão, a quem sua doutrina permite "discernir os espíritos", reconhecerá, nos relatos de iniciação que se tornam cada vez mais difundidos, a verdadeira natureza dessa iluminação às avessas.

O maçom, assim iniciado nos mistérios de baixo, desenvolverá ideias, intenções, uma vontade que serão o fruto de sua colaboração com a influência espiritual que o acompanha a partir de então. Seus movimentos mentais se combinarão aos do demônio ao cujo corpo místico ele foi incorporado. Ele se comportará, da maneira mais natural do mundo, como um semi-demônio. Ele cogitará espontaneamente de acordo com sua nova perspectiva e com a mutação espiritual da qual foi objeto.

É inútil imaginar diabruras nas lojas. O simples mecanismo da falsa mística iniciática basta para proporcionar a todo o conjunto da instituição maçônica uma impregnação permanente, difusa e lenta dos espíritos infernais. Aliás, o resultado de sua ação multissecular sobre a sociedade cristã está aí para provar que ela foi um instrumento muito eficaz de dominação da Igreja e de demolição da cristandade.

Nós apenas resumimos em linhas gerais o funcionamento da maçonaria. Outras disposições orgânicas completam o sistema; fornecemos uma breve enumeração sem entrar em detalhes: o juramento de segredo, a obediência a superiores desconhecidos, o pacto de fraternidade, o simbolismo auto-significante que impregna toda a filosofia, finalmente o esoterismo da doutrina. Todas essas disposições permitem conduzir o maçom a opiniões e decisões que ele jamais teria aceitado se lhe fossem propostas antes de sua entrada na loja.

O conjunto da instituição é percorrido por uma dupla corrente:

  1. um fluxo descendente que transmite as sugestões dos altos iniciados aos que ainda se encontram na base da escada iniciática.
  2. e um fluxo ascendente que reenvia para cima motions de aparência democrática. Graças a esse processo, os iniciados dos altos graus conhecem a cada momento o limite de elasticidade da base dos irmãos; eles conhecem aquelas de suas sugestões que "passam" e aquelas para as quais é preciso esperar, antes de fazê-las adotar.

"O demônio aparecia a Marie-Julie sob a forma habitual, seja sob a de alguma besta hedionda, seja sob a aparência de um jovem de grande beleza, fazendo sempre promessas de cura e de riqueza..." (La Franquerie: "Marie-Julie Jahenny" p. 14).

As Virtudes Anti-Teologais

A instituição maçônica não elaborou uma verdadeira doutrina, pois, ao contrário, ela se proíbe de dogmatizar. No entanto, ela desenvolveu uma estratégia anti-cristã de grande eficácia. Esta estratégia consistirá em neutralizar os combatentes da Igreja militante. Para isso, ela vai matar neles o que lhes dá força, ou seja, as virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade.

Contra a fé, a maçonaria inventou a Tolerância. É a "virtude" das pessoas que negam a existência da verdade objetiva. A "Mãe Loja" (pois a loja exerce uma verdadeira maternidade intelectual) se vangloria de dar a seus filhos todos os meios de que precisam para alcançar "a verdade"; mas trata-se apenas de uma verdade relativa e subjetiva, ou seja, de uma simples opinião pessoal que permanecerá, portanto, essencialmente discutível.

O "livre pensamento" maçônico recusa admitir qualquer verdade a priori. Ele faz da dúvida sistemática a base de seu sistema de reflexão; é por isso que ele tanto contribuiu para difundir o cartesianismo, a famosa "dúvida cartesiana". A maçonaria até conseguiu convencer os franceses de que eles são cartesianos por natureza, quando, ao contrário, o gênio de nossa língua, portanto de nosso pensamento, é um gênio dedutivo e analítico que parte do princípio (a priori, portanto) para chegar às consequências. Os franceses têm o gosto pelos princípios e sabem formulá-los: aí reside uma das razões de sua influência (boa ou má) no mundo. É exatamente o oposto da atitude mental maçônica.

A discussão é a atividade principal da loja. Um ditado é incansavelmente repetido lá: da discussão nasce a luz. Isso também é uma falsa máxima, pois, na verdade, da discussão não nasce a luz, mas a obstinação: aquele que defendeu uma tese não admite mais mudá-la. A verdadeira luz vem do "Pai das luzes", portanto da Revelação, e desce até nós, que a recebemos pelo Magistério.

Em maçonaria, toda a arte do Venerável é fazer coabitar irmãos inimigos. Não há dogmas; a maçonaria não dogmatiza: essa é a grande fórmula. Fórmula que constitui até mesmo um sintoma: quando qualquer publicação se orgulha de "não dogmatizar", pode-se ter certeza de que ela sofre, de perto ou de longe, a influência maçônica, pois ela adota suas expressões.

Se os maçons têm ódio do dogma, é porque têm o ódio da Igreja. Eles são filhos espirituais de Pôncio Pilatos, o Doutor cético que é seu "patrono". "O que é a verdade?", dizia ele. Ele a tinha diante de si e, cúmulo da cegueira, não a reconhecia.

O Progresso. É a falsa esperança; é a esperança projetada sobre a terra; é o mito do desenvolvimento infinito da natureza; é a insana esperança de uma felicidade natural que não deveria nada à Graça. Esse progresso temporal deve levar à conclusão a pirâmide truncada que forma um dos emblemas dos maçons; é o progresso do corpo místico do Anticristo que espera da terra sua plenitude.

Sabemos muito bem que existe um verdadeiro progresso. A Igreja não é estática; ela está em progresso sob o impulso da Graça. Dois exemplos:

  1. O Corpo místico de Nosso Senhor Jesus Cristo está em perpétuo progresso; o número dos eleitos caminha para sua perfeição; quando os eleitos estiverem completos, o recrutamento dos homens cessará.

  2. O edifício do dogma também está em progresso, no sentido de que ele se completa de época em época; no final dos tempos, ele formará uma construção espiritual e intelectual à qual nada faltará.

A Solidariedade é a interdependência natural. Os maçons a elevam à altura de uma virtude porque ela não requer a mediação de Cristo. A solidariedade prescinde da ajuda de Nosso Senhor. Ela gera o socialismo, que é a utopia de pensar que, por meios adequados, pelo simples efeito da interdependência humana, irá-se triunfar da pobreza e do sofrimento.

A solidariedade se opõe à caridade cristã, que exige a mediação de Nosso Senhor. Um copo d'água dado em nome de Jesus Cristo ("em Meu Nome", diz o texto evangélico) terá sua recompensa na vida eterna. Se for dado em nome da solidariedade humana, só receberá uma recompensa temporal.

A tolerância se opõe à Fé. O progresso se opõe à Esperança. A solidariedade se opõe à Caridade. Estas são as três "virtudes anti-teologais" que vigoram no corpo místico do Anticristo.

O Governo pela Sugestão

A maçonaria, sociedade de pensamento e congregação iniciática ao mesmo tempo, é muito bem equipada para provocar, na massa do povo, mudanças, mesmo muito profundas, desde que seja a longo prazo. Ela sabe como proceder para mudar a forma comum de pensar, como diziam os maçons do século XVIII, contanto que tenha tempo à sua frente. No exterior de si mesma, como em seu interior, ela trabalha "por influências pessoais cuidadosamente encobertas", o que exige prazos prolongados.

Mas ela é inapta ao governo direto, precisamente por causa da lentidão de seus mecanismos. Entre ela e o grande público, ela suscita toda uma rede de organismos intermediários, de associações e de PARTIDOS POLÍTICOS, que ela controla evidentemente, e que têm ambições muito menos vastas e muito mais imediatas. Os programas dos partidos são feitos de parcelas retiradas da abundante reserva da enciclopédia maçônica. Todos os partidos políticos são inspirados, à direita como à esquerda, pelo grande desígnio das lojas.

E qual é esse "grande desígnio"?

É difícil de conhecer porque nunca é expresso clara e simplesmente. É preciso extraí-lo de toda uma fraseologia pomposa. Aqui estão, no entanto, seus principais elementos:

Sobre o conjunto desse "grande desígnio", serão retirados fragmentos que serão incluídos nos programas dos partidos, das sociedades científicas e das diversas associações que ocupam o espaço entre a maçonaria e o povo.

Mas então poderíamos supor que a maçonaria é um grande laboratório de ideias, totalmente olímpico, onde poderosos filósofos ocultos e especificamente maçons elaboram doutrinas reservadas inicialmente para uso interno e que depois se difundem, do topo à base da escala iniciática, para finalmente chegar às instituições públicas. Na realidade, as coisas não acontecem assim. Não há filósofos ocultos estritamente maçônicos. O caso de Louis-Claude de Saint Martin, que foi chamado de "filósofo desconhecido", é muito especial e resulta apenas de seu comportamento pessoal; não é o caso geral.

As ideias que são debatidas na loja são extraídas do próprio grande público; elas têm uma origem exterior (diz-se "profana"). O papel da maçonaria é apenas escolher, entre as tendências de fato de uma determinada época, aquelas que devem ser estimuladas e aquelas cuja propagação é importante interromper. Ela funciona como uma bomba seletiva que extrai seu fluido do público e o devolve após tê-lo expurgado e dinamizado.

A maçonaria é, portanto, um órgão de ensino. É um magistério, ou se preferir, um "governo pela sugestão", sem autoridade oficial. Ela é inapta ao governo direto. Ela não pratica uma política única, mas apenas uma orientação polivalente. Ela mantém em andamento várias políticas ao mesmo tempo. Ela implementa uma estratégia essencialmente pluralista. Várias variantes são colocadas em marcha simultaneamente. Por exemplo, o Grande Oriente conduz uma política mais de esquerda e a Grande Loja Nacional Francesa, uma política mais de direita. Na praça pública, essas duas obediências disputarão e até mesmo se comportarão como adversárias. Mas, nos conventos, elas comungarão na meditação do "grande desígnio" comum, cujas linhas gerais apresentamos.

A Ciência do Bem e do Mal

Neste mundo onde o bem e o mal são tão próximos, devemos cultivar a "ciência do bem e do mal" para não confundi-los. E devemos cultivá-la precisamente porque ela não nos é natural; somos privados do consumo do fruto que deveria nos proporcioná-la:

"Ne comederes" (Gên. III, 17). Não comerás dele.

Esta dupla ciência, tão necessária, é Nosso Senhor quem nos traz. Ele próprio é a árvore desta ciência e seu "fruto" nos comunica. A ciência do bem é a ciência de Cristo e a ciência do mal é a ciência do Anticristo. Uma grande parte do Evangelho é dedicada a nos revelar a pessoa do Adversário. Se possuímos apenas uma das duas ciências, somos Doutores caolhos.

Os doutores da Sinagoga possuíam mais a ciência do mal. Acostumados a desconfiar das "Nações" e de seus deuses-demônios, eles desconfiaram de Cristo: "É por Belzebu que Vós expulsais os demônios", diziam-lhe.

Inversamente, a Igreja dos Gentios, saturada da ciência do bem, não desconfia do Anticristo; vemos hoje que ela se prepara para reconhecê-lo, pois já acolhe seus adeptos. Finalmente, a Sinagoga obstinada e a Igreja desviada não terão nada a invejar uma da outra. A primeira terá rejeitado Cristo e a segunda terá acolhido o Anticristo.

É por isso que é necessária uma ciência equilibrada que conduza à prudência sem obscurecer o espírito:

"Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas". (Mat. X, 16).

Por esta associação da serpente e da pomba, o texto especifica de qual prudência devemos nos armar. Pois há duas prudências: a prudência tortuosa que foi a da serpente no jardim do Éden e a prudência simples que foi a de São José em Nazaré (Nazaré significa: jardim das Flores). O Divino Mestre especifica aqui de qual prudência ele quer falar. Ele quer que pratiquemos a prudência que pode se aliar à simplicidade da pomba.

Para manter a simplicidade na prudência, é preciso cultivar simultaneamente as duas ciências. A da Igreja ilumina a inteligência e aquece o coração. A da contra-igreja nos faz reconhecer as trevas sob a falsa luz. Aqueles que cultivam apenas a ciência da Igreja tornam-se ingênuos que ignoram as armadilhas do Adversário. Aqueles que cultivam apenas a ciência da contra-igreja frequentemente se deixam fascinar pela prodigiosa astúcia dos demônios e acabam por se alistar nas fileiras da contra-igreja. De fato, o estudo dos documentos das seitas, que nos faz conhecer o inimigo, é perigoso; é preciso tomar cuidado para não se comprazer nesses textos, pois eles contêm sutilezas de aparência lógica (o demônio é lógico) mas que obscurecem o espírito e desviam a vontade. É preciso compensá-los com o alimento espiritual e com as luzes que se encontram no Patrimônio da Religião.

As Setenta e Duas Nações da Gentilidade

O episódio da Torre de Babel vai reter nossa atenção por um momento. Em nossa época, em que se fala tanto da república universal e em que se assiste às primeiras fases de sua realização, é bom rever em que circunstâncias Deus procedeu à distinção das línguas e à dispersão das Nações.

Transportemo-nos em pensamento para os tempos que se seguiram ao dilúvio. Os três grandes ramos étnicos do gênero humano já estavam distintos. Já se haviam formado três grandes raças que tinham respectivamente como ancestrais Sem, Cam e Jafé, os três filhos de Noé. Cada um gerou filhos que se tornaram os patriarcas das nações. Houve no total 72 patriarcas, portanto 72 famílias, troncos das 72 futuras nações. Essas tribos originais eram distintas, mas não estavam dispersas. Elas se estabeleceram juntas na planície do país de Sinar. A língua dessas tribos era a mesma:

"Toda a terra tinha uma única língua e as mesmas palavras" (Gên. XI, 1).

Tornava-se cada vez mais evidente que, com a proliferação das tribos, elas teriam que se dispersar. É mesmo a perspectiva dessa dispersão inevitável que sugeriu aos homens daquela época a ideia de erguer um monumento comemorativo de sua unidade primitiva

"antes que sejamos dispersos por toda a terra". (antequam dividamur in universas terras Gên. XI, 4).

Essa ideia de um monumento para perpetuar a lembrança da unidade original não é reprovável, é até louvável; mas ela se misturou com outras concepções que Deus não aprovou.

Passemos sobre os detalhes e as técnicas de construção da torre. Os pedreiros de Babel usaram tijolos ao invés de pedras e betume ao invés de cimento. O simbolismo desses novos materiais nos levaria muito longe.

A Sagrada Escritura formula as intenções incluídas no "grande plano" dos homens daquela época, com a concisão que lhe é habitual. Portanto, é necessário pesar todas as palavras:

"Construamos para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue ao céu, e façamos para nós um nome, para que não sejamos dispersos sobre a face de toda a terra".

Um traço nos choca imediatamente: Deus não é mencionado nas intenções do projeto. Está escrito "construamos para nós". O objetivo da empreitada é "celebrar o nome humano". Os homens de Babel tinham inegavelmente a intenção de prestar culto a si mesmos. E se a torre alcançasse o céu, seria graças apenas às forças humanas. Eles queriam celebrar e salvaguardar sua unidade, e isso por meio de uma cidade capital e de uma torre religiosa que simbolizaria a aptidão do homem de se elevar a Deus por seus próprios meios.

A conduta de Deus, diante desse projeto, confirma as primeiras reflexões que acabamos de fazer. O texto diz que Deus, naquela circunstância, observou "os filhos de Adão"; Ele não escreve "os filhos de Noé". Isso nos sugere, portanto, remontar a Adão, que havia sido Rei e Pontífice, mas que havia perdido essas duas dignidades.

Os versículos do Gênesis, muito condensados, não explicam o pensamento divino. É preciso que o leitor descubra por si mesmo em que o projeto dos homens de Babel era mau. Deus diz:

"Eis que eles são um só povo e têm todos uma mesma língua; e começaram a fazer isso, e agora nada os impedirá de realizar tudo o que planejaram... Vinde, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entendam mais a fala uns dos outros". (Gên. XI, 6-7)

É evidente que Deus julga inadmissível a cidade e a torre edificadas com tais intenções, pelos "filhos de Adão". Há manifestamente uma certa unidade do gênero humano que Deus não quer: é a unidade que se faz sem Ele.

