O RETORNO OFENSIVO DA GNOSE
- Introdução
- Capítulo I - O Fermento da Malícia
- A Gnose Simoniana
- A Intuição Contemplativa
- O Docetismo de Basílides
- O Pleroma Valentiniano
- Os Hílicos, os Psíquicos e os Pneumáticos
- A Antinomia de Marcião
- A Confecção dos Apócrifos
- Os Padres da Contra-Igreja
- A Escola de Alexandria
- O Ramo Maniqueísta
- Um Cristianismo de Fantasia
- Capítulo II - O Broto Martinista
- Capítulo III - A Metafísica da Esfinge
- O Aprendizado Maçônico de Guenon
- A Extensão às Religiões Orientais
- O Princípio Supremo
- A Via Metafísica
- Nada de Mística Devocional
- Se Sobrepor Sem se Opor
- A Tradição Universal
- O Discurso de Compatibilidade
- Capítulo IV - Os Gurus de Laboratórios
- A Gnose de Princeton
- O Politeísmo Moderno
- Mais uma vez os Grandes Iniciados
- Os Participantes Profetas
- A Gnose Anexa a Ciência
- Capítulo V - Abel e Belial
- A Gnose de Raymond Abellio
- A Loucura de Louis Lambert
- A Carne se fará Verbo
- A Sublimação Universal
- Um Imenso Cérebro
- A Estrutura Absoluta
- Uma Beleza Tenebrosa
- Capítulo VI - A Gnose Religião de Estado
- Conclusão
Introdução
A literatura esotérica e orientalista veio a inundar tudo. Silenciosamente, ela se espalha, infiltra-se e se derrama por toda parte. Acabou-se por não prestar mais atenção a isso, mas é um fenômeno cultural tão alarmante quanto incontestável. Há alguns anos, esse tipo de publicação era reservado a um pequeno número de editores especializados. Hoje, todas as grandes editoras possuem suas coleções gnósticas, hinduístas, rosacrucianas ou sufistas.
A quantidade de obras assim colocadas à disposição do público é absolutamente enorme. É necessário constatar que isso manifesta um verdadeiro movimento de pensamento. Pois isso supõe primeiramente leitores em quantidade crescente e também toda uma intelectualidade redacional que é, pelo menos em parte, de um nível muito alto, e por conseguinte muito sedutora.
Esse movimento de pensamento pode, sem exagero, ser chamado de "nova gnose", pois lembra a efervescência sincrética que perturbou os três primeiros séculos do Cristianismo e que ficou na História sob o nome de "Gnose", palavra grega que significa ao mesmo tempo "ciência" e "conhecimento".
Antes de listar e analisar os principais temas da gnose moderna, é necessário reavivar nossas lembranças da antiga, ou seja, da gnose histórica que quase comprometeu a edificação do esplêndido e temível edifício do dogma cristão: esplêndido para aqueles que nele habitam em paz, e temível, por causa de sua solidez, para aqueles que o atacam.
Capítulo I - O Fermento da Malícia
A Gnose Simoniana
O primeiro dos gnósticos, o fundador da Escola, é sem contestação possível Simão, o Mago. Foi ele quem traçou as grandes linhas do pensamento gnóstico, especialmente no que diz respeito à essência da divindade e à natureza do mundo dos espíritos. Cada novo líder subsequente apenas trouxe variações e complementos a esse quadro primitivo, principalmente no que se refere às origens do homem e às modalidades de sua salvação.
Simão, o Mago, nos é apresentado nos Atos dos Apóstolos com características que se tornaram proverbiais:
"Na cidade de Samaria, havia um homem chamado Simão, que praticava a magia e maravilhava o povo da Samaria, apresentando-se como alguém de grande importância... Vendo Simão que o Espírito Santo era concedido pela imposição das mãos dos Apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: Dai-me também esse poder, para que aquele a quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo. Mas Pedro lhe disse: Que teu dinheiro pereça contigo, pois pensaste que o dom de Deus se obtém por dinheiro! Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus." (Atos VIII, 9-21)
No auge de sua teologia, que é, como veremos, uma verdadeira mitologia onde a invenção é soberana, Simão, o Mago, coloca um Princípio universal. Este princípio é uma espécie de fogo espiritual que se manifesta externamente, dando nascimento, por emanação, a espíritos chamados éons. Esta noção de éon não é rara no pensamento antigo. Pertencia, naquela época, ao patrimônio filosófico corrente.
Esses éons procedem aos pares: um éon masculino agindo em cooperação com um éon feminino. Cada casal de éons forma uma sizígia. A sizígia é uma espécie de andrógino angélico. Vemos reaparecer na gnose, e por muito tempo, a velha lenda hermafrodita que circula no paganismo há tantos séculos.
