OCULTISMO E FÉ CATÓLICA: OS PRINCIPAIS TEMAS GNÓSTICOS
As ciências ocultas estão na moda. Sua literatura está presente em muitas livrarias: seus símbolos cobrem as capas dos discos de rock, que são distribuídos em centenas de milhares de exemplares; eles se erguem aos olhos de todos sob a forma de monumentos espetaculares, como esta famosa pirâmide de seiscentas e sessenta e seis faces de vidro recentemente construída no pátio do Louvre em Paris.
Ora, o ocultismo é sustentado por uma doutrina (ou melhor, uma ideologia) multifacetada, mais ou menos secreta e, portanto, difícil de conhecer: **a gnose,** doutrina que consegue se infiltrar até mesmo em ambientes católicos.
O estudo de Jean Vaquié analisa um a um os principais temas gnósticos; ele constitui assim uma espécie de conhecimento elementar da gnose.
- Os principais temas gnósticos
- Uma palavra sobre a Gnose Histórica
- A Gnose Moderna
- As definições da Gnose
- Exoterismo e Esoterismo
- O Hiper-deus
- A Manifestação
- A teoria dos ciclos
- O Mundo Intermediário
- A Sophia
- A Tripartição
- A Libertação
- A Reencarnação
- A Iluminação
- A Alquimia
- O Andrógino
- O Graal
- A Gnose Universal
- A Tradição Universal
- A Mística Universal
- O Simbolísmo Universal
Os principais temas gnósticos
Começaremos nosso raciocínio com uma constatação que todos podem fazer: a proliferação atual e relativamente recente da literatura que antigamente se chamava ocultista e à qual hoje se dá indiferentemente o nome de esotérica ou gnóstica. Essa proliferação, que atinge enormes proporções, supõe uma grande quantidade de escritores gnósticos para alimentá-la, mas também uma considerável clientela de leitores para dela se nutrir. Pode-se falar de um fenômeno cultural com o qual é normal se ocupar, ou até mesmo se preocupar.
O esoterismo é o novo nome que se dá ao ocultismo. As duas palavras são construídas sobre o mesmo modelo: "esotérico" vem de um radical grego que significa "interior", e "oculto" é derivado de um verbo latino que quer dizer "esconder". As ciências ocultas ou esotéricas são ciências reservadas em princípio a iniciados. O movimento de pensamento, do qual essa literatura abundante é a emanação, qualifica-se a si mesmo de neognóstico ou mesmo simplesmente de gnóstico, marcando assim que trabalha para a ressurreição moderna da gnose chamada histórica que envenenou os três primeiros séculos de nossa era.
Gostaríamos, no trabalho que se segue, definir os principais temas filosóficos e religiosos que são desenvolvidos, com uma incrível volubilidade, na literatura ocultista, esotérica e gnóstica contemporânea.
Esses grandes temas são expressos pelos autores com uma confusão estudada. Vamos simplificá-los o máximo possível, pois queremos apenas chamá-los à atenção dos leitores. Não temos a ambição de resolver definitivamente as questões que vamos evocar. Trata-se apenas de esquemas reunidos em um aide-mémoire. Neste trabalho, não citaremos nenhuma fonte. Desejamos apenas facilitar a identificação dos grandes temas gnósticos nos documentos que a vida moderna nos apresenta.
Uma palavra sobre a Gnose Histórica
Desde o primeiro século, a Igreja se encontrou em oposição com dois adversários de tipos diferentes: o paganismo e a gnose.
O paganismo representava para a Igreja o inimigo declarado, do qual ela era separada por uma linha de demarcação precisa e sensível. Os cristãos se recusavam a sacrificar aos ídolos porque, por trás de cada ídolo, residia e operava um demônio. São Paulo, o Apóstolo dos Gentios, ou seja, das nações cristãs, havia proibido todo comércio espiritual com os pagãos, precisamente por esta razão:
«Digo que o que os pagãos oferecem em sacrifício, imolam aos demônios e não a Deus; ora, não quero que estejais em comunicação com os demônios. Não podeis beber ao mesmo tempo do cálice do Senhor e do cálice dos demônios; não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios» (I Cor. X, 20-21).
A incompatibilidade das duas religiões, cristã e pagã, era clara e reconhecida pelos dois campos. Ela resultou em uma guerra aberta. Os cristãos recusavam os honores divinos aos ídolos e os pagãos se esforçavam para extirpar a nova religião por meios físicos.
Os gnósticos agiam de maneira bem diferente. Eles não rejeitavam absolutamente o cristianismo, do qual admitiam, ao contrário, certos elementos originais. Pretendiam apenas combinar essas novas contribuições com o antigo politeísmo e com a filosofia dos pagãos, para realizar uma religião sincrética. A síntese que elaboravam apresentava, certamente, variações porque cada escola gnóstica preconizava empréstimos ao cristianismo mais ou menos significativos. O que variava, de uma escola para outra, era a composição da mistura. Mas o princípio da síntese pagano-cristã permanece a característica comum de todas as escolas gnósticas dos três primeiros séculos.
Houve, no entanto, a guerra entre a gnose e a Igreja porque a Igreja queria preservar a pureza de sua doutrina e rejeitava toda ideia de compromisso. No entanto, a guerra que os gnósticos quiseram sustentar contra a Igreja não foi física, mas doutrinária; não havia entre elas a fronteira visível das ídolos. A gnose fomentou contra a Igreja uma multidão de heresias; ela é a mãe das heresias.
Essa primeira gnose, chamada histórica, desapareceu totalmente. Ela deixou apenas alguns vestígios literários que tiveram de esperar o período do humanismo para serem exumados e revividos.
A Gnose Moderna
A gnose moderna opera exatamente como a antiga. Ela não combate a Igreja de frente. Ela não deseja sua abolição. Quer apenas subordiná-la. Trabalha para uma síntese do cristianismo e de todas as outras confissões, mesmo as mais distantes, para realizar uma religião universal. Hoje, como antigamente, os gnósticos (ou neognósticos) elaboram versões diversas da gnose, conforme a proporção dos elementos que entram na constituição da síntese; alguns, por exemplo, aumentam as contribuições do hinduísmo; outros, as do islamismo; e outros ainda, as da cabala.
Outros ensinam, com elegância e autoridade, uma gnose extremamente próxima do cristianismo, tão próxima que podem apresentá-la, com certa verossimilhança, como compatível com o catolicismo mais tradicional. Os elementos gnósticos que introduzem estão tão bem disfarçados na terminologia cristã, seus ângulos tão bem limados, que sua heterogeneidade é muito difícil de perceber. E, no entanto, esses elementos gnósticos estão realmente presentes na mistura e não podem deixar de produzir os frutos que sempre produzem os erros de doutrina.
Esses doutrinários, meio cristãos, meio gnósticos, chamam a sua empresa de esoterismo cristão. Nosso trabalho, portanto, consistirá em projetar, sobre esses corpos estranhos gnósticos, a luz da fé, para identificá-los, isolá-los e defini-los como tais; e isso para evitar que os católicos sinceros se deixem enganar.
As definições da Gnose
A gnose não é definida da mesma maneira por seus amigos e por seus inimigos.
Os esotérico-ocultistas tradicionalmente lhe dão a dupla definição de "ciência" e de "conhecimento".
A gnose, dizem eles, é uma ciência. É a ciência das coisas divinas. É uma especulação da inteligência que associa a teologia e a metafísica e que tende a elucidar os mistérios divinos. O gnóstico não contempla os mistérios, ele tem a ambição de esclarecê-los, de explicá-los. É nisso que ele é "sábio" (gnóstico quer dizer "sábio"). Mas então, as explicações que ele dá, em um domínio assim, são aquelas da simples razão humana. Enquanto ciência, a gnose implementa um verdadeiro racionalismo religioso.
Mas a gnose, dizem-nos, é também um conhecimento intuitivo das coisas divinas. O gnóstico mantém contatos pessoais e experimentais com a divindade, ou com o que ele acredita ser a divindade. A gnose é, portanto, em última análise, uma mística. O gnóstico fala como um homem que tem revelações. Mas digamos desde já que é uma mística que não sabe "discernir os espíritos" e, por conseguinte, toma inspirações demoníacas por inspirações divinas.
Para nós, que somos seus inimigos porque constatamos o sutil envenenamento do catolicismo ao qual ela se entrega, vemos essa mesma gnose sob outro aspecto e a definimos como a teologia da religião universal que as congregações iniciáticas estão progressivamente implementando. Mais precisamente, para um cristão, a gnose aparece como um cristianismo invertido, no qual Lúcifer toma o lugar de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Pode-se esperar extirpar totalmente a gnose? Certamente não. Ela é o joio no campo. Ninguém jamais impedirá que, a cada geração, um certo número de espíritos equivocados construam por si mesmos sua própria religião, por meio de leituras heterogêneas e frequentações nefastas. É um fenômeno de religiosidade inerente à natureza decaída e que só terminará com ela.
Para a geração que está crescendo, há uma aventura apaixonante a ser vivida: a aventura da ortodoxia católica. É preciso fazê-la triunfar. É necessário explicá-la, mostrando ao mesmo tempo sua lógica sobrenatural e seu majestoso mistério. Aventura apaixonante por duas razões: primeiro, porque a batalha será dura, o que já é um atrativo para espíritos combativos; e, em seguida, porque a vitória está garantida devido à incomparável solidez do dogma. É próprio da verdade triunfar.
«Tenham confiança, eu venci o mundo», disse Jesus (João, XVI 33).
«Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (João, XIV 6).
Exoterismo e Esoterismo
Vemos em toda parte aparecer, sob a influência dos escritores neognósticos, as duas noções gêmeas de exoterismo e esoterismo. Esses escritores pretendem distinguir, em todas as religiões, dois níveis de doutrinas e práticas, em suma, duas religiões sobrepostas.
O nível superficial e visível é chamado exotérico. É o do povo, que é muito sumariamente instruído sobre as coisas da religião. O exoterismo é a forma pública e oficial da religião; com suas formulações dogmáticas, suas práticas cultuais, suas circunscrições territoriais, sua disciplina...
O nível inferior, que é reservado aos iniciados, é chamado esotérico. É o das explicações mais sutis, que não seriam compreendidas pelo grande público, mas que fornecem a uma elite religiosa uma compreensão mais aprofundada, menos formalista, mais universal das instituições oficiais. O nível esotérico formaria a infraestrutura tradicional de cada religião, ligando-a assim, sem que ela saiba, à tradição primordial.