Há um segundo motivo de desaprovação: o que desagrada a Deus não é apenas a torre religiosa, é também a cidade capital da humanidade. Deus, de fato, não considera apenas a torre, mas a própria cidade (ut videret civitatem et turrim). E entendemos muito bem por quê: desde a queda de Adão, a autoridade única sobre o mundo pertence ou a Deus, que é seu primeiro titular, ou ao demônio, que destronizou Adão e de certa forma se substituiu a ele em seus direitos. Em outras palavras, a autoridade única sobre a terra pertence ou a Cristo, ou ao Anticristo. É provavelmente por isso que o texto observa que os homens de Babel eram "filhos de Adão". Para pretenderem edificar uma capital mundial, era necessário que eles tivessem perdido a noção da queda original e o desejo de um Salvador.

O decreto divino de Babel é, portanto, um decreto de confusão, o que, à primeira vista, nos surpreende. Mas é preciso notar que se trata de uma confusão e de uma dispersão provisórias, à espera de que o tempo da unidade chegue e que haja "um só rebanho e um só pastor". É também uma dispersão de misericórdia: de fato, a edificação de uma capital mundial teria inevitavelmente acarretado o aparecimento de um "imperador mundial", que não poderia ser senão um anticristo, sob o qual os homens teriam vivido desde então. O "decreto de confusão" de Babel os poupou de um longo despotismo.

Um personagem está indissociavelmente ligado ao episódio de Babel, é Nemrod. A Escritura faz grande menção dele: sozinho, entre os descendentes de Cam, ele é objeto de vários versículos no Gênesis:

"Ora, Cuxe gerou a Ninrode; este começou a ser poderoso na terra. Ele foi poderoso caçador diante do Senhor; por isso se diz: Como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. E o princípio do seu reino foi Babilônia, e Ereque, e Acade, e Calné, na terra de Sinar. Desta terra saiu Assur, e edificou a Nínive, e a cidade de Reobote, e a Calá. E a Ressen, entre Nínive e Calá; esta é a grande cidade". (Gên. X, 8-12).

Nemrod foi, portanto, o fundador do poder maligno de ASSUR [1], colosso que deveria fazer pesar, sobre o povo eleito de Israel, uma ameaça perpétua da qual somente Deus poderia libertá-lo. Nemrod é assim a primeira prefiguração do Anticristo, e é sintomático que ele apareça precisamente na época de Babel e na planície de Sinar.

É certo que Deus confundiu deliberadamente as línguas e dispersou as nações a fim de impedir a constituição de um governo mundial. Ele quis deliberadamente uma "gentilidade" fracionada. O império do mundo pertence apenas a dois personagens: Cristo ou o Anticristo, embora a títulos antagônicos. Isso é, obviamente, muito misterioso; mas a Redenção é um mistério. Os capítulos X e XI do Gênesis enumeram os 72 etnarcas que deveriam fundar as 72 nações constitutivas da Gentilidade. Ora, Nosso Senhor, durante Sua vida terrena, a vários milênios de distância, designou precisamente 72 discípulos; eles estavam destinados a auxiliar São Paulo no trabalho sobre-humano da evangelização dos Gentios. Os 12 Apóstolos estavam reservados às 12 Tribos de Israel. As marcas essenciais do plano de Deus não mudam.


[1] Destaquemos que em ASSUR, há USA e URSS!

As Promessas de Hegemonia

Em seu trabalho de destruição das obras divinas, Satanás utiliza um método duplo: ele reúne o que Deus separa e separa o que Deus une. Dois exemplos:

  1. Deus criou dois arquétipos: Jesus Cristo e Maria Sua Mãe, que foram os modelos segundo os quais Adão e Eva foram formados. Na gnose luciferiana, é diferente: há um único arquétipo designado pelo nome de andrógino, que é a reunião de um homem e uma mulher em um único ser suposto; Lúcifer reúne o que Deus separa.

  2. O casal humano é inseparável; é unido para a vida por um sacramento. O demônio, por sua vez, não descansa até que tenha separado os casais que Deus uniu.

É a esse duplo tratamento que o demônio vai submeter as nações criadas por Deus para serem a herança de Seu Ungido: "Eu te darei as nações por herança".

Por um lado, soprando um vento de discórdia, ele vai cortar as nações em pedaços, multiplicando seu número bem além dos 72 que existiam originalmente. Mas, por outro lado, e já que ele também precisa alcançar o império mundial, ao qual de certa forma tem direito, ele vai suscitar formidáveis ambições hegemônicas; ele criará impérios contra a natureza e, entre esses impérios, uma competição que eliminará os inapto e deixará flutuar os mais robustos; o vencedor final da competição dominará o mundo.

Essa é esquematicamente a dupla estratégia do demônio. Nós a vemos claramente se desenvolver diante de nossos olhos. O regionalismo desmantela as nações europeias com o objetivo de fazê-las desaparecer como quantidades nacionais; mas, ao mesmo tempo, os dois grandes blocos imperiais que resultaram dos confrontos anteriores se preparam para novos ataques, dos quais, no final, surgirá um triunfador universal.

As ambições hegemônicas são incontestavelmente o fermento mais eficaz da unificação final. O demônio promete o império do mundo a todos os príncipes da terra que apresentam alguma chance. O tipo perfeito dessa promessa de hegemonia é fornecido pela Tentação no deserto; é bom rever o mecanismo porque os casos de aplicação são muito frequentes na história política, se mesmo não constituírem o fundo.

O demônio transportou Jesus a uma alta montanha e lá:

mostrou-Lhe todos os reinos da terra, em um momento. E o diabo Lhe disse: é a Ti que darei todo este poder com a sua glória. Pois é a mim que foi entregue. E a quem quero, dou-o" (Lucas IV, 5-6).

É importante notar duas particularidades:

  1. O que é oferecido pelo demônio é a supremacia política universal, não apenas uma hegemonia regional.

  2. Quem aceitar essa oferta terá esse poder do demônio e, consequentemente, o exercerá em nome e para o benefício do demônio.

Mas para obter essa recompensa há uma condição a ser cumprida. Essa condição é bem conhecida:

Portanto, se te prostrares diante de mim, será toda tua.

Então, o candidato ao império deve reconhecer a suserania do "Príncipe deste mundo". Note-se que, do ponto de vista jurídico, o acordo é perfeitamente regular. O demônio apenas transfere um principado que, como ele diz, lhe foi entregue, e do qual, portanto, ele dispõe. Esse acordo, Satanás o propôs a muitos reis, a muitos "grandes deste mundo", tanto nos tempos antigos quanto nos tempos modernos.

Vejamos agora em que consiste a prosternação exigida. Pode-se legitimamente pensar que consiste em uma adesão ao plano de conquista do demônio ou a uma parte desse plano; em última análise, a prosternação exigida consiste em uma incorporação ao corpo místico do Anticristo. A condição a ser cumprida é sempre algo diabólico; é sempre uma contribuição para a edificação do poder do Anticristo.

Aproximemo-nos do caso presente. Satanás prometu a hegemonia sobre a Europa, e pela Europa sobre o mundo, a todos os governantes europeus. Ele a promete aos ingleses se estabelecerem em todo lugar filiais da loja de Londres. Ele a promete aos alemães se implementarem o socialismo industrial de Estado, um maravilhoso instrumento de dominação. Ele a promete aos russos mediante a coletivização de todos os bens. Ele a promete aos árabes, impulsionando-os a islamizar "os rumis". Ele a promete aos judeus, os mais predispostos a aceitar, já que, segundo suas antigas tradições, o império do mundo lhes é devido. Ele a promete também às nações do extremo oriente, detentoras de lendas e profecias imperialistas.

Ainda com um estímulo semelhante, o da potência oculta (com o qual tantos intelectuais sonham), ele vai dar impulso, não apenas à maçonaria, mas a todas as confrarias iniciáticas, cada uma tentando dominar secretamente a outra.

Satanás irá até propor o pacto hegemônico à Igreja Católica. Ele dirá ao Papa:

"Se você reunir as primeiras Assises do parlamento religioso universal, farei com que lhe deem a presidência".

Inexplicavelmente, o Pontífice Romano aceitou; ele terá apenas uma presidência efêmera, mas as "assises" permanecerão; sobre elas, construirão um templo a Lúcifer.

Para o demoníaco orquestrador dessa imensa feira de hegemonia, o benefício é duplo:

  1. Cada um dos competidores contribui para a construção do socialismo absoluto e universal, que será o regime do Anticristo.

  2. Ele ganha também de outra maneira: essas lutas eliminatórias designarão por si mesmas o mais forte; restará ao vencedor apenas federar repúblicas que já serão socialistas e gnósticas; já restam apenas dois grandes blocos em disputa; é necessário agora designar o triunfador final por uma nova série de conflagrações mundiais, pois é pouco provável que um assunto tão grande seja resolvido em uma única crise.

A Ubiquidade Maçônica

As congregações iniciáticas estão em ação na Europa cristã desde a época do Renascimento. Mas é certo que elas foram precedidas, na Idade Média, por confrarias mais ou menos esporádicas. Sob a forma da atual maçonaria, elas operam ativamente desde o século XVIII. Costuma-se considerar as Constituições de Anderson (1717), que formam a carta da Grande Loja de Londres, como seu ato de nascimento. Esta loja é a primeira de todas na ordem cronológica e tornou-se, de direito e de fato, "mãe e mestra" de todas as lojas maçônicas do mundo. Ela representa, para a contra-igreja, o simétrico inverso da Arquibasílica do Santíssimo Salvador de São João de Latrão.

A maçonaria quer estar presente em todos os lugares. Essa ubiquidade é a base de seu método de ação exterior. Ela quer saber tudo o que se diz, participar de tudo o que se decide, colaborar em tudo o que se faz. Já observamos que ela pretende se infiltrar em todas as correntes influentes, mesmo aquelas que nascem sem ela, mesmo aquelas que se formam contra ela. Pois toda corrente influente contém uma força utilizável, especialmente para a maçonaria, que está equipada para navegar contra a corrente. Também sabemos, mas repetimos porque é importante, que ela quer escolher, entre as tendências que se manifestam espontaneamente, aquelas que devem ser favorecidas e aquelas que devem ser torpedeadas a todo custo. Essa infiltração universal é uma das atividades mais importantes da maçonaria. É muito difícil escapar dela, pois ela ocorre, como vimos, por "influência pessoal cuidadosamente encoberta".

TODOS os partidos políticos são emanações da maçonaria, seja porque ela mesma presidiu a sua formação, seja porque os penetrou posteriormente. Os partidos políticos podem parecer mais poderosos porque agem na esfera pública, enquanto a maçonaria permanece, na maioria das vezes, ignorada nas sombras. Mas, na realidade, os partidos políticos trabalham sob a dependência da grande sociedade secreta subjacente, da qual são apenas os porta-vozes para uma clientela determinada. Os programas dos partidos políticos não são senão frações e adaptações do "Grande Plano" maçônico.

É evidente que a maçonaria não infiltra apenas os partidos políticos, mas também a administração, o exército, a justiça, a universidade, a indústria, o banco... em uma palavra, todos os órgãos da sociedade.

Que tipo de simbiose pode existir entre ela e as polícias de inteligência?

Em teoria, a polícia deveria vigiar a maçonaria, já que ela pretende dominar o Estado e, portanto, constitui um perigo para o Estado. Na prática, ocorre o contrário. A polícia avisa a maçonaria dos perigos que poderiam ameaçá-la. Mais ainda, a maçonaria utiliza a polícia para se informar, estabelecendo desvios em seu proveito dentro da polícia. Na consciência esclarecida de um policial que também é maçom, a maçonaria terá mais peso do que o serviço de Estado ao qual ele pertence, porque a congregação iniciática fala em nome de uma influência espiritual mais elevada que o Estado. Essa preponderância moral da seita será particularmente sensível em caso de crise de regime, pois então o prestígio do Estado vacilante será nulo na mente dos policiais maçons.

Graças aos conventos internacionais e às instituições obedienciais, também internacionais, a ubiquidade maçônica se estende ao mundo inteiro. A presença universal da maçonaria é ainda acentuada pelo seguinte fenômeno. Existe um corpo maçônico: é o conjunto dos adeptos reunidos em instituições materiais. Mas também existe um espírito maçônico. Esse espírito é obviamente compartilhado pelos membros do corpo. Mas também o é por toda uma multidão de simpatizantes externos que não são iniciados, que não pertencem a nenhuma das instituições maçônicas, mas que sofrem a influência intelectual da maçonaria. Esses simpatizantes são chamados de maçons sem avental. Eles têm uma sensibilidade maçônica, pensam como maçons, comportam-se como maçons. Eles aumentam consideravelmente a ubiquidade e o alcance da grande seita.

Tábua Rasa

Para compreender a utilidade estratégica do comunismo totalitário, é preciso se colocar, pela imaginação, no escalão mais elevado da contra-igreja, ou seja, no escalão luciferiano. O comunismo totalitário é necessário porque é o único capaz de praticar a liquidação física das elites cristãs. Ele tem o poder porque é totalitário e tem a vontade porque é o regime dos sem-deus, fundado em uma filosofia materialista militante.

Pois é necessário proceder à liquidação dessas antigas elites, ditas "burguesas", e isso não apenas durante a fase revolucionária de tomada do poder, mas também durante todo o longo período governamental que se segue. Se não as exterminarmos e nos contentarmos em afastá-las das responsabilidades, deixando-as subsistir no local, essas elites ressurgirão mais cedo ou mais tarde.

É preciso um regime totalitário que terá duas funções.

  1. Uma função a longo prazo que será instituir um sólido coletivismo, a fim de realizar uma coerção absoluta e universal ("ninguém poderá comprar ou vender se não tiver a marca da besta na testa e nas mãos", Apoc. XII, 17).

  2. Uma função transitória não menos essencial: a liquidação física das elites cristãs, ou mais geralmente costumeiras.

Ora, os partidos socialistas do tipo reformista são incapazes de proceder à necessária liquidação dos antigos quadros porque são contemporizadores e, portanto, hesitantes. É por isso que é necessário um partido monolítico dominando um Estado policial. É necessária a ditadura de um partido único, a única capaz de instaurar a delação popular, a polícia proletária e os tribunais de opinião.

Uma fase de regime totalitário é necessária no mundo inteiro para estabelecer o coletivismo, mas é particularmente necessária nos países cristãos para realizar também a exterminação das elites religiosas. Daí o partido comunista internacional, cujas bases místicas são luciferianas, como agora se sabe, e que se destina, em grande parte, a passar o rolo compressor sobre todo o território da antiga Cristandade. Ele é encarregado de fazer tábua rasa e eliminar a Religião de Nosso Senhor não apenas em suas instituições, mas em seus homens. É precisamente isso que a Rainha do Céu anunciava em Fátima:

"a Rússia espalhará seus erros pelo mundo, provocando guerras e perseguições contra a Igreja, muitos bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer; várias nações serão aniquiladas".

Observar-se-á, portanto, uma ANTINOMIA entre a maçonaria, que é essencialmente tolerante e pluralista, e o comunismo, que é essencialmente monolítico e totalitário. Esta antinomia coloca a maçonaria numa situação difícil em relação ao comunismo. Em seus atos, ela o apoia. As obediências de esquerda veem nele um insubstituível artífice da cidade futura. Mas em suas palavras, ela é obrigada a criticá-lo porque o comunismo não é tolerante e não é pluralista.

A maçonaria estaria muito mais à vontade para apoiar o comunismo se ele abandonasse seus costumes totalitários e passasse ao pluralismo, como a Igreja conciliar lhe dá o exemplo e o encoraja. Se, em vez de um partido único, o regime dos Sovietes conseguisse estabelecer um sistema de alternância entre vários partidos comunistas, tornar-se-ia um regime tolerante e a maçonaria abandonaria as reservas verbais às quais está obrigada.

Um certo pluralismo comunista, mesmo que reduzido a dois partidos, ambos marxistas, é claro, constituiria um lubrificante muito eficaz para a penetração da carga explosiva vermelha na blindagem ocidental. (Estamos fazendo aqui uma suposição absolutamente irrealizável e sem fundamento? O futuro nos dirá). Resta que o sovietismo totalitário é, por enquanto, o instrumento privilegiado da extirpação do cristianismo por conta do poder oculto luciferiano.

