Capítulo 5 - O « Homintern » e os espiões de Cambridge

Nota do Tradutor – Homintern: jogo de palavras significativo entre homossexuais e Komintern

Introdução

Grande porta do Trinity College, fundado por Henrique VIII, modelo de « Barba Azul », inimigo da Igreja e pai do cisma anglicano: desde a entrada, o tom está dado.

Segundo Claire Sterling, autora do excelente estudo intitulado Octopus: The Long Reach of the Sicilian Mafia (A Polvo, ou o braço longo da Máfia Siciliana), « não se pode resistir a uma rede que se compreende apenas imperfeitamente »[17]. Essa visão das redes, seja da Máfia, do grupo de espiões de Cambridge ou do Homintern presente na Igreja católica no século XXI, pressupõe o reconhecimento de que essas organizações subversivas não surgem « espontaneamente », mas precisam ser « dirigidas e geridas »[18]. O padre Enrique Rueda acredita que não é nem « inconveniente », nem « paranoico » abordar questões como infiltração, subversão, espionagem e traição no contexto de uma organização subversiva, qualquer que seja[19].

A presente evocação histórica dos espiões de Cambridge demonstra claramente quão rapidamente é possível derrubar a Coroa, o Estado ou a Igreja quando a subversão e a traição oriundas de dentro se combinam com ataques vindos de fora[20]. Não apenas ilustra o desenvolvimento, a organização e as ramificações de uma rede subversiva, mas também fornece muitas indicações concretas sobre a evolução e o funcionamento interno da Internacional homossexual desde os anos 1930. Acima de tudo, ela examina detalhadamente uma vasta crise do « Establishment » caracterizada pela ocultação, na qual a homossexualidade desempenhou um papel central na história de uma nação.

Anatomia da traição

Uma nação pode sobreviver aos seus tolos, e até mesmo aos ambiciosos. Mas não pode sobreviver a uma traição de dentro. Um inimigo às portas da cidade é menos temível, pois o conhecemos, e ele brandindo abertamente sua bandeira. Mas o traidor se move livremente dentro dos muros, suas insinuações se espalham por todas as ruelas e até na sala do Conselho. Pois o traidor não se apresenta como tal: ele fala com sotaques familiares para suas vítimas; tem o mesmo rosto que eles, veste-se como eles e apela à baixeza que reside no coração de todo homem; ele apodrece a alma de uma nação; atua à noite, secretamente, e à sua revelia, para minar os pilares da cidade; ele infecta o corpo social de tal forma que este não consegue mais resistir. Um assassino é menos temível do que ele[21]. Cícero, 42 antes de Cristo

No domínio profano, o traidor é definido como um indivíduo que trai abertamente seu país, ao qual deve lealdade. No domínio sagrado, é aquele que – através de atos deliberados – renuncia à sua fé.

Seja no domínio profano ou no sagrado, os motivos da traição são variados e difíceis de desvendar. Podem ser o desejo de vantagem pessoal ou ganho financeiro; pode ser também a consequência de envolvimento em negócios ilícitos ou atos criminosos passados; isso pode ainda estar relacionado com o desejo de enganar e trair pessoas contra as quais se alimenta há muito tempo rancor ou ressentimento.

Tende-se a acreditar que, no campo profano, a chantagem oferece aos agentes inimigos um meio eficaz de recrutar potenciais traidores; no entanto, geralmente não é o caso. Como observou Alexander Orlov, ex-chefe dos serviços de espionagem, trata-se de uma estratégia medíocre e até arriscada "fazer de alguém um inimigo, para depois confiar nele em uma questão tão delicada e arriscada quanto uma operação de inteligência"[22]. Por outro lado, a alegação de chantagem muitas vezes serve como uma desculpa posterior, pois, uma vez descobertos, muitos traidores tentam "atenuar sua culpa aos olhos do júri e obter do tribunal a maior indulgência possível" ao declarar que foram forçados a espionar sob ameaça de chantagem, escreve Orlov[23].

A motivação desempenhando um papel tão crítico neste campo, todo bom recrutador de espiões, todo bom criador de rede de espionagem busca evitar a chantagem em favor de meios mais positivos de inspirar e dirigir os membros da rede. Ele apela ao idealismo ou à ambição pessoal, ou ainda a características exploráveis, como um egoísmo exagerado, uma vontade de vingança ou um desejo de recompensa[24]. A capacidade de avaliar corretamente o caráter e as motivações de alguém, assim como de fundir os membros de sua rede em uma equipe de espionagem coesa é a marca de sua competência em espionagem[25].

Victor Ostrovsky, ex-agente do Mossad (serviço de espionagem israelense), compara o processo de recrutamento ao de uma pedra descendo a montanha. “Empregamos a esse respeito a palavra hebraica ledarder (deteriorar, degradar) para designar o fato de estar no topo de uma montanha e empurrar um bloco de pedra pela encosta. É assim que recrutamos”, destaca ele[26]. “Você pega alguém e o leva gradualmente a fazer algo ilegal ou imoral. Você o faz descer uma ladeira. Mas se ele está em um pedestal, não servirá para nada. Você não poderá usá-lo. Tudo o que buscamos é usar as pessoas. Mas, para poder usá-las, é preciso moldá-las. Não se pode recrutar alguém que não bebe, que não se interessa por sexo, que não tem necessidades financeiras, que não tem dilemas políticos e que está feliz em viver”, escreve ele ainda[27].

O traidor como acumulador de queixas

Bradford Westerfieds, especialista em espionagem, destaca que o traidor potencial pode ser definido por três características: « imaturidade, sociopatia e narcisismo »[28].

« Assim como uma estrela negra ou um buraco negro, ele absorve absolutamente tudo, mas não deixa escapar luz alguma, amor, calor ou compreensão », enfatiza Westerfields[29].

O autor acrescenta que, em sua necessidade de preservar sua « virgindade afetiva » e evitar « seus erros, responsabilidade e culpa », « o traidor os projeta sobre os outros ou sobre circunstâncias externas »[30]. Seja qual for a « verdadeira fonte de suas dificuldades », o traidor não a percebe em suas próprias ações. Assim, ele pode preservar « a visão grandiosa que tem de seu eu íntimo », continua Westerfields[31].

A estrutura mental do traidor foi descrita como uma « esquizofrenia controlada »[32]. Um pouco como o padre pederasta que celebra a missa e, assim que retorna à sacristia, sodomiza um menor, o traidor eficaz precisa compartimentalizar sua vida para manter sua saúde mental e controle, assim como para escapar da detecção. Ele deve cultivar a arte da duplicidade e da dissimulação. Precisa aprender a desempenhar diferentes papéis e a remodelar constantemente sua persona. Também deve ter uma grande força de vontade para lidar com as inevitáveis tensões de sua vida dupla ou tripla. Sem essas habilidades, é praticamente certo que sofrerá um colapso mental ou emocional[33].

Em relação ao traidor, Westerfields salienta: « a raiva é uma motivação poderosa ». O traidor é um « acumulador » de injustiças e ressentimentos, reais ou imaginários[34]. Quando isso se alia a uma ideologia como o comunismo, que se alimenta do ódio, a combinação resultante pode ser mortal. Citando um historiador britânico, Westerfields estima que « um homem nunca é tão perigoso quanto quando consegue identificar uma queixa privada a uma questão de princípio »[35].

Esse fator singular — o ódio — explica em parte por que dois grupos minoritários, os judeus e os homossexuais, desempenharam um papel tão importante em vários casos de espionagem que eclodiram nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha após a Revolução Bolchevique de 1917. Lênin, e depois Stálin, souberam explorar a vulnerabilidade dos judeus e dos homossexuais para promover sua ditadura.

Os judeus bolcheviques, alienados tanto de seu patrimônio religioso quanto da sociedade ortodoxa czarista, tiveram um papel proeminente na Revolução Bolchevique, no Partido Comunista, no alto comando do Exército Vermelho e na Tcheka soviética, a polícia secreta do regime comunista e principal braço armado do terror vermelho.

Segundo Zvi Y. Gitelman, autor de Jewish Nationality and Soviet Politics – the Jewish Section of the CPSU, 1917-1930, « Como a maioria dos judeus não era devotada ao czar, não se podia esperar que apoiassem os brancos »[36]. Além disso, havia a questão do poder. « Do ponto de vista judaico, havia certamente o engano do poder material imediato, que atraía muitos jovens judeus ansiosos para vingar os crimes cometidos contra seu povo pelas forças antissoviéticas de todo tipo », escreve Gitelman[37].

Para ele, « quaisquer que tenham sido as razões, os judeus estavam fortemente representados na polícia política. “Se alguém caísse em suas mãos, tinha todas as chances de ser executado”, prossegue ele[38]. “Como a Tcheka era o órgão mais odiado e temido do governo bolchevique, os sentimentos antissemitas aumentaram em proporção direta ao terror que ela exercia” », continua o autor[39]. Ele também observa que Lênin apreciava o papel desempenhado por judeus na administração soviética, assim como nas atividades revolucionárias realizadas não apenas na Rússia, mas também em outros países[40].

Nos Estados Unidos, durante as décadas seguintes à Revolução de 1917, os historiadores investigativos Ronald Radosh e Joyce Milton, autores de The Rosenberg File – A Search for the Truth, escreveram que muitos intelectuais e cientistas judeus caíram nas garras da espionagem por sua admiração pela experiência social soviética, que havia transformado o « antissemitismo » em um crime contra o Estado[41]. Radosh e Milton falam de Julius e Ethel Rosenberg — condenados por espionagem — como sendo « ideólogos convictos », e Ethel Rosenberg, em particular, como sendo imbuída de « ódio ardente » e de « espírito de vingança »[42].

Assim como os judeus bolcheviques, os líderes do « Homintern » na Europa e nos Estados Unidos estavam imbuídos do mesmo zelo revolucionário em busca de uma Nova Ordem utópica que não sujeitaria mais os homossexuais à discriminação. Ambos os grupos adotaram o punho cerrado como emblema de « libertação », com a diferença de que, ao brandir o punho, os comunistas o usam para simbolizar sua luta, enquanto os membros do Homintern o inserem no reto para simbolizar sua rebelião[43]. O Komintern e o Homintern também compartilham o ódio a Deus, ao cristianismo e, de fato, a qualquer poder legítimo. Assim como seus homólogos judeus, os homossexuais comunistas estavam dispostos a correr riscos, porque acreditavam não ter nada a perder.

A traição é um ato desviante[44]. A sodomia também. Historicamente, sempre houve uma associação entre a desviação sexual, por um lado, a heresia e a traição, por outro[45]. E se é verdade que nem todos os homossexuais são traidores ou socialistas extremistas, o traidor e o homossexual apresentam características comuns.

O homossexual possui uma personalidade que se alinha perfeitamente à do traidor definida por Westerfields: ele é imaturo, neurótico e narcisista. O homossexual ativo é um sedutor consumado, um recrutador natural e um prosélito da « causa ». É um predador capaz de avaliar a vulnerabilidade de sua presa. Está condicionado a agir com duplicidade e a ter lealdade variável. Ele leva uma vida compartimentalizada que o coloca em contato com o mundo clandestino da delinquência, onde imperam a dependência química, a pornografia e a prostituição, e onde ele está exposto à chantagem e à violência. O homossexual é um coletor de « injustiças », e o marxismo lhe apresenta « o apelo de um santuário secreto de rebelião individual »[46]. Mais do que a ameaça de chantagem, é o desejo de revidar contra uma sociedade que o rejeitou que atrai o homossexual para as garras da espionagem inimiga[47]. O homossexual se considera um « estrangeiro » que, como o espião, gostaria de vir do frio, mas pensa que não pode.

O psicólogo holandês Gerard J.M. van den Aardweg, Ph.D., resume da seguinte maneira a propensão do homossexual à subversão: « O espírito subversivo não é raro entre os homossexuais, pois corresponde a uma hostilidade gerada pelo complexo de não pertencimento. É por isso que homossexuais declarados podem não ser confiáveis em nenhum grupo ou organização »[48]. Eles aspiram a um mundo utópico e irreal, destaca van den Aardweg. Um mundo « superior », esnobe e mais « chique », cheio de « emoção e aventura », em oposição ao « mundo comum », acrescenta ele[49].

A espionagem, um "negócio"

Desde tempos imemoriais, os serviços secretos nacionais têm como objetivo comum obter informações sobre qualquer Estado estrangeiro, incluindo os segredos de suas forças e planos ofensivos e defensivos, assim como impedir que qualquer inimigo efetivo ou potencial descubra os segredos de seu Estado. Tradicionalmente, as potências europeias contavam com certos príncipes da Igreja Católica Romana para organizar seus serviços secretos, pois nenhuma nação podia competir com o sistema de espionagem mais disseminado e eficaz do mundo[50].

Assim, na França do século XVII, agindo a pedido do Rei Luís XIII junto ao Santo Sé, o cardeal de Richelieu, com a ajuda de um padre capuchinho, François le Clerc du Tremblay, criou um vasto serviço de inteligência interno e externo, rivalizando com o da Inglaterra – principal concorrente da França – e assim elevou seu país à condição de potência mundial de primeiro plano[51].

Embora os objetivos dos serviços secretos nacionais tenham evoluído pouco desde a época de Richelieu, os meios para alcançá-los e tratar as informações mudaram completamente e variam bastante de um país para outro. Durante a primeira metade do século XX, os Estados Unidos, e o Ocidente em geral, fundamentaram sua doutrina de inteligência primeiramente na pesquisa, assim como nas informações obtidas de "fontes abertas", enquanto os soviéticos e o bloco de Leste confiavam mais em uma abordagem de "capa e espada", que envolvia reunir informações a partir de fontes secretas, utilizando uma vasta rede de espiões, informantes e agentes secretos para descobrir documentos altamente confidenciais e dados brutos, além de atrair traidores potenciais para seus serviços.

No início da década de 1920, os serviços de inteligência das principais potências europeias ocidentais, incluindo a Inglaterra e a França, foram alertados pela constatação de que os bolcheviques – além de terem criado a Tcheka, sua polícia secreta interna para combater atividades "contrarrevolucionárias" e sabotar em seu próprio território – consideravam a possibilidade de constituir uma nova e vasta rede de espionagem internacional.

No início de 1918, o líder comunista Vladimir Ulyanov, conhecido como Lênin, colocou a Tcheka sob a direção de Felix Edmundovitch Dzerjinski, considerado desde então como o pai da espionagem soviética moderna. Embora o nome dos serviços de espionagem soviéticos tenha mudado ao longo dos anos – de Tcheka para GPU (Administração Política do Estado, 1922-1923), OGPU (Direção Política do Estado Unificada, 1923-1934), NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos, 1934-1946), MD (Ministério dos Assuntos Internos, 1946-1954), e finalmente KGB (Comitê de Segurança do Estado), complementado em 1954 pelo GRU (Direção Principal de Inteligência do Estado-Maior) – os agentes de espionagem são sempre conhecidos como tchékistes pelos cidadãos soviéticos[52]. Após a morte de Dzerjinski em 1926, o sucessor de Lênin, Joseph Stálin, fez da polícia secreta soviética recém-ampliada o instrumento de seu poder absoluto sobre o povo russo.

No início da década de 1920, em matéria de espionagem no exterior, as operações de inteligência soviéticas voltadas a fomentar uma revolução mundial estavam frequentemente centradas nas embaixadas soviéticas. Mas, aos poucos, Stálin substituiu esse sistema altamente vulnerável por uma rede mais sofisticada de agentes soviéticos, liderada por homens sem nenhuma relação com o antigo pessoal diplomático da União Soviética e operando sob ordens diretas de Moscou. Nos Estados Unidos, assim como na Europa, sindicatos, universidades, centros industriais e instituições políticas e culturais de esquerda eram os alvos prioritários da infiltração e da tomada soviéticas. Na Inglaterra, por exemplo, trotskistas e comunistas se faziam passar por socialistas, infiltrando o Partido Trabalhista. O próprio Partido Conservador não estava imune a essas infiltrações. O NKVD também conseguiu utilizar o dispositivo de inteligência do Komintern na Grã-Bretanha para recrutar funcionários em Whitehall [Nota do Tradutor: palácio que serve como sede do governo britânico], incluindo membros do clube dos "secretários permanentes" do Departamento de Estado[53].

No final da década de 1920 e início da década de 1930, enquanto Stálin planejava meticulosamente seu Grande Terror na URSS em forma de gigantescas purgas políticas, militares, econômicas e agrícolas que resultariam na morte de cerca de vinte milhões de russos, ele também lançou um programa de espionagem consideravelmente ampliado, com o objetivo de coletar informações diplomáticas, militares, industriais e científicas no Ocidente[54].

Stálin ordenou que, em todo o Ocidente, "moles" e "agentes adormecidos" de longo prazo, controlados pela União Soviética, fossem introduzidos nos serviços secretos, em altos postos governamentais, bem como em grandes centros universitários e científicos. Sua estratégia se provou mortalmente eficaz, especialmente contra os serviços secretos britânicos, o Escritório de Serviços Estratégicos dos Estados Unidos (OSS), e depois a Agência Central de Inteligência (CIA) e a Agência de Segurança Nacional (NSA)[55].

Como afirmaram três autores especializados em espionagem – Philip Knightley, Bruce Page e David Leitch –, « Uma vez infiltrado, um serviço secreto não se torna apenas um serviço secreto ineficaz, mas sim um terrível fardo »[56]. Assim, « Em termos de diplomacia, economia e defesa estratégica, os serviços secretos britânicos foram, por pelo menos dez anos (e essa estimativa ainda é generosa), os cegos guiando outros cegos: operações foram perdidas, agentes comprometidos, abatidos, encarcerados ou forçados a se tornarem agentes de desinformação, ou seja, de intoxicação informativa », acusam eles[57].

O fato de que, em 1932, ou seja, bem antes do início da Segunda Guerra Mundial, Stálin já havia lançado uma guerra secreta contra o Ocidente corrobora a teoria sustentada por historiadores como o professor Ernst Topitsch, da Universidade de Graz, na Áustria, segundo a qual o ditador soviético usou a guerra como parte da estratégia soviética de longo prazo visando subjugar e destruir o mundo não comunista, o que significa que a Segunda Guerra Mundial foi, em sua essência, a guerra de Stálin, não a de Hitler[58].

Um anzol soviético para todos os peixes

Stálin elevou a espionagem soviética ao nível de uma ciência exigente, utilizando um "anzol" de geometria variável de acordo com as diversas recrutas potenciais.

No que diz respeito à inteligência diplomática, as principais fontes de segredos de Estado eram os diplomatas estrangeiros, embaixadores, membros do pessoal dos ministérios das Relações Exteriores, incluindo os funcionários dos serviços de criptografia e secretários, parlamentares e políticos ambiciosos que, em sua busca por poder, buscavam obter o apoio financeiro e o respaldo do "Establishment" liberal[59].

Os chefes de serviço dos ministérios das Relações Exteriores apresentavam um interesse particular, pois podiam fornecer à URSS documentos confidenciais sobre a política e estratégia secreta de vários governos estrangeiros. Mas, para os soviéticos, pescar um grande peixe significava atrair um diplomata de alto nível ou um embaixador que, além de estar a par de importantes decisões sobre política externa, poderia servir como um chamariz para recrutar outros, ou como um "agente de influência" e vetor de desinformação[60].

Os serviços de inteligência soviéticos estabeleciam, a respeito de cada recruta diplomático potencial, um dossiê detalhado que incluía informações sobre suas características pessoais e temperamento, vida familiar, educação, religião, meios de vida, associações às quais pertenciam, ideologia, política e também sobre sua sexualidade e eventuais vícios[61]. Considerando que os postos diplomáticos – especialmente nos Estados Unidos, na Europa e no Vaticano – sempre atraíram um grande número de homens perversos, os soviéticos acreditavam que, no caso dos diplomatas homossexuais, o chantagem valia realmente os riscos e despesas adicionais[62].

Vale ressaltar que mesmo quando um agente soviético falhava em conseguir dominar um diplomata ou embaixador homossexual, ameaçando expor sua homossexualidade, a pessoa em questão raramente reportava essa tentativa de chantagem às autoridades de seu país, com medo de ter que confessar sua sexualidade ilícita[63].