O Princípio universal produz primeiro por emanação três sizígias, cada uma com dois éons, que constituem com ele o "mundo superior" ou "mundo divino".
Abaixo deste mundo divino, Simão, o Mago, coloca o "mundo do meio", que é formado principalmente por novos éons que surgem, sempre por emanação, dos éons superiores ou divinos. Mas encontramos também, no mundo do meio, outros personagens: Epinoia, os anjos, as potências e o Demiurgo.
Epinoia é o nome dado ao pensamento divino. Inexplicavelmente, essa Epinoia abandona o princípio universal do qual ela saiu e, voltando sua predileção para os seres inferiores, chama à existência os anjos e as potências, que são mantidos, não se sabe por quê, na ignorância do Princípio imutável, ignorância inicial e fatal que leva os anjos a uma série de erros. O pecado original é, portanto, um pecado de ignorância. A essa ignorância primordial, a gnose vai agora opor o "conhecimento" que deve restabelecer tudo em ordem.
O Demiurgo é o artífice do universo físico. Ele molda uma "materia prima" eternamente pré-existente. Ele não faz surgir o cosmos do nada; ele apenas precisa organizá-lo; é por isso que é chamado de "artífice", demiurgo em grego. Reconhece-se aí a origem do "Grande Arquiteto do Universo" que a maçonaria aceita e "tolera" como divindade.
O papel respectivo de Epinoia, dos anjos, das potências e do Demiurgo não é claramente definido nos textos simonianos, que nos chegaram apenas por meio das citações dos Padres e dos "Philosophoumena". De qualquer forma, da colaboração, das rivalidades e da revolta deles, vai nascer o mundo inferior, assim como a humanidade que o habita. Em resumo, o homem (e isso é o essencial a ser retido) é o produto da ignorância, da inépcia e até da malícia dos criadores angélicos do "mundo do meio".
Por ser obra dos anjos prevaricadores, o homem é viciado em sua natureza e em sua origem. Ele está submetido ao poder tirânico dos anjos que o formaram e manifesta uma tendência incoercível de se emancipar.
A Intuição Contemplativa
Estes são os primeiros marcos do que foi muito justamente chamado de gnose simoniana, a manifestação inicial de uma Escola semi-soterrada que se perpetuou por mais de três séculos.
Simão, o Mago, foi auxiliado na pregação e até na elaboração de sua doutrina por sua companheira, Helena, uma cortesã que ele havia encontrado em Tiro e que também possuía dons proféticos. Ela era, sem dúvida, habitada pelo pensamento divino, Epinoia em pessoa, o que fazia dela, para o mago Simão, uma inspiradora ideal.
É comum notar que a teogonia simoniana toma seus elementos constitutivos simultaneamente das Escrituras Sagradas da Sinagoga, dos primeiros textos da Igreja nascente e das teorias filosóficas de Platão e Filon. Portanto, constitui uma síntese devida à cultura e à ciência de Simão, que era um "gnóstico", ou seja, um "sábio". É uma construção intelectual. Mas não é apenas isso; é muito importante compreender isso claramente.
Pois seus dons de magos davam a Simão e Helena acesso a outra fonte, a da intuição contemplativa. Eles tinham a pretensão de profetizar. Não apenas como um sábio, mas também como um vidente, Simão era visto pelo povo da Samaria:
"Todos o ouviam, desde o menor até o maior, e diziam: Este homem é a virtude de Deus, aquela que se chama a Grande." (Atos VIII, 10).
Assim, desde o início, o conhecimento gnóstico é não apenas especulativo e "discursivo", como se diz, mas também intuitivo. Ele se reivindica de uma certa inspiração celestial diretamente percebida. Claro, essa inspiração não é realmente de Deus, como São Pedro afirmava com veemência:
"Não tens parte nem sorte neste ministério, pois o teu coração não é reto diante de Deus" (Atos VIII, 21).
A mística da gnose nunca será outra coisa senão a falsa mística, contra a qual os mestres cristãos da vida espiritual sempre nos advertiram.
No estado em que Simão, o Mago, a deixou para seus sucessores, essa primeira gnose é incompleta, certamente; veremos sua evolução e proliferação. Mas ela já contém algumas noções essenciais que manterão uma certa constância, e aqui estão as principais: o Princípio universal - a emanação como modalidade geral de surgimento dos seres - o Demiurgo como organizador da matéria eterna - o homem dotado de uma natureza viciada da qual ele tenta se libertar - a contemplação mística como fonte de conhecimento.
Mas só poderemos definir o espírito gnóstico após termos assistido ao conjunto de sua manifestação histórica.