República ou Monarquia Universal

A fase materialista terá apenas um tempo. Uma vez realizada a extirpação das antigas elites e o coletivismo econômico bem estabelecido, uma fase espiritualista certamente virá. Pois o demônio, que é o verdadeiro "poder oculto", não quer apenas governar o mundo temporariamente, ele também quer sujeitá-lo religiosamente. Ele fará do Anticristo ao mesmo tempo o "Rei do Mundo" e o "Pontífice" de sua religião. Portanto, os fundamentos filosóficos da cidade universal devem incluir um componente espiritual e religioso, o que não é o caso do materialismo histórico de Marx e Lenin, que exclui toda a religião, tanto externa quanto interna.

Chegamos, portanto, naturalmente a prever uma nova fase da revolução universal, onde o socialismo materialista, agora estabelecido, será complementado por um sistema religioso universal.

Quem será encarregado de elaborar este sistema religioso?

Obviamente, não serão os racionalistas e materialistas. Para isso, são necessários os "espirituais", os pneumáticos; esses são precisamente os neo-gnósticos. Eles já ocupam sua base de partida, com sutis teorias capazes de justificar o advento de um Rei-Pontífice.

Essas teorias, às quais ainda não foi dado um nome coletivo, mas que chamaremos, por conveniência, de monarquismo esotérico, são baseadas em uma dupla confusão.

  1. Primeiro, a confusão entre o governo "de acordo com Cristo" e o governo "de acordo com o Anticristo". Para esses doutrinários neo-gnósticos, não há necessidade de fazer essa distinção. Para eles, todos os reis da História pertencem a um único e mesmo poder primordial. Eles confundem, em um mesmo princípio de autoridade, o poder do Titular, que é o Verbo Encarnado, e o poder do Usurpador, que é o príncipe deste mundo. Eles não distinguem o poder do Faraó do de Davi, nem o poder de Nero do de Carlos Magno, nem em geral o "poder que vem de Deus" do "poder de Deus". Aos olhos dos cristãos, ao contrário, a distinção se impõe entre os Reis que são anunciadores e imitadores de Cristo, e os Reis que são precursores, ou melhor, prefigurações do Anticristo.

  2. A essa primeira confusão, os doutrinários da realeza esotérica acrescentam outra. Eles consolidam o poder temporal e a autoridade espiritual sobre a cabeça de uma única e mesma pessoa, que será ao mesmo tempo rei e pontífice, como eram os imperadores de Roma. Eles dão os Césares romanos como modelo do que eles chamam a realeza sagrada. E essa realeza sagrada eles a declaram tradicional, patriarcal, imemorial, primordial, como eles fazem com todos os componentes do esoterismo.

Tal consolidação de poderes se opõe à teoria cristã dos dois gládios, segundo a qual Jesus Cristo instituiu na terra um VIGÁRIO de seus poderes religiosos e um TENENTE de seus poderes temporais. O "vigário" é o Papa, sucessor de Pedro, e o "tenente" é o rei sagrado em Reims com o óleo milagroso. O vigário e o tenente não dependem um do outro. Não são os pontífices que nomeiam os reis; não são os reis que nomeiam os pontífices. Ambos dependem diretamente de Cristo. Eles reconhecem seus poderes mútuos e não os contestam.

Por que, na doutrina cristã, duas autoridades e não apenas uma?

Porque: "Deus não dá Sua glória". No estado de natureza decaída, Deus não confia todos os Seus poderes a um único homem. A consolidação das coroas real e pontifícia sobre uma mesma cabeça convém propriamente apenas a Nosso Senhor. Ela também convinha a Adão enquanto ele permaneceu na inocência primordial, onde a alma comanda o corpo; é por isso que Adão podia ser ao mesmo tempo rei da terra e pontífice do Altíssimo.

O Anticristo, enquanto herdeiro daquele que triunfou sobre Adão, reivindicará essa mesma consolidação de poderes e se declarará Rei-Pontífice. Os neo-gnósticos, ao ensinar a consolidação dos poderes e ao misturar e confundir a realeza cristã com a realeza pagã, não fazem outra coisa senão estabelecer os fundamentos dos supostos direitos reais e sacerdotais do Anticristo.

É fácil prever que uma fase gnóstica está em preparação. O socialismo absoluto e universal, que sujeita todos os homens juntos pelos laços da economia, será complementado por uma uniformização religiosa que sujeitará todas as almas na mesma religiosidade luciferiana.

A Hibridização Geral

Todo mundo fala abertamente da futura república universal que é o objetivo das sociedades de pensamento e das congregações iniciáticas desde os utopistas do Renascimento. Os órgãos preparatórios dessa república já estão funcionando. Mas ainda há particularismos a serem nivelados.

A destruição das nações está em andamento. Ela está em andamento graças ao regionalismo que as divide em trechos e realiza a fase do solve. E também está em andamento graças ao trabalho de federação que reconstrói os trechos resultantes da divisão regionalista e realiza a fase do coagula. A república universal emergirá dessa alquimia e será uma federação de federações, assim como a U.R.S.S., que é uma "União de Repúblicas", e os E.U.A., que são "Estados Unidos". O edifício global será, portanto, o resultado da moagem das 72 nações , instituídas por Deus para se tornarem a Herança do Verbo Encarnado:

"Pede-me, e Eu Te darei as nações como herança e os confins da terra como propriedade" (Salmo II:8).

Mas essa divisão das nações (solve), seguida de sua reestruturação (coagula), ainda não é suficiente. É necessária uma última precaução. É o hibridismo universal. Seríamos realmente cegos se não percebêssemos que esse hibridismo está sendo deliberadamente implementado há muitos anos. A mistura racial foi detectada e denunciada pelos autores tradicionalistas antes da guerra de 1914-1918; não é algo novo. É um dos principais objetivos das sociedades de pensamento.

O hibridismo universal nos é apresentado primeiro como espontâneo e inevitável, mas na realidade é perfeitamente artificial e desejado. Também nos é apresentado como um dos preceitos essenciais da moral. A distinção das etnias seria uma anomalia insuportável e a origem de todas as guerras; inversamente, a constituição de um bloco híbrido deveria levar a um entendimento geral. Consequentemente, seria altamente imoral militar pela integridade das raças e pelo "cada um em seu lugar"; isso seria um retrocesso e uma superstição inaceitável. Moralmente, não teríamos o direito de contestar a "mistura racial" e sua excelência.

O objetivo, portanto, desse esforço prolongado é obter uma raça mestiça universal. E é preciso reconhecer que o melhor meio de neutralizar as reações dos indivíduos, das famílias e das nações é abastardá-los. Um governo mundial se encontraria, assim, diante de uma massa amorfa, sem tradição nem sensibilidade. Bastaria praticar em relação a ela a política do panem et circenses (pão e circo) tão cara aos imperadores pagãos. É essa massa humana que se prestará melhor ao coletivismo absoluto dos bens materiais e à religião gnóstica, que será feita de bruxaria na base e de mística luciferiana para as elites.

Já é um pouco o que observamos nas grandes capitais do mundo. Por toda parte cruzamos, nas ruas, os mesmos rostos e a mesma mistura de populações. Nada se assemelha mais às multidões de Paris do que as de Tânger, Nova York, Cidade do México ou Santiago... Tudo se universaliza, até mesmo a raça.

Todas as raças se deixarão englobar nessa mesma miscigenação?

É pouco provável. Os judeus certamente resistirão, eles que acham o abastardamento excelente para os outros, mas que sabem muito bem se defender disso para si mesmos. E eles não serão os únicos: a resistência ao abastardamento vai gerar forças das quais o diabo não deixará de tirar proveito. Teorias hiper-eugênicas já estão prontas para ser disseminadas. Elas servirão de bases "altamente científicas" para inspirar as inevitáveis reações que o hibridismo universal já está provocando. Elas permitirão recrutar milicianos e tecnocratas para o Anticristo. Super-homens comandando mestiços, eis o que nos é preparado.

Astúcia e Violência

A doutrina cristã, tal como era ensinada antes da crise, nos adverte que o demônio é um ser duplo: ele é mentiroso e homicida. Como mentiroso ele será astuto e sedutor, como homicida ele será violento e aterrorizante. Ele será alternadamente cordeiro e dragão:

"Depois vi subir da terra outra besta, que tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro, mas falava como um dragão" (Apoc. XIII, 11).

Esta duplicidade essencial, ele vai comunicá-la, na terra, a todos os organismos que ele criou para fazer guerra a Cristo e aos homens. É preciso que saibamos identificar, nesses organismos aos quais somos forçosamente confrontados, a astúcia e a violência de seu mestre.

Encontramos ministros de sua astúcia e ministros de sua violência. A Escritura santa nos fornece dois grupos de duas figuras que nos esclarecem sobre o duplo comportamento dos demônios e de seus ministros humanos. Essas duas figuras são Gog e Magog evocados sobretudo no livro de Ezequiel e Leviatã e Beemote no livro de Jó.

1. Os ministros humanos da ASTÚCIA do demônio podem ser colocados sob o signo de Gog e de Leviatã.

Gog significa "telhado" e convém a tudo o que é coberto, dissimulado e enganador. Ele habita os confins do Setentrião, como Lúcifer do qual ele é uma figura:

"...Virás de tua terra, dos confins do setentrião, tu e numerosos povos contigo" (Ez. XXXVIII, 15).

Gog é traiçoeiro, ele ataca aqueles que não desconfiam de nada.

"Dirás: subirei contra um país aberto; virei contra essas pessoas tranquilas que habitam em segurança, que têm todas moradas sem muralhas, e que não têm nem ferrolhos nem portas" (11).

Leviatã é uma besta marítima que esconde seu extraordinário poder sob encantos cativantes:

"Não quero calar sobre seus membros, sua força, a harmonia de sua estrutura ... Soberbas são as linhas de suas escamas, como selos estreitamente apertados .. Seus espirros fazem jorrar a luz, seus olhos são como as pálpebras da aurora... Seu coração é duro como a pedra, duro como a mó inferior..." (Jó XCL, 25).

O Leviatã é idêntico à "besta do mar" que aparece no Apocalipse. Todos esses prestígios, dos quais Leviatã se cerca, são mentirosos. São os vestígios de sua beleza primitiva, vestígios que ele conserva em seu estado de queda, pois Deus não os tirou dele. São esses restos de beleza que ele coloca em evidência quando se disfarça de anjo de luz. Muitos líderes históricos, filósofos, instituições inteiras, até mesmo nações, são "gogs" e "leviatãs". É preciso saber reconhecê-los. A maçonaria é o tipo dessas instituições sedutoras e tolerantes nas quais reina o espírito de Leviatã: ela conduz prudentemente seus adeptos a concepções que eles teriam rejeitado energicamente se lhes tivessem sido propostas no dia de sua entrada na loja.

2. Os ministros da VIOLÊNCIA são retratados sob os traços de Magog e de Beemote.

Magog significa "sem telhado", ou seja, sem dissimulação; é o símbolo da força cínica e brutal.

Beemote é uma besta terrestre que investe como um touro:

"Vê Beemote que criei como você: ele se alimenta de erva, como o boi. Veja, pois, sua força está em seus rins, e seu vigor nos músculos de seus flancos! Ele ergue sua cauda como um cedro; os nervos de suas coxas formam um sólido feixe. Seus ossos são tubos de bronze, suas costelas são barras de ferro. É uma obra-prima de Deus; seu criador o proveu de uma espada. As montanhas produzem para ele forragem, ao seu redor brincam todos os animais dos campos... Será que se poderá capturá-lo de frente com redes e perfurar-lhe as narinas?" (Jó XL).

Beemote não é outro senão a "besta da terra" que se encontra no Apocalipse.

É bem evidente que não existe uma especialização clara entre os ministros humanos da astúcia demoníaca e aqueles da violência. Frequentemente são os mesmos homens e as mesmas nações que exercem os dois ministérios alternadamente e até simultaneamente. Por exemplo, a Rússia soviética, que é particularmente semelhante a Beemote, a força brutal terrestre, também é capaz de sedução e perfídia.

Na guerra, não é possível evitar todos os golpes. Mas é preciso evitar as imprudências. É uma imprudência se aproximar inutilmente de Leviatã e de Beemote, por exemplo, para tentar discutir e raciocinar com um ou outro; não se discute com o demônio ou com os seus.

Uma religiosa de Poitiers, Josefa Menendez, de origem espanhola, recebeu da Santa Virgem revelações que esclarecem nosso assunto:

O demônio é como um cão furioso, mas está acorrentado, ou seja, ele só tem uma certa liberdade. Ele só pode, portanto, agarrar e devorar sua presa se ela se aproximar dele. E é para capturá-la que sua tática habitual é se transformar em cordeiro. A alma que não percebe isso se aproxima pouco a pouco e só descobre sua malícia quando se encontra ao seu alcance ("Um Apelo ao Amor", 13 de abril de 1921).

Neutralizar a Reação

As forças secretas da revolução se deparam com uma inércia muito poderosa e constante. As reformas dos utopistas só se realizam com dificuldade e lentidão. A sociedade humana opõe a elas uma surda mas obstinada resistência. De onde vêm essa inércia, essa lentidão e essa resistência?

Elas têm primeiramente causas naturais. A primeira reside no fato de que o homem terrestre aspira prolongar seu estado terrestre ao qual está invencivelmente apegado. Nas origens, sua tendência espontânea foi de consumir também o fruto da árvore da vida que lhe teria proporcionado a eternidade no estado de natureza. É para evitar essa catástrofe que Deus afastou o homem do paraíso:

"Agora, que ele não estenda as mãos, que não tome também da árvore da vida, para comer e viver eternamente. E Yahweh os fez sair do jardim do Éden" (Gên. III, 22-23).

A tendência espontânea do homem é prolongar seu estado presente. Ele tem medo das grandes mudanças, portanto da revolução.

A segunda razão natural é mais sutil e mais difícil de entender. Não obstante certos direitos ao império, direitos que anteriormente destacamos, o Príncipe deste mundo não é essencialmente mais que um usurpador, pois trabalha para suplantar o verdadeiro titular do poder absoluto que é Cristo. Além disso, ele progride pela astúcia e pela violência, que não são amáveis nem uma nem outra. O homem é, portanto, forçado a temer, ainda que confusamente, essa usurpação e essas manobras dolosas. E ele resiste a isso, por medo instintivo "daquele que é homicida".

Mas a inércia e as lentidões que o poder revolucionário mundial deve vencer também têm causas sobrenaturais. Sabemos que o demônio não é na terra senão o ministro dos castigos de Deus. Jesus Cristo conserva sempre o alto domínio e Ele só dá, a Seu adversário, a permissão de agir nos tempos marcados. A atividade do demônio atravessa, portanto, às vezes longos períodos de impotência.

Essas razões explicam que a humanidade, perpetuamente trabalhada pela fermentação utópica e revolucionária, lhe opõe perpetuamente suas forças de inércia. Quando ela é objeto de pressões exageradas, quando é maltratada, essa inércia, de passiva que é em geral, se transforma em explosão reacionária. Assim, já observamos que todos os órgãos da revolução (congregações iniciáticas, sociedades de pensamento, partidos políticos...) são muito atentos em respeitar o limite de passividade e de maleabilidade das massas populares que querem manobrar. Mas nem sempre conseguem evitar os acidentes reacionários.

Qual será a atitude dos poderes ocultos nesses casos explosivos? Eles vão implementar um certo número de procedimentos que provaram seu valor e até se tornaram bastante clássicos.

Se o movimento reacionário nascente se anuncia de fraca amplitude, as forças da revolução se contentarão em tomar discretamente sua direção e conduzi-lo para um beco sem saída onde ele se desintegrará.

Qual é esse procedimento? Eis um exemplo. Conta-se que, pouco tempo antes da revolta histórica de 6 de fevereiro de 1934, um grupo de agricultores de Cantal tinha subido a Paris para manifestar diante do ministério da agricultura. Eles tinham vindo de trem e se reunido na saída da estação de Austerlitz. Como os "curiosos" eram numerosos, o cortejo era bastante volumoso. Colocaram na frente aqueles que conheciam bem Paris e partiram para vaiar o ministro, com a bolsa a tiracolo. Caminharam interminavelmente... para se encontrar na Place Balard no outro extremo de Paris: um grupo de policiais "à paisana" tinha tomado a frente do cortejo para desviá-lo em sentido oposto.