Em nítida oposição aos serviços secretos soviéticos, que eram rápidos em avaliar e explorar as oportunidades de chantagem que a homossexualidade tradicionalmente oferecia, os serviços secretos britânicos não adotavam uma política similar. Na Inglaterra, a homossexualidade ativa, como veremos, não excluía automaticamente alguém do serviço público ou dos serviços secretos entre 1939 e 1945. Mesmo em 1948, ano em que os serviços secretos britânicos adotaram uma política de exclusão em relação a homossexuais notórios, essa política nunca foi plenamente implementada. Nenhum agente de inteligência pertencente à classe média comprometeria seu emprego expressando dúvidas sobre as qualificações morais de indivíduos da classe alta, que aspiravam se tornar funcionários ou agentes secretos e eram automaticamente reservados – devido ao seu nascimento ou riqueza – para cargos governamentais e perspectivas de carreira de destaque. Mesmo que algum ousado arriscasse seu emprego denunciando algum pederasta elitizado como uma ameaça à segurança nacional, sua recomendação seria enterrada por seu superior ou por Whitehall. Essa é uma das razões pelas quais, uma vez que os soviéticos estabeleceram na Oxbridge [Nota do Tradutor: termo que designa tanto a universidade de Oxford quanto a de Cambridge] a rede de "filhinhos de papai" que lhes servia como moles, as numerosas células marxistas puderam causar tantos danos nos serviços de inteligência britânicos (e americanos)[64].

No que diz respeito à coleta de informações científicas, os soviéticos viam a bajulação e a promessa de uma influência e poder acrescidos como um anzol mais eficaz do que a sexualidade. Assim como a autora inglesa Rebecca West destaca em seus numerosos e excelentes trabalhos sobre a questão da traição, Stálin recebia com pompa e tratava com aparente deferência eminentes cientistas estrangeiros[65].

Sobre Alan Nunn May e Klaus Fuchs, dois cientistas atômicos e agentes soviéticos condenados, West ressalta o seguinte: « Não é defensável aplicar uma política que julga o criminoso de maneira a ocultar a natureza do crime para aqueles que sofrem em consequência. Isso ajudou muito os comunistas a apresentarem os cientistas que espionavam para eles como altruístas ingênuos que compartilharam segredos com uma potência estrangeira apenas porque eram cientistas, que queriam beneficiar seus pares com suas descobertas, que não sabiam estar fazendo o menor mal e que mal sabiam o que é uma ideologia. Esse é o retrato que foi entregue deles ao mundo, e é falso »[66].

May era um marxista notório e um membro extremista da vertente de Cambridge da União dos Trabalhadores Científicos; quanto a Klaus Fuchs, que transmitiu segredos atômicos diretamente aos soviéticos, ele era há muito um ideólogo marxista profundamente envolvido na rede comunista, acrescenta West[67]. Esses homens tinham uma ideia exagerada sobre sua importância e poder, alerta ela, porque seus conhecimentos estavam relacionados a armas de destruição em massa e, portanto, era possível – nesse domínio – submeter pessoas por chantagem[68]. West conclui que toda a defesa deles – que se baseava na ideia de que “a ciência é a razão e, portanto, não conhece traição” e que “os cientistas não podem fazer mal, porque são cientistas e a ciência está na verdade” – era manifestamente tendenciosa e subversiva em relação à verdade e à nação[69].

O “sexpionagem” soviético, um anzol de mel para falsos zangões

A ligação entre espionagem e sexualidade remonta aos tempos bíblicos, mas foi Stálin quem elevou a armadilha sexual ao nível das belas-artes. O anzol sexual soviético se mostrou um meio particularmente eficaz para obter informações militares e políticas, assim como dados sobre a defesa nacional, além de derrubar opositores políticos da União Soviética.

Em sua exposição de 1976 intitulada Sexpionage – The Exploitation of Sex by Soviet Intelligence, David Lewis descreve a complexa, custosa e totalmente desumanizante formação das “andorinhas” (agentes femininas) e “corvos” (agentes masculinos) soviéticos especializados em armadilhas sexuais, que o KGB recrutava geralmente entre respeitáveis famílias da classe média e que possuíam credenciais profissionais[70].

Além de sua formação ideológica, política e técnica básica, esses agentes eram submetidos a um processo completo de dessensibilização sexual antes de sua instrução formal, que abordava todas as formas de atos sexuais, incluindo homossexualidade e sadomasoquismo.

Lewis observa que os soviéticos mantinham uma ampla gama de homossexuais como agentes em tempo integral, tendo como alvos diplomatas e turistas estrangeiros[71]. Esses homens eram, em geral, jovens prostitutos a quem era dado o “direito” de escolher entre trabalhar para o KGB ou ir para a prisão[72]. Segundo um “diplomado” chamado Dimitri, que Lewis entrevistou e que foi treinado no centro sexual de Verkhonoïé, perto de Kazan, esses prostitutos masculinos eram extremamente atraentes, e alguns eram “muito jovens”[73]. Eles eram mantidos afastados das outras recrutas do KGB, declarou Dimitri. “Parecia que eles sofriam muito com os métodos de treinamento desumanizantes, e dois deles se suicidaram durante minha estadia nesse centro”, disse ele ainda a Lewis[74].

Em 2001, Jamie Glazov, diretor e editor-chefe da FrontPage Magazine, revelou uma das operações de escândalo homossexual mais inovadoras dos serviços secretos soviéticos.

A vítima era John Watkins, embaixador do Canadá na União Soviética de 1954 a 1956[75]. Glazov relata que, enquanto estava em Moscou, Watkins, um homossexual conhecido por suas simpatias marxistas, buscava regularmente parceiros sexuais anônimos. Um de seus conhecidos russos, chamado Aliocha, funcionário do ministério soviético das Relações Exteriores com quem Watkins havia estabelecido fortes laços de amizade, era nada menos que o famoso recrutador de espiões do KGB, Oleg Gribanov, cujo lendário sucesso em operações de armadilha homossexual permitiu à União Soviética obter acesso a quase todos os documentos confidenciais da OTAN[76].

Segundo Glazov, enquanto se passava por amigo de Watkins, Gribanov organizou em um hotel de Moscou um encontro entre o infeliz embaixador e um "corvo" do KGB. Os dois homens foram filmados em flagrante durante atos sexuais. Gribanov prometeu a Watkins interceder em seu favor, desde que o embaixador lograsse “ganhar a confiança” de Dimitri Tchouvakine, seu homólogo soviético no Canadá, quando retornasse a Ottawa na primavera seguinte. Uma vez que Watkins deixou seu posto na URSS e retornou ao Canadá, ele não fez nenhum esforço para informar as autoridades que estava sendo chantageado. Ele recebeu o cargo de Assistente do Ministro Adjunto das Relações Exteriores, no qual permaneceu até sua aposentadoria, indica Glazov.

Entretanto, três desertores soviéticos de alto escalão que se transferiram para os Estados Unidos haviam informado a CIA, entre 1961 e 1964, que um embaixador homossexual do Canadá em Moscou estava sendo chantageado pelos soviéticos. Em agosto de 1964, após a realização de uma investigação sobre várias pessoas suspeitas de serem o embaixador em questão, funcionários canadenses ordenaram à Polícia Montada Real Canadense que buscasse Watkins em sua residência para um interrogatório. Durante o interrogatório realizado pela polícia montada, Watkins teria sofrido um ataque cardíaco, encerrando rapidamente e de forma limpa essa nauseante situação. No entanto, ainda não se sabe se Watkins serviu ou não como "agente de influência" para os soviéticos antes de sua morte precoce. Adicionalmente, como aponta Glazov, David Johnson, que sucedeu Watkins como Embaixador do Canadá em Moscou, também foi reportado como homossexual[77].

Os soviéticos, no entanto, perceberam que para muitos dos traidores homossexuais mais eficazes que recrutaram no Ocidente, não era necessário implementar operações de "sexpionagem" complexas para levar os interessados a trair.

Os serviços de inteligência britânicos e americanos

Como se sabia desde as tentativas inglesas de infiltração nos seminários católicos franceses durante a era elisabetana, os ingleses não eram inexperientes em matéria de espionagem e inteligência.

No final do século XVIII, começou a se consolidar um esboço de uma estrutura oficial para os serviços secretos britânicos, com a criação de um ministério do Interior (Home Office) e de um ministério das Relações Exteriores (Foreign Office) dentro do Departamento de Estado. Nas décadas seguintes, o imenso complexo das embaixadas britânicas no mundo deveria fornecer a cobertura de um serviço secreto ampliado no exterior, bem como um serviço interno de contraespionagem especializado na decodificação e infiltração dos serviços de inteligência inimigos, especialmente os da Rússia e da Prússia de Bismarck.

Os serviços secretos modernos da Grã-Bretanha (SIS), conhecidos como MI6, foram fundados em 1909. Eles estavam ligados ao ministério das Relações Exteriores e dirigiam as operações de espionagem britânicas no exterior. Durante a Primeira Guerra Mundial, eles se concentraram em infiltrar as unidades de espionagem da Alemanha. Após a guerra, o SIS foi encarregado de ajudar os Estados Unidos a estabelecer sua própria rede de inteligência. Os britânicos e os americanos também firmaram um acordo secreto para o compartilhamento de informações de contraespionagem, o que depois ofereceu a Stálin um caminho mais fácil para a coleta de informações, especialmente em relação ao desenvolvimento da bomba atômica.

Uma das operações antissoviéticas mais bem-sucedidas do SIS foi o ataque que realizou em 1927 aos escritórios londrinos da ARCOS (All Russia Cooperative Society Ltd.), delegação comercial russa, que permitiu que os britânicos obtivessem milhares de documentos secretos sobre as atividades e agentes comunistas na Inglaterra.

Esse ataque foi realizado pelo MI5, ou seja, o Serviço de Segurança britânico vinculado ao Home Office e que tratava principalmente da segurança do território, incluindo a captura de espiões, terroristas e insurgentes estrangeiros em solo inglês. Suas principais atividades incluíam manter um registro central para rastrear indivíduos suspeitos de serem agentes inimigos, assim como manter uma lista negra especial de contraespionagem. Existiam, tanto dentro quanto fora do MI5 e do MI6, outras unidades subsidiárias de inteligência especializadas, incluindo a famosa Escola Governamental de Códigos e Cifras (Government Code & Cypher School), que desde então se destacou por ter decifrado o código alemão (ULTRA) durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1941, a Grã-Bretanha criou uma divisão de segurança ultra-secreta atuando no hemisfério ocidental, a British Security Coordination (BSC), que serviu de cobertura legal para todas as suas outras unidades de inteligência, incluindo o MI5 e o MI6, o Special Operations Executive (SOE) e o Political Warfare Executive[78].

Os serviços de inteligência internos e externos dos Estados Unidos foram estruturados com base em seus equivalentes britânicos. Até o final da Primeira Guerra Mundial, as responsabilidades pela coleta e interpretação de segredos diplomáticos, militares e políticos do inimigo eram divididas entre o Departamento de Estado, com suas redes de embaixadas e adidos, e os serviços de inteligência militares das forças armadas, incluindo o Office of Naval Intelligence (ONI) e o G-2, divisão de inteligência do ministério da Guerra. Durante a Primeira Guerra Mundial, tanto o Exército quanto a Marinha dos Estados Unidos mantiveram escritórios separados para decifrar e ler comunicações estrangeiras e inimigas. Em 1920, a seção secreta de criptografia militar dos Estados Unidos, conhecida como "Câmara Negra", conseguiu decifrar o código diplomático japonês, o que foi um feito significante em termos de espionagem. No entanto, isso não impediu que o Secretário de Estado Henry L. Stimson fechasse esse serviço em 1929, sob a alegação de que "gentlemen não leem a correspondência de outros gentlemen"[79].

Em 11 de julho de 1941, para reduzir as fricções e a concorrência que se intensificavam entre os diversos serviços de inteligência americanos, o Presidente Franklin D. Roosevelt nomeou William Donovan (apelidado de "Wild Bill") como coordenador de uma nova agência civil centralizada para o tempo de guerra, o Bureau of Information (Escritório de Informação), que era inspirado no SIS britânico e baseado na Casa Branca. Donovan, graduado pela faculdade de direito da Universidade de Columbia, era um herói da Primeira Guerra Mundial e um membro do "Eastern Establishment" (a esfera influente do Leste dos Estados Unidos), que se situava mais à esquerda e do qual recrutou grande parte da liderança do OSS. O Bureau do Coordenador de Informação (COI) tinha como tarefa coletar informações e centralizar tudo que dizia respeito à segurança nacional. Ele abriu seu escritório em Londres em novembro de 1941.

Em junho de 1942, o COI de Donovan passou por uma vasta reestruturação. Seu pessoal e orçamento foram divididos em dois setores: por um lado, um Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) dirigido por Donovan, mas sob a autoridade dos Chefes de Estado-Maior Reunidos (JCS), com seu serviço secreto de contraespionagem no exterior; por outro lado, o Serviço de Informações Estrangeiras (FIS), sob a supervisão direta de Roosevelt dentro do recém-criado Bureau de Informação de Guerra.

O OSS tinha como tarefa geral apoiar as operações militares no terreno, oferecendo ajuda em pesquisa, propaganda e forças de comando. Donovan nomeou para a Seção de Pesquisa e Análise do OSS (R&A) membros de elite renomados do Eastern Establishment, enquanto a Seção de Operações Especiais (SO), que conduzia ações paramilitares e guerra psicológica na Europa e na Ásia, representava uma força mais eclética e multinacional que ajudou os Aliados e os partisans durante a Segunda Guerra Mundial. O OSS também estabeleceu uma Seção Secreta de Inteligência (SI) sob a autoridade de Allen W. Dulles, que havia estudado em Princeton e que operava a partir da embaixada americana em Berna (Suíça).

Os profissionais de inteligência militar convenceram Roosevelt de que era preciso impedir que o general Donovan e seu OSS tivessem acesso às comunicações criptografadas altamente secretas dos Aliados a partir do Japão, que implicavam o uso de um sistema de decodificação conhecido como MAGIC, assim como às mensagens da Alemanha decifradas através do sistema ULTRA. No entanto, a seção de contraespionagem do OSS (X-2), que compartilhava suas informações com o SIS britânico, tinha, de fato, acesso às informações alemãs obtidas por meio do sistema ULTRA. Isso acabaria se revelando um erro fatal.

No final da Segunda Guerra Mundial, o OSS – que seus detratores chamavam de "Oh So Social" (Oh, como é social!) – já havia sido infiltrado por pelo menos quinze espiões soviéticos, assim como por elementos criminosos da máfia siciliana, tornando o OSS não apenas um serviço "secreto" custoso, corrupto e ineficaz, mas também uma fonte perigosa de desinformação soviética e infiltração de agentes soviéticos após a guerra. Em suma, o OSS era o mais profundamente infiltrado dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, dos quais nenhum contava com tantos moles soviéticos em seu seio[80].

Em 1º de outubro de 1945, sob a administração de Truman, o OSS foi oficialmente dissolvido. Seu setor de Pesquisa e Análise foi transferido para o Departamento de Estado, e o ministério da Guerra absorveu todas as suas outras seções, incluindo a SI e o X-2. Dois anos depois, Truman, com a aprovação do Congresso, autorizou a criação do Central Intelligence Group (CIG), posteriormente renomeado Central Intelligence Agency (CIA), conforme a lei de 1947 sobre segurança nacional. Assim como o OSS, os postos-chave da CIA foram ocupados por acadêmicos e políticos que apresentavam as melhores cartas de recomendação do Eastern Establishment; isso transformou a CIA em um verdadeiro "clube de velhos amigos" (Old Boys Club), não sem semelhanças com aquele que daria origem aos espiões de Cambridge[81].

Entretanto, a contraespionagem interna continuou sendo responsabilidade do Federal Bureau of Investigation (FBI) dirigido por J. Edgar Hoover, do ONI e do G-2.

A gênese do círculo de espiões de Cambridge

Vários agentes soviéticos que passaram para os Estados Unidos e a Inglaterra relataram que, quando Ivan Maisky, Embaixador da URSS na Grã-Bretanha, apresentou a ideia inovadora de recrutar jovens e ambiciosos ingleses da classe alta como agentes de inteligência soviéticos antes mesmo de entrarem nos corredores do poder, Stálin e Lavrenti Beria, chefe do NKVD, manifestaram seu ceticismo quanto às chances de sucesso de tal plano[82].

Quando souberam que muitos desses potenciais recrutas eram pedófilos e homossexuais comprovados, tornaram-se ainda mais incrédulos. No entanto, como o GRU já estava bem estabelecido em Londres e havia residentes legais e ilegais no local, onde poderiam servir como supervisores, Stálin deu sinal verde ao ministério soviético das Relações Exteriores para a implementação do plano. Estávamos em 1932. O serviço de inteligência soviético, sob a autoridade do Komintern, começou a identificar, cultivar, avaliar e, em seguida, recrutar em Oxbridge membros da esquerda antifascista.

Para grande surpresa dos soviéticos, as coisas funcionaram como mágica. Pareceu que Cambridge e, em menor medida, Oxford, os dois centros universitários mais prestigiados da Grã-Bretanha, já estavam bem maduros para se tornarem os epicentros da operação de espionagem soviética mais bem-sucedida do século XX[83].

Por mais de um século, as crenças religiosas dos estudantes das principais instituições de ensino superior da Inglaterra foram minadas pela elite literária e intelectual de Oxbridge. A moral cristã sucumbiu aos ataques violentos do helenismo neo-pagão. Os poucos servos da religião real que permaneceram fiéis a esta se aperceberam da impossibilidade em que agora se encontravam, não era sequer para defender o pouco que restava das crenças religiosas diluídas que haviam oposto à maré crescente do modernismo em suas próprias fileiras clericais e leigas.

O satirista britânico George Orwell (seu verdadeiro nome Eric Blair) escreveu:

Culturalmente […] a intelligentsia britânica está europianizada. Ela empresta sua culinária de Paris e suas opiniões de Moscovo. No patriotismo geral do país, ela forma uma espécie de ilha de pensamento dissidente. A Inglaterra é talvez o único grande país cujos intelectuais têm vergonha de sua nacionalidade. Nos círculos marxistas, sempre se pensa que há algo um pouco desonroso em ser inglês e que se tem o dever de zombar de toda instituição inglesa, desde as corridas de cavalos até o Christmas pudding. É estranho, mas é indubitável que quase todos os intelectuais ingleses teriam menos vergonha de pilhar um tronco de igreja do que de ficar em posição de sentido enquanto toca o “God save the King”[84].

Durante os anos 1930, o recrutamento de intelectuais e cientistas de esquerda em Oxbridge como agentes “adormecidos” foi a fase final da subversão que os soviéticos haviam inaugurado décadas antes com seus ataques ao sistema de classes da Inglaterra e também com a penetração dos sindicatos britânicos e do movimento trabalhista. Os comunistas conseguiram "vender" aos jovens idealistas de Oxbridge o martelo e a foice, ou seja, a aspiração de preservar o mundo da ameaça do fascismo. No entanto, o marxismo enfrentou dificuldades para competir com o socialismo fabiano, que era o movimento coletivista mais adequado.

No campus, comunistas confessos como o professor de economia Maurice Sobb, que iria contribuir para fundar a Célula comunista de Cambridge, Piero Straffa, associado do líder comunista italiano Antonio Gramsci, e Roy Pascal, professor de alemão em Cambridge, introduziram toda uma geração de jovens estudantes extremistas de Oxbridge na esfera de influência soviética.

Os marxistas também receberam ajuda e assistência da vasta rede de sociedades secretas para-maçonicas que se insinuaram na alta classe britânica em geral e em Oxbridge em particular. A mais famosa e também a mais seletiva dessas sociedades secretas presentes no campus era a “Conversazione Society”, conhecida simplesmente como “the Society”, com seus membros apelidados de “Apóstolos”.

Os « Apóstolos », a homossexualidade e o marxismo

A Conversazione Society, que estava baseada no King’s College de Cambridge, fez sua estreia em 1820. Era então um pequeno clube privado de estudantes do primeiro ano fundado por George Tomlinson, do St. John’s College. Tomlinson viria a se tornar bispo de Gibraltar[85]. Esta sociedade exclusivamente masculina, composta por doze membros, reunia-se todos os sábados à noite para discutir questões filosóficas do dia no contexto anti-autoritário do Broad Church Movement, que era de esquerda e encontrava seu espaço, mesmo com dificuldades, dentro da Igreja Anglicana[86].

O grupo inicial dos « Apóstolos » incluía, entre outros, o jovem poeta vitoriano Alfred Tennyson (1809-1892), que um dia se tornaria lord, e seu querido amigo Arthur Henry Hallam (1811-1833). Os estudantes do primeiro ano que se destacavam na área científica brilharam pela ausência, pois a partir do século dezenove, as « duas culturas », representando, respectivamente, as ciências e a literatura, decidiram seguir cada uma seu próprio caminho[87].