Tal é a distinção que é atualmente aceita em todas as escolas gnósticas. E em toda parte se especifica enfaticamente que ela também se aplica à religião cristã, que teria assim, sem saber, a mesma infraestrutura esotérica que todas as outras religiões.
Examinemos a validade dessa dupla noção. A distinção entre o ensino esotérico e o ensino exotérico é real apenas nas religiões que se ligam aos mistérios inferiores, que são mistérios de trevas e, portanto, precisam de uma zona de trevas para se perpetuar. Essas religiões realmente possuem um nível inferior que deve permanecer oculto, reservado que está aos iniciados, aos "iluminados" que passaram por uma afiliação a esses mistérios inferiores. Há um esoterismo islâmico, assim como há um esoterismo nas religiões iranianas e orientais. E é assim porque essas religiões são alimentadas por uma mística de ordem luciferiana.
Mas a distinção desses dois níveis não se aplica à religião cristã porque ela se liga aos mistérios do alto, que são mistérios de luz: «Foi publicamente que falei ao mundo. Não ensinei em segredo». A luz que Jesus Cristo trouxe não deve ser colocada debaixo do alqueire, mas sim no candelabro, para iluminar toda a casa. A Igreja Católica não possui ensinamento secreto. Os sacramentos iniciam nos mistérios do alto; eles não são práticas de ocultismo; são administrados publicamente.
Quando vemos um escritor se referir ao par "esoterismo-exoterismo" e fazer disso a base de seus desenvolvimentos, já temos uma sólida presunção de pertencimento à gnose moderna. Tal posição lhe permite expor as verdades cristãs em termos nebulosos, ambíguos e estranhos, sob o pretexto de lhes dar uma formulação menos rígida, menos contingente, menos "dogmática". Nessas ambiguidades e estranhezas, ele introduzirá conceitos gnósticos como os que vamos analisar. Desconfiemos daqueles que falam de um esoterismo cristão.
O Hiper-deus
Os neognósticos, mesmo aqueles que se apresentam como cristãos ortodoxos, mencionam o "Princípio Supremo". Eles o descrevem como a Super-divindade. Alguns lhe dão o nome de hiper-deus. Eles o colocam acima da existência. Para eles, ele não pertence nem mesmo ao domínio da essência, pois o chamam de "sobre-essencial". Este princípio supremo é totalmente indiferenciado, ou seja, não possui nenhuma determinação. Ele é superior e anterior às hipóstases, ou seja, à distinção das Pessoas divinas. Ele é a Virtualidade universal. Ele contém todos os possíveis, tanto os manifestados como os não-manifestados. Ele transcende o bem e o mal. Nele, o bem e o mal se equilibram.
É bastante evidente que essa concepção da divindade suprema não corresponde de forma alguma ao Deus da religião cristã. O Deus que Se revelou é, ao mesmo tempo, um Deus existente e infinito. Ele é um Deus existente, pois diz: «Ego sum qui sum». Eu sou Aquele que sou. E é esse mesmo Deus, realmente existente, que é também infinito, absoluto e onipotente. Não existem dois deuses, um infinito e outro existente. Há apenas um. E é justamente aí que reside o mistério.
Os neognósticos, seguindo René Guénon no caminho do "princípio supremo", rejeitam a unidade divina acima e fora da Trindade, que então se torna uma espécie de hipo-deus, um sub-Deus, criador talvez, mas secundário e relativo ("diferenciado", como dizem), de qualquer forma subordinado ao absoluto do princípio supremo e à sua lógica.
A fé católica é totalmente diferente. A unidade e a imensidade de Deus não devem ser separadas de Sua Trindade; elas não devem ser consideradas mais essenciais do que Sua Trindade. Para provar isso, temos dois textos incontestáveis: o texto do prefácio da Santíssima Trindade e o do Símbolo de Santo Atanásio.
O prefácio da Santíssima Trindade diz o seguinte:
"... Um único Deus, um único Senhor, não na solidão de uma única pessoa, mas na Trindade de uma única substância... confessando a verdadeira e eterna Divindade, adoramos a propriedade nas pessoas, a unidade na essência e a igualdade na majestade..."
Quanto ao símbolo de São Atanásio, ele contém as seguintes formulações:
"O Pai é não-criado, o Filho é não-criado, o Espírito Santo é não-criado. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o Espírito Santo é imenso. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. E contudo, não há três eternos, mas um único eterno. Nem três não-criados, nem três imensos, mas um único não-criado e um único imenso... E nesta Trindade não há nada anterior ou posterior, nada maior ou menor."
A unidade e a imensidade de Deus não são maiores do que Sua Trindade. Elas também não são anteriores a Ele. É claramente visível que a própria noção de "princípio supremo" e de hiper-deus é rejeitada por estes dois textos, cuja autoridade não precisa ser enfatizada, pois ambos são litúrgicos. Portanto, cuidado com aqueles que nos vêm com seu hiper-deus.
A Manifestação
Os escritores esotéricos não chamam o universo de "criação". Eles o chamam de manifestação. Eles consideram o universo como uma emanção existencial do Princípio supremo. Para eles, o universo não foi criado da maneira como entendemos; é a concretização de uma das potencialidades contidas no Princípio supremo. Esses autores explicam que na "manifestação" existem vários níveis que são emanações uns dos outros.
Segundo eles, o universo atual teria sido precedido por outras manifestações em número ilimitado. E no futuro, será seguido por uma infinidade de outras. Cada uma dessas manifestações sucessivas descreve uma trajetória entre um polo espiritual positivo, através do qual ela surge à existência, e um polo material negativo ao qual ela chega após um lento processo de degradação. Emergindo do Princípio sob uma forma espiritual, cada manifestação é o campo de um lento processo de materialização.
Quando a materialização universal está em seu máximo, ocorre uma espécie de explosão, de aniquilamento, e o ciclo recomeça. Cada universo é comparável a uma imensa pulsão elementar, indefinidamente precedida e seguida por outras pulsões. Assim, o universo vive através de uma sucessão de sístoles e diástoles.
A doutrina da Igreja está muito distante desta gnose. E isso essencialmente por duas razões:
- O universo não é "emanado de Deus". Ele não é um fluxo exterior da substância divina, pois, nesse caso, seria ele mesmo divino, o que equivaleria a um panteísmo. O universo foi criado ex nihilo; mais precisamente, Deus o fez aparecer onde não havia nada. De modo que existe, entre o Criador e a criação, um abismo que apenas o Criador pode atravessar. A cosmologia cristã não é "emanatista"; ela é criacionista.
- Os universos não se sucedem indefinidamente uns aos outros. O mundo, no estado em que o vemos hoje, chamado de "estado de natureza", é precário, provisório e preparatório. Ele será erigido em um estado definitivo chamado estado de glória, muito diferente do estado atual. A natureza, embora seja apta a essa mudança, não possui em si mesma a força de se glorificar espontaneamente. A glorificação exige um novo decreto divino e um novo desdobramento do poder divino que virão aperfeiçoar o ato criador inicial que suscitou a saída do nada.
Em resumo, a teoria da manifestação é incompatível com o cristianismo e se assemelha, queiramos ou não, ao panteísmo emanatista. Quando vemos aparecer a palavra "manifestação" para designar o universo, devemos ficar vigilantes e não tardaremos a ver surgir, um após o outro, todos os grandes temas gnósticos.
A teoria dos ciclos
De acordo com os gnósticos contemporâneos, a "manifestação" estaria sujeita a um ritmo cíclico sem fim, realizando uma imensa pulsação universal:
«A imensa arquitetura do tempo, que responde àquela do espaço, aparece como um conjunto de edifícios encaixados uns nos outros, correspondendo-se e respondendo-se em uma série indefinida de momentos perfeitamente organizados, à maneira de grandes órgãos emitindo não sons, mas durações que se fundem sem se confundir, na taça da eternidade__» (Jean Biès, Passaporte para Novos Tempos, páginas 33-34).
Na maioria dos sistemas cíclicos, a unidade básica é o Yuga. É uma era de vários milhares de anos que se subdivide em quatro idades. O yuga ao qual pertencemos começou pela era do Satya-yuga, que é a idade de ouro. Vieram depois outras duas idades, o Trata-yuga e o Drapara-yuga. Finalmente, a era termina pela idade na qual nos encontramos atualmente, o Kali-yuga, que é uma idade sombria. É a última idade de nossa grande era. É uma época de degradação, muito pouco espiritual, onde tudo é dessacralizado e materializado. É a civilização ocidental moderna, com seu mercantilismo, seu socialismo e sua tecnicidade. O Kali-yuga deve terminar, como todos os ciclos, por uma catástrofe.
Vários yugues sucessivos formam juntos uma vasta revolução chamada Manvantara, que também tem forma cíclica. Por sua vez, vários manvantaras consecutivos compõem um ciclo global imenso que recebe o nome de Kalpa. O que há além? As teorias cíclicas que tivemos em mãos não indicam isso. Vemos que, no geral, cada ciclo é formado por uma série de subciclos. O sistema geral sendo o do eterno recomeço.
Qual é a posição da doutrina católica nesta matéria? Certamente os "doutores" cristãos observam que o estado da natureza envolve ciclos. Os ciclos cronológicos constituem mesmo uma das principais características do estado da natureza. As inúmeras constelações têm suas revoluções. A substância viva é animada por pulsações regulares que são uma espécie de ciclos. Compreende-se que os contempladores do estado da natureza se maravilhem diante dessa respiração universal e que, por seu lado, os doutores cristãos a reconheçam igualmente.
Mas os cristãos sabem que a natureza não foi feita para durar para sempre. E, portanto, eles não atribuem aos ciclos naturais uma importância absoluta. A vida eterna (vita venturi saeculi), que a fé nos ensina, é um eterno presente que, portanto, não será a recondução indefinida da natureza e de seus ciclos. O Reino dos Céus será, ao contrário, uma estabilização, um repouso e uma paz na alegria.
A referência à teoria dos ciclos cósmicos é um dos sintomas mais convincentes de pertencimento à gnose.