Transposto em grande escala, esse procedimento foi utilizado muito frequentemente. É assim, por exemplo, que após a guerra de 14-18 as associações de Ex-Combatentes, que estavam dispostas, quando de sua fundação, a tratar de "problemas nacionais" de ordem geral, segundo a fórmula do momento "para que nossos filhos nunca mais vejam isso", foram desviadas para preocupações secundárias de aposentadorias e condecorações, sem perigo para as instituições republicanas e para a orientação maçônica da opinião. Poderíamos citar, desse procedimento do "Beco sem Saída", exemplos em número infinito. Os maçons, esses valentes guardiões das instituições, passam a maior parte do seu tempo torpedeando movimentos reacionários.

Quando a explosão é inesperada e violenta, falta tempo para penetrá-la pela base; é preciso então "encabeçá-la" rapidamente, ou seja, impor-lhe um líder que lhe proporcionará uma exaltação aparente, mas a impedirá de prejudicar fundamentalmente o sistema. É o procedimento do Deus ex Machina. Nas representações dramáticas romanas, uma divindade, parecendo descer do céu, era trazida ao palco por uma maquinaria invisível e sua intervenção inesperada resolvia uma situação inextricável. Esse procedimento é incorporado, por nossos manipuladores, às técnicas do governo oculto. Um dos exemplos mais típicos de Deus ex Machina é a chegada ao poder de Gaston Doumergue, que foi buscado em seu retiro para deter a revolta de 6 de fevereiro de 1934 conduzida pelas ligas nacionais. Apaziguador e sorridente, Doumergue recolocou a república parlamentar nos trilhos. É na sequência de uma manobra análoga que o general de Gaulle foi sondado para organizar em Londres um comitê e depois um governo francês, a fim de neutralizar o governo do Marechal Pétain.

O procedimento é de uso tão corrente que as forças da revolução são obrigadas, permanentemente, a manter pronto um Deus ex Machina para enfrentar qualquer eventualidade. É assim que se mantém sempre em reserva pretendentes ao trono para "encabeçar" uma reação que se tornou muito violenta. Os pretendentes assim preparados são doutrinados para não prejudicar as forças secretas e até para protegê-las.

As elites nacionais sinceras não ignoram nada desses preparativos. Elas estão ao mesmo tempo sem ilusão e sem meios de ação. Quanto à massa popular, escravizada pelos poderosos meios modernos de condicionamento coletivo, ela aplaudirá assim que lhe for dado o sinal.

Tais são as causas profundas, de natureza religiosa como vimos, da inércia que a sociedade humana opõe instintiva e desajeitadamente à propagação revolucionária. E tais são alguns dos procedimentos mais empregados em nossos dias pelo adversário para vencer essa inércia e neutralizar as explosões às quais ela às vezes dá origem.

A Cidadela de Sião

Entre as forças de reação, deveríamos poder citar a Igreja Católica. Infelizmente, ela está hoje neutralizada por uma poderosa rede de prelados progressistas que, agindo em ligação com as lojas maçônicas e com certos meios soviéticos, a alistou no campo da contra-igreja, reduzindo-a ao papel de correia de transmissão. Eles tomaram o poder, por ocasião do último concílio ecumênico, graças a um verdadeiro golpe de Estado eclesiástico que os observadores imediatamente compararam à "revolução de outubro" na Rússia. É bem evidente que as forças de revolução assim instaladas no topo da Igreja não se deixarão desalojar. Elas pretendem, e têm os meios para isso, permanecer daqui em diante senhoras da Sede apostólica.

Sob a denominação de "Religião Católica", os sociólogos, os jornalistas, os historiadores, os filósofos encontram agora duas religiões distintas: a religião pré-conciliar que se perpetua entre os tradicionalistas e a religião pós-conciliar que modifica seus estatutos, mas que os poderes públicos reconhecem como o único catolicismo verdadeiro. Essas duas religiões fazem guerra entre si; elas se declaram incompatíveis e se excomungam mutuamente. O catolicismo pós-conciliar abandonou o antigo espírito, tornou-se um corpo vazio de alma; apresenta todas as aparências da morte.

Trata-se, sem dúvida alguma, da crise sem precedentes que as profecias nos anunciam que deve cair sobre a Igreja à aproximação do fim dos tempos. Crise que os textos sagrados descrevem como

a abominação da desolação instalada no lugar santo (Mat XXIV, 15).

Deve haver então sobre a terra uma "grande tribulação",

como não houve desde o começo do mundo (Mat XXIV, 21).

Chegamos a esta fase terminal?

As profecias da Sagrada Escritura não nos permitem responder a essa questão porque, observando a História de muito alto e de muito longe, elas não entram nos detalhes de cada época. Para responder, é preciso recorrer às profecias da revelação privada, que são de menor amplitude, mas que entram em mais detalhes. Ora, elas são unânimes em afirmar que antes das tribulações finais, a terra atravessará uma crise premonitória, idêntica em sua natureza à crise final, mas atenuada quanto à sua intensidade. É essa crise premonitória que sacode hoje a Igreja. Não é, portanto, surpreendente que ela se apresente como um corpo que perdeu sua alma. Ela se encontra em um estado semelhante ao de Nosso Senhor Jesus Cristo quando Ele foi depositado no túmulo; seu corpo estava ao mesmo tempo morto e divino, o que parece incompatível; a Redenção é um mistério.

O mesmo acontece hoje com a Igreja, que é o corpo místico de Jesus Cristo. Ela parece morta, pois perdeu o antigo espírito, mas permanece divina; daí o respeito que devemos conservar por essa estrutura vazia, não obstante a indignação que provocam em nós os discursos e os atos de seus grandes prelados e mesmo de seus pontífices.

Não é preciso que esse estado de coisas nos escandalize. Os textos sagrados nos advertem do que deve acontecer precisamente para que não fiquemos nem surpresos nem perturbados. É preciso que os escândalos aconteçam, infelizmente apenas para aqueles por quem eles chegam. Conservemos toda a nossa serenidade.

Nosso Senhor fez à Igreja promessas de perenidade. Se essas promessas tivessem sido destinadas a proteger a Igreja de toda ferida e de toda divisão, pode-se dizer que elas não teriam sido cumpridas pois, de fato, a Igreja foi muito frequentemente ferida e dividida; ela perdeu grandes pedaços que nunca recuperou (o cisma grego, a heresia protestante, a morte aparente de hoje). As promessas de perenidade asseguram apenas à Igreja que sempre haverá nela um núcleo vivo para oferecer resistência ao inimigo. Sempre haverá uma cidadela que não se renderá. O navio da Igreja nunca afundará; mas poderá sofrer graves avarias; seu comandante poderá até ser morto. A perenidade reside na torre de menagem; é por isso que a morte de hoje é apenas aparente. Um núcleo vivo subsiste, que é precisamente a minoria anti-conciliar. Ela é a fortaleza de SIÃO, a cidadela de Jerusalém.

A sinagoga dos Judeus já havia sofrido eclipses semelhantes. A perda da Arca da Aliança, depois o cativeiro da Babilônia eram também "mortes aparentes".

Tal é o regime do Corpo Místico. Ele não é melhor tratado que o Mestre. As feridas profundas que a Igreja não podia evitar são figuradas, na Missa, pela Fração da Hóstia. A Missa é uma profecia que contém em resumo as fases da vida da Igreja. A Fração da Hóstia representa as lacerações que a dilaceraram.

Mas Deus salva o que vai perecer e que não dispõe mais de nenhum recurso natural. É nisso que Ele é Salvador. Ele estenderá Suas mãos sobre o mar, Ele acalmará a tempestade, e se fará uma grande calmaria.

A Dinâmica Interna da Infraestrutura Revolucionária

Não estamos aqui fazendo obra de erudição. Não buscamos repetir o que outros já disseram muito melhor. O que nos interessa não é a descrição histórica da crise, são as relações de forças, é a dinâmica do aparato subversivo e, em particular, a de sua infraestrutura secreta.

As congregações iniciáticas, cercadas pelas inúmeras associações que difundem seu espírito, formam uma imensa rede mundial cujo centro é ocupado por um mestre de obras que não é outro senão o próprio Lúcifer. Nele reside a força central e a força principal que governa secretamente o mundo. Nosso Senhor o chamava de "Príncipe deste mundo". Essa rede mundial, devido a seu comando único, é animada por uma certa unidade de manobra, que se faz sentir a longo prazo. Mas também apresenta incontestáveis discordâncias, e isso por duas razões: primeiro, devido às suas enormes dimensões, e também porque Satanás governa pela rivalidade dos membros; seu reino está dividido contra si mesmo e o "Príncipe" usa essas rivalidades como forças de emulação (por exemplo, a emulação pelo império mundial).

O que faz a unidade entre esses membros rivais é o ódio comum ao inimigo comum. E o inimigo comum é Nosso Senhor e Suas obras terrestres, das quais a principal é a Igreja, mas das quais as monarquias cristãs do Antigo Regime faziam também, incontestadamente, parte. Por mais graves que sejam, entre as organizações da contra-igreja, as rivalidades dos membros, elas terminam diante do inimigo comum. Observamos um exemplo típico desse fenômeno na vida de Nosso Senhor:

"Herodes e Pilatos, que eram inimigos antes, tornaram-se amigos naquele dia" (Lucas XXIII, 1-2).

Eles se reconciliaram às custas do JUSTO. Reconciliações desse tipo sempre ressurgem no seio das forças da revolução. Devemos esperar estar constantemente fazendo novas experiências desse tipo.

A dinâmica interna da infraestrutura revolucionária apresenta outra particularidade: é a coabitação de duas tendências, aparentemente contraditórias, mas que, na verdade, se dividem no trabalho: a tendência racionalista e a tendência espiritualista. São as duas pernas sobre as quais a maçonaria avança; ela avança ora com uma, ora com a outra; ela implementa e privilegia alternadamente uma ou outra tendência; mas é preciso lembrar que as duas estavam presentes nela desde sua fundação.

Algumas lojas se especializaram em disciplinas científicas e racionais, desenvolvendo ao mesmo tempo o ceticismo agnóstico; é o caso, por exemplo, das lojas que abrigaram os enciclopedistas, e depois aquelas que geraram os socialistas, dando assim o impulso às grandes revoluções do século XIX. Essa tendência se concretizou no Grande Oriente. Essa maçonaria política trabalha na ordem temporal.

Outra família de lojas trabalha na ordem espiritual e religiosa. Elas cultivam o espírito gnóstico e cabalístico. Depois de se perpetuarem em surdina durante o período do anticlericalismo militante, as lojas "Espiritualistas" retomaram grande importância desde o estímulo que lhes proporcionaram homens como R. Guénon. Geralmente, acredita-se que essa tendência religiosa se concretiza na Grande Loja da França e na Grande Loja Nacional Francesa. É lá que se elaboram as forças da Nova Direita e da nova gnose.

Organismo essencialmente "pluralista", a ordem maçônica conduz várias políticas ao mesmo tempo. Assim, pode se adaptar não apenas às flutuações imprevisíveis dos eventos e da opinião pública, mas também praticar a arte real, ou seja, a arte do governo secreto, e passar de uma fase a outra da Grande Obra. Ela passa do "solve" ao "coagula": de Émile Combes, que dinamitou o catolicismo, a René Guénon, que construiu o esoterismo transcendente. Lembra-se que essas duas fases correspondem às duas reivindicações distintas de Lúcifer, que são fazer do Anticristo não apenas o Rei do mundo, mas também o Pontífice Universal.

A fase política do trabalho foi concluída pela maçonaria racionalista, jacobina, materialista, científica, anticlerical, socialista e ateísta, que acionou o ciclo revolucionário e suas etapas sucessivas: 1789-1830-1848-1871-1917. As monarquias cristãs foram substituídas por repúblicas e a república universal recebeu as bases que agora restam apenas consolidar.

Ao mesmo tempo, a maçonaria espiritualista infiltrou-se na Igreja, onde organizou primeiro uma rede modernista e, mais recentemente, uma rede gnóstica. Essa dupla rede, orquestrada pela mesma mão, corroeu a hierarquia eclesiástica, que agora está impotente. A maçonaria não tem mais nenhuma reação a temer da parte da Igreja oficial e conciliar. Ela a alistou definitivamente e a transformou em sua auxiliar. Salvo um milagre de ressurreição, essa situação é canonicamente irreversível, pois não há mais nenhuma instância eclesiástica que escape ao controle da maçonaria. O Concílio, o Sínodo, a Cúria, o Conclave e a própria Sé Apostólica estão todos em suas mãos.

Em suma, a República Universal está constituída e a Igreja está impotente. Mas os objetivos do demônio não foram alcançados. Primeiro, é preciso transformar a República Universal em Império Sacral para que o Anticristo possa cingir a coroa, tão ambicionada, de "Rei do Mundo". E depois, é preciso substituir a religião católica pela Religião Universal, da qual o Anticristo será o pontífice e Lúcifer será o Deus:

"Subirei aos céus; erguerei meu trono acima das estrelas de Deus. Sentar-me-ei no monte da assembleia, nos confins do norte; subirei acima das alturas das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo" (Isaías XIV, 13-14).

O socialismo absoluto e universal ainda não está completamente implantado, o rolo compressor do ateísmo soviético ainda não passou por todo lugar, quando já (e há muito tempo, pois o demônio é prudente) a maçonaria se prepara, sob o impulso de seus espiritualistas, para uma fase gnóstica, a fim de sacralizar o poder socialista e espalhar, pela gnose moderna, uma verdadeira religião luciferiana.

Era necessário dedicar um parágrafo para recapitular a dinâmica interna da infraestrutura revolucionária.

Os dois Corpos Místicos

Sabemos muito bem que pertencemos ao "Corpo Místico de Cristo" e que estamos envolvidos nos combates que Lhe são impostos, não apenas no foro interno, ou seja, secretamente e a título individual, mas também NO FORO EXTERNO, ou seja, publicamente e a título coletivo. Assim, gostaríamos de compreender a natureza, a origem e os propósitos do exército do qual o sacramento da confirmação nos fez os soldados. O "miles Christi" (o soldado de Cristo) servirá tanto melhor a causa de seu chefe quanto mais exata for sua compreensão da milícia da qual faz parte.

As duas sementes originais, a semente da mulher e a semente da serpente, proliferaram tremendamente. Elas deram origem a dois "corpos místicos" antagônicos que Santo Agostinho define como duas Cidades, a Cidade de Deus e a Cidade de Satanás, e que Santo Inácio de Loyola coloca sob duas bandeiras opostas. O Magistério romano deu forma definitiva a essa importante doutrina:

"Desde que, por inveja do Demônio, o gênero humano se separou miseravelmente de Deus, a quem devia seu chamado à existência e os dons sobrenaturais, ele se dividiu em dois campos inimigos, que não cessam de combater, um pela verdade e pela virtude, o outro por tudo o que é contrário à virtude e à verdade". (Leão XIII, Humanum Genus).

Esses dois campos inimigos são dois "corpos" que se comportam como DOIS GÊMEOS INVERTIDOS dos quais a humanidade é portadora e dos quais vai dar à luz:

"... toda a criação geme e sofre as dores do parto" (Rom. VIII, 22).

Os "chefes" desses dois corpos, ou seja, as cabeças dessas duas posteridades, são Cristo e o Anticristo. Cristo apareceu antes da Igreja, Ele precedeu Seu corpo místico, como acontece com uma criança que se apresenta bem e está destinada à vida. O Anticristo, pelo contrário, aparecerá depois de seu corpo místico, virá por último, no fim dos tempos, como uma criança que se apresenta mal e morre após o nascimento. Durante todo o tempo de sua gestação, esses dois corpos terão sido invertidos. Eles terão sido irmãos inimigos.

Por que dois corpos gêmeos? Por que esse duplo parto? Só podemos dar um início de explicação, pois a verdadeira causa dessa dualidade se perde no mistério da iniquidade.