No meio do século, o grupo dos « Apóstolos » havia se tornado uma sociedade secreta elitista, caracterizada por um forte homoerotismo subjacente, um perfume de agnosticismo particularmente agressivo e uma política claramente marcada pelas ideias de esquerda e pelo pacifismo. Segundo Richard Deacon, autor de The Cambridge Apostles, a agenda dos « Apóstolos » incluía « a laicização da Universidade e a abolição dos exames religiosos para os estudantes que se preparavam ou já haviam obtido a licença »[88]. A putrefação espiritual se preparava. Deacon também observa que membros do grupo, como William Johnson (Cory), tutor de Lord Rosebery, já tinham se empenhado em recrutar no Novo Ordenamento outros homossexuais ativos[89].

Como a homossexualidade, o agnosticismo, o ateísmo e o anti-imperialismo eram geralmente mal vistos na sociedade vitoriana e impediam o progresso na carreira, era tanto lógico quanto necessário insistir cada vez mais no segredo.

Segundo Andrew Sinclair, outro especialista nos « Apóstolos », sua sociedade era uma espécie de « Máfia de Cambridge […] todos os membros, uma vez aceitos na sociedade, deviam prestar o juramento solene de não trair a sociedade a nenhum não-membro, sob pena de ter que se retorcer eternamente em inomináveis sofrimentos »[90].

Aos olhos de grande parte dos membros socialmente alienados do grupo, este era mais uma família do que uma organização; era especialmente um lugar onde esses adolescentes perpétuos e desajustados, apaixonados por sua suposta superioridade e importância, não precisavam competir com o mundo real para conseguir mulheres, uma situação profissional ou uma posição social[91].

No final do século, os membros do grupo, motivados por desejos claramente pedófilos, como o solteirão Goldsworthy Lowes Dickinson, notório discípulo do « amor socrático », começavam a fundar o recrutamento de « embriões » menos com base nas capacidades intelectuais dos interessados do que em sua boa aparência e atributos físicos[92]. A nova « High Church » [NdT: outro nome da Tradição anglicana ou « anglo-catolicismo »] dos « Apóstolos » travava, assim, uma guerra aberta ao cristianismo. Fazia grande alarde de sua própria « sucessão apostólica » e de sua hierarquia mística, além de seus dogmas, de seus serviços religiosos e de suas bênçãos, todas coisas destinadas a zombar da doutrina e dos sacramentos cristãos[93]. Substituía as Escrituras Sagradas por uma nova « bíblia » que exaltava as virtudes da « Alta Sodomia »[94]. Para um grande número de « Apóstolos », o fato de adotar um comportamento sexualmente criminoso deveria reforçar seu sentimento de dependência e lealdade mútua, não apenas durante seus anos de estudo, mas por toda a vida.

A « Conexão Bloomsbury »

Não se pode explicar o funcionamento interno dos « Apóstolos » e as relações de sua sociedade com a organização de espionagem de Cambridge sem ao menos mencionar brevemente o Grupo Bloomsbury, ao qual muitos de seus membros mais influentes estavam intimamente ligados. Essa seita cultural, tão seletiva quanto influente, nasceu de uma série de amizades entre os ricos filhos apaixonados por arte e literatura de Sir Leslie Stephen – Vanessa, Virginia, Julian, Thoby e Adrian – e seus conhecidos de Cambridge, entre os quais estavam « Apóstolos » tão proeminentes quanto John Maynard Keynes, Lytton Strachey, Duncan Grant e E.M. Forster[95]. A descrição do romancista D.H. Lawrence dos « Bloomsberries » como « pequenos egos incansáveis » retratava bem o caráter excêntrico e narcisista do grupo que se reunia toda quinta-feira à noite na residência de Stephen, no 46, Gordon Square, no bairro boêmio londrino de Bloomsbury[96].

Os Bloomsbury eram agnósticos, politicamente à esquerda, pacifistas e sexualmente liberados. Os parcerias sexuais tinham uma importância primordial dentro desse coletivo fechado. Todos os relacionamentos – homossexuais, bissexuais ou heterossexuais – estavam em um estado permanente de flutuação e reconfiguração.

Por exemplo, Vanessa Stephen era casada com o rico herdeiro do carvão Clive Bell, mas teve um filho com o belo pintor escocês Duncan Grant, que se sentia atraído pelo irmão de Vanessa, Adrian, mas que também teve uma série de aventuras homossexuais com os « Apóstolos » Keynes e Strachey, os quais travaram uma feroz competição por conquistar as graças de Arthur Lee Hobhouse, uma nova aquisição do grupo, que se apaixonou perdidamente por Grant e que depois formaria um ménage à trois [NdT: em francês no texto] com David Garnett, seu novo amante, e Vanessa.

Quando a Primeira Guerra Mundial estourou e os jovens disponíveis se tornaram escassos, alguns dos « bichas » do movimento « Apóstolos » e Bloomsbury – como Virginia Stephen Woolf os chamava – começaram a se consolar com companheiras, e alguns até descobriram « as alegrias da vida doméstica »[97]. Assim, para grande espanto de seus amigos « Apóstolos » e Bloomsbury, Keynes, que era notoriamente propenso à promiscuidade masculina e que o muito ciumento Strachey certa vez chamou de « bicicleta de segurança equipada com genitais », acabou se apaixonando por Lydia Lopkova, uma das maiores estrelas do balé russo Diaghilev, com a qual chegou a contrair um casamento que se revelou feliz[98].

Dada a importância geral dos « Apóstolos » e dos seus íntimos do grupo Bloomsbury, assim como sua grande influência sobre a vida da Universidade de Cambridge no final dos anos 1920 e no início dos anos 1930, era lógico que os esforços do NKVD para recrutar jovens ricos da alta classe visando expandir seu círculo de espiões em Cambridge fossem baseados, em parte, no projeto de explorar ambos os grupos.

Como relata Andrew Sinclair em The Red and the Blue – Cambridge, Treason and Intelligence, a recuperação dos « Apóstolos » pelos soviéticos revelou-se uma operação relativamente simples. No final dos anos 1920, « as afinidades com o marxismo » tornaram-se uma condição de pertencimento à sociedade secreta que era tão importante quanto « uma boa aparência e uma viva inteligência »[99]. Sinclair observa que, entre os vinte e seis « Apóstolos » eleitos entre 1927 e 1937, vinte – ou seja, três quartos – eram socialistas, simpatizantes marxistas, marxistas autênticos ou comunistas engajados. « Isso representava menos de um por cento do total de estudantes », ressalta ele[100].

A conjunção de três fatores – a hostilidade ativa dos « Apóstolos » e dos Bloomsbury em relação ao cristianismo e à moral tradicional, sua rede clandestina de relações sexuais criminosas e ilícitas, bem como a agenda igualmente proibida e subversiva da Revolução marxista mundial – revelou-se mortal para a nação britânica.

Anthony Blunt – Uma vida « traiçoeira »

No dia 5 de maio de 1928, Anthony Frederick Blunt, estudante de graduação no Trinity College e com apenas dezenove anos, foi admitido no santo dos santos da sociedade dos « Apóstolos » sob o número 273, tornando-se o primeiro homem do círculo de espiões de Cambridge (que contaria com cinco) [101]. Os predecessores imediatos de Blunt na « linha apostólica » da sociedade foram Alister Watson e Philip Dennis Proctor, ambos espiões soviéticos ou chamados a se tornar [102].

Anthony Blunt nasceu em 26 de setembro de 1907 na pequena cidade provincial de Bournemouth (Hampshire) em uma família rica da classe média alta, profundamente ligada à Igreja da Inglaterra (ou Igreja Anglicana). Seu avô paterno havia sido bispo sufragâneo de Hull. Seu pai, o Reverendo Arthur Stanley Vaughan Blunt, um clérigo anglicano bem conhecido, foi nomeado em 1912 capelão de St. Michael, a igreja da Embaixada Britânica em Paris, onde Sir Francis Bertie era Embaixador [103]. Foi em Paris que o jovem Anthony desenvolveu uma paixão pela Arte francesa do Renascimento, que cultivaria por toda a sua vida.

Segundo Miranda Carter, uma das biógrafas mais próximas da época de Blunt, as aspirações do pequeno garoto à fama vieram do lado materno de sua família. Sua mãe, Hilda Violet Master Blunt, pertencia à família Masters, proprietários de terras em Barrow Green, cuja origem remontava ao século XVI. Ela tinha como primo o Conde de Strathmore, pai da futura Rainha Elisabeth II [104].

Na constelação familiar dos Blunt, o « pequeno Anthony » era o mais fraco da ninhada e o favorito de sua mãe, escreve Carter. Hilda era louca por seu filho de olhos azuis, tão brilhante, tão encantador, cuja saúde « delicada » exigia cuidados adicionais e particularmente atenciosos. Por sua vez, Anthony desenvolveu uma afeição que duraria a vida toda por seu irmão mais velho Wilfrid, com quem compartilhava – além dessa afeição – um « temperamento artístico » nascente. Isso deixava tristemente de lado Christopher, seu irmão mais novo, indica Carter [105].

Quando cada um dos meninos Blunt atingiu a idade para ser internado, Anthony foi enviado de volta à Inglaterra para estudar em Marlborough, uma das « Grandes Escolas » britânicas, onde estavam matriculados os filhos de clérigos [106]. Ele chegou a essa prestigiada escola particular em janeiro de 1921, aos quatorze anos, pronto para iluminar a instituição com sua cultura brilhante e seu apego ao ditado « Nobreza obriga » [NdT: em francês no texto]. Infelizmente! Foi um duro despertar para o jovem descobrir que em Marlborough, a atletismo era tudo, e que ele não tinha aptidão física ou temperamental para os esportes organizados. Além disso, os alunos que atuavam como « prefects » [NdT: aluno responsável, que antigamente tinha o direito de administrar punições corporais] dominavam todos os aspectos da vida escolar.

Robert Cecil, ex-colega de Blunt, relatou que ele sabia superar o sistema atendendo às necessidades sexuais dos alunos mais velhos e dos « prefects » [107]. Seu testemunho foi corroborado por outros ex-alunos de Marlborough, incluindo o acadêmico John Hilton, que observou que em seu último ano de estudos, Blunt teve várias aventuras homossexuais sérias e se constituiu uma "equipe" de favoritos, às vezes chamados de « Os Eleitos » [108]. Com Blunt e o futuro poeta Louis MacNeice, outro filho de pastor, Hilton formou um trio que cultivava a « estética wildéenne » [NdT: em homenagem ao escritor homossexual Oscar Wilde], por trás da qual os três meninos conseguiam mascarar seu repúdio à herança religiosa [109]. Hilton descreveu o comportamento de Anthony durante os últimos anos que passou em Marlborough como o de « um hedonista austero [...] vivendo para a satisfação de seus sentidos, ao mesmo tempo em que apreciava a estima dos outros e procurava se ancorar em um sistema de detalhes eruditos » [110]. Em uma idade relativamente jovem, Anthony era, aparentemente, um rebelde que havia encontrado sua causa.

Alguns contemporâneos de Blunt lembraram que ele era conhecido por seu caráter vingativo e suas vinganças pessoais. Outros insistiram em sua frieza reptiliana. Todos concordam que ele era excessivamente pretensioso em relação às suas capacidades intelectuais, que, por sinal, eram notáveis. Há uma palavra que nunca saiu dos lábios dos amigos de Blunt – que eram poucos – ou de seus inimigos para descrever seu caráter: a palavra « amável ». Ele era um ser egoísta e egocêntrico.

Em outubro de 1926, Blunt ingressou no Trinity College de Cambridge com uma bolsa de Marlborough. Quando ele não conseguiu obter uma menção honrosa em matemática, voltou-se para as línguas modernas e se especializou em francês [111]. Enquanto isso, seu interesse pela arte rapidamente cresceu, embora nesse campo ele encontrasse outra razão para frustração. Blunt era muito inteligente, mas segundo o grande artista Christopher Hughes, « ele mesmo tinha poucos talentos artísticos » [112]. Criativamente impotente, ele curou as feridas de seu ego ferido tornando-se posteriormente historiador da arte, crítico de arte e revolucionário cultural.

Um de seus amigos mais próximos era Knox Cunningham (a quem estava destinado ser condecorado), que estudou no Fettes College em Edimburgo e depois no Clare College em Cambridge. Cunningham viria a ter uma carreira política de destaque no Parlamento, tornando-se Secretário particular do Primeiro Ministro Harold Macmillan de 1959 a 1963. Ele também ocupou uma posição importante na Ordem de Orange e na Província maçônica de Gloucester, bem como em diversos cargos unionistas do Ulster, na Irlanda do Norte. Segundo o escritor bissexual e irlandês Robin Bryans, que usou o pseudônimo Robert Harbinson e fez parte da alta elite homossexual de Londres no meio dos anos 1940, Cunningham era conhecido por ser uma « mulher » que gostava « de se deixar levar por jovens meninos » [113]. Bryans informou que Cunningham manteve contato com Blunt após seus anos em Cambridge e que costumava visitar Blunt em Londres [114].

Em 1928, as relações que Blunt mantinha com Clive Bell e Roger Fry, críticos de arte que eram membros do grupo Bloomsbury, assim como com Andrew Gow, professor no Trinity College que era autoridade em arte, abriram para ele os prestigiados círculos artísticos de Londres [115]. Ao mesmo tempo, sua pertença ao grupo dos « Apóstolos » deu-lhe acesso à sociedade secreta e à rede homossexual mais influente de Cambridge [116]. O fato de que Blunt era então um marxista autêntico foi confirmado por várias fontes confiáveis, incluindo Louis MacNeice [117].

Em 1932, Blunt foi eleito professor assistente no Trinity College. Ele permaneceu, portanto, no campus, onde lecionava francês, e começou uma carreira de história da arte, com uma paixão particular pela obra do pintor francês Nicolas Poussin.

Em 1933 ou 1934, antes, durante ou logo após uma viagem universitária a Moscou, Blunt foi oficialmente recrutado pelos soviéticos como agente assalariado [118]. Recebeu os nomes de código YAN, JOHNSON e TONY [119].

Não se pode evitar uma pitada de ironia ao considerar que se Blunt tivesse apenas se aventurado a sair do hotel para fazer um pouco de « paquera » homossexual durante sua estadia em Moscou, ele poderia ter percebido que as « oportunidades » eram escassas, exceto, é claro, pelos « corvos » masculinos formados pelo KGB, que visitavam regularmente os banheiros e outros lugares frequentados por homossexuais estrangeiros. Essa baixa disponibilidade de jovens moscovitas do sexo masculino deve-se ao fato de que, no início de 1933, Stálin havia dado ao OGPU (polícia política) a autorização para prender homossexuais em Moscou para enviá-los como mão de obra escrava para « campos de trabalho » penitenciários, como aquele conhecido como « Terceira Linha de Divisão das Águas », no canal que liga o mar Branco ao mar Báltico, onde cerca de três mil homossexuais moscovitas estavam detidos [120].

No entanto, nada indica que Blunt tenha expressado qualquer objeção às purgas anti-sodomitas ordenadas por Stálin em Moscou, uma vez que a notícia se tornou pública no mundo clandestino da homossexualidade londrina. Também não há indícios de que os encontros homossexuais em Moscou, Londres ou Cambridge tenham contribuído de alguma forma para obrigar Blunt a trair seu país. Ele traiu apenas pelo prazer de trair.

Graças aos seus numerosos protetores e amigos influentes, entre os quais se encontrava o muito mundano "locomotiva" Victor Rothschild, Blunt viu crescer sua influência no campo da arte. De 1937 a 1939, fez parte da equipe do Warburg Institute da Universidade de Londres, um centro de pesquisa artística "progressista" e "revolucionário", e escreveu seu primeiro livro sobre a arte do Renascimento, Artistic Theory in Italy, 1450-1600, que dedicou a seu amigo próximo Guy Burgess.

Segundo Charles Saumarez Smith, que resenhava livros para o The Observer, entre as críticas mais duras feitas contra Blunt estavam as de Rebecca West, que conheceu Blunt nos anos 30 e "o considerava um peso-mosca intelectual, um comunista notório que sempre usava uma gravata vermelha e frequentemente estava bêbado".

Quando a Inglaterra entrou na Segunda Guerra Mundial, Blunt se ofereceu como voluntário para se juntar ao exército britânico, foi nomeado oficial, serviu brevemente na polícia de segurança militar, que fazia parte dos serviços de inteligência militar, e depois recebeu a ordem dos soviéticos para entrar no MI5, ou seja, o serviço de segurança britânico.

Notará que, antes de ingressar no MI5, Blunt havia recorrido à influência de seu irmão Christopher para entrar em Minley Manor, em Hampshire, e lá seguir um curso de contraespionagem destinado ao pessoal militar. Naquele momento, seu superior era o coronel Shearer, que lhe disse que havia recebido do War Office (o serviço administrativo do ministério britânico da Guerra) ordens para que Blunt não fosse designado para tarefas de inteligência. No entanto, essas ordens foram anuladas depois que um alto funcionário intercedeu em favor do interessado. Esse alto funcionário não era outro senão Dennis Proctor (que mais tarde seria agraciado), também "Apóstolo" e agente soviético, que atuava como secretário privado do ex-primeiro-ministro Stanley Baldwin. Blunt também recebeu assistência de Victor Rothschild, que trabalhava para o MI5, e de Guy Burgess, que estava designado à Seção D do MI6.

O capitão Maxwell Knight, homossexual que ingressou no MI5 em 1925, alertou os funcionários do MI5 sobre esse "marica" Blunt, mas sua voz solitária foi ignorada. Infelizmente, Knight também não era um personagem inocente, dada sua relação secreta com o satanista Aleister Crowley. Por outro lado, Knight estava pessoalmente comprometido devido à sua paixão obsessiva por Tom Driberg (Lord Bradwell), amante de Burgess e membro do Parlamento, que foi por doze anos um agente agregado dos soviéticos.

Os "acordos" de Tom Driberg com os soviéticos remontavam-se ao dia em que solicitou os favores sexuais de um homem em um banheiro público durante uma de suas visitas a Moscou. Esse homem era um agente do KGB membro da segunda Direção principal do SCD. Depois que lhe foram mostradas fotografias de seus atos sexuais com "corvos" soviéticos, ele começou a trabalhar para Moscou sob o codinome AGENT ORANGE. Os soviéticos o utilizaram para coletar informações políticas sobre o Partido Trabalhista e promover medidas favoráveis a eles nos círculos políticos de sua esfera de influência. Além disso, o KGB tinha fotografias de encontros homossexuais entre Driberg e Guy Burgess.

Durante pelo menos os cinco anos que se passaram entre seu recrutamento e sua ativação por parte de seu supervisor soviético em 1939, Blunt já havia se demonstrado como um bom "caçador de cabeças" e recrutador para os soviéticos, embora, ao contrário de uma crença comum, ele não tivesse recrutado os outros três membros conhecidos do grupo de Cambridge, a saber, Guy Burgess, Donald Maclean e Harold "Kim" Philby.

Apesar de suas crescentes responsabilidades de trabalho e de suas atividades como agente duplo, Blunt conseguiu levar uma vida sexual satisfatória e relativamente notória; teve, em particular, uma série de aventuras com outros homossexuais de Cambridge da sua classe, incluindo John Lehmann, um estoniano que se tornou um mensageiro encoberto para os soviéticos, e Peter Montgomery, o amante de longa data de Blunt, primo do marechal Montgomery, o herói britânico da Segunda Guerra Mundial. Peter Montgomery se tornou diretor musical da BBC e, depois, oficial de inteligência do exército durante a guerra. O leitor deve lembrar seu nome, já que falaremos em detalhe sobre Peter Montgomery e seu irmão Hugh ao final deste capítulo.

Quanto a seus parceiros sexuais, no entanto, Blunt preferia os de classe trabalhadora que se ofereciam como gigolôs, que eram intelectualmente e socialmente inferiores e sobre os quais ele poderia, portanto, exercer seu desejo de poder e dominação. Esse desejo de poder era uma característica de caráter que não passou despercebida pelos "caçadores de cabeças" soviéticos de Cambridge, que encontraram no jovem Blunt todas as características de um traidor eficaz: uma inteligência superior, mas "subestimada", uma ambição implacável, um solipsismo supremo, a homossexualidade, que é um vício explorável, assim como a capacidade de compartimentalizar sua vida e desempenhar múltiplos papéis. Longe das sutilezas da psicanálise, David Pryce-Jones, autor de críticas no New Criterion, pode ter resumido melhor a essência do "ser" de Blunt em uma frase contundente e definitiva: "Blunt era um completo desperdício."