O Docetismo de Basílides
É evidentemente na Samaria que se encontra o primeiro foco gnóstico. Após a morte do casal fundador, os adeptos honraram estatuetas de Simão com as características de Júpiter e de Helena com as de Minerva.
Também é na Samaria que encontramos Menandro, o primeiro sucessor de Simão. Temos informações sobre ele, como sempre em questões de gnose, por meio de São Irineu, bispo de Lyon, e de uma compilação muito antiga conhecida como "Philosophoumena". Menandro exigia de seus discípulos a recepção de um batismo especial que ele havia instituído (uma espécie de iniciação) e a prática da magia. Magia que ele elevava ao nível de um meio necessário de salvação. Em seu ensino geral, ele insistia especialmente na formação da humanidade pelos anjos.
Por sua vez, Menandro da Samaria teve dois discípulos: Saturnino, que fundou uma escola gnóstica em Antioquia, e Basílides, que levou a gnose para Alexandria.
Saturnino, fundador da "gnose síria", se limitou a transmitir os ensinamentos de Simão e de Menandro. Mas ele deu um destaque maior a um ponto de doutrina que mais tarde seria amplamente desenvolvido, a tese chamada de antinomia.
É a teoria segundo a qual o Deus dos judeus, o Yahweh da Bíblia, não é outro senão o mais poderoso dos anjos que criaram o homem desajeitadamente tal como o vemos, infeliz e ignorante; e Jesus Cristo vem precisamente combater o Deus dos judeus e salvar o homem trazendo-lhe a centelha divina que seus criadores não lhe deram.
É nisso que consiste a "antinomia" de Saturnino, ou seja, o antagonismo entre o Deus dos judeus e Jesus. Essa teoria será retomada mais tarde por Cerdon e Marcião, que dela tirarão consequências extremas.
O sistema de Saturnino também contém a condenação da instituição do casamento, com o argumento de que ele perpetua uma raça má e infeliz. Deve-se abster de procriar.
Basílides, o segundo discípulo de Menandro, veio se instalar em Alexandria e logo se tornou o chefe da "gnose egípcia", a mais brilhante de todas. Ele não abandona, pelo contrário, a prática mágica de seus predecessores. Quanto ao seu ensino propriamente dito, ele introduz muitas noções filosóficas que vêm enriquecer sua teogonia. Ele admite, como já fazia Simão, o Mago, a existência de três mundos sobrepostos: um mundo hipercósmico ou divino, um mundo intermediário ou supralunar, e um mundo sublunar que é o dos homens.
No mais elevado desses três mundos, Basílides colocava o Deus-Nada, o "nada que existe", o "Deus-Devir" que contém todos os germes. Este Deus é mais um princípio abstrato do que um ser vivo. No entanto, a noção de "Pai Celestial", que o cristianismo impunha cada vez mais, não é abandonada; embora não tenha um ponto de aplicação muito preciso nesta teogonia, ela reaparece em várias circunstâncias do raciocínio gnóstico.
O mundo intermediário, segundo Basílides, englobava 365 céus, dos quais o mais elevado era a ogdóade (construída sobre o número oito) e o mais inferior a hebdómada (sobre o número sete). Cada um desses céus possui um chefe chamado Arconte (em lembrança dos Arcontes da cidade grega). Todos esses céus são povoados por éons emanados do Deus-Nada.
Mas, coisa estranha, o grande Arconte da ogdóade desconhece a existência do Deus-Nada e transmite essa ignorância para os céus abaixo dele. Quanto ao Arconte da hebdómada, ele não é outro senão o Deus dos judeus, o criador do mundo sublunar e, portanto, da humanidade. É ele que está na origem da ignorância em que a humanidade se encontra: ele não podia, de fato, transmitir um conhecimento superior que ele próprio não possuía.
Basílides introduz em seu sistema a ideia de redenção, que ele obviamente toma emprestada do cristianismo e que não pode mais ser ignorada. Um Salvador, curiosamente chamado "Evangelho", nasce no mundo divino hipercósmico e desce, de céu em céu, através do mundo intermediário. Ele chega ao mundo sublunar e traz à humanidade o conhecimento do Deus-Nada, do qual ela estava até então privada. Este é a salvação. A salvação é "gnóstica" pois consiste em um conhecimento.
Um dos primeiros, Basílides fez uso do docetismo, tese segundo a qual Jesus Cristo não se encarnou realmente. Ele se manifestou apenas em aparência, mas não na realidade. O docetismo tornou-se um dos elementos doutrinários mais constantes da gnose. Ele aparece até mesmo em algumas heresias. Era uma maneira astuta de sugerir que Nosso Senhor não sofreu durante a Paixão, a qual foi apenas fictícia. Mas então, se a Paixão foi sem dor, também é sem méritos. Vê-se que o docetismo destrói completamente o culto do Redentor.