Devido ao desequilíbrio provocado pela queda, a humanidade proliferou excessivamente. Ela foi o palco de uma proliferação intempestiva porque as forças da natureza, em vez de serem domadas pela "discrição" sobrenatural, se desregularam:

"...Multiplicarei grandemente teus sofrimentos na gravidez". (Gênesis 3, 16).

O número final de homens que vieram à existência será, de fato, muito superior ao necessário para recrutar o coro dos eleitos; nem todos os homens serão eleitos, ao longo da História terrena, se formará um resíduo humano, ou seja, um corpo de réprobos. É a esse corpo que demos o nome de "corpo místico do Anticristo", denominação pouco utilizada, é verdade, mas que não é repreensível e é muito explicativa.

Os dois corpos místicos antagônicos foram representados, no Calvário, pelos dois ladrões. Eles são dois irmãos separados pela Pessoa de Nosso Senhor. O da esquerda representa o homem velho do qual São Paulo nos pede que nos despojemos, o da direita representa o homem novo com o qual ele quer que sejamos revestidos.

Se agora, em vez de considerar a História da humanidade em seu conjunto, observarmos separadamente os períodos dos dois Testamentos, eis o que constatamos. Toda a História do mundo antigo foi condicionada pela formação da Pessoa física de N.S.J.C., formação que deveria ser levada a bom termo. Todos os eventos desse período, mesmo os que lhe parecem os mais estranhos, tanto entre os Judeus quanto entre as nações gentias, estavam subordinados à formação dessa pessoa física, que deveria ter uma importância universal. É isso que se expressa quando se diz que o Antigo Testamento era carnal. Tratava-se de chegar à Encarnação. As orações dos Justos da Antiga Lei mereceram a vinda da Virgem Maria. E as orações da Virgem Maria, porque eram suficientemente imaculadas e intensas, mereceram a vinda do Verbo Encarnado.

Quanto ao Novo Testamento, ele é espiritual. Sob o império da Nova Lei, a História do mundo é condicionada pela constituição do corpo espiritual, ou seja, do "corpo místico" de Nosso Senhor. O mundo é invisivelmente governado por Jesus Cristo, de tal forma que não acontece nenhum evento que não esteja subordinado a essa constituição. A ação do demônio também concorre indiretamente e finalmente, pois Jesus Cristo possui o domínio supremo sobre tudo, até mesmo sobre o reino do "Príncipe deste mundo".

Nós que nos aproximamos do fim dos tempos, estamos destinados a lutar pela consumação da Igreja, que é o corpo místico de Nosso Senhor. Se Deus nos faz participar dessa luta, é porque ela é difícil. Não devemos nos surpreender que, hoje, seja a Igreja, sua natureza, sua existência, sua sobrevivência, que sejam particularmente questionadas. Essa é a luta de nossa geração. Esse é o nosso destino. Não é indiferente para o nosso estado de espírito e para o nosso "moral" de combatente saber em que fase da batalha estamos reservados: testemunhar a divindade da Igreja, corpo místico de N.S.J.C.

As Flutuações da Batalha

Adquirimos uma dupla certeza: a existência sobre esta terra das duas cidades antagônicas e da guerra entre essas duas cidades. Não se trata de uma oposição imóvel; há batalha. No confronto desses dois exércitos, constataremos flutuações, ou seja, alternâncias de avanços e recuos. Quando o estandarte de Belial progride, o de Cristo recua. A cristandade recuou diante dos estandartes do Profeta Maomé. Depois a situação se inverteu e os cruzados, retomando a ofensiva, fundaram o reino Franco de Jerusalém e o mantiveram por um século. Em seguida, novamente um grande ímpio, Lutero, infligiu uma grande derrota à cidade de Deus.

Por que Jesus Cristo aceita essas flutuações e esses recuos periódicos? Pareceria mais lógico que Seu avanço fosse constante, já que Ele é incomparavelmente mais forte que Seu adversário. Por que Ele modera Suas forças até dar-lhes essa equivalência com as de Belial? Aqueles que estão envolvidos na batalha buscarão responder a essa questão que lhes diz respeito de perto.

Sabemos que "o Pai entregou ao Filho todo o julgamento". (João, V, 22). Mas o Filho é o Justo Juiz. Ele é justo com toda criatura, mesmo com o demônio. Ele lhe dá, como a toda criatura, o que lhe é devido. Ora, quando o demônio faz um homem tropeçar e o leva a transgredir a lei, ele obtém direitos sobre esse homem e faz dele seu escravo. O pecado nos torna escravos de Satanás, ensina o pequeno catecismo. O "Justo Juiz" respeita os direitos que Satanás adquiriu sobre seus escravos. E quando quer libertá-los de sua escravidão, o Salvador paga um resgate; ele paga o preço da redenção: tal é o sentido da palavra redenção. O resgate pelos pecados do mundo é o Precioso Sangue. O Sangue do Cordeiro imolado é dito "precioso" porque é uma moeda insubstituível.

Quando a massa dos pecados aumenta, a massa dos direitos adquiridos pelo demônio também aumenta e Cristo, que é justo, permite que o estandarte do demônio avance em território cristão. A atual vitória de Satanás sobre a Igreja tem como causa primeira a irreligião do homem moderno. Mas então o Salvador responde com misericórdia: onde o pecado abunda, a Graça superabunda e novamente Vexilla Régis prodeunt, os estandartes do Rei avançam. As flutuações da batalha provêm dessa luta entre os esforços de Satanás para fazer os homens caírem e as larguezas da misericórdia divina: "mirifica nos misericordias tuas qui salvos facis sperantes in te". Maravilhai-nos com Vossas misericórdias, Vós que salvais aqueles que esperam em Vós.

Após cada vitória de Jesus, o diabo redobra sua energia para se vingar. Foi assim que ele declarou um dia a São Martinho que estaria sempre em seus passos e que se vingaria de todas as derrotas que "o apóstolo das Gálias" lhe teria infligido. E de fato, pode-se notar que os dois grandes ímpios que o inferno suscitou contra a Igreja, Maomé e Lutero, são ambos "anti-martins". Maomé nasceu em 11 de novembro, na festa de São Martinho. Quanto a Lutero, ele tinha o nome de Martinho. O diabo assinou a vingança que havia prometido exercer.

Mas se é assim, pareceria que Jesus deixa a Belial a iniciativa das operações e que pratica uma estratégia de simples resposta. Na realidade, não é nada disso. Durante o período que vai da queda à Encarnação, pode-se dizer que Belial reinava pacificamente sobre o mundo. Este reino pacífico estava destinado a durar até o Advento glorioso do Ungido do Senhor, hora em que seria necessário retornar ao abismo. Mas eis que Cristo desce à terra humildemente e de improviso, como um bom general que ataca de surpresa: "Vieste para nos atormentar antes do tempo", dizia um possesso a Jesus. Ele vinha, de fato, como conquistador, pois Ele é "Rei por direito de nascimento", mas também o é por direito de conquista. É bem evidente que esta conquista necessita de uma batalha. É nisso que J.C. é sinal de contradição (Lucas II, 34) e que Ele veio trazer não a paz, mas a espada (Mateus X, 34).

Após a Encarnação, a batalha se tornará encarniçada. Satanás, compreendendo que o fim de seu principado terrestre está próximo e que lhe resta pouco tempo, vai decuplicar sua energia. O confronto vai se intensificar. Os recuos e avanços se tornarão mais profundos. E o mundo será, cada vez mais, ou todo bom ou todo mau até a separação final dos dois corpos místicos, um na Jerusalém celeste, outro no lago de fogo.

Hoje não podemos nos dissimular que estamos mergulhados em uma fase de debacle dos exércitos de Cristo. A aparição do Anticristo é, portanto, iminente? Muitos cristãos se fazem com razão esta pergunta. Veremos mais adiante que resposta se pode dar a ela.

Duas Mandíbulas Desiguais

Desde suas primeiras manifestações, o pensamento humanista se dividiu em duas correntes: a corrente democrática, da qual por muito tempo se designou Bodin (o autor do "Contra Um") como porta-bandeira, e a corrente oligárquica, que reconhece Maquiavel (o autor do "Tratado do Príncipe") como seu líder. Essas duas correntes de pensamento se perpetuaram até nós, cada uma permanecendo fiel à sua lógica inicial, e deram origem a duas poderosas forças políticas que cooperaram no cerco à Igreja e à Cristandade temporal. As forças de cerco se dividiram naturalmente em dois corpos de exército, o democrático avançando pela esquerda e o oligárquico ocupando a direita do dispositivo. Mas esses dois corpos de exército foram muito desiguais quanto ao seu volume e quanto às suas respectivas funções.

Foi a ala marchante da esquerda que tem sido, pelo menos até agora, a mais importante e a mais ativa. Sua manifestação final é o sovietismo. O regime soviético representa a quintessência do humanismo democrático. Ele se proclama o humanismo integral, o que é exato no sentido de que está na linha direta do utopismo do Renascimento. Os historiadores do sovietismo observam que seus princípios podem ser encontrados na "Cidade do Sol" de Campanella, na "Utopia" de Thomas More e na "Nova Atlântida" de Francis Bacon.

Mas como se chegou a construir efetivamente esta "Cidade das Nuvens" e a lhe proporcionar tal duração?

A edificação do humanismo integral soviético é o resultado de uma série de revoluções que acabaram por derrubar a realeza de direito divino, originária da Santa Ampola e na qual a autoridade vinha do Alto, e que a substituíram pelo regime da soberania popular no qual a autoridade vem de Baixo. O democratismo se apresenta como uma filosofia otimista, ou seja, fundada na excelência da natureza humana e de seus "impulsos generosos".

A direita do dispositivo de cerco é ocupada pelo corpo de exército oligárquico e maquiavélico. Ele desempenha o papel de dispositivo de segurança. Intervém quando a sociedade que é submetida ao processo traumatizante da revolução chega a reagir com muita violência. Os maquiavélicos então assumem a liderança da reação, colocando em primeiro plano suas doutrinas oligárquicas (ou seja, elitistas); traçam-lhe uma trajetória que não remonta aos direitos divinos e que, ao contrário, salvaguarda as principais conquistas revolucionárias. É uma válvula que deixa passar, por um tempo, uma parte do líquido que reprime, mas que acaba por detê-lo. O maquiavelismo se apresenta como uma doutrina pessimista aos olhos da qual o homem é fundamentalmente mau e requer a intervenção de uma elite lúcida e firme para discipliná-lo. É uma espécie de estoicismo.

A pinça que envolveu a Cidade cristã comporta, portanto, duas mandíbulas desiguais: uma enorme à esquerda para realizar um movimento de contorno e uma pequena à direita para evitar ser ultrapassada pela violência da reação instintiva.

A Tomada do Poder pela Insurreição

As diversas escolas do socialismo são unânimes quanto às finalidades a serem alcançadas: a organização de uma sociedade sem classes e sem Estado. Mas elas divergem sobre os meios a serem empregados para chegar a esse resultado. O socialismo reformista pensa em alcançá-lo graças a uma série de "socializações" progressivas; essa tendência já era a dos mencheviques ou "minimalistas" que se contentavam com objetivos parciais; ela convém aos temperamentos prudentes. O socialismo revolucionário quer transformar todas as instituições de uma só vez pela tomada insurrecional do Poder; esse era o programa dos bolcheviques ou "maximalistas" que exigia a totalidade do socialismo imediatamente; essa tendência convém aos temperamentos aventureiros e pugnaces. As duas metodologias, reformista e revolucionária, sempre coexistiram; ambas foram necessárias para a progressão do socialismo.

A insurreição é a manifestação maior da soberania popular. Ela constitui um sinal inequívoco da autoridade que vem de Baixo. Ela permanece posteriormente como um episódio histórico de um simbolismo poderoso. A insurreição é uma operação político-militar que exige, por parte daqueles que a dirigem, muita experiência e energia. Os dois mestres na matéria são Lenin e Trotsky; eles conseguiram, em outubro de 1917 em São Petersburgo, uma insurreição que permanece como o modelo do gênero. Eis, segundo Lenin, as grandes linhas da tática insurrecional.

  1. O proletariado, cuja vanguarda é formada pelo partido comunista, deve se armar. O ato preparatório essencial da insurreição é o armamento do proletariado. Ele deve ser realizado sistematicamente: pilhagem de arsenais e depósitos de regimentos...
  2. As faculdades combativas do proletariado não devem ser superestimadas. Ele só passará à insurreição no dia em que não houver absolutamente nenhuma outra saída para a crise. É preciso que ele esteja encurralado: ou sucumbe à repressão, ou tenta a insurreição.
  3. O aparato político do partido deve proceder, antes da insurreição, à paralisia do governo burguês, de tal forma que a tomada do Poder pelo proletariado armado não seja mais que um soco em um paralítico.
  4. A agitação política e sindical deve ser mantida para criar uma situação revolucionária ascendente. Em particular, deve-se esforçar para transformar a guerra estrangeira em guerra civil, e isso criando dificuldades ao governo burguês já atolado na guerra estrangeira.
  5. Aproveitar-se-á essa agitação preparatória para fazer, no terreno e em tamanho real, ensaios "incógnitos" de certas fases parciais da manobra insurrecional, por exemplo, a tomada da central telefônica...
  6. Desencadear-se-á a insurreição no apogeu da revolução ascendente, ou seja, no momento em que a paralisia máxima do Estado Burguês coincidir com o aquecimento máximo dos espíritos nas milícias proletárias.
  7. A escolha dos objetivos insurrecionais deve ser feita com muita reflexão. A tendência de então (1917) era privilegiar as grandes instalações de interesse público, como por exemplo as estações de triagem, as centrais telefônicas, as usinas de gás... e negligenciar, pelo menos num primeiro momento, os palácios governamentais, considerados menos essenciais.
  8. É melhor obter um efeito de massa em um pequeno número de pontos do que se dispersar. Só se deve atacar nos pontos onde se dispõe de superioridade numérica.
  9. É preciso conservar a mobilidade tática. Não se deve construir barricadas. A barricada é a morte da insurreição. Uma insurreição que se barrica não toma o poder.

Estes são os pontos principais da tática leninista da insurreição armada. Lenin havia analisado meticulosamente as causas dos fracassos passados, os da Comuna de Paris, os da revolução de 1905 na Rússia. Ele pôde fazê-lo com toda tranquilidade de espírito porque soube realizar, com alguns amigos, o profissionalismo revolucionário. Lenin era um revolucionário profissional. Ele havia feito da revolução sua principal profissão. Ele não tinha profissão senão a de agitador internacional.

A aplicação correta da tática insurrecional depende apenas do partido comunista. Ela é suficiente para tomar o Poder. Mas é mais fácil tomar o Poder do que conservá-lo. Para conservá-lo, é preciso que intervenham duas circunstâncias favoráveis que não dependem do partido comunista.

  1. A ajuda interna trazida pela ação preparatória dos reformistas. A necessidade desta ação preparatória era conhecida por K. Marx, que havia estabelecido os famosos "Doze Pontos de Socialização" destinados a facilitar a mutação do regime logo após a tomada do Poder; ele insistia na nacionalização das grandes empresas.
  2. A ajuda externa trazida pelo que se deve chamar de conivência internacional. Nenhuma revolução durável é possível sem apoios internacionais, os quais são necessários sobretudo em matéria de financiamento.

Em resumo, a revolução proletária em um país depende taticamente do partido comunista local e estrategicamente da colaboração das "forças secretas da revolução", as quais são internacionais.

A Guerra Revolucionária e Suas Variantes

As técnicas de tomada do Poder evoluíram consideravelmente desde Lênin. Em 1917, o partido comunista beneficiava, nas camadas profundas da população russa, de uma presunção favorável. Via-se nele o partido que concretizava as reivindicações dos mais desfavorecidos. Mas desde a instalação do regime soviético, a ditadura do proletariado já não pode mascarar sua verdadeira natureza. A partir de então, ela causa medo, pois ficou evidente que ela é organizada para a extirpação dos costumes tradicionais e para a exterminação daqueles que os reivindicavam. E de fato, o historiador constata que, nos países imediatamente ameaçados pela expansão do comunismo, o pânico se apodera da população, que foge quando ainda pode, antes de ver a cortina de arame farpado se fechar sobre ela.