Guy Burgess – L "o espião vidente”

Em suas memórias autobiográficas, o espião de Cambridge Kim Philby escreveu sobre seu ex-colega de classe: "Ele [Burgess] é sem dúvida um dos muito raros indivíduos que se impuseram no serviço especial soviético [...] Era realmente um caso"[133]. Enquanto os soviéticos "manifestamente" queriam recrutá-lo, escreve Philby, ele mesmo estava convencido de que a inalterável capacidade de Burgess de "se tornar visível" comprometeria sua atuação como agente secreto. No entanto, Philby e "Otto", seu supervisor soviético, acabaram por concluir corretamente que seria melhor incluir Burgess em seu círculo de espiões do que deixá-lo por conta própria, especialmente porque, de qualquer forma, ele provavelmente acabaria prejudicando a operação. Assim, no verão de 1934, Guy Francis de Moncy Burgess entrou para os anais da história como sendo o membro mais "visível" do círculo de espiões de Cambridge. Seu nome de código era MÄDCHEN (em alemão, "garota").

Guy Burgess vinha de uma boa linhagem militar. Nascido em 1911 na famosa cidade portuária de Devonport (Plymouth), no sudoeste do país, Guy era o filho mais velho de um oficial da marinha, o capitão de corveta (Lt. Commander) Malcolm Kingsforth Burgess e de Evelyn Gillman Burgess. Ele tinha um irmão mais novo, Nigel[134].

Em janeiro de 1924, o jovem Burgess, com treze anos, acabara de entrar no colégio de Eton quando seu pai faleceu. Cerca de três anos depois, sua mãe se casou novamente, mas Guy, que era mimado e protegido, não se dava bem com seu padrasto, o coronel John R. Bassett D.B.O., oficial aposentado do exército britânico; assim, ele foi enviado para uma escola militar.

Pouco depois de seu décimo sexto aniversário, em conformidade com a tradição de sua família de marinheiros, Guy foi enviado ao Colégio da Marinha Real, em Dartmouth, mas nunca conseguiu se formar. Trinta e três meses após ingressar nesta instituição, ele saiu abruptamente e voltou a Eton, oficialmente por causa de problemas de visão. No entanto, a súbita saída e as circunstâncias que a cercaram alimentam a teoria de que Burgess foi discretamente expulso de Dartmouth por ter tentado seduzir outros cadetes em relações homossexuais.

Assim, ele retornou a Eton, onde o belo e brilhante Burgess conquistou os prêmios de história Rosbery e Gladstone, além de uma bolsa de história para o Trinity College de Cambridge, onde ingressou em outubro de 1930.

É claro que seu físico de Adônis, seu charme pessoal, sua inteligência aguçada, seu amor por jovens, além de seus sentimentos antifascistas e pró-marxistas – que ele exibia com orgulho – atraíram rapidamente a atenção dos "Apóstolos" infiltrados pelos soviéticos. Em 12 de novembro de 1932, ele foi iniciado na sociedade ao lado de seu amigo íntimo Victor Rothschild, um dos poucos cientistas que os "Apóstolos" jamais admitiram entre eles. Burgess também se afiliou à Sociedade Socialista da Universidade de Cambridge (CUSS), que os comunistas estavam lentamente controlando.

Em junho de 1934, Burgess viajou para a Alemanha. Ele estava em Berlim durante a purga política realizada por Hitler: a "noite das facas longas". Em seguida, Burgess juntou-se a um pequeno grupo de "turistas" de Cambridge que viajavam para Moscou, entre os quais estavam Anthony Blunt e o amigo de Burgess, Derek Blaikie, um comunista de Oxford que acabaria sendo morto durante a Segunda Guerra Mundial[135].

Um dos muitos relatos sobre a estadia de Burgess em Moscou é a longa reunião secreta que ele teve com Nikolai Bukharin, membro poderoso do Politburo soviético e editor-chefe do Izvestia[136]. Considerando tudo, é provavelmente em Moscou que Burgess e Blunt foram submetidos ao seu exame final pelos agentes de Stálin. Guy Burgess conseguiu se infiltrar entre os espiões de Cambridge.

Embora Burgess fosse politicamente fervoroso, sua maior paixão era... a paixão, ou seja, as relações homossexuais. A sedução era seu forte, especialmente com homens mais velhos que ele, embora qualquer homem que estivesse ao seu redor representasse, para ele, um alvo potencial de avanços sexuais.

Goronway Rees, um de seus colegas de classe em Cambridge, explicou que Guy via o sexo "como um mecanismo útil para fabricar prazer [...] e ele transou com a maioria de seus amigos em algum momento ou outro"[137]. Segundo Rees:

[Guy] era uma espécie de iniciador de outros alunos nos mistérios do sexo, função que ele exercia quase em um espírito de serviço público. As aventuras desse tipo não duravam muito, mas Guy possuía a arte de manter a afeição dos rapazes com quem havia se deitado, e também – curiosamente – a de manter sobre eles uma espécie de ascendente permanente: muito tempo depois de uma aventura ter terminado, ele continuava a ajudar seu ex-parceiro em sua vida sexual, muitas vezes perturbada e insatisfatória, ouvindo-o falar sobre suas dificuldades emocionais e, se necessário, ajudando-o a encontrar um parceiro apropriado. Para seus antigos parceiros, ele era, ao mesmo tempo, um pai, um confessor e um amante, a ponto de que muitos deles se tornavam seus devedores[138].

Entre as primeiras conquistas de Burgess em Cambridge estavam Anthony Blunt, que se apaixonou por ele, o bissexual afeminado Donald Maclean, que foi recrutado ao mesmo tempo que ele, e até mesmo Kim Philby, um notório conquistador, que o ajudou em seu recrutamento. Assim como Blunt, Burgess buscava aventuras com jovens da classe trabalhadora, que em seguida recomendava como parceiros para seus amigos homossexuais de Cambridge, a fim de ajudar esses últimos a se livrarem de seus complexos "burgueses"[139].

Jackie Hewit, que foi um dos amantes de Burgess, acabou indo e voltando entre a cama de Guy e a de Anthony depois que Burgess fugiu para Moscou. Quando os serviços de inteligência britânicos o interrogaram sobre suas relações com o desertor, ele disse que Guy havia guardado todas as suas cartas de amor, não como uma forma de chantagem, mas "para se provar a si mesmo seu poder de fazer os homens amá-lo"[140]. Certamente, o ingênuo Hewit não sabia se e como os supervisores de Burgess usavam suas cartas de amor, mas ele estava absolutamente certo ao colocar em destaque que as aventuras homossexuais de Burgess faziam parte do "jogo de poder" que ele exercia para manipular outros homens. Ele estava correto também ao dizer aos agentes do SIS que "Aos olhos dos agentes majoritariamente heterossexuais do MI5 e do MI6, a dinâmica do mundo 'gay' dos anos trinta deveria parecer um emaranhado incompreensível de ligações relacionais"[141]. Infelizmente para os britânicos, os soviéticos, eles, compreendiam a abrangência e a explorabilidade do Homintern a nível mundial e usaram esse conhecimento contra seus inimigos na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Europa.

Kim Philby – O mestre espião

De todos os traidores de Cambridge, Harold Adrian Russell Philby – dada sua parentela e suas origens – certamente teria sido eleito como "o mais capaz de ter sucesso" na carreira de espião.

Nascido no Dia de Ano Novo de 1912 em Ambâla, na Índia, onde seu pai, Sir John Philby, era um alto funcionário do governo indiano, Philby era chamado de "Kim", como o jovem herói de Kipling. Quando Sir John, cedendo ao seu desejo de liberdade, renunciou à fé protestante para seguir Maomé, seguindo o exemplo do escritor D.H. Lawrence, sua esposa Dora assumiu a educação de Kim e de suas três irmãs. As ausências prolongadas de Sir John – que pareciam não incomodar sua esposa – aliadas ao seu rígido senso de disciplina e à falta de calor em relação aos filhos quando estava em casa, criaram tensões familiares que deixaram uma marca indelével em seu filho. Sensível e sério, Kim desenvolveu desde cedo uma gagueira que carregaria por toda a vida. A influência negativa do pai sobre o filho se reflete também no cinismo egocêntrico que passou a caracterizar as relações de Philby com seus contemporâneos, especialmente com as mulheres, assim como na sua duplicidade e no seu instinto de sobrevivência a todo custo, qualidades necessárias a todo bom espião[142].

No dia 18 de setembro de 1924, Kim, então com doze anos, ingressou na escola de Westminster, a famosa alma mater de seu pai. Ele se destacou, conquistando o Prêmio Marshall Memorial em História, e mostrou-se também bastante competente em esportes. No entanto, ele permanecia afetivamente vulnerável. Suas dificuldades de fala tornaram-se uma fonte de crescente e considerável constrangimento. Sua antipatia pelas práticas da religião protestante na escola aumentou seus conflitos religiosos e morais internos. Como novo aluno, ele sofreu exploração sexual por parte dos mais velhos e dos "prefects" – em Westminster, "Fui 'quebrado' e 'atormentado'" [NdT: tradução do jogo de palavras muito crudo entre os verbos ingleses "to bugger" e "to bug"], ele admitiu posteriormente[143]. Porém, o que é talvez mais revelador é a acusação feita contra o jovem Philby durante seu terceiro ano em Westminster, quando um de seus tutores, chamado Luce, informou às autoridades da escola que ele tinha desenvolvido uma propensão à desonestidade, ou seja, que mentia ou trapaceava em matérias sérias[144]. De fato, Philby já havia conquistado junto a seus colegas uma reputação de duplicidade. Essa questão acabou sendo negligenciada, provavelmente devido à influência de Sir John, e Philby foi autorizado a permanecer em Westminster. Ele passou no exame de admissão no ano seguinte e conseguiu ao mesmo tempo duas bolsas, uma para o Christ Church College, em Oxford, e outra para o Trinity College, em Cambridge[145]. Por insistência de seu pai, ele escolheu Trinity. Ele tinha dezessete anos quando chegou a Cambridge, na primavera de 1929.

Embora Kim tenha sido inicialmente atraído por uma carreira política, os resultados decepcionantes que obteve em seus exames de história o forçaram, em outubro de 1931, a substituir a disciplina de história pela de economia[146]. Ele continuou, no entanto, a se interessar por política. Dadas as afinidades de Sir John com o socialismo, não deve surpreender que seu filho tenha se inclinado cada vez mais à esquerda, adotando os audaciosos e revolucionários princípios do marxismo. Foi assim que Philby se juntou naquele verão à Sociedade Socialista da Universidade de Cambridge, antes de se tornar um de seus líderes.

Através de Dennis Holmes Robertson (destinado a ser nomeado cavaleiro um dia), que era seu professor de economia e também um membro clandestino do círculo de acadêmicos homossexuais de Cambridge, Philby foi apresentado ao conquistador mais procurado do campus, Guy Burgess. Os dois homens formaram uma amizade intensa, que foi reforçada pela entrada de Philby no grupo dos "Apóstolos" em 1932, ano em que Burgess também havia ingressado[147]. Embora Philby não fosse homossexual, é razoável pensar que, dado o ardor com que Guy perseguia suas presas sexuais, e considerando também o temperamento aventureiro de Kim, sua rebeldia contra as convenções vigentes e sua propensão para beber, os dois homens podem ter vivido juntos uma breve aventura em Cambridge[148].

No verão de 1933, logo após se formar no Trinity College (com menção honrosa em economia), Philby fez uma solicitação para ser designado ao Ministério das Relações Exteriores. No outono seguinte, ele viajou para a Europa, onde mesclou suas idílicas experiências com seu crescente interesse pelo Komintern[149]. Por sugestão do professor Maurice H. Dobb, recrutador marxista de Cambridge, Philby se encontrou em Paris com dirigentes comunistas, incluindo Willi Münzenberg, recrutador do NKVD[150]. O comitê de Paris indicou contatos comunistas em Viena, onde ele conheceu e – em 23 de fevereiro de 1934 – casou-se com Alice Friedman, carinhosamente chamada de "Litzi", uma judia polonesa de vinte e três anos, divorciada e membro de vários grupos revolucionários, incluindo o Movimento Socialista Sionista e os Socialistas Revolucionários, que atuavam contra o governo Dollfuss[151]. Litzi confirmou o compromisso marxista de Kim.

Philby se encontrou com Dobb logo após seu retorno à Inglaterra, em abril do ano seguinte. Além disso, visitou a sede do Partido Comunista da Grã-Bretanha (na King Street, em Londres); lá, declarou seu desejo de ingressar no Partido, mas pediram que ele esperasse. Pouco depois, ele foi colocado em contato com "Otto", que foi encarregado de estudar seu caso e supervisioná-lo. Informaram-lhe que, em nenhuma circunstância, ele deveria se inscrever no Partido, pois isso dificultaria seu ingresso no Ministério das Relações Exteriores. Assim, Philby se tornou um espião e um agente infiltrado soviético.

Uma das primeiras missões de Philby foi espionar seu próprio pai, que os soviéticos suspeitavam ser um agente britânico. Philby examinou cuidadosamente os documentos de Sir John em sua residência, em Londres[152]. Ao mesmo tempo, ele começou a elaborar sua lista de recrutamentos potenciais. Na parte inferior dessa lista estava o nome de Guy Burgess, e entre os nomes colocados no topo, estava o de Donald Maclean.

Donald Maclean – o implacável "inocente"

As armas do clã escocês Maclean trazem o lema "Honra, minha Virtude". No entanto, o espião de Cambridge Donald Maclean (1913-1983) não cultivou nem a "Honra", nem a "Virtude" de seus antecessores[153].

Considerado o tipo ideal do jovem diplomata ambicioso, Donald Maclean (nomes de código WISE, LYRIC, HOMER e STUART) era o filho mais novo de Sir Donald Maclean, leal presbiteriano e deputado pelo Partido Liberal, que foi Ministro da Educação no governo nacional de Stanley Baldwin e Presidente do Board of Trade (Conselho do Comércio) no governo de coalizão nacional de Ramsey MacDonald, em 1931.

A aparência física e o temperamento do jovem Donald – magro, loiro, afeminado e gentil – refletiam mais a beleza e a amabilidade de sua mãe do que os traços severos e intimidador de seu pai. Seguindo os passos de seu irmão mais velho, Ian, Donald foi inscrito na Gresham's School, uma instituição de elite localizada em Holt, na costa de Norfolk. Ao sair, a grande maioria dos alunos da Gresham conseguia anualmente ingresso nas principais universidades britânicas, incluindo Cambridge, Oxford, Balliol e Christ Church. Maclean não foi exceção[154]. Infelizmente, quando deixou Gresham para ingressar no Trinity College de Cambridge, em 1931, ele já tinha contraído dois vírus revolucionários: um político (o comunismo) e outro sexual (a homossexualidade).

Maclean, o encantador, logo se encontrou na companhia de Burgess, Blunt e Philby; o primeiro não tardou a adicioná-lo à lista de suas conquistas, enquanto o último ajudou em seu recrutamento como espião soviético[155]. Embora, em seu entusiasmo, Maclean tivesse a intenção de emigrar para o "Paraíso dos Trabalhadores", ele acabou sendo convencido a prestar o exame para a função pública a fim de obter um cargo no Ministério das Relações Exteriores; conseguiu isso em outubro de 1935, em grande parte devido à reputação de seu pai, que falecera pouco antes.

A primeira posição ocupada por Maclean no Foreign Office foi a de secretário do Departamento Ocidental, que envolvia responsabilidades relativas aos "low countries" (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), à Suíça, à Espanha e a Portugal. Mas, como os soviéticos previam, a "rede de velhos amigos" de Whitehall não demorou a promovê-lo ao cargo de secretário da Embaixada da Grã-Bretanha em Paris[156].

Lá, Maclean começou a transmitir a Moscou segredos e informações diplomáticas sobre a política externa britânica. Foi em Paris que o interessado, que era sexualmente ambivalente, conheceu e se casou com a herdeira americana Melinda Marling. No início da Segunda Guerra Mundial, Maclean e sua nova esposa, a quem havia informado sobre sua condição de agente soviético, retornaram à Inglaterra, onde ele continuou a fornecer a Moscou documentos "top secret", enquanto aguardava sua próxima designação diplomática.

As toupeiras de Cambridge se enterram em vista do máximo impacto

Em 1935, quando Stálin ordenou que os agentes comunistas no exterior entrassem na clandestinidade ou, se necessário, fingissem se converter ao fascismo, os espiões de Cambridge foram obrigados a mudar suas posturas políticas e a se enterrar ainda mais em suas tocas. Isso os divertiu bastante.

Quando deixamos Blunt, ele havia ingressado no MI5, onde começou a escalar os escalões da hierarquia. Entre 1940 e 1945, e mesmo antes do fim da guerra, Blunt começou a transmitir a Moscou documentos ultra-secretos do MI5 e do MI6, além de mensagens codificadas alemãs que ele havia decifrado em Bletchley Park, somando cerca de 1.700 peças de documentação confidencial, dentre as quais estavam informações valiosas sobre as medidas vitais planejadas pelos Aliados para depois da guerra, em relação à Polônia, Letônia e Tchecoslováquia, informações que permitiram aos soviéticos estabelecerem o Cortina de Ferro na Europa[157]. Blunt também forneceu aos soviéticos os nomes de milhares de expatriados russos vivendo na Grã-Bretanha, muitos dos quais – com suas mulheres e filhos – foram obrigados a retornar à Rússia, onde Stálin, amparado pelas disposições dos acordos de Yalta, os mandou massacrar sistematicamente.

Blunt e Philby comunicaram aos soviéticos informações detalhadas sobre o Desembarque dos Aliados na Normandia em junho de 1944, assim como sobre várias operações do MI5, como a "recuperação" de agentes alemães e soviéticos, entre os quais Anatoli Gorski, primeiro secretário da Embaixada da URSS em Londres, que era justamente o supervisor de Blunt[158].

Além de ter enviado milhares de estrangeiros à morte, Blunt, que possuía uma memória quase fotográfica, orgulhava-se de ter comunicado aos soviéticos os nomes de todos os agentes do MI5, sem exceção[159]. Ele também teve acesso aos arquivos de segurança que o MI5 realizava, informação que também chegou a Moscou[160].

Segundo John Costello, autor especializado em inteligência e autor de Mask of Treachery, Blunt era a própria personificação do "agente de influência". Ele ajudou a obstruir a investigação interna que havia sido aberta dentro do MI5 e do MI6, criando pistas falsas que desviavam os investigadores de Burgess, Maclean e Philby, "quando estes ainda estavam operacionais, e mesmo depois que foram para Moscou"[161].

Blunt também recrutou destacados acadêmicos de Cambridge, incluindo o brilhante linguista John Cairncross, frequentemente considerado o quinto membro do círculo de espiões de Cambridge, embora mais de uma dezena de agentes soviéticos de Oxford provavelmente pudesse reivindicar esse título, incluindo um punhado de agentes do MI5 e do MI6. Blunt recrutou, ainda, Leo Long, "Apóstolo" e agente de inteligência militar do MI14, especializado em decodificação e inteligência de origem eletromagnética (ROEM)[162].

Pouco antes do fim da guerra, o rei George VI encarregou Blunt de uma missão altamente secreta na Alemanha. A natureza exata dessa missão, que deveria durar até 1947, permanece envolta em mistério (embora não por falta de teorias a seu respeito), mas o que se sabe é que Blunt conhecia o conteúdo dos documentos privados cuja recuperação lhe competia e que provavelmente comunicou essas informações ao seu supervisor soviético[163].

Segundo Costello, o fato de Blunt ter conseguido os "arquivos de Windsor" acabou se revelando uma "apólice de seguro de ouro" contra qualquer acusação de alta traição durante os trinta e quatro anos seguintes e, de fato, durante o restante da sua vida"[164].

Após a guerra, Blunt continuou sua carreira dupla: historiador e crítico de arte de um lado, traidor do outro. Entre 1945 e 1979, ocupou o cargo de Curador das Pinturas do Rei (depois, da Rainha) e administrou, nessa qualidade, as vastas coleções da família real[165]. Em 1947, foi nomeado diretor do Courtauld Institute of Art. Três anos depois, foi eleito professor visitante na British Academy, e em 1960, tornou-se professor de história da arte na Universidade de Londres. Ele foi condecorado cavaleiro em 1956.

Durante os anos de sua "noite louca", Blunt era de certa forma parte da mobília dos palácios de Buckingham e Windsor, onde dispunha de escritórios. Tornou-se comum dizer, em tom de brincadeira, que quando Blunt circulava pelos corredores, os guardas do palácio ressaltavam com ironia a necessidade de "manter as costas na parede" ao seu passar, relata Costello[166]. É evidente que a homossexualidade não impediu que fosse empregado pela família real e nunca o impediu, aliás. Os valetes e os cortesãos homossexuais da casa real, assim como os diplomatas do Foreign Office, apresentavam até mesmo uma vantagem clara em relação aos homens casados e pais de família, que, necessariamente, estavam "distraídos" com os problemas do lar. Eles podiam se dar ao luxo de serem excessivamente generosos com seu tempo e atenção, e estavam sempre disponíveis. Alguns valetes e outros domésticos da casa real também eram conhecidos pelos serviços sexuais que prestavam a seus senhores[167].