O Mundo Intermediário
Quase todos os esoteristas contemporâneos adotam um dos postulados mais importantes do ocultismo, a saber, a existência de um "mundo intermediário", que estaria situado entre o mundo físico e o mundo espiritual. Vamos primeiro tentar descrever o sistema. Então, faremos a crítica.
O conjunto dos três mundos forma uma esfera. O mundo espiritual ocupa o hemisfério superior e o mundo físico ocupa o hemisfério inferior. Entre os dois hemisférios, no nível do equador, o mundo intermediário adota a forma de um disco plano do mesmo raio que a esfera global. Este disco separador, mas também intermediário, empresta suas características, em sua face superior, ao mundo espiritual e, em sua face inferior, ao mundo físico. Essa é, em linhas gerais, a teoria do mundo intermediário.
Nesta construção ideal, que tem a aparência da lógica, o mundo intermediário seria o das vibrações sutis que estão no limite extremo da percepção de nossos aparelhos e às quais os ocultistas atribuem a dupla qualidade de semi-espirituais e semi-físicas. Quais são, para os gnósticos, as vantagens deste mundo intermediário? Há duas.
Primeiro, este mundo misto lhes fornece um ponto de passagem, uma etapa, entre o espírito e a matéria, etapa que constitui uma grande vantagem para os adeptos das doutrinas emanatistas, sempre inimigos de qualquer ideia de limites, gêneros e espécies.
Mas eles encontram aí uma segunda vantagem. Eles vão fazer deste mundo intermediário a residência dos demônios. Os gênios elementares da natureza física são os habitantes deste mundo intermediário. Nesta teoria, os demônios são, portanto, entidades vibratórias, meio espírito meio corpo, que atraem os homens para baixo. Eles têm uma tendência "natural" a materializar o homem, não por causa de sua maldade (eles não a têm), mas por causa de seu lugar na escala da natureza.
Toda a demonologia da gnose moderna é construída sobre este esquema, ou sobre esquemas análogos. Para ela, os demônios são forças naturais que têm sobre o homem um poder materializante. E se nos fazem notar que eles são particularmente influentes em nossa era sombria do Kali-yuga.
Esta doutrina está muito distante daquela da Igreja. As primeiras palavras do Credo de Niceia são precisamente dedicadas a esta questão dos dois universos espirituais e materiais: «Credo in unum Deum... factorem caeli et terre, visibilium om- nium et invisibilium». Um só Deus, criador do céu e da terra, de todo o mundo visível e de todo o invisível. O "visível" é o mundo dos corpos; o "invisível" é o mundo dos espíritos. Nunca se trata do mundo intermediário na doutrina católica.
Sem dúvida, a substância física, e especialmente a substância biológica, apresenta eflorescências tênues, radiações, energias impondéráveis que dela emanam. Mas por serem sutis e impondéráveis, elas não deixam de ser físicas e é um erro apresentá-las como intermediárias entre o espírito e a matéria. As vibrações sutis que rodeiam a matéria compacta são comparáveis a uma cabeleira leve, certamente, mas autenticamente material.
Quanto aos demônios, eles são de natureza plenamente espiritual e não mista. São espíritos reprovados. Eles não procuram nos materializar, mas nos condenar. Claro, eles entram em nós pelos sentidos corporais. Mas quando estão em nós, eles dialogam com nosso espírito e nos sugerem pensamentos desordenados. Ora, há os desregramentos do corpo, mas também os desregramentos do espírito. E as doutrinas falsas estão entre os desregramentos do espírito. Desconfiemos dessas referências gnósticas a um mundo intermediário que não existe.
A Sophia
A gnose sempre buscou incluir a Mãe do Verbo em sua construção teosófica. Vamos ao fundo das coisas e digamos que Lúcifer não se contenta em suplantar o Cristo, ele também gostaria de suplantar sua Mãe. A Escritura nos adverte que o "suplantador" por excelência chegará a morder seus pés, se puder. A Sophia (a Sabedoria) dos gnósticos é a "virgem demoníaca". Ela é muito literalmente uma virgem louca. É uma Sabedoria em loucura. Não podemos, neste estudo restrito, traçar o histórico da Sophia através de todos os sistemas gnósticos dos primeiros séculos cristãos. Tomemos apenas o exemplo da construção elaborada por Valentim porque é uma das mais claras.
No topo do universo está o Abismo incriado, o Abismo não gerado, e seu duplo andrógino: o Silêncio. Este casal protótipo gera o "Intelecto" e seu duplo, a "Verdade". Eis já dois casais de dois éons cada: o casal "Abismo-Silêncio" e o casal "Intelecto-Verdade".
O Intelecto e a Verdade vão gerar o Verbo e a Vida, que por sua vez gerarão o "Homem" e a "Igreja". Eis mais dois novos casais que elevam a oito o número de éons superiores. Estes oito primeiros éons formam a Ogdóade.
Mas o Intelecto e a Verdade produzem novamente cinco casais de éons, o que forma a Década.
Tomado de emulação, o casal "Verbo-Vida", por sua vez, produz doze éons, igualmente dispostos em casais. É a Duodécada.
O Pleroma, ou seja, o universo celestial, está agora completo e conta com a Ogdóade, a Década e a Duodécada, o que totaliza 32 éons.
Ou, na última posição da Duodécada, encontra-se uma espécie de criança terrível, o éon sabedoria, a famosa "Sophia" dos gnósticos, que, por sua presunção, irá perturbar toda a bela ordem do Pleroma divino. A Sabedoria gnóstica não se contenta em admirar as maravilhas do Pleroma e a série de suas "emanações". Como boa gnóstica, ela quer conhecer tudo, elucidar tudo. Ela quer penetrar o Abismo não gerado. Pior que isso, ela vai tentar produzir sua própria emanação, sem recorrer à ajuda de seu éon masculino, um certo Theletos ("Voluntário"). Ela quer, a todo custo, imitar o Abismo não gerado e procriar sem esposo. Sua paixão é tal que ela consegue gerar um aborto ao qual dará o nome de Hachamoth e que todos os éons do Pleroma imediatamente detestarão.
Trata-se agora de reparar os erros da Sophia. Encontrar-se-á um retiro para esconder o aborto Hachamoth, enquanto o Abismo não gerado, como um digno Júpiter, encarrega o casal "Intelecto-Verdade" de emanar um novo par de éons. Será o Cristo e seu éon feminino, o Espírito Santo.
Então todos os éons do Pleroma, livres de Hachamoth que agora tem seu substituto, unem suas forças e, num esforço coletivo, produzem Jesus, o Grande Pontífice e Salvador.
Tal é a estrutura da mitologia valentiniana. Haveria muito a dizer sobre isso. Reteremos apenas dois traços:
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A Sophia, que acabamos de ver desempenhando o papel de "Virgem-Mãe", exerce, no Pleroma, uma função ao mesmo tempo grotesca e nefasta.
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O Cristo e Jesus são dois personagens diferentes (Encontramos essa mesma distinção até nos sistemas gnósticos mais recentes, por exemplo, no de R. Steiner).
Onde Valentim foi buscar todas essas elucubrações? Em seus predecessores, é claro, em particular em Simão o Mago, que já havia descrito um sistema semelhante. Mas ele também foi inspirado por seu "conhecimento intuitivo", ou seja, por sua mística. Em outras palavras, foram revelações que lhe mostraram tudo isso. Revelações singulares das quais não é preciso se perguntar de onde vêm. Como não identificar, nesse conhecimento mítico da "Sophia", o sarcasmo luciferino contra a Virgem-Mãe, da qual ele faz um personagem vaidoso, ridículo e malfazejo.
É assim que a Sabedoria começou sua carreira na gnose antiga. Hoje, os gnósticos inventaram entidades muito mais sutis. As metamorfoses da Sophia na gnose moderna exigiriam um estudo especial muito volumoso para ser incluído aqui. Devemos nos contentar em chamar a atenção para este problema que muitas vezes passa despercebido.
Na gnose moderna, o personagem da Sophia será substituído por noções mais abstratas. O duplo conceito de "Virgem" e "Mãe" será hipertrofiado. Em meio a uma exuberância lírica que pode ter bela aparência quando não se é muito exigente, os neo-gnósticos amplificarão desmedidamente o papel de Maria como esposa do Espírito Santo. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, eles feminizarão esse mesmo Espírito Santo. E, de maneira geral, eles sexualizarão a geração do Verbo e a processão do Espírito Santo.
Mas fiquemos por aqui por enquanto. Inventariar, analisar e resumir todas as passagens e até mesmo todas as obras dos gnósticos modernos que se entregam a todas essas extrapolações teológicas, tudo isso exigiria um trabalho dedicado unicamente a este assunto.
A Tripartição
A tripartição é a aplicação da teoria do mundo intermediário à constituição elementar do homem. Assim como o macrocosmo, ou seja, o universo, é composto de três mundos, o microcosmo, ou seja, o homem, é composto de três substâncias. Ele também possuirá seus dois hemisférios e seu disco intercalar. Daí o nome de tripartição; diz-se também tricotomia.
O corpo do homem é o equivalente ao hemisfério inferior do globo cósmico; ele pertence ao mundo físico, ninguém discorda disso. O espírito, ao qual os gnósticos dão o nome de Pneuma em grego e de Spiritus em latim, pertence ao hemisfério superior, ou seja, espiritual; aí também todos concordam. Quanto à alma, que eles chamam de psyché em grego e anima (ou às vezes "animus") em latim, ela é representada pelo disco intercalar; ela é, portanto, de natureza mista, pois tem uma face espiritual e uma face corporal.
Os partidários desta teoria invocam a seu favor todas as passagens da Sagrada Escritura onde se fala de "anima" e "spiritus"; e essas passagens são numerosas. Sem entrar nos problemas de interpretação dessas passagens, constatemos por ora que a teoria da tripartição acarreta graves erros de doutrina.
Se a alma humana (então chamada animus ou psyché), por sua pertença ao mundo intermediário, é ao mesmo tempo semi-material e semi-espiritual, ela oferece um ponto de passagem privilegiado para a ascensão da matéria em direção ao espírito e depois em direção a Deus, sem solução de continuidade. É precisamente nesta ascensão que trabalham os alquimistas. Eles querem colocar em movimento a Transmutação do universo, e a do homem em particular, como veremos mais adiante. É por isso que os alquimistas se apoiam solidamente na teoria da tripartição.