Esse processo de repulsa instintiva diante do comunismo é uma das grandes constantes da sociedade contemporânea. É ele que engendrou o fascismo, que é certamente uma manifestação pseudo-reacionária, mas que se mostrou muito eficaz, em certos teatros de operação, contra a contaminação comunista. No fascismo, o Estado burguês abandona a forma liberal e parlamentar para assumir uma forma autoritária. Disso resulta que ele não se deixa mais "paralisar" e que, consequentemente, a insurreição vermelha perde seu principal fator de sucesso.

A insurreição à la Lênin tornou-se praticamente impossível, de modo que o agente decisivo da expansão revolucionária mundial permanece O EXÉRCITO VERMELHO. Para sovietizar um país, é necessário ou fazer pesar sobre ele uma ameaça de invasão militar imediata, é então o procedimento do Golpe de Praga, ou invadi-lo militarmente, é então a guerra revolucionária. Pode-se estabelecer como regra geral que, exceto em circunstâncias especiais, um país só pode passar ao comunismo se for ocupado militarmente.

O Golpe de Praga e a Guerra Revolucionária

Conhecem-se as circunstâncias gerais do Golpe de Praga. Algumas semanas antes da capitulação alemã em 8 de maio de 1945, o exército americano desacelerou seu avanço em direção ao Leste, a fim de deixar tempo para que os russos entrassem primeiro em Praga. Os Soviéticos tomaram posse da Tchecoslováquia, que Roosevelt lhes havia atribuído. Eles instalaram um governo de coalizão, no qual a influência e a importância da participação comunista não cessaram de crescer. Quando, em fevereiro de 1948, essa participação foi considerada satisfatória, os Soviéticos aproximaram ainda mais suas unidades de ocupação de Praga. Ao mesmo tempo, eles organizaram na cidade uma série de manifestações sindicais que deram origem a "comitês de ação locais" para exercer pressão sobre Benes. Em 23 de fevereiro, vários cortejos importantes convergem para o centro de Praga. Em 24 de fevereiro, os jornais são censurados pelos comunistas, que de fato abolem a liberdade de imprensa. Em 25 de fevereiro, Benes capitula. Em 26 de fevereiro de 1948, o novo regime, puramente comunista, se instala e as purgas começam. Assim, em poucos dias, sob a ameaça do Exército Vermelho, Praga passou à "democracia popular". Com variações de detalhe, é o mesmo processo que foi empregado na Polônia, Hungria, Romênia e Bulgária.

Quando a ameaça não é suficiente, recorre-se à guerra revolucionária. É uma combinação da guerra estrangeira com a guerra civil. O princípio dessa forma de guerra é o seguinte: o exército comunista avança, no país que deseja conquistar, não como um exército de invasão, mas como se fosse um verdadeiro exército de libertação. Para tornar verossímil tal disfarce, o partido comunista do país invadido procede ao levante da população (pelo menos de seus elementos proletários) contra seu próprio governo, especialmente nas áreas próximas à frente militar. O avanço do exército comunista de invasão (supostamente de libertação) é calculado de modo a coincidir com os levantes sucessivos dos elementos proletários do país a ser sovietizado. O avanço militar se propaga assim de cidade insurgente a cidade insurgente, aparecendo a cada vez, não mais como uma força de invasão que realmente é, mas como uma força de libertação.

A guerra revolucionária mais típica é a de Mao Tse-Tung para a conquista político-militar da China. Ela só é possível em países que têm uma fronteira comum com a URSS, por onde fazer passar o apoio logístico, pelo menos no início. Quando o país a ser comunizado está distante de qualquer base soviética, é necessário organizar guerrilhas, que são "ilhas" insurgentes em território não insurgente, e estabelecer um exército de guerrilha, eventualmente acompanhado de um governo provisório. Mas então o apoio logístico, por falta de uma fronteira comum, é muito mais difícil de ser fornecido. A tática da guerrilha comunista é atualmente muito amplamente utilizada em todo o mundo, sob o nome de Frente de Libertação. Os mapas atualizados revelam uma verdadeira rede mundial de guerrilhas comunistas em funcionamento ou em formação.

Distinguem-se dois tipos de guerrilhas que não têm as mesmas regras militares: a guerrilha urbana e a guerrilha rural, cujas modalidades de ação e, sobretudo, seu recrutamento, não são os mesmos. Mas, em ambos os casos, o objetivo é formar um exército de libertação nacional cujo processo político-militar não difere essencialmente da "guerra revolucionária" à chinesa.

Observa-se, portanto, desde 1917, toda uma "família de revoluções" na qual não se sabe o que admirar mais: a continuidade ou o espírito de adaptação. Que novas formas podem então revestir as manifestações comunistas em sua expansão mundial? Que surpresas nos reservam, na fase que se aproxima, quando se tratar de sovietizar a Europa Ocidental? Para responder a essa questão, é preciso entender bem que essa expansão não depende apenas dos centros de decisão moscovitas. Sabemos que cumplicidades mundiais nunca deixaram de patrocinar as revoluções comunistas. Existem forças secretas de revolução cuja estratégia não é fácil de conhecer.

O Próximo Cenário

O investimento soviético na Europa é metódico, mas lento. A serpente faz grandes meandros antes de atacar. Quando passar para a ofensiva aberta, sob qual forma se manifestará? Uma insurreição sindical armada à la Lenin, um "Golpe de Praga" com ameaça de invasão militar, uma "Guerra revolucionária" à la Mao, ou ainda uma combinação de tudo isso?

É preciso lembrar que existem vários níveis nas forças do humanismo democrático, ou seja, nas forças que compõem a grande mandíbula da pinça da qual falamos, em outras palavras, a ala marchante que transborda a Cristandade pela esquerda. No nível superior estão os elementos visíveis do comunismo que todos conhecem: os partidos comunistas locais, os sindicatos de luta de classes, a diplomacia e o exército vermelho, os serviços de inteligência, os banqueiros soviéticos...

No nível imediatamente abaixo, e, portanto, menos visíveis, vêm os apoios que o sovietismo suscitou em torno de si. Entre esses apoios, figuram primeiro o mundo cripto-comunista com suas toupeiras, mundo no qual é preciso colocar o pacifismo e o terrorismo. Figuram também entre esses apoios, as alianças concluídas com o Islã, com a Igreja e com o Judaísmo.

Não é segredo para ninguém que as organizações pacifistas (as mais típicas atuando na Alemanha) são controladas pelos comunistas. Elas lhes trarão, em caso de conflito aberto, uma ajuda considerável, majorando os efeitos psicológicos da ameaça militar e fazendo penetrar no público a mentalidade "antes vermelho do que morto".

Quanto às redes terroristas, todas estão submetidas, em última análise, ao impulso soviético, através de intermediários trotskistas. As místicas nacionalistas invocadas são apenas veículos e pretextos. Nenhuma dessas redes escapa à vigilância comunista, sejam as das "minorias oprimidas" (córsegos, bascos, irlandeses, catalães) ou as do tipo islâmico. Por enquanto, assistimos apenas a um "terrorismo de desestabilização". Mas, em caso de guerra, viria se somar a isso um "terrorismo de 5ª coluna", acionado pelo exército vermelho para fins militares.

A U.R.S.S. tem, há muito tempo, o hábito de lidar com populações muçulmanas. Ela até realizou, com o Islã, uma simbiose, certamente temporária, mas frutífera. As repúblicas democráticas islâmicas são o resultado dessa aliança. O inimigo comum que faz a ligação desse acordo é a Europa rica e cristã. Para investir na Europa, é preciso controlar as margens sul do Mediterrâneo e, portanto, entender-se com os muçulmanos, os quais, e isso é uma oportunidade inestimável, fornecem também tropas insurrecionais potenciais através de sua emigração massiva em direção à França, emigração que pode validamente suprir o aburguesamento das "massas proletárias". A aliança soviético-islâmica está, portanto, soldada pelo menos para as primeiras fases da sovietização europeia. Mas ela se tornará frágil quando o problema da religião universal se apresentar.

A U.R.S.S. também concluiu uma aliança com a Santa Sé. É a Ostpolitik de Paulo VI, à qual João Paulo II deu continuidade. A Igreja pensa assim assegurar sua sobrevivência para o caso de uma sovietização universal que é cada vez mais previsível. Ela se contenta em colocar como condição que a U.R.S.S. atenue seu totalitarismo e inicie uma evolução em direção ao pluralismo, evolução que também é solicitada pela maçonaria.

As relações da U.R.S.S. com o judaísmo são complicadas porque existem dois judaísmos. Há o Estado de Israel e há a Diáspora. Em relação ao Estado de Israel, a U.R.S.S. conduz uma política calcada na dos árabes porque precisa deles no entorno mediterrâneo. Quanto à Diáspora, ela vê sem desprazer se realizar, graças em parte ao coletivismo marxista, a concentração progressiva do capital mundial sobre o qual ela espera um dia colocar as mãos.

Assim, graças aos seus próprios organismos oficiais, graças ao criptocomunismo, graças enfim às forças secretas da revolução, a U.R.S.S. se beneficia, no mundo inteiro, de um aparato de conivência que torna possível, se não provável, a última operação do humanismo de esquerda, ou seja, a passagem sobre a Europa do rolo compressor soviético.

Orto, Semi, Pseudo

Dois prefixos gregos (orto e pseudo) e um prefixo latino (semi) nos servirão para descrever e distinguir três atitudes reacionárias.

O sovietismo se apresenta, pela voz de seus doutrinadores mais oficiais, como vimos, como o humanismo integral, ou seja, como o humanismo levado até suas últimas consequências. E ele apresenta as utopias do Renascimento como seus modelos distantes e verdadeiros. Não podemos senão concordar com ele neste ponto.

Para encontrar bases históricas, doutrinais e jurídicas sólidas contra o sovietismo, que é nosso inimigo maior no momento, devemos remontar a montante do humanismo. Se permanecermos a jusante, a lógica e a força da gravidade nos farão deslizar novamente para alguma república utópica.

Mas então até onde teremos que remontar para escapar desse deslizamento?

Todos os tradicionalistas de hoje sabem: é preciso, se quisermos encontrar um terreno sólido, remontar até o batismo de Clóvis por São Remígio, em Reims, no dia de Natal de 496. Foi lá que a raça de nossos reis foi designada por Deus, que enviou um óleo celestial para servir doravante como sacramental para a unção. Foi nesse momento que Deus fundou uma autoridade temporal cristã para ser o baluarte e a espada da Santa Igreja. É até lá que é preciso remontar para encontrar uma base firme de raciocínio.

Pode-se observar que, posteriormente, Deus permaneceu fiel à instituição cujos fundamentos Ele próprio havia estabelecido. Quando a França foi ferida na batalha da História e houve necessidade de restaurá-la, Deus sempre o fez da mesma maneira: restaurando a instituição real. O exemplo mais típico dessas restaurações é o que foi dado por Joana d'Arc quando, em 1429, ela fez coroar Carlos VII em Reims. Observou-se que a palavra "Arc" é formada pelas iniciais da expressão "Auxilium Regis Christianissimi"; Joana d'Arc foi, de fato, o "Socorro do Rei Cristianíssimo".

Historiadores tradicionalistas de valor deram corpo a essas noções, tanto religiosas quanto jurídicas, de modo que se constituiu, em oposição ao espírito humanista e revolucionário, uma corrente de pensamento, hoje em plena expansão, que se chama legitimidade.

As mentes que pertencem à "legitimidade" fazem remontar os princípios do poder real a Clóvis, o qual, de uma só vez e desde a origem, deu seus limites naturais ao território francês; deu-lhe o nome de França, pois antes dele era chamado de Gália; deu-lhe sua Religião por insistência piedosa de Santa Clotilde e contra os Visigodos arianos; e mereceu-lhe o título de Filha Primogênita da Igreja, pois foi a primeira nação batizada a fazer profissão de nação cristã com um rei cristão à sua frente.

1. - Hoje, o núcleo central da legitimidade é constituído pelos providencialistas. São chamados assim porque confiam a Deus o cuidado de designar milagrosamente o rei, "no auge da crise", como diz uma mística. O legitimismo providencialista é uma posição ao mesmo tempo lógica e mística. É lógica porque remonta às verdadeiras origens da França e de sua monarquia. E é mística porque supõe a esperança em uma ressurreição fora de todos os meios humanos, e, portanto, estritamente providencial. Esta posição é mantida apenas por um número muito pequeno de pessoas.

Em torno deste núcleo central providencialista, posicionam-se os legitimistas que fazem sua própria escolha entre os pretendentes. Pois, coisa surpreendente, os jacobinos de 1793 certamente derrubaram a árvore real na França, cortaram seu tronco, mas não a desenraizaram, de modo que brotaram deste tronco real rebentos entre os quais é agora muito difícil escolher. Muitos legitimistas, portanto, não querendo chegar ao providencialismo, lançam sua preferência sobre o candidato que lhes parece o mais "legítimo". Infelizmente, os pretendentes que estão hoje na disputa apresentam, seja enigmas históricos, seja casos dinásticos férteis em controvérsias. De modo que "a legitimidade" está dividida quanto a seus candidatos e incerta quanto a seus fundamentos históricos. Apesar disso, o número de legitimistas aumenta e sua posição de princípio é levada em consideração mesmo por nossos adversários maçons.

É lógico reunir em um bloco todos aqueles que remontam até Clóvis e à Santa Ampola, já que professam os mesmos princípios e divergem apenas em questões de pessoas. Daremos à "legitimidade" entendida em sentido amplo, o nome de orto-reação, neologismo que nos será conveniente para melhor fazer compreender, posteriormente, as opiniões que vamos agora examinar. A orto-reação é a reação reta (orto), verdadeira, lógica, radical, situada nos antípodas do humanismo integral dos soviéticos.

2. - Em torno deste primeiro círculo orto-reacionário, posicionam-se todos aqueles que, por uma razão ou outra, não querem reconhecer, na coroação de Reims de 496, a base do direito real. Em sua ascensão aos princípios, eles param em Hugo Capeto, que foi proclamado rei em Noyon em 987, ou seja, quase 500 anos após Clóvis. Tal é, em particular, a posição de Charles Maurras. Ele raciocina como positivista, reconhecendo apenas as causas naturais: "A experiência prova, diz Maurras, que a monarquia é o melhor governo para a França". E ele pensa assim dar à monarquia fundamentos mais sólidos, mais "positivos" do que os do misticismo merovíngio. Ele é monarquista por razões de experiência. Mas então a excelência da monarquia francesa não é mais o fruto de sua fundação divina; é o resultado empírico de uma gestão bem conduzida, ela prova sua robustez por seu sucesso; é preciso continuar o que deu certo. Maurras reconhece à monarquia francesa apenas seus direitos históricos. A monarquia maurrasiana não é "de direito divino", mas de direito natural. A coroação de Reims está lá apenas para significar a aliança do poder real e da Igreja.

Esta escola justifica sua posição explicando que o público contemporâneo é incapaz de aderir à "mística legitimista". Parece-lhe mais razoável contentar-se com um sólido direito consuetudinário que provou seu valor e que é mais compreensível para as massas populares que, em última análise, será preciso convencer e mobilizar um dia. Certamente, o itinerário espiritual pessoal do chefe da Escola o levou a uma verdadeira conversão ao catolicismo, mas isso não impede que sua doutrina real difira da legitimidade no ponto essencial das origens. Ela não remonta suficientemente alto. Ela para no meio do caminho, é por isso que é lógico dar-lhe o nome de semi-reação. A semi-reação pretende, com razão, possuir uma base popular mais ampla que a legitimidade, a qual conserva um recrutamento mais seletivo porque é mais difícil de assimilar. É fato que os oradores da Action Française souberam reunir audiências muito mais numerosas que os legitimistas.