É onde Blunt e Burgess organizaram grande parte das "recepções" às quais convidavam agentes e funcionários do MI5 e do MI6 que ficava em sua residência na 5 Bentinck Street, um prédio de três andares que tinha instalações para gravação e filmagem e pertencia a Victor Rothschild. Entre seus convidados figuravam o Major General (gênio de divisão) Sir Stewart Menzies, chefe do MI6 de 1939 a 1952, Sir Dick White, chefe do MI5 de 1953 a 1956, e depois diretor do MI6 de 1956 a 1968, Sir Roger Hollis, apelidado de "Senhor Inércia" e conhecido por ser bissexual, diretor do MI5 de 1956 a 1965, e o Capitão Guy Maynard Liddell, diretor assistente do MI5[168].

O fato de Liddell e Hollis terem frequentado regularmente e por tanto tempo homossexuais como Blunt e Burgess acabou fazendo com que um ou outro fosse considerado como o quinto homem ou a "super-toupeira" do MI5[169]. A crítica feita a esses dois homens – que nenhum diretor de serviço de inteligência deve ser tão ingênuo e confiante – se aplica, no entanto, a quase todos os níveis da inteligência britânica nas décadas de quarenta e cinquenta.

Blunt também se tornou amigo de Sir Dick White, e os dois costumavam passar as festas de Natal com Victor Rothschild na casa dos Rothschild em Cambridge. O barão Rothschild e sua segunda esposa, Teresa Mayor ("Tess"), ex-funcionária dos serviços de inteligência britânicos, também costumavam visitar Blunt e Burgess na casa da rua Bentinck.

Blunt conhecia absolutamente todos que merecia conhecer. Sua educação e contatos privilegiados lhe renderam um grande número de amigos e protetores de alta posição e influência. Mas o que era particularmente valioso para os soviéticos era seu conhecimento das sociedades homossexuais de alto e baixo escalão londrinos, das múltiplas redes associadas a cada uma e de como usá-las da melhor maneira.

Segundo Costello, entre os locais de encontro homossexuais que Blunt e Burgess frequentavam, assim como seus amigos sodomitas da alta sociedade, estavam o pub Pakenham, situado no centro de Londres, em Whitehall, o palácio de Buckingham, além dos quartéis da Household Cavalry (cavalaria real) e dos guardas do palácio[170]. O escritor irlandês Robin Bryans, que Burgess conheceu em Oxford em 1944 e que se tornaria um elemento regular do círculo sodomita formado em torno de Blunt e Burgess no pub Pakenham, relatou que Blunt se orgulhava muito de suas relações reais e de todas as suas associações tão significativas quanto interligadas, a ponto de falar abertamente sobre isso no pub[171]. Blunt também costumava participar, no Courtauld Institute, de orgias homossexuais que se estendiam até altas horas da madrugada e sempre atraíam uma multidão de jovens artistas e estudantes em seus anos finais, todos atraentes, sexualmente desejáveis e politicamente manipuláveis.

Parece que os soviéticos estavam totalmente dispostos a tolerar as excentricidades sexuais dos espiões de Cambridge desde que fossem proveitosas, mas é altamente improvável que realmente confiassem em um único deles. Na verdade, nenhum desses indivíduos ocupou um cargo de verdadeira importância nos serviços secretos soviéticos após sua defecção. Philby permaneceu coronel do KGB, mas só de nome. Blunt suspeitava que o mesmo aconteceria com ele, razão pela qual finalmente se recusou a trocar seu luxuoso apartamento de diretor na residência Courtauld ou seus escritórios nos palácios reais por um triste apartamento nos subúrbios de Moscou, como fizeram Maclean, Burgess e Philby[172].

A metamorfose de Guy Burgess

Um dos aspectos mais notáveis da vida de Burgess – um bêbado inveterado, homossexual, marxista e traidor – é que ele nunca faltou a trabalho ou protetores.

No decorrer de 1934, depois que Burgess não passou no exame que deveria lhe permitir tornar-se professor em Cambridge, Victor Rothschild contratou esse goy mal-aprumado como "consultor financeiro" por um salário mensal de cem libras esterlinas. Parecia não importar, que Burgess fosse um acadêmico especializado em história enquanto os Rothschild eram uma dinastia bancária lendária com três gerações de existência[173].

Essa manobra complicada, embora perfeitamente transparente, tinha, naturalmente, o objetivo de facilitar a Burgess, um notório marxista, sua transformação em simpatizante neo-fascista e pró-nazista, em conformidade com a diretiva de Stálin de que os agentes soviéticos no exterior se tornassem clandestinos e, se necessário, mudassem aparentemente de lado.

Rothschild – é importante lembrar – tinha o mesmo inimigo ostensible que Stálin: Hitler. Quando os interesses de Stálin coincidiram com os seus, parecia disposto a cooperar com os soviéticos contra a Alemanha nazista, e até mesmo contra os Estados Unidos.

Entre 1936 e 1937, Rothschild nomeou Burgess editor-chefe de um novo boletim informativo sobre comércio e investimento, especializado em finanças alemãs. Mas o barão então contratou um comunista alemão expatriado e homossexual chamado Rudolf Katz ("Rolf"), que também era um agente do Komintern, para servir como "fantasma" e editor profissional[174].

A nomeação de Burgess para esse cargo fictício, aliada à "rumor" astuciosamente espalhado de que ele passara por uma conversão ideológica após sua viagem a Moscou, facilitou sua entrada no Partido Conservador e em outros círculos parlamentares de direita.

Burgess mirou vários parlamentares bissexuais e homossexuais conhecidos por frequentarem o Café Royal, um famoso bar que havia visto passar Oscar Wilde e Lord Alfred Douglas. Uma de suas conquistas mais bem-sucedidas foi o parlamentar conservador Harold Nicolson, que se tornou seu anjo da guarda. O casal jantava regularmente no Reform Club, um respeitável estabelecimento britânico que viria a se tornar um alvo importante da subversão soviética. Nicolson era casado e tinha filhos, mas aparentemente sentia a necessidade de ter relacionamentos homossexuais para apimentar sua vida.

Burgess prestou serviços, pelo que foi recompensado com contatos mais influentes dentro do Parlamento e do Foreign Office, entre os quais Sir Joseph Ball, diretor de pesquisa do Partido Conservador, Archibald Clark Kerr (Lord Inverchapel), homossexual casado que possuía uma vasta coleção de pornografia homossexual, e um valet soviético chamado Evgueni Yost.

Archibald Kerr foi embaixador da Grã-Bretanha nos Estados Unidos de maio de 1947 a maio de 1948 e se tornou tanto o pior inimigo quanto a antítese de J. Edgar Hoover[175].

Foi através de homens influentes como Rothschild, Nicolson e Ball que Burgess conseguiu infiltrar a Anglo-German Fellowship (confraria anglo-alemã pró-fascista) criada por Hitler para melhorar as relações entre a Inglaterra e a Alemanha e promover uma aliança entre os dois países contra a União Soviética. Essa confraria era presidida por Charles Edward, duque de Saxe-Coburgo-Gota, que havia estudado em Eton. Contava em seu número com influentes aristocratas ingleses que nutriam simpatias pela Alemanha.

Embora não tenha conseguido um cargo no escritório central do Partido Conservador, Burgess conseguiu se tornar secretário e "assistente pessoal" do parlamentar conservador John Robert MacNamara, conhecido entre os amigos como "Captain Jack". Esse ex-guarda de trinta e dois anos, homossexual e membro da confraria, logo se deixou seduzir pelos encantos de Burgess. Seu caso acabaria por levar a outra conquista de Burgess, a do Venerável J.H. Sharp, arcebispo anglicano para a Europa do Sul-Oriental[176]. Na primavera de 1936, Burgess acompanhou MacNamara, Sharp e Tom Wylie, um jovem funcionário do Ministério da Guerra, em uma viagem pela Renânia organizada pelo Conselho de Relações Exteriores da Igreja da Inglaterra. Eles foram encarregados de acompanhar um grupo de estudantes pro-fascistas até um campo das juventudes hitleristas[177].

Durante uma parada em Paris, "Captain Jack" apresentou Guy a Édouard Pfeiffer, um próximo de Édouard Daladier, futuro Primeiro-Ministro da França. Segundo Costello, "Como amante da decadência homossexual, Pfeiffer não tinha poucos rivais, mesmo em Paris. Exercendo responsabilidades no movimento escoteiro francês, ele dedicava sua vida privada a seduzir jovens" [178]. Os dois homens se tornaram íntimos, e Pfeiffer fazia visitas a Burgess em Londres quando este se encontrava na cidade, relata Costello. Em 1938, quando Pfeiffer obteve um cargo elevado no governo de Daladier, Burgess conseguiu obter informações sensíveis sobre a posição do Gabinete francês em relação à Alemanha nazista[179].

O rico americano Michael Straight, outro "Apóstolo" recrutado por Blunt, lembrou que, durante um jantar com Burgess, este lhe disse que acompanhava todas as noites Pfeiffer e dois membros do Gabinete francês a um bordel masculino em Paris. "Eles cantavam e riam, dançavam em torno de uma mesa à qual estava amarrado um menino nu, que eles batiam com chicotes de couro", escreve Straight[180].

À medida que Burgess desempenhava seus múltiplos papéis – mensageiro a serviço de Rothschild, toupeira soviética, neo-fascista, amante de homens influentes –, suas relações com o Homintern se desenvolveram rapidamente no continente. Da mesma forma, ele não parava de ampliar a lista que os soviéticos lhe encarregaram de manter sobre recrutamentos potenciais e pessoas influentes que poderiam ser sexualmente comprometidas[181].

Jackie Hewit, "poule" de Burgess e observador atento das operações do Homintern internacional, descrevia-o como "uma maçonaria intelectual gay"[182]. Ele o comparava aos cinco círculos entrelaçados do símbolo olímpico [NdT: Detalhe curioso: o barão Pierre de Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos modernos, era homossexual e neo-pagão]. Segundo ele, "um membro de tal círculo conhecia um membro de outro círculo, e é assim que as pessoas se encontravam"[183].

Burgess infiltra o MI6

Em 1936, Burgess obteve um cargo de apresentador no programa "Talks", uma emissão de rádio semanal da BBC que incluía entrevistas com parlamentares[184]. Ele foi nomeado por George Barnes, seu ex-colega do King's College de Eton, que era o diretor adjunto do programa e de quem se cochichava que tinha ao mesmo tempo um "namorado" (Burgess) e uma "amante"[185].

Com a ajuda das ondas hertzianas britânicas, Burgess pôde assim promover a propaganda soviética, especialmente no que diz respeito à intervenção de Moscou na Guerra Civil Espanhola, que acabara de eclodir. Em ocasiões, ele trouxe Blunt para uma entrevista[186]. Através dos contatos que estabeleceu nesse cargo e de seus laços com o "clube de velhos amigos", Burgess conseguiu infiltrar, em 1939, os serviços secretos britânicos, especificamente a Seção D do MI6, embora ele tivesse sido preso pouco antes pela polícia metropolitana de Londres por solicitações homossexuais em banheiros públicos da estação de Paddington[187].

Dentro do departamento de propaganda europeia do MI6, uma de suas tarefas consistia em colaborar com os poloneses que os britânicos estavam treinando para sabotagem antes de enviá-los para a Polônia e a União Soviética. Rebecca West relatou que esses homens eram romanos católicos e anticomunistas extremamente corajosos, viris e piedosos, prontos para arriscar suas vidas por sua pátria. Ela estava furiosa com a ideia de que os britânicos os entregariam a um homossexual flamboyant e (talvez) a um comunista como Burgess[188]. Quanto a este último, ele costumizava meticulosamente os nomes deles em sua lista para Moscou. Após a guerra, essa lista se tornou uma verdadeira sentença de morte para muitos daqueles poloneses e seus familiares que foram repatriados atrás da Cortina de Ferro stalinista. Quando a Seção D foi desmantelada, em julho de 1940, Burgess ficou sem emprego, mas não por muito tempo.

Ele voltou à BBC e retomou seu trabalho como jornalista até junho de 1944, momento em que conseguiu um cargo no serviço de imprensa do Foreign Office. Foi então que teve a sorte de ver seu bom amigo parlamentar Hector McNeil tornar-se Secretário de Estado para os Negócios Estrangeiros no governo trabalhista. McNeil pediu que Burgess se tornasse seu secretário privado. Em 1946, quando McNeil assumiu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, ele manteve Burgess ao seu lado. Assim promovido ao mesmo tempo que seu chefe, Burgess serviu McNeil por mais dois anos, durante os quais teve acesso a quase todos os arquivos da segurança nacional britânica, bem como a segredos diplomáticos[189]. Ele aproveitou isso para comunicar aos soviéticos o texto integral dos relatórios de várias comissões parlamentares e documentos confidenciais do Ministério da Defesa[190].

Depois, ele passou para a Divisão do Extremo Oriente do Foreign Office, onde se meteu em problemas após uma farra homossexual muito regada durante uma missão oficial em Gibraltar e Tânger. Esse incidente vergonhoso deveria ter posto fim à sua carreira no governo, e provavelmente teria, se Burgess não fosse um protegido de Hector McNeil, que agora era Secretário de Estado para a Escócia. Portanto, em vez de demiti-lo, os funcionários do Foreign Office preferiram promover Burgess. O "tipo problemático" foi rapidamente enviado para os Estados Unidos como segundo secretário da Embaixada Britânica em Washington, D.C., para servir sob o comando de Sir Oliver Franks, que havia substituído o homossexual Archibald Clark Kerr como Embaixador nos Estados Unidos.

Burgess permaneceu nesse cargo até maio de 1951. Ele foi então repentinamente chamado de volta à Inglaterra, depois do que "desapareceu misteriosamente" junto com seu colega espião Donald Maclean. Os serviços de segurança britânicos só voltariam a vê-los em 12 de fevereiro de 1952, quando reapareceram em Moscou durante uma conferência de imprensa organizada pelo KGB, ocasião em que proclamaram sua lealdade à União Soviética, denunciando não sem antes o imperialismo ocidental.

Os soviéticos sabiam que estavam assumindo riscos ao incluir Burgess no círculo de espiões de Cambridge, mas esse risco acabou se mostrando lucrativo. Durante os doze anos que passou no coração do Ministério Britânico dos Negócios Estrangeiros, Burgess tornou-se um dos espiões e agentes de influência mais produtivos de Moscou[191].

Ele conseguiu influenciar várias ações do Foreign Office em favor da União Soviética. Além disso, permitiu que o Kremlin adquirisse um conhecimento interno de todas as táticas e estratégias anglo-americanas[192].

Durante sua estadia nos Estados Unidos, Burgess transmitiu aos soviéticos informações vitais sobre as circunstâncias críticas do início da Guerra da Coreia[193]. Segundo Costello, Burgess levou toneladas de documentos à embaixada soviética em Washington, D.C., para serem fotografados. Os telegramas e a maleta diplomática serviram para transmitir outras informações valiosas a Moscou[194]. Desde a embaixada britânica nos Estados Unidos, Burgess forneceu aos soviéticos dados ultra-secretos sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a pesquisa nuclear americana.

Dizem que, quando os agentes do MI5 chegaram ao apartamento de Burgess na New Bond Street para realizar uma busca, entre os objetos que ele havia deixado no local havia uma caixa contendo as cartas de seus antigos parceiros sexuais[195]. Burgess havia deixado ali uma mensagem para os serviços secretos britânicos, mas o MI5 não percebia nada.

As aventuras de Philby no exterior

Após o retorno de Philby à Inglaterra, no verão de 1934, sua vida como toupeira soviética (que tinha os nomes de código SÖHNCHEN, TOM e STANLEY) iria tomar um rumo algo diferente do caminho seguido por Burgess e Blunt.

O supervisor soviético de Philby havia decidido que o melhor modo de ele servir a Moscou seria trocar seu chapéu comunista por um fascista e iniciar uma carreira como correspondente de imprensa no exterior, onde pudesse utilizar seus talentos linguísticos.

Philby aceitou então um emprego mal remunerado como editor-assistente e colunista para uma publicação de esquerda "fichada", Review of the Reviews, enquanto fazia cursos de língua na London School of Oriental Studies[196]. Quando essa publicação deixou de circular, em 1935, a transformação de Philby de "homem de esquerda" em "homem de direita" era suficiente para lhe permitir ser admitido na Confraria anglo-alemã e aspirar ao cargo de editor-chefe de um novo jornal comercial anglo-alemão, aspiração que, no entanto, nunca se concretizaria[197].

Quando a Guerra Civil Espanhola eclodiu, em 1936, Philby recebeu sua credencial de correspondente de imprensa de vários jornais britânicos, incluindo o London General Press[198]. Ele partiu da Inglaterra em 3 de fevereiro de 1937, supostamente para cobrir as operações da frente como repórter, mas na verdade para organizar localmente o assassinato do general Francisco Franco, chefe da oposição ao Frente Popular[199].

No entanto, Franco não foi assassinado; mas, num irônico revés dos acontecimentos, Philby conseguiu se fazer condecorar com a cruz vermelha espanhola de mérito militar por atos de bravura, que Franco pessoalmente prendeu na peito do agente soviético[200].

Em 1939, quando explodiu a Segunda Guerra Mundial, Philby foi enviado ao corpo expedicionário britânico na França como correspondente de guerra experiente. Ele se esforçou para se colocar nas boas graças dos serviços britânicos, fornecendo informações valiosas sobre várias iniciativas alemãs, informações que o NKGB lhe havia fornecido precisamente para esse fim[201].

Embora a lealdade de Philby para com Moscou tenha sido afetada pelo Pacto de Não-Agressão germano-soviético e pelas purgas stalinistas que levaram à execução de alguns de seus antigos amigos do NKGB, ele permaneceu fiel ao comunismo e continuou em direção ao caminho que o tornaria um "mestre espião" a serviço da União Soviética.

Em julho de 1940, Philby ingressou na Seção D do SIS, onde estava sob os comandos de Burgess. Pouco depois, foi formada uma nova agência de sabotagem e subversão, a Special Operations Executive (SOE), que absorveu a Seção D. Burgess foi demitido, mas Philby permaneceu devido à influência do coronel Valentine Vivian, velho amigo de seu pai e agente de contraespionagem na Seção V. O SOE foi encarregado de realizar operações clandestinas contra os nazistas na Europa ocupada.

Em setembro de 1941, Philby foi designado para a Seção V do MI6, onde assumiu a responsabilidade das operações clandestinas de contraespionagem na Península Ibérica e nas ilhas do Atlântico[202].

Enquanto isso, ele havia transmitido aos soviéticos uma lista quase completa dos agentes do MI6 operando em todo o mundo, bem como os quadros e manuais organizacionais e operacionais globais do MI6[203]. Entre os relatórios mais bizarros, ou mesmo esotéricos, redigidos por Philby, havia um que abordava as orgias homossexuais, a toxicomania e os rituais de feitiçaria ocorrendo na alta sociedade britânica[204].

No tocante à vida social, a estrela de Philby não parava de subir, como demonstra o convite que recebeu para se associar ao Athenaeum, um dos clubes mais prestigiados da Inglaterra, que era favorável a Whitehall e à elite clerical inglesa[205].

No verão de 1944, o espião soviético Kim Philby foi nomeado chefe de um novo serviço de inteligência, a Seção IX do MI6, encarregada do contraespionagem antisoviética! Com Philby em posições de destaque, as chances de interceptar espiões soviéticos eram praticamente nulas, a menos que o NKVD quisesse deliberadamente sacrificar alguns deles. Philby tornou-se um homem muito perigoso.

Em agosto de 1945, o coronel do KGB Constantin Volkov, novo cônsul da União Soviética na Turquia, foi à embaixada britânica em Istambul e pediu asilo em troca de uma compensação. Em troca, ele se ofereceu para revelar os nomes de dois espiões soviéticos posicionados no Foreign Office britânico (Burgess e Maclean) e de um membro do contraespionagem britânico (Philby), entre outras informações. Volkov foi detido enquanto membros da embaixada chamavam Londres. Os serviços de inteligência britânicos foram alertados acerca dessa defeção, e Steward Menzies, diretor do MI6, encarregou Philby de "interrogar" Volkov. Após alertar os serviços secretos soviéticos, Philby atrasou sua chegada à Turquia para dar ao SMERSH soviético tempo para sequestrar Volkov e trazê-lo de volta à URSS, onde Stálin ordenou sua execução[206]. O SMERSH é um acrônimo derivado de "smert’ shpionam" (morte aos espiões)[207]. Pouco após sua chegada a Istambul, Philby informou devidamente seus superiores no MI6 que o caso havia falhado.