Esta mesma teoria é igualmente preciosa para todos os doutrinários que afirmam que o homem possui, em sua natureza essencial, um germe divino acidentalmente enterrado na ganga corporal. O corpo é material. A psyché é mista. O pneuma é espiritual, portanto divino. O conceito de tripartição constitui, portanto, para os gnósticos que querem fazer de todo homem um fragmento da "deidade", uma excelente base teórica.
Não é este o ensinamento da Igreja sobre o homem. O magistério sempre estipulou que o homem é composto apenas de dois elementos, um corpo físico e uma alma espiritual. O concílio de Vienne (5º ecumênico) o definiu assim:
"Além disso, com a aprovação do santo Concílio, reprovamos como errônea e oposta à fé católica toda doutrina ou toda tese que afirme temerariamente que a substância da alma racional e intelectual não é verdadeiramente e por si mesma a forma do corpo humano ou que a coloque em dúvida; e definimos, para que todos conheçam a verdade da fé pura e para fechar a porta à entrada sub-reptícia de todo erro, que qualquer um que ousar doravante afirmar, defender ou sustentar obstinadamente que a alma racional ou intelectual não é por si mesma e essencialmente a forma do corpo, seja considerado como herético" (G. Dumeige, A fé católica, § 265).
Quando vemos um autor se engajar nesta teoria da tripartição, podemos estar certos de que, algumas páginas adiante, encontraremos em seus escritos outras proposições gnósticas.
A Libertação
Os escritores que pertencem às diversas escolas esotéricas modernas dão o nome de eu à individualidade humana. O eu é aquilo que distingue um indivíduo de outro. O eu é mais especificamente o homem interior na relatividade da existência terrena. Diz-se que o eu é "diferenciado".
Mas, no fundo desse eu diferenciado, esses escritores distinguem um elemento absoluto e "indiferenciado" ao qual dão o nome de si. É um germe de natureza e origem divina, um fragmento da divindade. O si é dito "indiferenciado" porque participa do absoluto. Durante a existência terrena, o si está imerso nas escórias corporais. O homem deve passar sua vida terrena a se espiritualizar para libertar o si essencial que, na morte, retornará ao absoluto de onde saiu e que constitui sua verdadeira natureza. O si indiferenciado se dissolverá então no absoluto igualmente indiferenciado.
O que é, então, a libertação? É precisamente esse retorno do si ao absoluto. É a libertação do si fora da prisão material. Essa libertação ocorre após a morte, quando a alma, após percorrer a série de reencarnações, deixa o "samsara", a roda das coisas e o eterno recomeço. É pela libertação que ela alcança o nirvana, que é a imersão no absoluto.
A libertação também pode ser obtida, durante a vida, pelos grandes contemplativos mediante um treinamento intensivo na concentração do espírito. É um dos efeitos da iniciação apressar a libertação. Os homens assim "liberados" continuam a levar uma vida aparentemente normal, mas se sentem diferentes e dizem que adquiriram um estado superior e definitivo.
A libertação também recebe outros nomes de acordo com as escolas gnósticas. Ela é chamada de reintegração quando se quer destacar que, no momento da libertação, o "si" retorna ao princípio supremo do qual era originalmente uma das virtualidades. Ele "reintegra" seu absoluto original. Ela é ainda chamada de realização quando se quer mostrar que o "eu" é apenas uma ilusão efêmera, enquanto o desabrochar do "si" revela a única realidade que existe no homem.
Quando, nos desenvolvimentos sobre o homem e sua natureza, vemos aparecer essa terminologia: o eu, o si, a libertação, a reintegração, a realização, podemos prever com certeza que se trata de uma obra esotérica. A continuação não deixa de provar isso.
E agora, o que diz a sã doutrina sobre tudo isso?
Basta se referir ao Concílio de Trento e ao que ele ensina sobre a justificação. Aqui estão as principais passagens desse ensinamento:
Cap. 7: A justificação do ímpio e suas causas.
«Desta justificação, aqui estão as causas: causa final, a glória de Deus e de Cristo, e a vida eterna; causa eficiente, Deus, que, em sua misericórdia, purifica e santifica gratuitamente (I Co VI, 11) "pelo selo" e a unção "do Espírito Santo prometido, que é o penhor de nossa herança" (Ef I, 13 ss); causa meritória, o Filho unigênito amado de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, que, "quando éramos inimigos" (Rm V, 10), devido ao extremo amor com que nos amou (Ef II, 4), mereceu nossa justificação (nº 592) por sua santíssima Paixão na madeira da Cruz e satisfez por nós a Deus seu Pai; causa instrumental, o sacramento do batismo, o "sacramento da fé" (Ambrósio de Milão, De Spiritu Sancto, 1.1, C. 3, 42: PL 16, 714 A; Agostinho, epístola 98 Ad Bonifacium episc., C. 9 s. v.: PL 33, 364); sem o qual nunca aconteceu a ninguém ser justificado. Finalmente, a única causa formal é a justiça de Deus, "não aquela pela qual ele é justo em si mesmo, mas aquela pela qual ele nos faz justos" (nº 592-593) (Agostinho, De Trinitate, 1.13, C.12, 15: PL42, 1048); recebida dele como um dom que nos renova no mais íntimo da alma, pela qual não apenas somos reputados justos, mas realmente justos e chamados assim, recebendo em nós a justiça, na medida em que "o Espírito Santo distribui a cada um conforme lhe apraz" (I Co XII, 11) e segundo a disposição e cooperação pessoais de cada um.
(...) Assim, na própria justificação, com a remissão dos pecados, o homem recebe ao mesmo tempo, por Jesus Cristo em quem está inserido, todos esses dons infusos: a fé, a esperança e a caridade. Pois se a esperança e a caridade não se unem à fé, a fé não une perfeitamente a Cristo e não faz um membro vivo de seu Corpo. É por isso que se diz com toda a verdade: "A fé sem obras é morta" (Tg II_, 17 ss) e inútil (n° 601), e_ "Em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm valor, mas a fé que opera pela caridade" (Gl V_, 6 ;_ VI_, 15). É essa que, segundo a tradição_ dos Apóstolos, os catecúmenos pedem à Igreja antes do sacramento do batismo, quando pedem "a fé que concede a vida eterna" (Ritual romano do batismo, n° 1) que, sem a esperança e a caridade, a fé não pode conceder. Assim, ouvem imediatamente a palavra de Cristo: "Se queres entrar na vida, observa os mandamentos " (Mt XIX_,_ 17). »
Cap. 10: O aumento da justificação recebida.
«Assim, os justificados, tornados "amigos de Deus e membros de sua família" (Jo XV_, 15 ; Ef_ II_, 19), caminhando "de virtude em virtude" (Sl_ LXXXIII_, 8), "se renovam", como diz o Apóstolo, "dia após dia" (II Co_ IV_, 16), ou seja, "mortificando os membros de sua carne" (Cl_ III_, 5) e oferecendo-os como armas à justiça para a santificação, pela observância dos mandamentos de Deus e da Igreja; eles crescem na justiça que receberam pela graça de Cristo, "a fé cooperando com as boas obras" (Tg_ II_, 22), e são justificados ainda mais (n° 606, 614), como está escrito: "Aquele que é justo, ainda será justificado" (Ap_ XXII_, 11), e também: "Não temas ser justificado até a morte" (Eclo_ XVIII_,_ 22), e ainda: "Você vê que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé" (Tg II_, 24). Este aumento de justiça, a santa Igreja o pede em sua oração: "Dai-nos, Senhor, mais fé, esperança e caridade" (Missal Romano, 13º domingo após Pentecostes, coleta) »_ (G. Dumeige, La foi catholique, 562 a 566 e 569).
Assim, o Magistério católico não nos fala de "libertação", mas de justificação. A alma cristã é justificada, ou seja, "feita justa", pela Justiça de Deus «não aquela, diz o Concílio, pela qual ele é justo em si mesmo, mas aquela pela qual ele nos faz justos».
Vê-se, na decisão do Concílio de Trento mencionada acima, as maravilhosas etapas desse caminho de justificação: o batismo, a fé, a esperança, a caridade, os sacramentos...
A que tipo de "libertação" pode chegar a alma gnóstica, que não tem outro salvador senão a si mesma? Ela está verdadeiramente em total impotência e em plena ilusão. E se for salva, será eventualmente em virtude de sua ignorância invencível.
A Reencarnação
Quase todas as doutrinas esotéricas modernas envolvem a crença na reencarnação das almas. Quando não se referem explicitamente a essa crença, geralmente é porque a subscrevem implicitamente.
A reencarnação é o novo nome da metempsicose. Também é chamada de teoria da migração ou da transmigração das almas. Encontra-se ainda, para designá-la, a palavra palingênese, que, segundo a etimologia, significa a mesma coisa: "palin" quer dizer "de novo" e "gênese" sugere a ideia de geração e, portanto, de encarnação. Diz-se também, embora mais raramente, revivescência. Todas essas denominações, que diferem apenas por pequenas nuances, são praticamente sinônimas. É possível, portanto, dar-lhes uma definição comum: é a doutrina segundo a qual as almas humanas passam de um corpo a outro. As almas sobrevivem aos corpos (o que ninguém duvida); e, após aguardarem por um tempo mais ou menos longo e em situações diversas, segundo as escolas, elas retornariam à terra para animar novos corpos no momento de seu nascimento.
Sabe-se que se trata de uma doutrina muito arcaica. Contudo, é preciso notar que ela não é absolutamente primitiva. Assim, por exemplo, nem os textos, mesmo os mais antigos, da Bíblia, nem os primeiros escritos védicos (aqueles que foram trazidos à Índia pelos arianos) fazem menção à transmigração das almas. É provável que essa concepção tenha surgido na época em que o politeísmo empírico começou a se sistematizar e a ser objeto de teogonias mais ou menos coerentes.
No entanto, é difícil atribuir uma origem precisa à doutrina da reencarnação. Alguns dizem: ela vem do orfismo. Outros, não sem algumas razões, a consideram uma teoria egípcia. Sabe-se também que o budismo contribuiu amplamente para difundi-la no Extremo Oriente. De qualquer forma, sua área de difusão cobre o mundo inteiro, apesar da hostilidade de alguns filósofos como, por exemplo, Aristóteles (que a criticava) e da resistência que o Cristianismo lhe opõe desde o início.