3. - Um terceiro círculo vem envolver os dois primeiros. Ele vai reunir contra-revolucionários muito decididos, mas que não são mais realistas. Certamente, eles são violentamente anticomunistas, mas permanecem patriotas jacobinos, é por isso que se mostram frequentemente anticlericais. Uma forma recente e muito estudada deste estado de espírito é fornecida pela revista Nouvelle École, que se cercou de uma multidão de organizações que atingem públicos muito diversos. Esta corrente de pensamento, de aparência reacionária, foi criada pela ação de certas lojas maçônicas de direita. É a esta corrente de pensamento, cujos inícios remontam a cerca de trinta anos, que se deu o nome de Nova Direita. Toda uma argumentação extremamente sedutora foi elaborada, utilizando e associando habilmente resultados científicos e filosofias muito modernas, para ser oposta aos diferentes marxismos. É um florescimento muito brilhante do pensamento de Maquiavel; é autenticamente um humanismo de direita, portanto aristocrático, oligárquico e elitista.

A este movimento reacionário não-realista, nós daremos o nome de pseudo-reação porque ele é reacionário apenas na aparência. A pseudo-reação não deu os resultados que seus fundadores esperavam, pelo menos no grande público. No entanto, pensamos que ela está longe de ser negligenciável, dado o valor de manobra das lojas de direita que formam sua infraestrutura.

Devido a este patrocínio, clandestino mas eficaz, a pseudo-reação possui, na Universidade, na Administração, no Exército, nos meios políticos e midiáticos, apoios muito confortáveis. É ela que, na fase que se inicia, vai assumir a direção do conjunto das forças reacionárias (incluindo orto e semi-reação) e isso com uma dupla intenção. Primeiro, evitar que a reação siga até o fim sua própria lógica e resulte em uma verdadeira monarquia. E segundo, para que o remédio encontrado para a crise conserve fielmente as principais "conquistas revolucionárias". É a pseudo-reação que será a locomotiva da resistência antissoviética, na fase que se aproxima.

Assim, as forças anticomunistas podem ser esquematizadas na forma de uma esfera cujo centro é ocupado por um pequeno núcleo legitimista ou "orto-reacionário", o qual é cercado pela espessa camada da "semi-reação", que por sua vez é envolvida por um grande contingente pseudo-reacionário, que é de longe o mais eficaz dos três no plano da política humana.

As três reações (orto, semi e pseudo) têm objetivos de guerra diferentes. Mas porque têm um inimigo comum, serão levadas a concluir alianças momentâneas, o que é sempre delicado e perigoso para os parceiros mais fracos.

A Direita e a Lei do Número

Mais uma vez, quem procurasse aqui um plano de operação ficaria desapontado. Nosso objetivo é remontar aos princípios essenciais da grande Causa em cuja defesa estamos envolvidos, porque esses princípios iluminam o espírito e inspiram as ações verdadeiramente eficazes.

Vimos que as forças latentes e patentes da revolução estão hoje no máximo de seu poder. Nunca, ao longo da História, Satanás havia ainda reunido os elementos de um tal poder.

Nunca a terra foi tão semelhante ao que será no tempo do Anticristo. Veremos mais adiante que Nosso Senhor se dispõe a derrubar o poder dos ímpios, por meios conhecidos somente por Ele.

As forças reacionárias foram privadas de seus órgãos de expressão e de comando por uma série quase ininterrupta de fracassos. E, no entanto, Deus sabe que elas lutaram bem: honras aos nossos valorosos antepassados.

Fracasso das operações parlamentares e ilusões perdidas das boas eleições nas quais se acreditou durante tantos anos.

Fracasso das Ligas Nacionais do tipo "Cruz de Fogo", que suscitaram, no entanto, um tão grande entusiasmo.

Fracasso das conspirações civis do tipo "Cagoule".

Fracasso das redes de direita durante o período da ocupação e da resistência.

Fracasso dos Golpes militares do tipo "argelino".

Fracasso de todos os boulangismos e de todos os poujadismos, que foram conduzidos para o beco sem saída pelo consórcio maçônico-policial.

É preciso acrescentar que a cada um desses fracassos correspondeu uma Depuração, algumas das quais foram muito sangrentas.

A direita, que ainda dispunha, durante a III República, de inúmeras publicações, de vários jornais diários, de grupos parlamentares numerosos, de generais, de bispos e de um vasto público, apresenta-se hoje à batalha com meios irrisórios, apenas bons para conduzir um último "combate de honra" antes da emigração, como os Russos Brancos.

E, no entanto, constata-se o renascimento, de geração em geração, do mesmo antigo dinamismo reacionário. O florescimento tradicionalista de hoje, com sua bela juventude contrastando no meio de uma população acomodada, é um belo exemplo dessa força incoercível que renasce sem cessar. Mas as bases demográficas dessa onda de fundo são cada vez mais estreitas, o que se compreende muito bem, dadas as depurações com as quais terminam suas manifestações sucessivas. À força de ser dizimada, a população tradicionalista acabará por desaparecer.

Não apenas o apelo ao número seria totalmente impossível para os tradicionalistas "orto-reacionários", como acabamos de nomeá-los, mas tal apelo seria totalmente ilógico. Não é com o número que podemos fazer tremer o demônio, pois este é o seu terreno; ele tem muito mais tropas do que nós. Se lhe opusermos, penosamente, uma multidão de 10.000 pessoas, ele nos responderá, facilmente, com uma multidão de 100.000 pessoas, e assim por diante...

Os apelos a manifestações de massa são procedimentos caros aos democratas e aos movimentos humanos. É mais provável colocar Deus contra si do que apelar ao número.

Lembremo-nos de que, dos 32.000 homens que compunham o exército de Gideão, Deus conservou apenas 300; e foram esses 300 soldados que puseram em fuga o exército dos 120.000 Madianitas.

Aqueles que mantivessem a fé no número, negligenciariam a confiança em Deus. Ora, quem nos salvará da colossal maquinação que se prepara contra os últimos restos da Igreja e da Cristandade, senão o Senhor "poderoso e misericordioso", omnipotens et misericors Dominus?

Se não se deve buscar o "grande número", como para um referendo, é preciso, no entanto, conservar o espírito apostólico e proselitista a fim de manter o "pequeno número" requerido. Pois se Deus, nesta terra, faz suas obras com quase nada (isto é, com muito pouca coisa), Ele não as faz com nada, porque não se trata de uma nova criação. O que Ele não quer é que o grande número possa atribuir a si os méritos da vitória:

"Non nobis Domine, non nobis, sed tibi da gloriam". Dai a glória, Senhor, não a nós, mas a vós (Sl. XXIII, 9).

Ajudar o Céu

Muitos tradicionalistas, porque ainda não aprofundaram bem a lógica de sua posição, raciocinam mais ou menos assim: "Formemos projetos, lancemo-nos na ação, e depois peçamos a Deus, pela oração, para nos conceder o sucesso". Tal raciocínio é bastante comum, e no entanto é defeituoso porque inverte a ordem normal e resulta em nada menos do que colocar o próprio espírito antes do Espírito Santo. Portanto, não pode inspirar uma ação correta. Na realidade, a Graça sempre nos precede e nós só temos a escolha entre corresponder a ela ou recusá-la. Vamos rever isso partindo dos princípios.

No que diz respeito à filosofia da História, os não-cristãos estão divididos em duas escolas.

Alguns fazem coincidir o sentido da História com o das revoluções; está-se no sentido da História quando se tem um espírito revolucionário.

Os outros pensam que a História não tem sentido; para eles, ela é forjada, de idade em idade, pelos homens fortes que marcam os eventos graças à sua vontade de poder; em sua opinião, a História é radicalmente imprevisível; ela é o que os homens a fazem.

O Cristianismo contém uma filosofia histórica totalmente diferente. Vamos rever aqui as suas linhas gerais. Durante o curso do Antigo Testamento, vimos que todos os eventos do mundo convergiam para a Encarnação. Durante o curso do Novo Testamento, os eventos do mundo convergem para a Vinda da Majestade. Esse é o verdadeiro sentido da História. O Reino está preparado para o Rei. Esse é o plano providencial.

O que resta ao cristão fazer, senão contribuir com seu auxílio para a realização deste plano providencial?

Como o plano não depende dele, ele só pode se submeter docilmente. Devemos corresponder à Graça que nos precede em tudo. Devemos ajudar o Céu e não sermos auxiliados pelo Céu. Vê-se quanto é falso o provérbio infindavelmente repetido: "Ajude-se e o Céu te ajudará". Esta expressão não é tirada da Sagrada Escritura como geralmente se acredita. Foi Rabelais, o homem da "divina garrafa", quem a introduziu na literatura francesa, sob uma forma ligeiramente diferente: "Ajude-se e Deus te ajudará".

É sintomático que a associação liberal e maçônica que preparou a Revolução de 1830, lutou contra o ministério Villèle e finalmente depôs Carlos X, o último rei ungido, chamava-se precisamente Associação Ajude-se o Céu te ajudará. Os revolucionários não se enganaram; colocaram sua sociedade de pensamento sob esse lema porque estimula o próprio espírito: justifica a vontade própria, a atividade desordenada, insubordinada e revolucionária. O lema "ajude-se, o Céu te ajudará" deve ser completamente banido do argumento tradicionalista; só pode levar a sérios erros de manobra, é uma máxima revolucionária.

Para substituir este mau provérbio, nosso legado nos oferece outros dois. O primeiro:

"Aja como se tudo dependesse do homem e ore como se tudo dependesse de Deus".

O segundo, que é atribuído a Joana D'Arc:

"EM NOME DE DEUS, os homens de armas lutarão, mas é Deus quem dará a vitória".

Especialmente neste, a hierarquia entre a vontade divina e a vontade humana é bem respeitada.

Os militantes tradicionalistas, precisamente porque serão convocados mais cedo ou mais tarde para a ação, devem se convencer de que devemos seguir a Graça e não a preceder. Por essa correspondência nós auxiliamos Deus a realizar Seus desígnios sobre nós, já que Deus não nos salva sem nós; Ele deseja ser auxiliado, fazer de nós Seus "servos", isto é, Seus ministros.

Para auxiliar a vontade de Deus, é preciso conhecê-la. Mas como conhecê-la? Será realmente tão difícil? Quando se quer sinceramente fazer a vontade de Deus, consegue-se sem grande esforço conhecê-la. Para que uma ação seja conforme à vontade de Deus, ela precisa cumprir duas condições: uma interna, a outra externa. A condição interna é que nos sintamos inclinados a ela; não deve nos repugnar, nos deixar desconfortáveis, nem natural nem sobrenaturalmente, deve corresponder às nossas competências normais; não deve constituir para nós uma extravagância. A condição externa é que as circunstâncias ambientais também sejam favoráveis; devemos ser levados por eventos; a ação planejada não deve ter nada de forçado, artificial, complicado, maquiavélico.

Quando essas duas condições internas e externas estão reunidas, significa que o Espírito Santo nos guia para esta empresa. Mas se elas não estiverem presentes, estamos no ativismo, agitação e espírito próprio. Nos casos de crise, quando tudo está fervilhando ao nosso redor, o ativismo nos vigia e devemos ter muito cuidado para não nos deixar arrastar por ele. Para isso, recorramos regularmente às ajudas que Deus nos rodeia: nossos santos padroeiros e nossos anjos da guarda; se trabalharmos em união constante com eles, eles nos farão produzir os frutos de seu espírito.

O Recurso às Profecias Privadas

As instituições que estão prestes a desaparecer são as obras de Deus na terra. A Igreja é Sua obra; no entanto, vemos claramente que ela está à beira do desaparecimento, corroída pelo pluralismo, que por sua vez anuncia o sincretismo universal. A monarquia de direito divino é sua obra; no entanto, ela foi decapitada. Deus então permitirá que todas as suas obras terrestres sejam destruídas? Estamos condenados a ser combatentes sem esperança?

Certamente não, pois sabemos que Deus "não forma um povo sem esperanças". Nosso espírito é, portanto, invencivelmente levado a interrogar as profecias sobrenaturais. Existem dois tipos de profecias: as da Revelação Pública e as das revelações privadas.

As profecias públicas são destinadas a todas as nações e a todos os tempos; elas anunciam o Advento de Majestade, indicando-nos os "sinais precursores". Mas elas tratam apenas de um futuro de grande amplitude no qual discernimos mal o destino da França de hoje.

Desejamos profecias mais detalhadas e mais atuais. Este é precisamente o caso das profecias privadas, que nos dão esperanças mais próximas. No entanto, elas constituem um volumoso dossiê que precisou ser objeto de uma obra especializada [1].

Nossos inimigos costumam nos descrever como espíritos atrofiados "presos à uma esclerose tradicional e nostálgicos de um passado irremediavelmente perdido". Isso é mais um de seus falsos julgamentos. O homem tradicional é, ao contrário, um homem de futuro, um homem de profecias porque é um homem que busca não a sua própria vontade e seus sonhos, mas a vontade de Deus; por isso, ele não despreza os profetas:

"Et in prophetis meis nolite malignari" (Ps. CIV, 15). Por favor, não difamem Meus profetas.

Aqui precisamos apenas reter a síntese das profecias privadas, ou seja, suas grandes linhas. Aqui está como podemos resumi-las. Antes da aparição gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo vindo para derrotar o Anticristo, ocorrerá na terra um evento prefigurativo desse, uma antecipação premonitória, semelhante em sua natureza mas menos grandiosa em suas dimensões. Esta antecipação premonitória da "Segunda Vinda" constituirá uma acalmia na sucessão das provações que devem culminar no reinado do Anticristo. Esta acalmia terá como objetivo restaurar as forças materiais e espirituais da Igreja antes que ela enfrente as tribulações finais. Este episódio de TRIUNFO pode ser comparado, na vida terrena de Nosso Senhor, à Transfiguração no Monte Tabor: assim como a Transfiguração permitiu aos apóstolos que foram testemunhas não perderem completamente a esperança após a morte de Cristo, a restauração da Igreja e da Cristandade dará aos contemporâneos da ditadura anticrística a paciência para aguardar o Advento da Majestade com um resto de esperança.

Santa Margarida Maria revelou a natureza profunda desse tempo de acalmia, já obscurecidamente pressentida desde a Idade Média, quando ela o chamou de O REINADO DO SAGRADO CORAÇÃO. As profecias privadas mais recentes levam a pensar que o "Reinado do Grande Monarca" e o "Reinado do Sagrado Coração" são uma só e mesma coisa.

As profecias nos dizem também que chegará um momento em que tudo parecerá perdido. Mas a monarquia de direito divino será restaurada, embora por meios que escapam a qualquer previsão humana. A lógica cristã adere facilmente à esperança dessa restauração. Sabemos, de fato, que Deus não deixa Suas obras inacabadas. Ora, a monarquia de direito divino é Sua obra; ela, no entanto, desapareceu, na pessoa de Luís XVI, "como um cordeiro abençoando"; ela reaparecerá, na pessoa do Grande Monarca, "como um leão rugindo", em um evento triunfal.

As profecias privadas revelam ainda muitas circunstâncias que devem acompanhar esses eventos. Elas estão de acordo com as profecias públicas em muitos pontos essenciais e, em particular, quanto à súbita eclosão:

"Quando os homens disserem Paz, então serão surpreendidos por uma ruína imprevisível". (I Tess. V, 3).

Resulta do exame das profecias que nem o restabelecimento da monarquia nem o da Igreja serão o resultado de nossas intrigas políticas ou canônicas. Ambos serão milagrosos. Jesus demonstra a divindade de Suas obras ao ressuscitá-las. Ele provou Sua própria divindade ressuscitando a Si mesmo. Ele provará a divindade das instituições cristãs, tanto temporais quanto espirituais, ao ressuscitá-las.


[1] Jean Vaquié: Bênçãos e Maldições – As profecias da Revelação privada, nas Edições D.M.M.; pode ser solicitado à Difusão do Pensamento Francês, Chiré-en-Montreuil, 86190 VOUILLÉ.

A Manobra da Pseudo-Reação

Já definimos a pseudo-reação. É um movimento político que utiliza a linguagem da reação, que possui suas aparências e recrutamento, mas que, na realidade, é suscitado para neutralizar a verdadeira reação, para desviá-la de seu objetivo lógico e para conduzi-la à impotência, ou melhor, à repressão. O público pseudo-reacionário é bem-intencionado, sinceramente contrarrevolucionário, mas politicamente inculto, enquanto os dirigentes são hábeis manobristas. Existe permanentemente um movimento pseudo-reacionário apto a ser amplificado em caso de necessidade. É uma das precauções elementares dos republicanos e dos maçons.