Alguns meses depois, em 20 de novembro de 1945, Philby informou seus contatos no NKGB que Elizabeth Bentley, um dos principais agentes soviéticos na América, havia virado para o Ocidente e estava nas mãos do FBI[208].

Em agosto de 1949, após passar dois anos como chefe de estação na Turquia, onde o MI6 o havia designado para coletar informações soviéticas em relação a interesses britânicos de petróleo no Oriente Médio, Philby e seus patrões soviéticos vislumbraram sua primeira chance de dar um grande golpe: Philby foi informado de que seria enviado para Washington, D.C., como agente de ligação do MI6 com a CIA e o FBI.

Antes de deixar Londres em direção à América, Philby recebeu informações detalhadas sobre o código VENONA, o segredo mais bem guardado dos serviços de inteligência aliados durante a Guerra Fria. Como o VENONA é frequentemente mencionado neste capítulo, uma breve explicação de sua história, escopo e importância deve ser útil ao leitor.

Em fevereiro de 1943, a Agência de Inteligência Eletrônica do Exército dos Estados Unidos (SSA) iniciou um projeto altamente restrito e secreto que mais tarde receberia o nome de código VENONA. O objetivo desse projeto era decifrar os telegramas diplomáticos soviéticos que o exército coletava desde 1939, ano em que Stálin e Hitler assinaram seu Pacto de Não-Agressão. Infelizmente, a complexidade do sistema de decodificação em duas partes só permitiu à SSA ler esses telegramas a partir de 1946, ou seja, após o fim da guerra. Somente então a SSA se deu conta de que, dos 750.000 telegramas interceptados, que se acreditava serem todos portadores de dados comerciais e diplomáticos banais, pouco menos da metade eram, na verdade, comunicados secretos soviéticos, ou seja, mensagens trocadas entre, por um lado, o NKVD (a polícia secreta soviética) e o GRU (o serviço de inteligência militar soviético), e por outro, seus agentes ativos nos Estados Unidos e no resto do mundo[209].

Hoje, sabe-se que antes mesmo de receber o relatório de Philby sobre o VENONA, os soviéticos tinham colocado uma toupeira na SSA. Seu nome era William Weisband, e ele era um agente do NKGB (nome de código ZHORA)[210]. Isso significa que, em 1949, os soviéticos já estavam mudando seu código. No entanto, eles não podiam fazer nada com os telegramas enviados antes da mudança, ou seja, entre 1940 e 1948. Contudo, esses telegramas revelavam os nomes de códigos de centenas de americanos que espionaram ou estavam espionando para a União Soviética antes, durante e após a Segunda Guerra Mundial, e a maioria deles havia sido recrutada pelo Partido Comunista dos Estados Unidos[211].

Philby nos Estados Unidos

Uma vez que Kim e Aileen (Furse), a segunda de suas quatro esposas, se instalaram em sua magnífica residência em Washington, D.C., na 5228 Nebraska Avenue, essa casa se tornou famosa pelas brilhantes recepções que ali ocorria, onde os espíritos fluíam à vontade e compareciam agentes de alto escalão da CIA e do FBI (assim como suas esposas); esses convidados – ajudados pela intoxicação alcoólica – soltavam, ocasionalmente, informações preciosas que não eram perdidas nem para Philby nem para Moscou[212]. Entre aqueles que simpatizavam com Philby estava James Jesus Angleton, chefe de contraespionagem da CIA[213].

Em agosto de 1950, quando o Foreign Office britânico deixou Burgess nos Estados Unidos, ele se acomodou com Kim, Aileen e sua pequena família. Embora o comportamento repulsivo e o antiamericanismo de Burgess se tornassem lendários nos círculos da CIA e do FBI, sua imagem bem estabelecida de bêbado homossexual impedia que ele fosse identificado como um agente soviético. Ele simplesmente não correspondia ao perfil clássico do espião russo.

Em janeiro de 1951, durante uma recepção dada por Philby, Burgess chegou embriagado e sem ser convidado, e começou a desenhar uma caricatura obscena da esposa do convidado de honra, Bill Harvey, especialista em contraespionagem do FBI. Seguiu-se uma briga, e Libby Harvey deixou a recepção acompanhada de seu marido, que estava furioso. Harvey nunca se esqueceu do incidente, mas curiosamente, seu alvo de raiva se tornou Philby, e não Burgess[214]. Um convidado que ficou para a noite, o professor Wilfrid Basil Mann, um cientista britânico especialista em energia atômica, afirmou que na manhã seguinte viu Philby e Burgess na cama juntos, com uma garrafa de champanhe, mas, convenientemente, ele só relatou o incidente a Angleton, da CIA, um ano depois, quando Burgess já estava seguro em Moscou[215].

Enquanto isso, a traição continuava.

Desde 1946, Philby soubera que os serviços de inteligência britânicos desejavam executar operações clandestinas contra Stálin na Europa Oriental como parte da estratégia da Guerra Fria. Isso significava que, com os soviéticos, ele estava em posição de primeira fila para frustrar a invasão da Albânia, uma operação conjunta do SIS e da CIA. A série de trágicas desventuras que a guerrilha albanesa enfrentou entre 1949 e 1953 resultou em morte, prisão, tortura e detenção de trabalho forçado para milhares de albaneses[216].

Em setembro de 1949, pouco antes de partir para a América, Philby foi briefed pelo MI6 sobre os principais detalhes da missão albanesa, e não deixou de transmitir a informação a seus contatos soviéticos antes de deixar Londres. Os soviéticos, por sua vez, alertaram a Sigurimi (polícia secreta albanesa) e seus conselheiros russos de que os britânicos e os americanos planejavam enviar insurgentes albaneses anticomunistas para a Albânia[217].

De 1949 a 1951, Philby, atuando como “joint commander” (comandante das forças mistas) e agente de ligação para o American Office of Policy Coordination (OPC), o braço subversivo anticomunista do National Security Council (NSC) e o principal responsável pela missão ultra-secreta liderada na Albânia, forneceu aos soviéticos e à Sigurimi as identidades dos membros dos diversos comandos albaneses, os tipos de armas com as quais estavam equipados, além das datas e locais de seus desembarques. Quaisquer que fossem o lugar e o momento em que os insurgentes entravam na Albânia – por mar, por terra ou por paraquedismo – eles eram sempre esperados pela polícia secreta e pelas forças de segurança albanesas. Muitos desses voluntários – incluindo o lendário Zenel Kadrijal, capitão da guarda do rei da Albânia em exílio, Zog – foram abatidos no local ou julgados e condenados à morte por enforcamento, ou ainda encarcerados por no mínimo sete anos, quando não à prisão perpétua[218]. Seus familiares e amigos eram capturados para interrogatório. Alguns eram simplesmente executados, outros apodreciam na prisão ou eram enviados à Sibéria, onde muitos – incluindo crianças – morriam de desnutrição. Os americanos, então, perceberam que havia algo errado – algo chamado Philby.

Em junho de 1951, dois meses após o “desaparecimento” misterioso de Burgess e Maclean, Philby também foi chamado de volta a Londres. Apesar das repetidas exigências de Walter Bedell Smith, chefe da CIA, para que Philby não fizesse mais parte dos serviços de inteligência, e apesar das evidências acumuladas ao longo do tempo indicando que Philby era uma toupeira soviética, foi-lhe permitido entrar em semi-aposentadoria até 1953, ano em que foi redistribuído para outro cargo de inteligência. De forma bastante irônica, muitos de seus colegas no MI6 acreditavam que ele era vítima do “Macarthismo” e consideravam sua rebaixamento como uma injustiça.

Embora britânicos e americanos estivessem cientes de que sua missão albanesa havia sido comprometida desde o início, as operações clandestinas continuaram até 1953. Os resultados foram bastante previsíveis: os albaneses nunca mais confiaram no Ocidente; quanto aos serviços de inteligência britânicos e americanos, eles se lançaram em pesados recriminações mútuas. E, enquanto isso, Philby continuava suas atividades de espionagem em favor dos soviéticos, inclusive aconselhando-os sobre a evolução cotidiana do VENONA. Para ele, isso era rotina.

Anos depois, Philby frequentemente negava ter sido um “agente duplo”. “Toda a minha vida, eu trabalhei apenas para um único serviço de inteligência: o da União Soviética”, disse ele a Rufina, sua esposa russa[219].

Maclean, o diplomata inglês modelo

Quando deixamos Maclean, ele havia deixado Paris para voltar a Londres no início da Segunda Guerra Mundial. Chegou acompanhado de uma nova esposa e aguardou pacientemente uma nova posição que correspondesse à sua alta posição social. Sua paciência se mostrou recompensadora. Embora ele bebesse cada vez mais e fosse conhecido por suas relações homossexuais, seus vínculos com o "clube de velhos amigos" foram suficientes para que ele conseguisse reerguer-se[220].

Em 1944, Maclean precedeu Philby e Burgess nos Estados Unidos como primeiro-secretário de Lord Halifax na Embaixada Britânica. Em 1946, Lord Inverchapel, que era um dos protetores homossexuais de Burgess e que nutria opiniões claramente pró-soviéticas, substituiu o Embaixador Halifax. Os soviéticos não puderam acreditar na sua boa sorte! A nova posição de Maclean lhe daria (assim como a Stálin) acesso a todos os segredos militares, científicos, políticos e diplomáticos dos Estados Unidos, assim como dos países aliados durante o período crítico do pós-guerra. E Maclean não os desapontou.

Enquanto a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim e a Guerra Fria se instalava, Maclean forneceu aos soviéticos todos os planos militares dos Estados Unidos na Europa. Ele revelou, em particular, que as tropas americanas se detiveram a leste do Elba, permitindo assim que os soviéticos chegassem primeiro a Berlim. Transmitiu aos soviéticos todas as comunicações telegráficas entre Churchill e Roosevelt, e depois entre Truman e Churchill. Informou que o VENONA tinha quebrado seu código de guerra e relatou todas as mensagens que haviam sido assim decifradas. Graças a ele, Stálin soube com antecedência quais seriam as posições aliadas nas conferências de Yalta e Potsdam e até onde poderia ir para solicitar concessões territoriais e políticas após a guerra, incluindo a repatriação forçada de milhares de cidadãos e soldados russos que haviam buscado abrigo no Ocidente. Assim, Stálin pôde se dar ao luxo de blefar à vontade em sua caminho para a vitória na Europa pós-guerra, pois sabia, graças a Maclean, que a bomba atômica ainda não fazia parte do arsenal militar dos Estados Unidos.

Em 1947, Maclean foi nomeado representante da Grã-Bretanha no Combined Policy Committee on Atomic Development, com pleno acesso às informações confidenciais da Armed Services and Atomic Energy Commission (AEC), tudo "sem escolta", privilégio que o próprio diretor do FBI (J. Edgar Hoover) foi negado. Mais tarde, ele forneceu aos soviéticos dados sobre as compras americanas de urânio no Canadá e no Congo Belga. Essas informações permitiram que os soviéticos soubessem aproximadamente quantas bombas atômicas os Estados Unidos estavam produzindo[221].

Em 1948, enquanto se preparava para retornar à Grã-Bretanha, Maclean continuou a comunicar aos soviéticos documentos ultra-secretos americanos e aliados, entre os quais os planos para a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), isto é, o pacto de defesa mútua na Europa ao qual doze países se uniram e foi criado em abril de 1949[222].

Quando Maclean retornou ao Foreign Office em Londres, foi nomeado chefe do Departamento Americano, onde continuou a acompanhar de perto as atividades da OTAN em nome da União Soviética. Em 1950, ele participou da formulação da política anglo-americana em relação à Guerra da Coreia. Foi ele quem informou a Stálin que os Estados Unidos haviam decidido não usar armas atômicas, exceto em circunstâncias extremas, informação que se revelou determinante para convencer a China a intervir neste conflito[223].

Quanto ao vazio deixado na inteligência soviética pela partida de Maclean para a Inglaterra, ele logo foi preenchido – como mencionado anteriormente – pela chegada de Philby, e depois de Burgess.

Na primavera de 1951, embora os agentes do FBI e da CIA tivessem informado os serviços de inteligência britânicos de que Maclean era uma toupeira soviética, ele e Burgess conseguiram escapar em direção a Moscou com o assentimento do SIS, que havia recebido ordens neste sentido de Whitehall (o governo), que por sua vez havia recebido um comando direto de Buckingham para não se opor à fuga dos dois traidores, pois a família real não desejava um escândalo e um julgamento público.

Philby, que também tinha sido alvo de suspeitas devido à sua longa associação com Burgess e Maclean, conseguiu se manter em seu posto por mais onze anos. Finalmente, em 23 de janeiro de 1963, enquanto estava em serviço em Beirute a serviço do SIS, também lhe foi permitido fugir para Moscou a bordo de um barco com destino a Odessa, no Mar Negro[224].

Blunt foi quem conseguiu se sustentar por mais tempo. Após a defeção de Philby, Youri Modine, o supervisor de Blunt, ofereceu-lhe uma passagem única para uma “vida confortável” no Paraíso Soviético dos Trabalhadores, mas Blunt cortou a conversa dizendo: “Certamente você pode também me garantir acesso total ao Palácio de Versalhes sempre que eu precisar ir lá a trabalho?”[225] Trabalhar para a União Soviética era uma coisa, viver lá era outra. Modin afirmou mais tarde que essa resposta o havia deixado “sem palavras”[226].

Na primavera de 1964, o SIS finalmente prendeu Blunt para submetê-lo a um interrogatório[227]. O governo britânico ofereceu ao espião imunidade em relação a qualquer acusação, sob duas condições: primeiro, que ele tivesse cessado de servir a União Soviética após a Segunda Guerra Mundial; Blunt mentiu e alegou que isso havia ocorrido; em segundo lugar, que ele concordasse em fornecer informações sobre os serviços que havia prestado aos soviéticos, o que ele nunca fez. Além disso, ele nunca expressou qualquer arrependimento por ter traído seu país[228]. Somente após receber a garantia de imunidade é que ele “confessou”. Em seguida, foi submetido a seis anos de longas e exaustivas entrevistas. Blunt conhecia segredos bastante escuros da família real para estar a salvo de qualquer acusação. Ele recebeu, de fato, permissão para manter seu título e seu cargo como Curador da coleção de arte da Rainha, assim como a direção do Courtauld Institute até sua aposentadoria em 1972.

O abafamento da “catástrofe Blunt” por Sir Roger Hollis, chefe do MI5, com pelo menos uma aprovação tácita, se não oficial, de Whitehall e da família real consistia, entre outras coisas, em garantir que muitos funcionários do gabinete continuassem ignorando a extensão da traição de Blunt e os danos que ele causou à segurança nacional[229]. Antes de deixar seu cargo em 1965, Hollis ordenou que fossem destruídas as centenas de horas de gravação do testemunho de Blunt e que fossem mantidos apenas relatórios sumários[230]. As severas leis britânicas sobre difamação ajudaram a manter a imprensa afastada de Blunt por algum tempo.

Youri Modine mais tarde expressou a opinião de que a Rainha Elizabeth quis abafar completamente o escândalo devido aos laços estreitos que Blunt tinha com seu pai, o Rei George VI. Segundo ele, ela teria concedido de forma de facto uma graça secreta a Blunt[231].

O público foi mantido à parte de toda essa história até 15 de novembro de 1979, quando a Primeira-Ministra Margaret Thatcher falou no Parlamento e confirmou relatórios da imprensa segundo os quais Blunt era o quarto homem do círculo de Cambridge. Um acalorado debate ocorreu em 21 de novembro de 1979. Somente então foi revogada a concessão de nobreza a Blunt. Ele faleceu de um ataque cardíaco em 26 de março de 1983, em sua casa de campo. Tinha setenta e cinco anos e era milionário.

Burgess, seu amigo mais próximo, teve tempos mais difíceis em Moscou.

Certa noite, enquanto Burgess vagava pelas ruas da cidade, vestido com seu tweed inglês à procura de prostitutas masculinas, ele perdeu "metade de seus dentes depois de ser espancado por um stiliagui soviético ansioso para mostrar ao rico Angliski o que homens de verdade fazem com zvolotchi como ele"[232]. Finalmente, os soviéticos forneceram a Burgess um amante fixo, mas isso não pareceu aliviar sua saudade de casa. Ele morreu de uma doença no fígado em 19 de agosto de 1963. Seu irmão mais jovem, Nigel, voou para Moscou para assistir ao funeral e retornou à Inglaterra com uma urna contendo as cinzas de Guy, que ele espalhou perto da igreja de St. John the Evangelist, em Hampshire, Inglaterra, onde se encontrava o jazigo da família[233].

Em 6 de março de 1983, Donald Maclean morreu de um ataque cardíaco em seu apartamento em Moscou. Ele tinha sessenta e nove anos. Maclean, o mais ideologicamente motivado dos espiões de Cambridge, também sentiu saudade de casa. Assim como Burgess, ele foi cremado, e suas cinzas foram trazidas de volta à Inglaterra para serem enterradas.

Philby teve um pouco mais de sorte em seu país de adoção. Assim como Burgess e Maclean, ele recebeu uma pensão vitalícia. O KGB o ajudou em seus escritos sobre o ofício de espião e lhe atribuiu um papel menor na inteligência. Em 1970, após um período doloroso marcado por alcoolismo, depressão nervosa e uma tentativa de suicídio, ele conheceu e depois casou-se com Rufina, sua quarta esposa, que estava ao seu lado quando ele morreu, em 11 de maio de 1988. Durante seu funeral no cemitério de Kuntsevo, a oeste de Moscou, que tradicionalmente era reservado para generais, seu caixão foi saudado por um destacamento de guardas do KGB, embora, como observa Modine, e ao contrário do que se dizia no Ocidente, Philby nunca foi promovido ao posto de general do KGB[234].

Victor Rothschild – O Elefante na Sala

Poderia parecer impossível, embora muitos escritores sobre o assunto realmente o tenham feito, começar um estudo sobre os espiões de Cambridge sem pelo menos examinar superficialmente o papel desempenhado por um de seus patronos mais íntimos e ativos – Victor Rothschild da famosa dinastia bancária Rothschild.

Nathaniel Mayer Victor Rothschild, quarto baronete e terceiro barão, nasceu em 31 de Outubro de 1910. De uma família de quatro filhos, era o único filho de Charles e Rozsika Rothschild dos Rothschild de Londres. Charles herdou a fortuna da família, mas não o título. Este foi para seu irmão mais velho, o excêntrico e solteirão Lionel Walter. Os dois irmãos preferiam a ciência ao banco – uma característica que Victor e sua irmã mais velha tinham em comum.

Victor, que não era particularmente próximo de seus pais, tinha apenas quatorze anos quando seu pai se suicidou em 12 de Outubro de 1923, após uma luta de seis anos contra a doença do sono, na época incurável.[xii]

Tornado-se um homem, Victor adotou os sentimentos de um judeu não praticante e pró-sionista do clã Rothschild, que se dedicava ao estabelecimento de um Estado judeu na Palestina, assim como a vários outros projetos revolucionários de sua preferência.[xiii]

Vindo de Harrow, Rothschild ingressou no Trinity College de Cambridge. Mais tarde, foi eleito como Fellow of Trinity. A ciência, e particularmente a zoologia, era seu passatempo, e ele era tão bom nela quanto no críquete.

Em Cambridge, seu tutor de francês ocasional não era outro senão o jovem e gentil Anthony Blunt.[xiv] Assim como Blunt, Victor era um Apostole escolhido, embora a Sociedade geralmente recusasse jovens homens da ciência, independentemente de seu talento. Foi também no ano em que alguns espectadores sugeriram a Rothschild que ele se tornasse membro do Partido Comunista Britânico, um segredo que ele supunha desconhecido por sua família, embora se pergunte por que ele se preocupava com isso.[xv] Sabendo que ele contratou o agente do Komintern Rudolf "Rolf" Katz como escritor fantasma de Burgess, não há dúvida de que Rothschild tinha um relacionamento próximo com as redes comunistas do continente e dentro do Movimento Sionista.[xvi] Para memória, em 1940, Katz foi expulso da Inglaterra "por ter tido contatos homossexuais com pessoal naval britânico", relata Costello.[xvii]

Também se relata que ele trabalhou em estreita colaboração com a Haganah, uma força de resistência sionista clandestina e rede de espionagem secreta – o precursor do Central Institute for Intelligence and Special Duties (Mossad Letafkidim Meouychadim), comumente conhecido como Mossad, ao qual se diz que Rothschild foi posteriormente vinculado.[xviii]

O triunvirato de espionagem de Rothschild foi completo quando ele obteve um posto na Unidade de Espionagem Comercial da Seção B do MI5.