Os gnósticos dos três primeiros séculos ensinaram a metempsicose de diversas formas. No entanto, o Cristianismo, com o qual ela não é compatível, conseguiu eliminá-la completamente do Ocidente. Essa crença só sobreviveu em terras cristãs ao se marginalizar. Ela foi professada, discretamente, apenas pelos ocultistas de todas as épocas. No século XIX, foram os espíritas e os teosofistas que voltaram a ensiná-la publicamente e até a fazer dela uma das peças principais de seus sistemas.
Precisamos agora examinar quais são as diferentes fases do raciocínio reencarnacionista.
Façamos uma primeira constatação. A reencarnação supõe a crença na sobrevivência da alma após a morte. Ora, um exame, mesmo rápido, nos ensina que os partidários da reencarnação são quase sempre também partidários da dualidade da alma. Eles pensam todos, ou quase todos, que o homem possui duas almas: um "princípio vital" (animus ou psique) que é gerado pelos pais e um "princípio pensante" (spiritus ou pneuma) que vem do além. Para eles, o princípio vital, com vocação vegetativa, morre ao mesmo tempo que o corpo, ou sobrevive a ele por pouco tempo. Enquanto o princípio pensante é dotado de uma sobrevivência a longo prazo. As coisas se complicam ainda mais nas escolas que admitem o "duplo astral". Mas, enfim, quaisquer que sejam as escolas, há sempre, entre os reencarnacionistas, um princípio espiritual que sobrevive ao corpo.
Numa segunda constatação, observamos que a reencarnação é invocada, como base de raciocínio, por todos aqueles que pretendem desdramatizar a morte. Temos ouvido muito falar dessa "desdramatização" atualmente por aqueles que militam a favor do aborto e da eutanásia. Manobras inofensivas, dizem eles, já que a morte não é um drama. A morte constitui apenas uma mudança de estado. É a aquisição de um novo estado que apresenta suas vantagens e desvantagens, assim como o estado terrestre.
Ora, para "desdramatizar a morte", nada melhor que a reencarnação. Nesses sistemas, de fato, a alma não deixa definitivamente a terra e a natureza. Ela está destinada a voltar para seguir um processo automático de purificações sucessivas. Não há nem julgamento particular da alma, nem sentença imediata de recompensa ou de castigo. Fora com essas superstições medievais! A ciência moderna da psicologia humana nos reensinou noções antigas que o cristianismo havia lançado no esquecimento. Daí os inúmeros livros tratando da sobrevivência, da transmigração das almas e das supostas lembranças de nossas vidas anteriores.
A "desdramatização" da morte nos dá o exemplo de um caso de aplicação da teoria da reencarnação. Mas é hora de ver como essa teoria é estruturada em seu conjunto.
A versão mais completa da metempsicose é a professada no hinduísmo. Para o hinduísta, a existência terrestre é um mal. É um exílio e uma decadência. É uma decadência porque, na existência terrestre, as almas individuais são separadas da alma universal, tornando-se, assim, frações excêntricas. Elas se encontram temporariamente "fora de seu caminho". Pois é somente na alma universal que se realiza o ser perfeito, a totalidade da essência, a unidade absoluta e, portanto, a felicidade inefável.
As almas em estado individual, separadas do centro cósmico, são arrastadas no turbilhão exterior chamado samsara, que constitui a imensa "roda cósmica". E a lei que incorpora as almas individuais à roda do "samsara" é chamada de lei do karma.
Segundo a lei do "karma", toda ação realizada pelo homem gera consequências terrestres infinitamente, como os círculos que uma pedra provoca ao cair na água. As boas ações provocam consequências libertadoras, e as más ações, ao contrário, consolidam os vínculos que aprisionam a alma ao samsara.
Mas a alma humana é habitada pela "sede de existência" que se chama trishna. É dessa sede de existência que vem todo o mal, pois é ela que arrasta a alma na cadeia de consequências de suas ações terrestres, ou karma.
Como, então, acabar com essa cadeia de consequências que prende a alma à roda cósmica? Há dois meios:
O primeiro consiste em deixar fluir a sequência de reencarnações até que a soma dos atos reprováveis cometidos ao longo das vidas sucessivas seja compensada pela soma das boas ações libertadoras.
O segundo meio pode ser utilizado já nesta vida. Ele consiste em abolir em sua alma a sede de existência por meio de uma inação total e da evacuação de todo pensamento e de toda volição. Assim, o homem interrompe a cadeia das consequências kármicas e sua alma deixa o samsara, e portanto, a necessidade eterna de reviver.
Em ambos os casos, a alma, ou mais exatamente sua parte espiritual, se une à alma universal da qual era apenas um fragmento excêntrico. Ela perde sua individualidade distinta, que causou seu infortúnio na terra, e se funde no nirvana onde reina a unidade absoluta sem qualquer distinção individual.
Vê-se que, no hinduísmo, a reencarnação faz parte de um vasto mecanismo através do qual é a própria alma que opera sua própria libertação. O hinduísmo ignora a Redenção e não sente necessidade dela, pois as reencarnações operam uma espécie de redenção automática. Entende-se a impermeabilidade do Extremo Oriente à pregação cristã.
Vimos que a metempsicose também se encontra no Ocidente mediterrâneo, embora englobada em sistemas um pouco diferentes. Mas esses sistemas apresentam em comum os seguintes traços.
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A metempsicose é mais comumente fundamentada no princípio da preexistência das almas. Todos os espíritos teriam sido criados ao mesmo tempo, tanto as almas quanto os anjos ou outros gênios. O número de almas seria, portanto, fixo. Não poderia aumentar.
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Em seguida, as almas humanas foram submetidas a uma projeção brusca sobre a terra, em corpos carnais, devido a um processo e por razões que diferem de acordo com as escolas. Ora é o seu próprio apetite que as leva a isso. Ora, como entre os gnósticos, é devido a uma incompetência do "Demiurgo". Em todos os casos, essa encarnação da alma é uma coisa nefasta para a própria alma.
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As almas entram, assim, na roda das reencarnações, que, em seu conjunto, têm um valor expiatório. A metempsicose constitui um sistema de auto-retribuição. Ela dilui a noção de "julgamento" até fazê-la desaparecer.
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É necessário constatar que os sistemas reencarnacionistas supõem que a alma humana é polivalente, no sentido de que ela é capaz de se adaptar a todo tipo de corpo. Em alguns desses sistemas, elas se reencarnaram tanto em corpos de animais quanto em corpos humanos, em plantas quanto em pedras.
Os autores esotéricos observam que a Igreja nunca condenou explicitamente a doutrina da reencarnação. É verdade, de fato, mas há uma razão evidente para isso. A metempsicose é considerada por todos os escritores da Igreja e pelo magistério como incompatível com o ensino comum sobre o "composto humano". Essa incompatibilidade aparece em dois pontos de doutrina particularmente incontestáveis.
Primeira incompatibilidade. A reencarnação pressupõe a preexistência da alma. Na hipótese reencarnacionista, toda alma humana já animou outro corpo em um passado mais ou menos remoto. Ora, a Igreja Católica ensina a não- preexistência da alma. O sínodo de Constantinopla declara em 543:
> "Se alguém diz ou pensa que as almas dos homens preexistem, no sentido de que elas eram anteriormente espíritos e santas potências que, cansadas da contemplação de Deus, teriam se voltado para um estado inferior; que, por esse motivo, o amor de Deus teria esfriado nelas, o que as teria feito chamar em grego 'almas' e que elas teriam sido enviadas para os corpos como punição, que seja anátema" (Dumeige, A fé católica, 1961, p. 169).
A alma é a forma substancial do composto humano. Ela é criada no momento da concepção.
Mas então é preciso esclarecer que Deus, ao criar as almas sucessivamente (e não todas juntas no início do mundo), apenas multiplica a espécie humana em conformidade com a lei que Ele mesmo impôs no final do Sexto dia: "Crescei e multiplicai-vos".
Segunda incompatibilidade. Ela aparece não mais no momento do nascimento, mas no momento da morte. A sentença proferida no momento do julgamento particular ao qual cada alma é submetida após a morte é executada imediatamente. De acordo com o segundo concílio de Lyon (1274), as almas dos justos "são imediatamente recebidas no céu". E de acordo com o concílio de Florença (1439), "as almas dos condenados descem imediatamente ao inferno para lá sofrerem o castigo de penas desiguais".
Quanto às almas que não são imediatamente eleitas, nem imediatamente condenadas no momento do julgamento particular, elas entram no purgatório. No entanto, nem o magistério nem nenhum doutor jamais ensinaram que o purgatório consistia em uma migração das almas de corpo em corpo.
Vê-se, portanto, que o sistema da reencarnação é duplamente incompatível com a ortodoxia católica.
Nota
É bom responder a uma objeção que os gnósticos levantam com frequência. Eles afirmam que o profeta Elias se reencarnou na pessoa de São João Batista, oferecendo assim, dizem eles, o exemplo de uma reencarnação registrada e certificada pela Sagrada Escritura.
Na realidade, trata-se de uma interpretação equivocada. Eis o texto de São Mateus. Imediatamente após a Transfiguração e enquanto descem da montanha, os três discípulos que lá estiveram interrogam Nosso Senhor, dizendo:
"Por que, então, os escribas dizem que é necessário que Elias venha primeiro? Mas Jesus lhes respondeu: É verdade que Elias deve vir e restaurar todas as coisas. Mas eu vos digo que Elias já veio e eles não o reconheceram... Então os discípulos compreenderam que ele lhes havia falado de São João Batista" (Mt 17, 10-13).
Comentário do Padre Fillion:
"Em sua resposta, Jesus distingue duas aparições sucessivas de Elias. Uma real e pessoal, no final dos tempos, a outra figurativa e já cumprida na pessoa de São João Batista".
João Batista, portanto, não é uma reencarnação de Elias. Ele apenas desempenhou um papel precursor análogo ao de Elias. O Batista é o precursor de Jesus sofredor. Elias, em sua aparição no final dos tempos, será o precursor de Jesus triunfante. É por causa de seu papel de "precursor" que se pode chamar João Batista de "um Elias".