A maçonaria é essencialmente pluralista. Enquanto algumas lojas elaboram, ou melhor, impulsionam ideologias de tipo racionalista, científico, agnóstico e materialista, outras lojas, cultivando os elementos cavalheirescos que abundam nos rituais, favorecem, para uso dos "profanos", doutrinas políticas reacionárias das quais um certo misticismo não está excluído. A maçonaria de direita faz, neste momento, grandes esforços para disseminar no público uma doutrina de realeza-sagrada. Esta doutrina é particularmente elaborada e consistente entre os discípulos de Julius Evola, mas também aparece em outros lugares.

Aqui estão as suas grandes linhas. Assim como haveria uma tradição universal e única, e também uma mística universal e única, haveria igualmente uma realeza universal e única. E essa realeza é ao mesmo tempo sagrada, ou seja, sacerdotal. Todos os reis da História humana foram revestidos dessa realeza, da qual asseguraram o encargo com mais ou menos fidelidade; daí os bons reis e os maus reis.

Essa teoria não pode ser adequada para os católicos. Encontramos, de fato, na Escritura Sagrada, a respeito da realeza, uma dupla revelação. Primeiro, a afirmação de que o Messias é Rei é incontestável. Mas há outra afirmação, igualmente incontestável, que é a de que o Anticristo também é rei, ele é o "Príncipe deste mundo". É muito claro que a natureza dessas duas realezas não é a mesma; elas são antagônicas, irreconciliáveis, exclusivas uma da outra. E os reis da História, longe de pertencerem a uma única realeza sagrada universal, são figuras, alguns de Cristo (como Ciro, Davi ou Carlos Magno), outros do Anticristo (como Antíoco... ou Hitler, ou Stalin...).

Se ela está em discordância com o cristianismo, a teoria da realeza sagrada universal, ao contrário, convém admiravelmente a todos aqueles que, conscientemente ou não, preparam os fundamentos místico-jurídicos pelos quais o Anticristo conseguirá se fazer passar pelo Cristo-Rei. Essa teoria, de fato, convém duplamente ao Anticristo:

  1. - Se há apenas uma única e mesma realeza universal, não há motivo para distinguir entre a de Cristo e a do Anticristo, entre a do titular e a do usurpador.

  2. - A realeza universal é igualmente sagrada, portanto sacerdotal, e convém perfeitamente a um Anticristo que, como vimos, quer se fazer ao mesmo tempo rei e pontífice do mundo inteiro.

Esse neo-royalisme (que não hesitamos em qualificar de luciferiano) está se espalhando rapidamente nos meios pseudo-reacionários. Ele inspira toda uma teoria da restauração monárquica. Os maçons preparam tudo para que a restauração, se ocorrer, não lhes escape. Eles querem estar intimamente envolvidos o mais possível.

Outra versão pseudo-reacionária está sendo preparada, a versão neonazista. Ela é ainda mais vantajosa, para alguns jogadores, pois justificaria uma intervenção revolucionária violenta, seja interna e insurrecional, seja externa e soviética.

Evitaremos uma fase pseudo-reacionária? Ela é impossível de evitar. Já se anuncia como poderosamente orquestrada. Será colocada sob o signo da União Sagrada, a fim de atrair muitos seguidores. A união sagrada é a união dos espiritualistas, a qualquer religião que pertençam, para lutar contra a revolução dos materialistas, ateus e marxistas. Acredita-se assim prestar um grande serviço à causa do espírito, sem perceber que nada é mais injurioso para Nosso Senhor do que ser rebaixado ao nível de um fundador de seita e colocado em pé de igualdade com Belial. A união sagrada, que também faz estragos na religião conciliar, contrista o Espírito Santo e O afasta, afastando ao mesmo tempo a paz. Não há paz para os ímpios:

"Non est pax impiis". (Isaías LVII, 21).

O pequeno número de resistentes de que fala Nossa Senhora de La Salette ("é hora de vocês saírem, vocês, o pequeno número que enxerga") pode se reunir em um pequeno bloco compacto para assumir uma manobra salvadora finalmente autêntica e saudável? Isso também é impossível, pois o pequeno número está disseminado. Conhecemos bem a regra evangélica que se aplica quando vêm as calamidades: "um será tomado, o outro será deixado". Haverá eleitos em todos os lugares. A cidadela de Sião é uma fortaleza espiritual. Eles se reunirão apenas quando "o corpo" aparecer:

"Onde estiver o corpo (corpus), aí se reunirão as águias (aquilae)". (Mateus XXIV, 28).

O "corpo" é o Grande Monarca de que nos falaram as profecias.

Removam a Pedra

As profecias privadas nos informam sobre a estratégia divina, se não em seus detalhes, pelo menos em suas grandes linhas. Ora, essa estratégia nos interessa em primeiro lugar, pois devemos cooperar com ela, "corresponder" a ela. Pode-se notar duas fases essenciais nessa estratégia. Primeiro, será preciso passar por uma fase de extrema confusão em que "tudo parecerá perdido". Então, tudo será salvo assim que um rei for divinamente designado. Vamos retomar cada uma dessas fases para entender o que elas exigirão de nós.

  1. "Tudo parecerá perdido", nos dizem. Perguntemos primeiro para quem tudo parecerá perdido. Certamente não será para os inimigos da Igreja e da França, que, ao contrário, triunfarão. Tudo parecerá perdido para os espíritos fiéis. Eles verão desaparecer as esperanças humanas em que haviam confiado. Portanto, a situação de desespero será precedida por um período de luta. Pode-se pensar que esse último esforço, tentado com meios humanos, será obra dos pseudo-reacionários do momento, arrastando consigo toda a reação. A maioria sendo sincera, será necessário conceder-lhes o benefício do velho adágio militar: "Na guerra, a única coisa infame é a inação". No entanto, seu fracasso terá sido previsível e previsto.

  2. A designação divina do Rei salvará tudo. Essa designação será precedida por um milagre brilhante que colocará o povo em condições mentais sobrenaturais? Algumas profecias fazem alusão a isso. Mas o que é estrategicamente importante é a chegada de um rei para dirigir a fase de restauração. É evidente que, sem ele, nada é possível, pois ele atuará como salvador. Sua designação será como a chave de uma partitura na qual uma nova música será escrita. Sem essa mudança de chave, o poder dos ímpios permaneceria como é hoje e nada mudaria. É necessário que o cenário político seja iluminado por uma nova luz, que a luz do dom do conselho dê lugar à luz do dom da sabedoria. A sabedoria virá: as discussões cessarão. A sabedoria subjuga: cada um será colocado em seu lugar e a ordem reinará. Portanto, é inútil esperar montar uma operação vitoriosa antes dessa designação. Por ignorar isso, os pseudo-reacionários chegarão ao ponto em que "tudo parecerá perdido".

O que podemos fazer para conjurar essa fase preliminar de desespero? Podemos atenuá-la, mas não podemos eliminá-la. Podemos atenuá-la porque se nos é predita é precisamente para que, pela oração e penitência, possamos encurtá-la e aliviá-la. Mas não podemos suprimi-la totalmente porque somos passíveis disso em toda justiça.

Esses são os dois pontos fortes da estratégia divina que as profecias privadas nos revelam. Assim podemos descartar a hipótese de um longo período de catacumbas. Pelo contrário, estamos diante da necessidade de arrancar um milagre do Céu. As profecias privadas nos ensinam, em suma, que o Céu não se contenta mais com a defensiva e a retirada. O Céu contra-ataca e quer nos fazer participar da operação, desde que o sinal seja dado.

Aqui estão as posições recíprocas da intervenção divina e do "ministério" humano. Visto que se trata da ressurreição da monarquia de direito divino, que é uma instituição morta, podemos legitimamente compará-la à ressurreição de Lázaro. Neste milagre de ressurreição, como se distribuem a intervenção divina e o ministério dos homens?

Jesus realizou o que apenas um Deus pode realizar: ressuscitou aquele que estava morto. Quanto aos homens, tiveram que exercer duas vezes sua atividade.

  1. Antes da ressurreição do morto, Jesus ordenou aos assistentes que removessem a pedra. A remoção da pedra é um trabalho árduo que representa a remoção de uma pesada hipoteca; ele simboliza o ministério de súplica, sem o qual não é possível qualquer recuperação posterior. É adequado para almas sérias, que amam a verdade, humildes, fervorosas e corajosas. Este trabalho não convém aos ambiciosos, intrigantes e ativistas, que não têm calma e constância suficientes no espírito.

  2. Após a ressurreição, Jesus ordena aos amigos que estão lá que desatem o corpo de Lázaro, pois ele estava envolto em faixas. Neste trabalho de desatar reside novamente a ação humana. Após a ressurreição da instituição morta, os homens de ação terão muito com que se ocupar, pois certamente haverá muitas faixas para desatar.

Assim, hoje, enquanto a intervenção divina ainda não ocorreu, estamos na situação das virgens prudentes (ou virgens sábias, Mateus 25, 1-13). Elas tiveram o cuidado de colocar óleo em suas lâmpadas. Este óleo é a esperança que as profecias fornecem. É por terem colocado este óleo de esperança em suas lâmpadas que as virgens são prudentes e sábias. No meio da noite, um grito é ouvido: "Aqui está o noivo que vem". A noite representa "tudo parece perdido". O grito é o do espanto popular diante do milagre. O noivo é o rei designado. Vamos colocar o óleo da esperança profética em nossas lâmpadas, aguardando o

"Lazare, veni foras", Lázaro, vem para fora (João 11, 43).

O Desejado das Colinas Eternas

Irmã Catarina Labouré, durante a Aparição na Rue du Bac, na noite de 18 a 19 de julho de 1830, observou um detalhe que lhe pareceu importante: entre os raios de luz que saíam das mãos abertas da Santíssima Virgem, alguns atingiam o chão, onde provocavam faíscas, enquanto outros terminavam sua curta trajetória sem alcançar o solo ou produzir faísca. Ela teve a ideia de perguntar à Santíssima Virgem as razões dessa diferença entre os dois tipos de raios. "Os raios curtos", respondeu a Rainha do Céu, "representam as graças que não são pedidas a Mim".

Assim é a economia da Graça. Os tesouros estão acumulados e os cofres estão abertos; porém, é necessário vir buscar. Deus gosta de ser suplicado. O Verbo Encarnado, que é o Desejado das colinas eternas, isto é, dos anjos, deve ele mesmo desejar a herança que o Pai deseja dar-lhe:

"Pede-me e te darei as nações por herança e os confins da terra por tua possessão" (Sl 2, 8).

A restauração da monarquia e da Igreja está pronta. Resta-nos obtê-las. A crise mundial que os futurólogos preveem e que as profecias anunciam está destinada a terminar com uma intervenção miraculosa de Deus. Mas se esperarmos passivamente, o raio que sai da mão de Deus não alcançará a terra nem produzirá faísca. Mais uma vez, a oportunidade será perdida, como tantas vezes foi (em 1870, em 1918, em 1945). Deus não mede o tempo como nós. A maturidade que Ele exige para intervir não é maturidade política, mas maturidade sobrenatural.

Assim, estamos em nossa vez, responsáveis por grandes eventos. Precisamos arrancar um milagre do Céu, mas um milagre que o Céu está ansioso para nos conceder. Para obtê-lo, a soma dos desejos deve atingir o auge. É necessário obter, no plano sobrenatural, um milagre da fé que supere os prodígios da ciência moderna. A religião da ciência hoje pretende substituir a religião da fé. Agora, é necessário que a fé prevaleça sobre a ciência. É pela oração de nossa fé que este milagre deve ser obtido. É preciso suplicar incessantemente ao Espírito Santo para que desça novamente sobre a França, como nos dias de São Remígio e Clóvis. É preciso suplicar através de Maria, Sua esposa.

De tais ideias provocarão um tumulto entre os militantes dos agrupamentos contra-revolucionários. Já os ouvimos nos dizer: "Quem vocês pensam que são? Estamos na ação. Vão contar isso aos monges". A esses homens de ação, responderemos que há um tempo para tudo:

"Há um tempo determinado para tudo, um tempo para cada coisa debaixo do céu:

Quando estamos imersos na ação temporal, é necessário começar por "respeitar os tempos". É agitação e ativismo fazer as coisas fora de hora. A proporção perfeita entre recolhimento e ação é aquela que o Divino Mestre mesmo respeitou: 30 anos de vida oculta e 3 anos de vida pública. Antes de empreender sua campanha militar, Santa Joana d'Arc ouviu suas vozes em recolhimento e oração. A ação dos cavaleiros era precedida pela "vigília das armas".

Ainda estamos em uma fase preparatória, mas é de importância crucial. Devemos fazer tudo para que seja bem-sucedida. Existe uma espiritualidade, ou seja, uma forma de piedade, correspondente a esta fase? Se deve existir, ela se desenvolverá por meio de sua própria prática. Aqui podemos apenas recomendar algumas devoções que parecem particularmente apropriadas.

Primeiramente, a Hora Santa, na noite da primeira quinta-feira para a primeira sexta-feira de cada mês. É uma devoção de "vigilância". O anjo da Igreja de Sardes (na qual ainda estamos) deve ser vigilante:

"Sê vigilante... Se, portanto, não vigiares, virei a ti como um ladrão, e não saberás a que hora virei a ti" (Apocalipse III, 2-3).

A Hora Santa é a meditação dos mistérios da agonia de Nosso Senhor e, por extensão, da agonia presente da Igreja; seu fruto é a contrição: Getsêmani significa "prensa".

Em seguida, vem a devoção ao Santíssimo Sacramento exposto. A Eucaristia na Missa é o "Sacrifício de Redenção". Na Comunhão, é o "Sacramento de Santificação". Mas no Santíssimo Sacramento exposto, é a "Revelação da Glorificação". Nossa alma, hoje encharcada de humilhações e indignações, mergulhada como que na sombra da morte, aspira ver o triunfo de Jesus. O servo, repetimos, precisa ter o orgulho de seu mestre. É próprio da verdade triunfar. O Santíssimo Sacramento exposto, cercado por seus raios de ouro, chama à glorificação do Rei. Certamente, não devemos pregar outra coisa além da Cruz, mas devemos pregar outra coisa com a Cruz: isso é o que o Rosário faz. Lembremo-nos também deste maravilhoso trecho:

"Oriens splendor, lucis æternæ et sol justitiæ, leva et illumina sedentes in tenebris et umbra mortis". Ó Oriente, esplendor da luz eterna e sol da justiça, vinde e iluminai os que estão sentados nas trevas e à sombra da morte.

A devoção à Santa Face também é altamente recomendada para aqueles que buscam um milagre esplêndido.

"Mostrai-nos Vossa Face e seremos salvos".

Resta a invocação dos intercessores. A ajuda da "Medianeira de todas as Graças" é evidentemente indispensável. Os grandes santos que moldaram a França real serão invocados com proveito, especialmente São Martinho, São Denis e São Remígio. Como se trata de uma ressurreição, São Lázaro certamente é poderoso. Cada um se dirigirá aos intercessores aos quais se sente inclinado.

Duas práticas estão diretamente relacionadas com o milagre que desejamos arrancar do Céu: a do "Primeiro Sexta-feira do Mês", solicitada pelo Sagrado Coração a Santa Margarida Maria, e a Comunhão reparadora dos "Cinco Primeiros Sábados do Mês", pedida por Nossa Senhora de Fátima.

E então um último esforço, o mais penoso, mas de longe o mais eficaz. Para concluir, é preciso dar asas à oração. Para que a oração alcance o Céu, deve ser acompanhada de mortificações.

"Exsurgat Deus et dissipentur inimici eius et fugiant qui oderunt eum a facie eius. Ecce Crucem Domini, fugite partes adversae. Vicit leo de tribu Iuda, radix David. Domine, salvum fac Regem et exaudi nos in die qua invocaverimus te". Que Deus se levante e que sejam dispersos os Seus inimigos, e fujam os que O odeiam de diante de Sua face. Eis a Cruz do Senhor, fujam as partes adversárias. O leão da tribo de Judá, raiz de Davi, venceu. Senhor, salvai o Rei e ouvi-nos no dia em que Vos invocarmos. (Salmo LXVII, Apocalipse V).