Victor ajudou Burgess a conseguir um posto no MI6 e, mais tarde, Burgess, graças à sua amizade com o Diretor Delegado Guy Liddell, ajudou Rothschild a obter um posto no MI5. Victor estava ciente dos avanços do projeto Enigma em Bletchley Park através de sua irmã mais velha, Miriam, que lá trabalhava. Sua segunda esposa, Teresa "Tess" Georgina Mayor, também trabalhava para os serviços secretos britânicos.

De ano em ano, Victor Rothschild tornou-se um visitante regular de todos os escritórios dos serviços secretos britânicos e bebeu e jantou com todos os Diretores e Diretores Adjuntos do MI5 e do MI6, incluindo Guy Liddell em sua mansão em Tring Park, assim como com uma variedade de primeiros-ministros passados ou presentes, membros da Administração, do Parlamento, da família Real e, naturalmente, espiões de Cambridge. Após a guerra, em 1948, a mansão Rothschild de Whaddesdon Hall, em Hertfordshire, foi usada pelos serviços secretos britânicos para analisar mais de 400 toneladas de documentos provenientes do Centro de Documentos Aliados em Berlim.

Com recursos financeiros ilimitados e relações sociais, científicas e políticas ilimitadas, havia poucos segredos de Estado aos quais Rothschild não tinha acesso, poucas portas nos corredores do poder que estavam fechadas para ele.

Como mencionado anteriormente, Rothschild manteve seu querido amigo e colega Apostole Burgess ao seu lado e o utilizou, junto com Blunt, como mensageiros no continente. Victor apresentou Burgess a Robert Vansittard, um subsecretário do Foreign Office que servia como guardião do MI6.[xix] Ele também organizava as estadias de Guy em círculos políticos "Conservadores", especialmente aqueles que tinham relações com os nazistas. Foi Rothschild quem recomendou Blunt para uma posição no MI5 e Kim Philby para um posto na Seção D do MI6. Quando Kim Philby estava em Paris, ele se hospedava na casa Rothschild da avenida Marigny.[xx] Quando Philby redigiu sua lista original de possíveis agentes do Komintern, naturalmente o nome de Victor estava nela.[xxi]

A casa Rothschild na 5 Bentinck Street, onde Burgess e Blunt moravam, era um paraíso para chantagistas.[xxii] Todo revolucionário de respeito passou por lá em algum momento.[xxiii] O famoso escritor de Cambridge e convertido ao catolicismo, Malcolm Muggeridge (1903-1990), cuja esposa Kitty era parente dos Maiores, visitou um dia o apartamento no subsolo de Rothschild e disse que a companhia de "intelectuais deslocados" cheirava a "decadência e dissolução".[xxiv] "Muggers" ficou particularmente chocado com Guy Burgess, que considerava um "leproso moral".[xxv]

Após a guerra, Muggeridge, que havia servido no Intelligence Corps do exército, estava em Paris e participava de uma recepção dada por Victor em sua mansão na avenue Marigny. Ele contou que havia levado seu anfitrião e outro convidado, Kim Philby, a uma discussão sobre a validade da decisão de Churchill de excluir Stálin das informações vitais de Enigma (Stálin já tendo acesso à maioria). Muggeridge, que era um dos poucos escritores britânicos a falar sobre as purgas de Stálin e as fomes subsequentes, dizia que não se podia confiar no ditador. Victor e Kim, que haviam bebido bastante, sustentavam que os soviéticos deveriam ter acesso total a todas as mensagens alemãs decodificadas.[xxvi]

Entre o momento em que Burgess e Maclean foram para Moscou em 1951 até a fuga de Philby para Moscou e a descoberta de Blunt como espião de Cambridge, Rothschild foi interrogado nada menos que 11 vezes pelos serviços secretos britânicos e até mesmo pela Brigada de Crimes Graves de Scotland Yard. Assim como no caso de Blunt, essas "trocas" não resultaram em nada.

Segundo o ex-agente do MI6 James Rusbridger, Peter Wright e uma outra fonte do MI5, Rothschild recebeu em 1962 informações que acabaram "no lugar errado", ou seja, na KGB na Embaixada Soviética em Londres. Mas, como a maioria das provas contra Rothschild, isso foi considerado acessório. Para concluir, Victor Rothschild evitou o escândalo, mas permaneceu, pelo resto de sua vida, suspeito de ter sido o "Quinto Homem" do grupo de espionagem de Cambridge.[xxvii]

Os Malefícios do Espionagem Britânica Continuam

Entre 1951, quando Burgess e Maclean se refugiaram em Moscou, e 1979, quando Blunt foi publicamente denunciado como espião soviético, o Reino Unido foi atingido por uma sequência de escândalos de espionagem que sugeriam que Whitehall[235] e os serviços secretos britânicos permaneciam "criminalmente negligentes". Quase todos esses casos estavam relacionados à Defesa Nacional.

Em primeiro lugar, houve o caso de espionagem de Portland, que envolveu Konon Trofimovitch Molody, alias Gordon Lonsdale, um agente soviético operando em Londres, e sua equipe de espiões; Harry K. Houghton, um funcionário da Marinha com riscos de segurança conhecidos, que foi designado em 1952 para o projeto britânico top secret de submarino nuclear na base de Portland, e sua amante (e, mais tarde, esposa) Ethel Gee, que tinha um certificado de alta segurança na base. Um desertor polonês da CIA, Michael Golenewski, identificou Houghton como espião. Isso resultou na prisão, julgamento e condenação de Lonsdale, Gee e Houghton, bem como de Helen e Peter Kroger, alias Morris e Lona Cohen, uma equipe de comunicação do KGB que também havia operado nos Estados Unidos.[xxviii]

O próximo espião soviético a fazer sua estreia pública foi George Blake. Blake, que se identificava como um judeu holandês "cosmopolita", era um oficial de carreira do MI6 cujo pai havia lutado pelo Reino Unido durante a Primeira Guerra Mundial. Blake estava em treinamento como oficial na Reserva da Marinha Real quando suas habilidades linguísticas excepcionais chamaram a atenção do SIS, embora, como observou Rebecca West, houvesse evidências suficientes de seus vínculos comunistas para contestar sua nomeação ao MI6.[xxix]

Inicialmente, Blake foi encarregado de espionar os russos na Alemanha Oriental. Ele foi então enviado de volta a Londres para aprender russo em Cambridge. Sua próxima designação foi a direção do escritório do MI6 na Coreia do Sul, onde Blake decidiu "mudar de lado" e trabalhar para o grande ditador humanitário Staline. Isso foi em 1951. Blake afirmava que "seria melhor para a humanidade se o sistema comunista prevalecesse".[xxx] Foi nesse momento que se formou o mito midiático de que ele havia sido "lavado cerebral" para se tornar um espião soviético.

As referências de Blake ao MI6 lhe garantiram um assento nas negociações anglo-americanas do Túnel de Berlim – um projeto audacioso projetado para garantir as comunicações militares de alto nível soviéticas e da Alemanha Oriental. Isso significava que os soviéticos estavam cientes dos esquemas elaborados e caros das operações Gold (Berlim) e Silver (Viena) nas fases iniciais de concepção. No entanto, a maior contribuição de Blake para a causa comunista estava nas informações que ele forneceu sobre os agentes do MI6 e as operações globais, que resultaram na morte de 600 agentes britânicos e americanos e de seus contatos e informantes.[xxxi]

As pistas resultantes do colapso da célula Lonsdale levaram posteriormente à captura de Blake e sua condenação a 42 anos em 3 de maio de 1961 – a pena de prisão mais longa imposta por um tribunal britânico. Sua encarceramento foi de curta duração quando, em 1966, um grupo de "ativistas da paz" o ajudou a escapar da prisão de Wormwood Scrubs para Moscou, onde ele se juntou posteriormente a Lonsdale, que havia sido trocado pelos britânicos por um de seus espiões empresários. Embora parecesse satisfeito com o tratamento que os soviéticos lhe deram em Moscou, Blake nunca obteve um cargo no KGB. Além do fato de que Ethel Gee estava obcecada por um homem e presa a um Houghton maduro e comprometido, que tinha uma amante polonesa enquanto estava em serviço na embaixada britânica em Varsóvia no início de sua carreira naval, o sexo não parece ter desempenhado um papel maior nos episódios de espionagem de Lonsdale ou Blake. No entanto, esse estado de coisas mudou rapidamente com os casos de "sexpionagem" de Vassall e Profumo que se seguiram rapidamente a essas revelações.

John Vassall - A "Miss Mary" da Marinha

William John Christopher Vassall, nascido em 20 de setembro de 1924 em Londres, vinha de um sólido meio anglicano. Seu pai era um clérigo anglicano, e seus pais tinham raízes na alta sociedade, mas sem a riqueza que geralmente a acompanhava. Isso pode explicar a vaidade pessoal e o snobismo do jovem Vassall, bem como sua necessidade insaciável de ascensão social, o que o levava a se insinuar entre os ricos, as celebridades e os poderosos. Ele era um jovem ambicioso, uma "bicha" efeminada cheia de charme, com uma variedade de interesses, talentos e habilidades sociais.

No entanto, sem título ou fortuna, ele foi forçado a começar sua carreira profissional na base da escada. Seu primeiro trabalho como funcionário foi um emprego de nível II e fotógrafo para a Royal Air Force. Mais tarde, ele ingressou na Marinha, trabalhando por um tempo no War Registry, o centro de comunicações da Marinha.[xxxii]

Em sua vida privada, ele era um parceiro muito sofisticado na coterie homossexual da classe alta. Eventualmente, Vassall viajava ao exterior na companhia de ricos homossexuais, trocando de um para o outro de forma semelhante a como Burgess passava Jack Hewit para seus influentes associados.[xxxiii] Vassall acreditava que seus "olhos de quarto" e sua aparência de garoto ousado atraíam os homens para ele.[xxxiv]

Em 1954, para a grande surpresa de seus amigos, Vassall anunciou que aceitava um cargo como funcionário no escritório do adido naval em Moscou – um emprego considerado uma afronta em um país onde a sodomia era um crime passível de punição. Na verdade, sua designação em Moscou trouxe para Vassall uma nova fonte de rendimento, além de algumas grandes oportunidades de sexo.

Nos dias que se seguiram à sua chegada a Moscou, o KGB foi alertado sobre o potencial de espionagem de Vassall. O informante era muito provavelmente Sigmund Mikhailsky, um polonês e agente do KGB que trabalhava disfarçado, em um sentido literal e figurado, na embaixada britânica como um faz-tudo, fornecedor de favores heterossexuais e homossexuais. O empreendedor Sigmund é conhecido por ter sido treinado no centro soviético de "sexpionagem" de Verkhonoye.[xxxv]

Os britânicos sabiam, naturalmente, que Mikhailsky era uma fonte – virtualmente todos os funcionários fornecidos pelos soviéticos às embaixadas estrangeiras eram – e haviam advertido a equipe contra relações pessoais com eles. Vassall ignorou completamente os avisos e rapidamente tomou Mikhailsky como amante. Apesar de uma Miss Wynne ter enviado um relatório à administração da embaixada afirmando que Mikhailsky lhe havia confidenciado que Vassall era um de seus quatro alvos designados, o caso pode continuar sem interrupções. Havia também evidências de que Vassall mantinha relações sexuais com outro diplomata de uma embaixada diferente em Moscou.[xxxvi]

Os soviéticos aguardaram o inverno de 1955 antes de finalmente "fechar a armadilha". O general Oleg Gribanov, então chefe do Segundo Conselho do KGB, foi encarregado da "armadilha" de Vassall. Esse fato, por si só, indica a importância que os serviços secretos soviéticos atribuíam a Vassall.

O KGB filmou Vassall embriagado em flagrante delito com vários homens durante uma festa organizada por Mikhailsky no hotel Berlin.[xxxvii] Em seu julgamento, Vassall repetiu que os soviéticos o ameaçavam com a anulação de sua imunidade diplomática e o encarceramento se ele não cooperasse com eles. No entanto, as declarações de Vassall não estavam de acordo com seus antecedentes, que demonstravam claramente que ele traía seu país voluntariamente, com grande habilidade e entusiasmo. As fotos de suposto chantagem apresentadas por Vassall em seu julgamento foram consideradas forjadas. A cabeça de Vassall sempre estava visível. O cenário mais provável é que os soviéticos conseguiram Vassall apelando para sua vaidade, alimentando seus ressentimentos e oferecendo dinheiro vivo. O KGB deu a Vassall o codinome MISS MARY.

Vítima ou não de chantagem, Vassall rapidamente começou a deslizar documentos ultrassecretos do escritório do Adido Naval para sua pasta, para que fossem fotografados pelos soviéticos e em seguida devolvidos aos arquivos na manhã seguinte. Ninguém na embaixada parece ter notado que o estilo de vida de Vassall se tornara, de repente, luxuoso. Assim, sua espionagem diária na embaixada britânica em Moscou continuou até julho de 1956, quando ele voltou a Londres e foi designado para um novo posto na Divisão de Inteligência da Marinha.

Em 1958, Vassall foi nomeado assistente no secretariado privado do Sr. Thomas G.D. Galbraith, o Civil Lord da Marinha e membro do Parlamento pela Divisão de Hillhead de Glasgow.[xxxviii] O fluxo de informações secretas para os soviéticos continuou, incluindo relatórios de pesquisa provenientes do Estabelecimento de Pesquisa de Armas Submarinas da Marinha em Portland.[xxxix]

Em outubro de 1959, Vassall obteve uma promoção substancial na Seção de Frota do Ramos Militar II. Os soviéticos haviam encontrado uma mina de ouro! Vassall agora tinha acesso a segredos de alta importância sobre a Frota Britânica e a OTAN, incluindo informações sobre a frota da Marinha em todo o mundo, seus sistemas de comunicações e operações navais, e os mais recentes avanços em sistemas antissubmarino e tecnologia de radar.[xl] Vassall também forneceu aos soviéticos detalhes sobre os últimos desenvolvimentos dos porta-aviões da classe Invincible da Royal Navy.

Agora, Vassall havia se tornado tão experiente em sua profissão que conseguia fotografar os milhares de documentos ultrassecretos que levava para casa, o que diminuía o tempo necessário para a transmissão do material ao Centro do KGB na 2 praça Dzerzhinsky em Moscou.

Ao mesmo tempo, ninguém na Marinha se perguntava como Vassall conseguia se permitir um caro apartamento em Dolphin Square, maravilhosamente decorado com móveis de época de alto valor. Também não se questionava como ele conseguia se dar ao luxo de custos sob medida, sapatos e acessórios com seu modesto salário de funcionário.[xli]

Infelizmente para Vassall, em 1961, os serviços secretos britânicos foram colocados em "alerta vermelho" por um desertor soviético, o major Anatoli Golitison, que reportou que havia uma fonte no escritório da Marinha em Londres.[xlii] Dezoito meses depois, em setembro de 1962, Vassall foi preso por oficiais da Special Branch sob acusações de espionagem, depois de ser surpreendido saindo de seu escritório com uma maleta cheia de documentos secretos. Quando seu apartamento foi revistado, os oficiais de inteligência descobriram 176 documentos ultrassecretos escondidos em uma gaveta secreta de sua escrivaninha, juntamente com um sofisticado equipamento fotográfico. Ao contrário dos espiões de Cambridge, Vassall fez uma confissão completa, que incluía uma declaração de que ele foi levado a espionar para os russos porque sentia que suas habilidades eram subestimadas por seus superiores.

Durante seu julgamento, Vassall jogou sua carta de "chantagem" e, por coincidência, tinha as fotografias mencionadas anteriormente para comprovar isso. Ele então apelou à piedade do tribunal, mas o juiz estava mais impressionado com sua conta bancária substancial, que mostrava que a velha ganância era o verdadeiro motivo por trás da carreira de espionagem de Vassall.

Durante as audiências, foi revelado que um correio em atraso dos Serviços de Inteligência da Marinha poderia ter impedido o "teste positivo" de Vassall. Uma das cartas de recomendação encontrada em seu arquivo vinha de uma amiga de certa idade, sugerindo que o jovem não parecia interessado no sexo oposto, mas essa alusão às tendências homossexuais de Vassall aparentemente passou despercebida pelos avaliadores em Whitehall. No trabalho, seu comportamento desleal e covarde fosse objeto de risadas e comentários, mas não de suspeita.

A única contribuição da Fleet Street[236] foi ofuscar a verdade ao descrever Vassall como uma "bicha" volúvel, "uma gay covarde" e um "perfeito idiota", esquecendo naturalmente que, durante sete anos, esse "perfeito idiota" havia, nas palavras de Rebecca West, "todas as noites tranquilamente percorrido o caminho de Whitehall até seu apartamento em Dolphin Square, com um envelope cheio de documentos secretos em seu casaco, passando as noites meticulosas e competentes fotografando-os com precisão para o governo soviético, e de novo, todas as manhãs, tranquilamente percorrido o caminho até Whitehall e a Marinha, levando cinco minutos meticulosos e competentes para devolver os documentos a seus arquivos".[xliii]

Pesquisas posteriores revelaram que, na Military Branch onde Vassall trabalhava, os armários de segurança se abriam com chaves comuns e que o material altamente classificado não estava separado ou armazenado em ambientes mais seguros.[xliv] Vassall tinha seu próprio conjunto de chaves. Os agentes de segurança posicionados nas entradas dos escritórios raramente faziam verificações aleatórias nos 9.000 funcionários que passavam pelas portas da Marinha todos os dias.[xlv]

No final, Vassall foi declarado culpado de violação da Officials Secrets Act e condenado a 18 anos de prisão pelo Presidente da Alta Corte, mas foi liberado condicionalmente após apenas dez anos. John Vassall morreu em 18 de novembro de 1996.

Inevitavelmente, a questão das responsabilidades foi levantada. Após a bomba de espionagem Burgess, Maclean e Philby, o público estava convencido de que Vassall era protegido por algum(s) oficial(is) influente(s) em Whitehall. O partido Trabalhista de oposição, cuja derrota do espião Vassall foi um dia de sorte política, sugeriu que Lord Peter Carrington, o Primeiro Lord da Marinha, deveria renunciar.

A administração Kennedy interveio na questão Vassall, sugerindo ingenuamente que o Primeiro-Ministro Harold Macmillan demitisse todos os homossexuais conhecidos relacionados a cargos governamentais vinculados à defesa e segurança nacional. Macmillan, ciente do grande número de homossexuais de alto escalão em Whitehall, no Foreign Office e nos Serviços de Inteligência Britânicos, respondeu que não se rebaixaria a métodos à la McCarthy.

No entanto, o Primeiro-Ministro Macmillan nomeou a contragosto um Tribunal formal liderado por Lord Radcliffe, Presidente da Corte de Apelação, para conduzir uma investigação aprofundada sobre as circunstâncias em que os delitos de Vassall foram cometidos, bem como sobre outras alegações envolvendo ministros, oficiais da marinha e funcionários civis que supostamente estariam relacionados ao caso.[xlvi] Especialmente interessantes foram as 23 cartas de Galbraith encontradas nos pertences de Vassall, redigidas em 1957. Por que um Ministro da Coroa teria correspondência privada com seu secretário assistente?[xlvii]

No entanto, o principal interesse do Tribunal parecia ser rastrear duas matérias de jornal sobre o caso Vassall que afirmavam 1) que Vassall tinha dois protetores na Marinha que tinham encoberto dois elementos importantes do processo de verificação e 2) que Vassall às vezes usava roupas femininas durante excursões no West End.[xlviii] Quando Reg Foster, do Daily Sketch, e Brendan Mulholland, do Daily Mail, que redigiram os artigos originais, se recusaram a revelar suas fontes, Foster foi condenado a seis meses de prisão e Mulholland a três meses por desobediência ao tribunal.

Logo, as coisas voltaram ao normal no Old Boys' Club.

Macmillan e seu governo conservador conseguiram sobreviver ao escândalo Vassall, sendo apenas derrubados pelo Caso Profumo que se anunciava nos bastidores. O escândalo sexual de 1963, amplamente divulgado, não envolvia homossexualidade, ao menos não de forma direta. No entanto, incluí um breve resumo que irá familiarizar o leitor com o Dr. Stephen Ward, que, como Peter Montgomery, mencionado anteriormente com seu amante Anthony Blunt, estará em destaque no final deste capítulo sobre os laços do Vaticano com os espiões de Cambridge.