A Iluminação
Os escritores das diversas escolas gnósticas frequentemente mencionam um episódio particular da psicologia individual que chamam de "iluminação". Aquele que é iluminado percebe, como o nome sugere, uma certa comoção cerebral acompanhada de uma impressão luminosa mais ou menos intensa e mais ou menos subjetiva. Mas, sobretudo, ele adquire, sob o efeito dessa pequena comoção, uma nova mentalidade.
A partir de sua iluminação, o sujeito não vê mais o mundo como antes. Essa mudança de perspectiva é duradoura e, na maioria das vezes, definitiva. Em algumas escolas gnósticas, fala-se da aquisição, pelo iluminado, de uma influência espiritual.
Quais são as circunstâncias da iluminação? Ela pode ser iniciática ou espontânea. A iluminação é dita iniciática, como se pode imaginar, quando ocorre após uma cerimônia de admissão em uma sociedade iniciática (às vezes, ela ocorre durante a própria cerimônia). A impressão luminosa nem sempre é muito nítida; às vezes é inexistente. Mas a mudança de mentalidade é quase sempre percebida com agudeza. O iluminado tem a impressão de ter se tornado outro homem. Para ele, o mundo exterior é iluminado por outra "luz".
A iluminação é dita espontânea quando ocorre, fora de qualquer filiação cerimonial, em indivíduos que se entregam a meditações intensas ou a uma paixão intelectual prolongada. É uma espécie de espasmo da inteligência que sobrevém após uma forte atenção ou uma forte jubilação do espírito. Esse fenômeno da psicologia humana era conhecido pelos antigos, que lhe davam o nome de "momentum intelligentiæ", expressão que pode ser traduzida como "instante de compreensão", onde se encontra a ideia de nova mentalidade.
Qual é o agente desse fenômeno iluminativo? Podemos identificar dois agentes diferentes.
Ou o contemplativo é abruptamente submetido a uma influência demoníaca, geralmente euforizante, aliás, e isso pode ocorrer tanto no caso da iluminação iniciática quanto no da iluminação espontânea.
Ou ele é simplesmente submetido a forças mentais que provêm de seu próprio interior; ele é impressionado por suas próprias cogitações que assumem uma forma paroxística devido à intensidade da preparação. Neste caso, daremos à sua iluminação o nome de ênstase, para marcar que houve autoestimulação e recolhimento em si mesmo, e para distingui-la do "êxtase", que é um fenômeno objetivo. Na iluminação por "ênstase", é o espírito que implode sobre si mesmo. A palavra ênstase é relativamente recente.
Interroguemos agora os doutores espirituais do cristianismo sobre a questão da iluminação e do julgamento que se deve fazer sobre ela. O verdadeiro iluminador da alma é o Verbo encarnado. Ele é iluminador porque é ele quem tornou visível o que é invisível. Ele nos faz conhecer Deus "que ninguém viu":
"Quem me vê, vê também o Pai".
Quem não conhece também a "grande antífona"?:
"Ó Oriens splendor lucis æternæ et sol justitiæ; veni et illumina sedentes in tenebris et umbra mortis" Ó Oriente, esplendor da luz eterna e sol da justiça; vinde e iluminai aqueles que estão sentados nas trevas e à sombra da morte.
O cristão é "iluminado" pelos sacramentos, especialmente aqueles que imprimem na alma um caráter. A liturgia da missa, das horas e dos sacramentos nos familiariza com essa ideia de iluminação.
Dentro da Igreja, devido à fé do sujeito e à graça que ele possui, sua alma fervorosa pode alcançar uma iluminação real, ou seja, um contato objetivo com a luz divina.
"Eu sou a luz do mundo", disse Jesus (Jo. VIII, 12). Os escritos dos grandes místicos católicos nos informam sobre a iluminação que receberam de Deus.
A Alquimia
O tema da alquimia é muito sintomático da pertença à escola gnóstica moderna. Existem, em princípio, duas alquimias: a alquimia operativa e a alquimia especulativa ou espiritual.
A alquimia operativa tem por objetivo a transmutação dos metais e mais particularmente a transformação do "vil chumbo" em ouro. Esta transformação complicada, longa e aleatória é uma das formas da magia. É indubitável que ela envolve, ao mesmo tempo que certas forças naturais pouco manuseáveis, forças diabólicas.
A alquimia especulativa visa um objetivo espiritual. Não se trata mais de transformar o metal, mas o homem. É uma escola de vida interior que tem por objetivo espiritualizar o "eu" individual e elevá-lo à altura do "si" metafísico. Em outras palavras, a alquimia espiritual trabalha para fazer eclodir o germe de absoluto que cada homem é suposto abrigar no fundo de si mesmo. Este método de germinação é rodeado, entre os alquimistas, de um folclore muito especial. A "via contemplativa" da alquimia se apresenta em termos de ciência natural, astronomia e laboratório. Fala-se de dessecação, solução, destilação, sublimação, quintessência, mas também de zodíaco. O fundo do método é uma mística naturalista.
A alquimia operativa e a alquimia especulativa têm em comum uma mesma mentalidade: a da transmutação. A mentalidade alquímica tende a sublimar a natureza (física ou humana) utilizando as forças de sublimação incluídas na própria natureza. É por isso que a literatura esotérica moderna, que adota largamente este estado de espírito alquímico, está repleta de alusões à transfiguração e à assunção. É o homem e o mundo inteiro que devem ser "assuntos" e transfigurados. Apresentam-nos a operação como iminente e como já começada.
Notemos bem que a mutação alquímica do universo não recorre à intervenção divina. É uma auto-sublimação que permanece na ordem da natureza e que o alquimista deve apenas ajudar e acelerar, por meios de ordem mágica, como vimos. Se acontece que se faz referência a Deus, é a um Deus que opera fora da Igreja. Podemos, portanto, perguntar-nos se se trata realmente do verdadeiro Deus.
Analisemos agora essa mística e essa mentalidade alquímica à luz da fé. Não há dúvida de que o Criador destinou a criação a ser transformada. A Escritura nos ensina que, no final dos tempos, por um decreto que completará e mesmo superará em poder o da criação ex nihilo, Deus fará todas as coisas novas _(Ecce nova facio omnia, Apoc., XXI, 5). Já Isaías havia dito, no mesmo sentido: "Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, nem considereis as coisas antigas. Eis que faço coisas novas (Ecce ego facio nova) e agora elas brotam" (Is 43,18-19). Esse novo estado do universo é o estado de glória.
Certamente, a natureza comporta uma aptidão para a glorificação, pois as obras de Deus se preparam umas às outras. A natureza aspira a essa transformação. Ela aspira a isso, mas é incapaz de realizá-lo por suas próprias forças. O decreto divino e o poder que Ele colocará em ação são indispensáveis para realizar a passagem ao estado de glória. É Deus quem o realizará (Eis que Eu).
É essa necessária operação divina que os alquimistas não querem admitir. Eles querem "assumptar" e "transfigurar" o mundo sem a fé, sem a graça, sem Deus. Eles querem antecipar seus decretos. É uma atitude tipicamente luciferina.
Estaremos atentos para não nos deixarmos enganar por essas palavras de "transfiguração" e "assunção" que a literatura gnóstica emprega de forma errada e indiscriminada. Elas pertencem à terminologia cristã, mas ao aplicá-las a um suposto florescimento espontâneo da natureza, os alquimistas lhes dão um significado que não é cristão e as incorporam a raciocínios totalmente distorcidos.
O Andrógino
O tema do andrógino é um dos mais frequentemente tratados pelos autores esotéricos. De acordo com eles, o homem, tal como figura no projeto divino antes de sua vinda à existência, seria ao mesmo tempo homem e mulher. O arquétipo do homem seria andrógino. Esse andrógino arquetípico recebe também, por vezes, o nome de "homem universal".
Na literatura gnóstica atual, os desenvolvimentos sobre este assunto são muito frequentes, muito abundantes, mas também muito confusos. Consegue-se distinguir neles três tipos ou, antes, três níveis de androginia.
- Há primeiro a androginia arquetípica de que acabamos de falar. O homem ideal, no pensamento de Deus, seria andrógino. Mas então, por que não o teria permanecido?
- Distingue-se, em seguida, uma androginia primordial ou ancestral. Adão teria sido andrógino antes da criação de Eva; a distinção dos sexos dataria da formação de Eva.
- Finalmente, vislumbra-se também uma androginia que chamaremos escatológica: quando ocorrer a "reconstituição de todas as coisas", o homem revestirá novamente a forma andrógina, pois ela lhe é, aparentemente, essencial.
Essas considerações, apresentadas, aliás, com mais lirismo do que bom senso (sem contar uma infatigável volubilidade), são típicas da literatura gnóstica moderna. Mas a própria noção é muito antiga; ela data dos primórdios da gnose histórica. Encontra-se mesmo no paganismo antigo.
Qual é a doutrina da Igreja sobre tal assunto? Na verdade, o magistério nunca se ocupou muito disso, pois essa hipótese é tão estúpida. Pode-se, no entanto, recordar um certo número de verdades inquestionáveis que se opõem a essa monstruosidade.
O homem não tem senão um único arquétipo, que é o Verbo encarnado. Não há outro. Ele é "o primogênito de toda a criação". Cristo é o modelo sobre o qual toda a espécie humana foi constituída. A própria Virgem Maria, que é a segunda Eva, foi formada segundo o modelo de Cristo; Ela é a "ajuda semelhante a Ele" de que fala a Escritura. Ora, Nosso Senhor não era andrógino, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem: "Um menino nos nasceu. Um Filho nos foi dado".
Na distinção dos sexos, que é uma das grandes leis da natureza viva, Deus quer, evidentemente, nos fazer meditar sobre um mistério de dualidade. No quarto dia da criação, vemos aparecer simultaneamente os dois grandes luminares. O sol é a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo, que será chamado de "sol da justiça". E a lua é a figura da Virgem Maria, que será chamada "espelho da justiça" porque reflete a luz do sol, não tendo luz própria.
Nunca foi escrito em lugar algum que o sol e a lua proviriam de um astro anterior que os teria contido a ambos e que se teria desdobrado posteriormente. O que vemos de imediato são dois astros, dos quais um, menor, tira sua luz do outro. É esse mistério de dualidade, expresso nos fatos, que temos de meditar, sem ir inventar outro que nem a Escritura, nem a natureza nos fornecem. Nem a Escritura, nem a Tradição, nem os Padres (salvo algumas exceções que se contam nos dedos de uma mão), nem o magistério jamais falaram de um ser simultaneamente homem e mulher que teria constituído a etapa preparatória da humanidade.
Ao contrário, encontramos abundantemente o andrógino entre as divindades pagãs, as quais são entidades satânicas segundo os salmos: "Todos os deuses dos pagãos são demônios (Sl 96,5)". No mundo do politeísmo, temos a escolha entre os ancestrais do andrógino.
Por que Deus recorreu a dois sexos diferentes para realizar a procriação? Esse é o mistério que Ele nos dá para meditar. Podemos encontrar alguns começos de explicação. Não podemos elucidá-lo totalmente. O que é certo é que o andrógino, sob o pretexto de esclarecer esse mistério, o obscurece singularmente e cria mais problemas do que resolve.
O andrógino é o tipo mesmo da monstruosidade demoníaca. É uma maneira, para Lúcifer, de tomar, na religião mundial, o lugar de Jesus Cristo. Pois, nessa concepção, seria o monstro andrógino, isto é, Satanás, que geraria, por desdobramento, o Cristo e Sua Mãe, os quais teriam, portanto, um ancestral comum que não seria outro senão Lúcifer. Que cristão digno desse nome aceitará uma doutrina assim?
O Graal
O tema do Graal, que é eminentemente cavalheiresco, é muito frequentemente tratado por autores esotéricos e especialmente por aqueles que têm pretensões ao catolicismo mais seguro. Este tema, de fato, é verdadeiramente ideal para transmitir insensibilmente ideias gnósticas, fazendo-as passar por cristãs e até mesmo particularmente tradicionais. É necessário, portanto, retomar toda essa questão, resumindo-a, é claro, e tentando determinar onde termina o cristianismo e onde começa a gnose.
Do que se trata, muito resumidamente, na história do Graal? O Graal da lenda é, originalmente, o cálice no qual o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, caindo da Cruz, teria sido recolhido pelos anjos e então confiado por eles a José de Arimateia. Este "santo vaso" teria sido trazido para a Europa e escondido em uma série de misteriosos castelos da Bretanha e da Inglaterra. Os contos do Graal relatam as peripécias da busca pelo Graal, ou seja, sua procura, e depois sua descoberta por um cavaleiro particularmente irrepreensível. Essa é a estrutura cristã de toda essa lenda.
À primeira vista, nada é mais cristão, mais cavalheiresco e mais edificante do que este tema. Ele se alinha, em princípio, ao gênero do maravilhoso cristão que consiste em bordar sobre uma trama real e embelezá-la, por exemplo, acrescentando milagres à vida de um santo. Além disso, é incontestável que a veneração dos instrumentos da Paixão é um sentimento autenticamente religioso. É a este zelo que se deve a descoberta da Cruz por Santa Helena, assim como a conservação da placa da Cruz (em Roma), da Santa Túnica (em Argenteuil) e do Santo Sudário (em Turim). Da mesma maneira, encontrar o Santo Graal, que descoberta maravilhosa! Se a lenda pudesse ser verdadeira! Em suma, nada mais tranquilizador do que o tema da busca pelo Graal.
Vejamos agora sob qual forma essa lenda entrou na literatura. Sabe-se que existe toda uma família de poemas e romances chamados graalianos. Esta família constitui o que os historiadores literários chamam de subclasse graaliana, que pertence ao grande "ciclo arturiano". Consequentemente, os poemas e romances do Graal não devem ser classificados entre as obras do "ciclo carolíngio", que é anterior, que trata de Carlos Magno e cujas peças principais são a Gesta de Santa Fé e a Canção de Rolando.
Por que se faz da família graaliana um subclasse da gesta arturiana? Porque muitos personagens dos romances arturianos se encontram naqueles do Graal, em particular o próprio rei Arthur, o mago Merlin e o cavaleiro Lancelot, sem contar alguns outros de menor importância.
Eis, portanto, nosso subclasse graaliano situado em relação aos seus vizinhos na literatura da Idade Média. O ramo graaliano se desenvolveu sobre o tronco arturiano, rejuvenescendo-o. Mas ele vai explorar um tema totalmente independente da lenda arturiana, a saber, a história do Santo Vaso de José de Arimateia.
Em quais grimórios "a arte confusa de nossos velhos romancistas" buscou a história deste vaso? Chega-se facilmente a reconstituir a lista. As fontes graalianas são: o proto-evangelho apócrifo de Tiago, o pseudo-evangelho de Nicodemos, os Gesta Pilati, a Vindicta salvatoris, também chamada de História de Vespasiano e, finalmente, uma série de documentos antigos que são reunidos sob o nome de História da Santa Cruz. Nenhum desses documentos é canônico; todos são apócrifos. Entre eles, parece que a principal fonte seja o pseudo-evangelho de Nicodemos.
Os contos do Graal apareceram em dois florescimentos sucessivos. O primeiro florescimento conserva as belas aparências cristãs que o assunto impõe e que o público medieval também exige. No entanto, já se encontram neles bizarrices imaginativas que certamente lhes conferem charme literário, mas que obrigam a constatar neles subentendidos mais ou menos heterodoxos. Os historiadores modernos da literatura concordam em reconhecer neles, ao mesmo tempo, uma influência cisterciense, para a parte cristã, e uma influência cátara para a parte heterodoxa.
Cinco autores estão na origem deste primeiro florescimento: Robert de Boron, Chrétien de Troyes, Wauchier de Dandin, Manessier e Gerbert de Montreuil. Eles pertencem ao início do século XIII. Cada um conta à sua maneira a jornada do Graal, depois a "busca" empreendida por personagens míticos e sobretudo típicos para encontrá-lo. As variantes do relato são notáveis. Mas o que é constante são os heróis que reaparecem em todos os romances e em todos os poemas. O mais característico é Galaad, que encarna a perfeção cavalheiresca.
Quanto aos temas desenvolvidos pelos cinco escritores desta primeira floração grálica, eis os principais:
- O "Palácio Espiritual" no qual se desenrolam as grandes cenas; é construído na misteriosa cidade de Sarraz. Por que "Sarraz", palavra na qual não podemos deixar de encontrar a raiz de "Sarraceno"? Esta alusão recebeu várias explicações: vê-se uma de duas coisas, ou a ideia muito medieval da conversão dos muçulmanos, ou, pelo contrário, uma surda admiração pela cultura muçulmana.
- Cerimônias mais ou menos eucarísticas ocorrem em castelos imprecisos, com cortejos impecavelmente regulados para acompanhar a lança de Longino ou o próprio Graal. Algumas descrições são de grande beleza. Encontramos aqui o gosto dos beneditinos e cistercienses pelo cerimonial.
- Aparece um sacerdócio espiritual que não depende dos poderes de São Pedro. É um "novo sacerdócio" que foi conferido a José de Arimateia pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo. Nessas cenas muito místicas, vemos aparecer um "maravilhoso vaso de ouro" que ora se confunde com o Graal, ora se distingue dele. Nunca se fala do clero paroquial, nem do bispo, nem da catedral. Em contrapartida, encontramos eremitas enigmáticos mais ou menos iluminados.
- Um "pequeno povo", recém-nascido de "nascimento espiritual", escuta as profecias do eremita Nascien e por vezes até assiste a visões do futuro.
- O castelo de Corbenyc é um dos principais palcos dos episódios grálicos. Vemos ali três tipos de cavaleiros em ação: o guerreiro grosseiro e cruel, o cavaleiro pecador arrependido e, finalmente, o verdadeiro cavaleiro sem mancha, que é geralmente a personagem de Galaad, que atinge o mais alto grau da vida interior, "a união mística".
Esses são os temas mais frequentemente desenvolvidos pelos cinco primeiros cantores do Graal. Não há dúvida de que, sob um cenário cristão de grande beleza, desenrola-se um processo cheio de subtendidos: um novo sacerdócio, a posse de um segredo, um pequeno povo escolhido para cercar uma entidade misteriosa, alusões reiteradas a um ensinamento secreto de Cristo, a ideia de que a perfeição natural e racional coincide com o início do sobrenatural sem solução de continuidade.
No meio do século XIII, uma segunda floração grálica é inaugurada por Wolfram von Eschenbach, que escreve o famoso Parzival. Alguns anos depois, Albrecht (1270) lhe sucede com o Novo Titurel. A partir de então, o esoterismo do mito não deixa mais dúvida.
Wolfram von Eschenbach ainda se inspira em Chrétien de Troyes, de quem retoma e repete, pelo menos em parte. Mas ele também bebe de outra fonte: a obra de Kyot, o Provençal, que é uma lenda análoga à do Graal, mas de tonalidade e espírito claramente árabes. Eis o que ele mesmo diz a respeito:
"Kyot, o mestre bem conhecido, encontrou em Toledo a matéria desta aventura anotada em escrita árabe".
Em outras palavras, Wolfram von Eschenbach vai associar a lenda cristã do Graal à "matéria" de um conto árabe. A partir de então, não se falará mais de José de Arimateia.
As novas aventuras chegarão mesmo a abandonar o mundo e os personagens arturianos para substituí-los pelo mundo oriental e novos atores. O castelo de Corbényc é substituído pelo de Montsalvage (ou Monte Salvífico). O próprio Graal muda de natureza; ele se torna uma "pedra oca possuindo as mais maravilhosas virtudes"; aprende-se mesmo que essa pedra não é outra coisa senão a esmeralda que enfeitava o diadema de Lúcifer e que caiu sobre a Terra no momento da queda do arcanjo. O templo do Graal nem mesmo se encontra mais na Terra. Um certo tom cristão é assegurado por alguns episódios, como, por exemplo, a descida anual de uma pomba que vem renovar a hóstia do novo Graal. No entanto, todo o Parzival imerge em uma estranha atmosfera de astrologia e alquimia. Eis, portanto, a mutação concluída; o mito do Graal da segunda floração tornou-se positivamente esotérico. Mas é preciso reconhecer que esse esoterismo já estava em germe nas produções dos cinco primeiros poetas.