O Escândalo Profumo – Proxenetas, Garotas de Programa e Espiões

Na sua versão amplamente divulgada, era basicamente a história de uma garota encontrando um cara com uma grande complicação. O "cara" era o muito casado, muito distinto, graduado de Harrow-Oxford e ex-MP, John "Jack" Profumo, o Secretário de Estado da Guerra Britânica. A "garota" era uma jovem e bonita modelo e prostituta parcial chamada Christine Keeler, que vinha dos círculos do socialista-osteopata-proxeneta bem conhecido Dr. Stephen Ward. E a "complicação" era o capitão Yevgeny "Eugène" Ivanov, um oficial do GRU (Serviço de Inteligência Militar Soviético) que se fazia passar por adido naval na embaixada soviética em Londres. Keeler também era amante de Ivanov. O caso inteiro provavelmente teria sido varrido para debaixo do tapete, como tantos outros casos envolvendo figuras importantes do Establishment com garotas muito mais jovens, se Profumo não tivesse cometido o erro imperdoável – não de ter cometido adultério e talvez colocado a segurança nacional em perigo – mas de ter negado os fatos em um discurso na Câmara dos Comuns.

Profumo foi forçado a se retirar em desgraça, mas fez questão de preservar um pouco de amor próprio ao dirigir uma obra de caridade no East End, por isso a Rainha lhe concedeu uma das mais altas distinções nacionais, como Comendador do Império Britânico. Keeler recebeu nove meses de prisão por uma acusação de perjúrio sem relação, além de toneladas de publicidade e vários contratos com tabloides para revelar sua "história". Ivanov foi chamado de volta a Moscou, após conseguir derrubar o governo de Macmillan, e nunca mais se ouviu falar dele.

Stephen Ward, que apresentara Profumo a Keeler, pagou a maior conta. Diz-se que ele se suicidou em circunstâncias suspeitas no dia 30 de julho de 1963, último dia de seu julgamento por proxenetismo. O Establishment Britânico pôde dormir muito melhor à noite, sabendo que o guardião de seus segredos sombrios estava morto.

Enquanto a titilação do Caso Profumo se apagava e o caso Vassall se tornava distante, Philby havia se escondido em Moscou, enquanto Blunt continuava a passar livremente pelas portas do Instituto Courtauld.

Os Espiões de Cambridge – O Balanço

É impossível discernir qual dos espiões de Cambridge foi mais importante para os soviéticos ou causou mais danos aos interesses nacionais da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e de seus aliados. Cada um, em seu próprio campo, contribuiu para a destruição em massa dos serviços de inteligência do Ocidente, que sofreu uma hemorragia de mais de 30 anos. Não há dúvida hoje de que, para Stálin, virtualmente todos os serviços de inteligência da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos eram um livro aberto.[xlix]

O balanço é claro. Os soviéticos estavam cientes de cada operação de inteligência importante conduzida contra eles entre 1945 e 1963. Eles souberam (antecipadamente) cada movimento dos alemães durante a guerra graças à sua infiltração em Bletchley Park, onde os especialistas britânicos em códigos quebraram o código da máquina alemã Enigma. Eles conheceram a data exata do desembarque – um segredo que Churchill tentou ocultar de Stálin. Eles tinham acesso a toda comunicação eletrônica textual entre Roosevelt e Churchill, e mais tarde entre Truman e Churchill. Os cientistas soviéticos tinham dados suficientes para construir uma bomba atômica. Stálin conhecia as pautas diplomáticas de todas as conferências dos Quatro Grandes sobre a Europa pós-guerra, e assim por diante, graças aos espiões de Cambridge.

Os espiões de Cambridge não apenas enviaram à morte milhares de compatriotas, mas também americanos e outros membros das forças aliadas. Além disso, nenhum deles conheceu a forca por sua traição. Também nenhum passou um único dia na prisão. Whitehall fez o possível para tornar a vida de Burgess e Maclean em Moscou o mais financeiramente despreocupada possível ao atribuir aos traidores o "status de emigrante", que lhes permitia retirar libras esterlinas de suas contas privadas no Banco da Inglaterra através do Banco Estatal Russo.

Na verdade, as evidências estabelecem que Burgess, Maclean e Philby conseguiram escapar por trás da Cortina de Ferro para evitar um escândalo público. Se Whitehall e o Palácio de Buckingham tivessem querido apanhá-los, teriam conseguido. O relaxamento britânico em questão de segurança, mas a quem atribuir a culpa?

O famoso autor de romances de espionagem John le Carré, que, junto com Rebecca West e John Costello, compartilha uma visão realista dos traidores, certa vez chamou o MI5 e o MI6 de "santuários para rejeitados masculinos". No trabalho de inteligência, assim como em toda a vida política britânica, as posições de destaque e a ascensão rápida eram principalmente função da classe social. Havia muitos funcionários altamente qualificados no MI5 e MI6 que não eram corruptos, mas os postos elevados e as promoções rápidas eram privilégio exclusivo da classe dirigente britânica – líderes políticos, altos funcionários governamentais e membros influentes do Parlamento. Que alguns fossem pederastas e/ou comunistas confirmados não importava.[l] Era um sistema que garantia que os serviços de inteligência britânicos se autodestruíssem, e foi isso que aconteceu com os espiões de Cambridge. O próximo passo foi tentar uma encobertação do Establishment para proteger o Old Boy's Club e esconder do público britânico a extensão dos danos causados à nação pelos espiões de Cambridge. O velho instinto de sobrevivência havia emergido. Em caso de suspeita de dificuldades, a regra era sentar-se firmemente, não dizer nada e esperar que o desastre se dissipasse; essa era a "Lei do Clube". Os soviéticos contavam com isso e não ficaram desapontados.[li]

Lições para a Igreja Católica

Além de oferecer um exemplo concreto do desenvolvimento e da colonização do "Homintern"[237] emergente no Ocidente durante a primeira metade do século 20, a traição da Grã-Bretanha e do povo britânico pelos espiões de Cambridge permite outros insights aplicáveis à atual situação da Igreja Católica Romana, que está ela mesma sitiada pelo "Homintern" clerical.

Como escreveu recentemente John Costello, "Se deve-se tirar uma lição da carreira de Anthony Blunt e de seus colegas conspiradores de Cambridge, é que a ética da conspiração e as motivações para trair não são simplesmente ideológicas, mas atemporais e sem fim".[lii]

A dissimulação dos horríveis crimes dos espiões de Cambridge pelo Establishment britânico difere tanto assim da dissimulação dos crimes perpetrados por clérigos e religiosos pedófilos e homossexuais pelos bispos americanos? O "Homintern" clerical católico não é capaz de infligir danos tão grandes à Igreja e aos fiéis quanto os espiões de Cambridge infligiram ao povo e ao governo britânicos sob a direção do Komintern comunista?

Embora o problema da infiltração do Vaticano e da Igreja Americana pelo comunismo como agente da ascensão do "Homintern" na Igreja seja tratado no Capítulo 18, "Precursores do Século Vinte", é bom fazer aqui algumas observações gerais baseadas na experiência de Cambridge.[liii]

Em primeiro lugar, nada de efetivo pode ser feito contra a Rede "Homintern" dentro da Igreja Católica Romana até que essa rede seja reconhecida e bem compreendida. "Subversão e traição de dentro", combinadas com um "ataque de fora", são uma receita perfeita para o desastre da Igreja, assim como foi para a Grã-Bretanha durante a era dos espiões de Cambridge.

O fato de que os seminários, o clero e as comunidades religiosas católicas constituem sociedades relativamente "fechadas" não garante que elas não possam ser efetivamente penetradas e colonizadas por forças hostis. Afinal, o Japão era uma sociedade relativamente "fechada" durante as décadas de 1930 e 1940, e, no entanto, foi efetivamente infiltrada por um dos maiores mestres espiões de Stálin, o russo de origem Richard Sorge. Seu grupo de espionagem japonês penetrou até os níveis mais altos da inteligência japonesa, que eram considerados impenetráveis por agentes estrangeiros.[liv]

Um controle cuidadoso é tão essencial para o sacerdócio católico e a vida religiosa quanto para os serviços de inteligência nacionais, e ainda mais, pois o que está em jogo para os primeiros é a eternidade. O atual escândalo de abusos sexuais na hierarquia católica e nas comunidades religiosas nos Estados Unidos e no exterior é uma demonstração amplamente evidente disso.

Assim como na ordem secular, a prevenção é o melhor remédio contra a desordem moral. Uma vez que o câncer da homossexualidade metastatizou um seminário ou uma casa religiosa, as medidas paliativas geralmente são inadequadas para controlar o mal, e a instituição deve ser totalmente encerrada.

No entanto, como no caso específico do traidor de Cambridge, Anthony Blunt, um controle competente pode ser derrotado pela corrupção daqueles que exercem o poder e a autoridade máxima. Os bispos americanos têm sua própria versão do Old Boy’s Club britânico – a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB) – e, como está constituída atualmente, foi profundamente comprometida e corrompida pelo "Homintern".[lv] A rede homossexual na USCCB não funciona de maneira diferente da rede homossexual em Cambridge, Londres e Whitehall que possibilitou o grupo de espiões de Cambridge. O Old Boy’s Club se protege.

Há uma semelhança entre o ódio de um traidor laico pelo Ordem Social e pela nação que o sustentou, e o ódio do sacerdote homossexual pela Igreja Católica Romana, com seus absolutos, restrições morais e representações de autoridade. Uma vez que o sacerdote ou religioso é absorvido pelo "Homintern", sua lealdade e sujeição a ele substituem toda e qualquer fidelidade anterior. Sua devoção à família e à fé é atenuada.

Como disse o padre Rueda, essa nova lealdade é capaz de dissolver efetivamente os laços que normalmente são mais fortes da filiação religiosa. Os sacerdotes e religiosos homossexuais não apenas trazem discórdia à Igreja em questões de moral sexual, como também usam a Igreja e seus recursos para disseminar os ensinamentos e a propaganda do "Homintern".[lvi]

Nem o Estado nem a Igreja podem se dar ao luxo de ignorar a presença do vício em seu seio. A classe alta britânica falhou em relação à violação da lei moral sobre a homossexualidade e pagou um alto preço por sua fraqueza. Da mesma forma, a Igreja não pode ser indiferente ao vício nas fileiras do sacerdócio e esperar permanecer imune às consequências de suas ações.

As façanhas pérfidas dos espiões de Cambridge levaram a uma hemorragia massiva de informações em direção aos soviéticos e a enormes danos aos interesses nacionais britânicos. As ações traiçoeiras de pedófilos e homossexuais clericais na Igreja resultaram em uma hemorragia massiva de confiança na Igreja e um sentimento de traição no coração de cada leigo ou sacerdote católico fiel.

Mais encore plus nocivo que os atos imorais de um punhado de hereges na vida religiosa e no sacerdócio foi a dissimulação desses traidores da fé pela hierarquia americana, incluindo alguns deles em seus próprios antigos. Assim como o traidor laico, o bispo homossexual pedófilo deveria ser condenado como um pária moral por seus colegas bispos e ser desprezado e ostracizado por eles. Por fim, o Vaticano deveria retirar do bispo culpado qualquer posição de autoridade, sendo este defenestrado e reduzido ao estado laical.

Dama Rebecca West, comentando sobre os sentimentos geralmente associados a traidores como os espiões de Cambridge, observou que "todos sabiam que eles eram comunistas, mas muito poucas pessoas realmente acreditavam nisso", dizia ela. Para muitos, continuava West, "o comunismo é como um sonho, algo do qual você pode se recordar... um traço de uma região vulgar do mundo da imaginação... e é ridículo pensar nele como uma verdadeira ameaça". "Agora, mesmo os meios de comunicação e os jornais, com a cobertura diária do caso Burgess e Maclean, perceberam que essa conspiração internacional do comunismo, tão real quanto os acidentes de trem que relatam, era muito mais perigosa para a nação", concluiu ela.[lvii]

Da mesma forma, hoje em dia, praticamente todo mundo na Igreja Católica sabe que existem pedófilos homossexuais no sacerdócio, nas comunidades religiosas, na hierarquia do país e no Vaticano, mas poucos realmente acreditam nisso. Somente quando os meios de comunicação seculares começaram a expor casos concretos de abusos sexuais cometidos por clérigos católicos é que os católicos começaram a perceber a ameaça real à fé e aos fiéis representada pelo "Homintern" clerical. No entanto, pode ser que tudo não esteja perdido se, parafraseando Dama West, os líderes da Igreja tiverem a vontade de trocar suas humilhações e seu orgulho ferido por "um pouco da muito desejada sabedoria".[lviii]

Os Espiões de Cambridge e a Conexão do Vaticano

A melhor abordagem para a conexão do Vaticano com os espiões de Cambridge é feita indiretamente através da figura central do Dr. Stephen Ward, que já foi apresentado ao leitor no contexto do Caso Profumo. Durante mais de uma década, Ward foi o corretor de sexo de um grande número de membros ricos e influentes do Establishment britânico. Ele também fornecia "garotas de programa" de alto padrão para os serviços de inteligência britânicos, algumas delas sendo utilizadas em armadilhas amorosas para atender às necessidades sexuais de dignitários em visita.[lix]

Ward, como pode-se imaginar, não era o proxeneta clássico em busca de dinheiro. Rebecca West o descreve como um bobo da corte que se divertia indiretamente como intermediário heterossexual para seus clientes de alta sociedade, nos quais habitava – mais especificamente Cliveden, a famosa propriedade britânica do Buckinghamshire pertencente aos anglo-americanos Astors, que era um local de reunião exclusivo para indivíduos ricos e bem conectados – políticos, diplomatas, analistas políticos e seus semelhantes. O relacionamento de John Profumo e Christine Keeler, uma criação de Ward, começou na piscina de Cliveden, e os serviços de inteligência britânicos às vezes utilizavam a residência dos Astor para receber hóspedes estrangeiros.[lx]

Homem de talentos variados, Ward era, por profissão, um osteopata próspero formado nos Estados Unidos, um notável jogador de bridge e um retratista profissional cujos clientes incluíam membros da família real. Ele atraía um grande número de pacientes da alta sociedade para seu consultório nos bairros residentes de Cavendish, incluindo membros da família Churchill e outros altos funcionários do governo, bem como notórios marginais e celebridades internacionais. Ward também era conhecido por realizar abortos,[lxi] e seu quarto talento era o proxenetismo e a organização de festas exclusivas que recebiam a sofisticada e sadomasoquista comunidade oculta de Londres.[lxii] Entre os amigos próximos de Ward estava Bill Astor, o mais velho dos quatro filhos Astor, e um dos ricos e poderosos patronos de Ward que tinha gostos sexuais pouco convencionais. Um aspecto menos conhecido do mundo quase secreto de Ward eram suas relações com as redes homossexuais e lésbicas da alta sociedade londrina, que incluíam importantes diplomatas e religiosos, funcionários de Whitehall e membros dos círculos literários e artísticos de Oxbridge e Londres.

Uma das relações mais íntimas de Ward era com Bobbie Shaw, meio-irmão de Bill Astor de um primeiro casamento de sua mãe, Nancy. Ativo homossexual e alcoólatra, o elegante e charmoso Bobbie havia sido vergonhosamente expulso dos Blues, os Horse Guards reais, por embriaguez em serviço e foi mais tarde preso por um delito homossexual, acabando por tirar a própria vida.[lxiii]

Entre os diplomatas homossexuais britânicos proeminentes e os funcionários com os quais Ward se relacionava estava Sir John Gilbert Laithwaite, o primeiro embaixador do Reino Unido na Irlanda e subsecretário de Estado adjunto no Escritório de Relações do Commonwealth para a Índia.

Laithwaite era um membro destacado da elite do Traveler’s Club, que recebia viajantes ilustres e onde a nata dos homossexuais de Londres compartilhava bebidas, ideias e fofocas.[lxiv] Sir Gilbert mantinha relações homossexuais com muitos funcionários do Foreign Office espalhados pelo mundo como diplomatas de alto escalão. Assim como Bobbie Shaw, ele era endividado a Ward, que o havia apresentado a jovens parceiros homossexuais que eram levados a Cliveden.

Ward também era amigo do dinâmico trio de Cambridge formado por Guy Burgess, Antony Blunt e Peter Montgomery, o jovem amante e mais próximo amigo e confidente de Blunt.

Peter Montgomery nasceu em 1909 em uma respeitável família irlandesa com laços importantes com a Ordem Protestante de Orange e uma grande propriedade em Blessingbourne, Fivemiletown, na Irlanda do Norte.[lxv] Como muitos gentlemen irlandeses da alta sociedade, ele era um produto do sistema educacional inglês, que incluiu o Wellington College e Cambridge. Elegante e um tanto tímido, com uma aparência feminina, Montgomery permaneceu, ao longo de seu curto romance e longa amizade, como o parceiro submisso e adorador de Blunt, com seus gostos artísticos.

No início da Segunda Guerra Mundial, para surpresa de todos os seus amigos, Peter decidiu seguir a tradição da família Montgomery e abraçou a carreira militar no Royal Intelligence Corps, 21º Army Group.[lxvi] Em 1945, foi nomeado aide de camp de Archibald Percival Wavell, o vice-rei e governador geral das Índias.[lxvii]

Após o fim da guerra, Peter retornou aos seus primeiros amores, a arte, a música e a política irlandesa.

Músico talentoso e maestro natural, ele foi nomeado para o Conselho Geral Consultivo da BBC (1952-1971) e se tornou presidente do Conselho das Artes da Irlanda do Norte, onde atuou de 1964 a 1974. Em 1964, foi nomeado High Sheriff do Condado de Tyrone e mais tarde, Vice-Lieutenant de Sua Majestade para o Condado de Tyrone.[lxviii]

Embora, em seus últimos anos, tenha sido relatado que Peter Montgomery disse aos serviços de inteligência britânicos, que investigavam as relações soviéticas de Blunt, que nunca havia recebido segredos de Anthony, fica a questão de saber se ele alguma vez compartilhou informações secretas, consciente ou inconscientemente, com Blunt enquanto estava no serviço militar.

Em Londres, Peter residia com Anthony no Instituto Courtauld e foi introduzido nas relações reais de Blunt em Buckingham e Westminster, além dos jovens "gays" convidados para as festas de Blunt.[lxix]

Em troca, Blunt visitava ocasionalmente Peter na propriedade da família na Irlanda do Norte, onde o espião de Cambridge foi introduzido no circuito homossexual das "casas de campo" irlandesas.[lxx] É possível que tenham sido fornecidos a Peter e Anthony jovens meninos irlandeses de orfanatos locais ou centros de assistência social, como o Kincora Boys’ Hostel em Belfast Leste. Em 1980, o escândalo de pedofilia de Kincora estourou nos jornais.[lxxi] O "patriarca" do orfanato, William McGrath, conhecido como "A Besta de Kincora", foi preso, julgado e condenado por estupro e sodomia de menores sob sua tutela. Um dos segredos obscuros que vieram à tona durante o julgamento foi que McGrath, que havia atuado como agente secreto do MI5 e estava ativo nas aventuras paramilitares do Ulster, havia sido financiado até meados de 1976 por ninguém menos que Sir Knox Cunningham, um amigo comum de Blunt e Peter Montgomery e companheiro homossexual desde Cambridge.[lxxii]

Hugh Montgomery e Battista Montini

O que é pouco conhecido sobre Hugh Montgomery, o irmão de Peter, nos chegou em grande parte através do escritor irlandês Robin Bryans, que, embora de origem modesta, acabou se integrando à elite homossexual londrina que incluía todos os personagens mencionados anteriormente. De maneira geral, as observações e memórias de Bryans se mostraram relativamente precisas, e ele manteve uma correspondência significativa para sustentar suas memórias.

Segundo Bryans, Hugh Montgomery, assim como seu irmão Peter, era membro da clique homossexual de Ward. O antigo amante de Hugh era Sir Gilbert Laithwaite, que apoiou sua candidatura no elitista Traveler’s Club.

No meio da década de 1930, Hugh Montgomery, um jovem e futuro membro do corpo diplomático britânico, servia como Chargé d’Affaires de Sir Alec Randall, o representante britânico junto ao Vaticano. Foi nessa época que Hugh conheceu um diplomata do Vaticano igualmente ambicioso e promissor chamado Mgr Giovanni Battista Montini. Mais tarde, Hugh se converteu ao catolicismo, entrou para o Beta College e foi ordenado sacerdote católico. Harbinson declarou que Hugh lhe havia dito que, em algum momento, ele e Montini foram amantes.[lxxiii]

Hugh Montgomery estava falando a verdade sobre sua relação com o futuro Papa Paulo VI ou estava exagerando o grau de intimidade de sua amizade? Hugh discutiu essa suposta questão a respeito de Montini com seu irmão Peter? Nesse caso, Peter teria passado a história ao seu amante Anthony Blunt, que, sem dúvida, teria transmitido a informação ao seu controlador soviético para possível chantagem? Em suma, existe uma conexão entre a rede de espiões de Cambridge e o Vaticano? Estas são questões importantes e misteriosas que serão totalmente examinadas no Capítulo V, que inclui uma análise detalhada das acusações de homossexualidade que foram dirigidas contra o Papa Paulo VI.