Quando R. Wagner, no século XIX, retomará o facho do Graal, ele se inspirará no Parzival de Wolfram von Eschenbach. Wagner inaugura a onda grálica dos tempos modernos. Depois dele, uma abundante literatura grálica ainda florescerá, na qual só restarão vagas reminiscências do Cálice de Cristo. O Graal da antiga lenda cristã terá produzido duas entidades. Primeiro, a Pedra Caída do Céu, com todas as interpretações luciferinas que isso implica (pois afinal, uma pedra caída do Céu não é o símbolo do próprio Lúcifer?). Mas também a Cornucópia, com todos os comentários que se pode fazer sobre a reabertura do paraíso terrestre. Todos esses temas são retomados hoje e amplamente explorados por uma grande quantidade de obras, revistas, congressos e sociedades grálicas. A obra que marca mais nitidamente o ponto final de todo esse "movimento grálico" é a de Julius Evola, intitulada O Mito do Graal e a Ideia Imperial Gibelina, título atrás do qual sente-se vibrar a ambição de um Sacro Império Gnóstico.
Seja sob a forma da antiga lenda ou sob a do mito moderno, o Graal é um dos temas favoritos dos esoteristas cristãos, pois ele permite a passagem do cristianismo à gnose por uma série de transições imperceptíveis.
A Gnose Universal
Depois de terem usado por muito tempo circunlocuções prudentes, na época em que a Igreja ainda lhes inspirava certo temor, os escritores gnósticos se expressam hoje abertamente. Eles proclamam que a gnose não é outra coisa senão a teologia da futura e próxima religião universal.
Apenas a gnose ainda é apenas uma doutrina esotérica, pelo menos em teoria, ou seja, uma doutrina reservada a uma elite. Uma elite por muito tempo confinada a congregações iniciáticas, mas que se está ampliando a todo tipo de círculos intelectuais e universitários, e isso em todo o mundo.
Esta gnose, ainda esotérica, deixa subsistir acima dela, na superfície social, as religiões exotéricas, ou seja, as grandes confissões estabelecidas. E ela se contenta, por enquanto, em unificá-las insensivelmente. De modo que não saímos da fase do pluralismo. É esse pluralismo religioso que o ecumenismo conciliar põe em prática e em aplicação com uma notável docilidade. A diversidade das religiões estabelecidas é mantida enquanto a gnose subjacente não tiver conseguido unificá-las substancialmente. Ora, elas resistem a essa uniformização porque seu clero, é bem natural, apega-se ao seu papel de liderança.
Será preciso, no entanto, chegar um dia, sob a pressão das sociedades gnósticas, a essa unificação final, ou seja, ao estabelecimento de uma religião sincrética. É por ela, muito mais do que pelo pluralismo, que Lúcifer proclamará publicamente seu triunfo. O pluralismo ecumênico é apenas uma etapa. A religião sincrética será a gnose universal.
Quais serão os agentes dessa passagem do pluralismo ao sincretismo? Simplificaremos e enumeraremos apenas os três principais desses agentes que vemos tão frequentemente aparecer como temas da gnose moderna. O que convém unificar, nas diversas religiões do mundo, para fundir em uma única religião? Basta unificar a tradição, a mística e o simbolismo. Retomemos sucessivamente cada um desses agentes de unificação.
A Tradição Universal
Os gnósticos se dizem depositários da "tradição imemorial", a qual contém, segundo eles, os vestígios fiéis da "revelação primordial". Essa é uma das grandes ideias de René Guénon.
Essa revelação primordial teria se transmitido, dizem eles, em colégios de iniciados que inspiraram, com mais ou menos eficácia, as formas religiosas exotéricas que surgiram na superfície social e que são evidentemente diferentes de um continente para outro e mesmo de um milênio para outro.
A tradição primordial pode, portanto, também receber o nome de "tradição universal", pois é ela que se encontra, com mais ou menos fidelidade, no fundo esotérico das grandes confissões estabelecidas.
É no Oriente, desconfia-se, que a tradição universal teria se conservado com a maior fidelidade. É lá que se encontram suas formas mais arcaicas, em particular nos escritos védicos. Esses escritos védicos são: os quatro livros dos Vedas, os Upanishads que são os comentários dos Vedas e, finalmente, o Vedanta, que é uma explicação metafísica e mística mais tardia dos Vedas. É, portanto, de preferência no Oriente que se deve buscar a tradição universal, sem negligenciar, no entanto, o fundo esotérico e gnóstico das outras religiões, onde também se a encontra.
As grandes religiões darão um grande passo em direção à sua unidade cultivando sua fonte comum, que é a tradição universal. As sociedades esotéricas se encarregarão de fazê-las conhecê-la. Essa é, muito esquematicamente definida, a tradição universal segundo os gnósticos de hoje.
Perguntemos-nos agora qual é a doutrina da Igreja sobre esse assunto tão importante.
O fio da tradição primordial foi milagrosamente conservado por Abraão. A peça-chave dessa antiga tradição era o anúncio de um Salvador que deveria vir "nos tempos marcados". Anúncio que finalmente só se perpetuou intacto no povo de Israel.
Os grandes marcos dessa tradição autêntica são, portanto: Adão, Noé, Abraão e Moisés. Ela está contida no Antigo Testamento. E ela culmina em Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a sua realização, sendo o Salvador anunciado.
Jesus Cristo procede a uma Nova Revelação, a qual é consignada no Novo Testamento e na Tradição apostólica.
Duas tradições estão fundamentalmente em luta diante de nossos olhos. Longe de veicular o mesmo conteúdo conceitual, essas duas tradições são antagônicas. Uma transmite, sem disfarce, a religião do verdadeiro Deus, é a Tradição apostólica na qual a autêntica tradição primordial está inteiramente incluída. A outra, chamada pelos neognósticos de Tradição primordial, transmite, sob um disfarce de luz, a religião tenebrosa daquele que quer tomar o lugar de Deus.
A Mística Universal
Para proceder à unificação das religiões, os homens da gnose também buscam uniformizar suas místicas, ou seja, seus métodos contemplativos. Eis como eles procedem.
Eles constatam primeiro (o que é perfeitamente exato) que o homem é naturalmente dotado de faculdades contemplativas e que essas faculdades se encontram em grande uniformidade. O aparelho místico do homem é o mesmo, independentemente da religião. Os gnósticos partem, portanto, de uma constatação exata. Veremos como eles logo depois bifurcam.
Dessa uniformidade do aparelho místico, eles concluem que o conteúdo conceitual que se pode extrair dele é também uniforme. Expliquemo-nos. Para eles, desde que a alma se desabroche em direção ao mundo dos espíritos, ela só pode captar mensagens divinas. Desde que haja exercício da faculdade mística, ou seja, da faculdade de comunicação com o mundo espiritual, é inútil perguntar com quais entidades a alma efetivamente se encontra em relação; só pode ser com o mundo divino. A gnose, a moderna como a antiga, conclui que todas as religiões são alimentadas pela contemplação divina. Todo místico só pode ter um inspirador, que é Deus.
Portanto, os gnósticos se dirigirão aos cristãos dizendo-lhes:
"Vocês afirmam que seus místicos comunicam com Deus; vocês têm razão. Mas os místicos de todas as outras religiões também comunicam com Deus".
Todas as religiões se equivalem no domínio da contemplação. A afirmação da equivalência mística universal é um dos meios mais seguros de unificar as religiões.
Aqui está a posição católica sobre este assunto.
A alma cristã se distingue daquela que não é cristã. Ela se distingue essencialmente pela Fé da qual recebeu a marca no batismo. A partir de então, é a graça divina que vai iluminá-la e instruí-la.
A alma não cristã de boa vontade pode receber de Deus graças adaptadas à sua situação. Mas ela não chegará à contemplação do Deus Trindade e do Verbo Encarnado Redentor da humanidade.
Os mestres da vida espiritual católica estabeleceram as regras bem conhecidas do discernimento dos espíritos. Uma das principais é que as "consolações místicas" não devem ser buscadas. É preciso apreciá-las quando se apresentam, mas não se deve fazer nada para provocá-las. Ora, precisamente a mística de todas as outras religiões é feita de receitas para provocar a visão, o êxtase, o comércio sensível com o além.
O Simbolísmo Universal
Eis, portanto, todas as religiões, incluindo a religião cristã, unificadas por sua tradição e por sua mística. A gnose, que se infiltra em todos os lugares, tentará unificá-las ainda mais por seu simbolismo. Segundo ela, o cristianismo nem sequer tem o direito de reivindicar a singularidade de seu simbolismo; o simbolismo cristão se confundiria com o simbolismo universal. Como a gnose chega a esse resultado? Mais uma vez, ela partirá de um postulado correto e depois se desviará no caminho.
Não há dúvida de que as obras de Deus estão em harmonia umas com as outras e que o universo testemunha uma correspondência universal. As obras de Deus estão em harmonia no espaço, pois Deus coloca unidade entre as diversas partes de sua obra. Elas também o estão no tempo, pois as obras de Deus se chamam e se recordam. Todos os sábios do mundo tomaram consciência dessa harmonia e dessa correspondência universais. A Tábua de Esmeralda, que é o código dos alquimistas, contém esta famosa proposição:
"O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está em cima".
Ao subscrever esta máxima, a gnose moderna não diz nada além do que dizem muitos escritores da Igreja.
O meditativo gnóstico, ao comparar as obras de Deus entre si, obviamente encontrará harmonias em número ilimitado. Ele inventariará um universo indefinidamente harmonioso. Ao fazer isso, declarará que pratica um simbolismo aberto porque não se imporá nenhuma regra. Seu pensamento sendo cosmocêntrico, ele verá o universo como sendo seu próprio símbolo. Para ele, o cosmos, cujo alto corresponde ao baixo e fornece o tipo, será autossignificante. E ele escolherá, como emblema dessa "autocorrespondência", a serpente circular que morde a própria cauda. É a "serpente Ouroboros", ou seja, a serpente que devora a si mesma. E o gnóstico concluirá sua meditação simbólica pedindo à Igreja que também se submeta a esse "simbolismo aberto", universalmente aceito, acrescentará ele.
Diante desse simbolismo aberto, quais serão os princípios do simbolismo cristão? O ponto de partida é o mesmo. É a constatação da harmonia que Deus colocou entre as diferentes partes de suas obras. O pensador cristão dirá:
"O céu que vemos é a imagem do Céu em que acreditamos".
Mas ele irá além porque o eixo do simbolismo cristão não é "cosmocêntrico", ele é Cristocêntrico. Ele se preocupa em saber por quem e para quem um edifício tão harmonioso foi construído.