A gnose alexandrina (ou egípcia), que Basílides fundou, vai produzir um rebento de audácia particular: Carpócrates. Ele vai tomar emprestado de Saturnino (da escola síria) sua tese antinomista, e de Pitágoras sua metempsicose.
E aqui está o resultado desse amálgama: Jesus, filho de Maria e José, lembrando-se do que viu em uma vida anterior (metempsicose), eleva-se acima dos outros homens e empreende lutar contra o Deus de Moisés, que criou o homem ignorante (antinomia); mas então, desprezando o Deus de Moisés, ele também despreza a lei de que ele é autor. Violar a lei torna-se um dever e até mesmo um meio de salvação. Os adeptos de Carpócrates se destacaram, como se pode entender, por suas "ágapes fraternas", que se tornaram orgias. Mas esses mesmos desvios também se encontram em todos os grupos gnósticos que professavam a antinomia, e não apenas entre os discípulos diretos de Carpócrates.
O Pleroma Valentiniano
Com Valentim, chegamos ao auge da "gnose histórica". Egípcio de nascimento, ele frequentou a Escola de Alexandria, onde se familiarizou não apenas com as teorias gnósticas, mas também com a filosofia neoplatônica e até com as doutrinas pagãs do antigo Egito, sem contar, é claro, com o cristianismo ortodoxo que todos estudavam com afinco. Valentim era, portanto, uma pessoa de grande cultura.
De aluno, tornou-se professor e logo ensinava em Alexandria. Depois, mudou-se para Roma, onde permaneceu por muito tempo. Ele morreu em Chipre, onde, segundo São Epifânio, teria se convertido à verdadeira Religião in articulo mortis. Mas seus discípulos permaneceram na gnose e se dividiram em duas escolas: a escola oriental e a escola itálica, cujas doutrinas não diferem essencialmente.
Não parece que Valentim tenha escrito muito. Conhecemos suas teorias através de seus discípulos, assim como dos escritores da Igreja que as citavam para refutá-las.
Valentim adota o sistema dos três mundos já exposto por seus predecessores, Menandro, Saturnino, Basílides: um mundo divino, um mundo intermediário e um mundo humano. Mas ele o enriquece com complementos tirados certamente de suas leituras, mas também de sua mística, a famosa "apreensão intuitiva" dos gnósticos. E ele chega a uma construção brilhante que exerceu uma verdadeira fascinação sobre as mentes.
O mundo superior, ou mundo divino, é por ele chamado de Pleroma, que significa "plenitude". Mas já é, como veremos, um meio extremamente complexo.
No topo do Pleroma, reside o Deus-Princípio, que é a unidade global. Esse Deus-Uno, no entanto, se multiplica por emanação. Ele gera primeiramente uma díade: o casal "Nous-Alétheia" (Espírito-Verdade). Deste primeiro casal, ainda por emanação, surge um segundo: "Logos-Zoé" (Verbo-Vida). Deste segundo casal emana um terceiro: "Anthropos-Ecclesia" (Homem-Igreja). Observa-se que essa série de casais, emanados uns dos outros, está diretamente relacionada ao sistema de sízígias que já observamos na gnose simoniana.
Mas o Pleroma de Valentim ainda não está completo; faltam-lhe a década e a dodecada. Aqui está como elas vêm a existir. O casal "Espírito-Verdade" produz dez éons que formam a década. Depois, o segundo casal "Verbo-Vida" produz doze éons que constituem a dodecada. Esta aritmética do mundo pleromático, ou seja, do mundo divino, impõe a comparação com as dez sefirotes, esses "números-criadores" que se tornarão, muito mais tarde, um dos temas favoritos da mística judaica, sobre a qual tanto se fala hoje. Aqui, Valentim precedeu a Cabala.
Os Hílicos, os Psíquicos e os Pneumáticos
Abaixo do Pléroma divino, Valentim coloca, como os outros gnósticos, o mundo intermediário. Nele, encontramos dois grupos de éons que Basílides já nos apresentou: os oito éons da Ogdoade e os sete éons da Hebdomade. Portanto, neste nível médio, prevalece o mesmo simbolismo numérico que acabamos de encontrar no Pléroma.
O que é curioso na gnose valentiniana é a importância dada à personagem de Sophia. A Sabedoria, Sophia, é um dos éons femininos da Hebdomade. De natureza ardente, ela deseja gerar sozinha. Mas, não sendo incriada como o Pai, ela só consegue produzir um ser informe chamado ectroma, que é, portanto, fruto de sua ignorância. Esta espécie de aborto causa um profundo distúrbio entre todos os éons do mundo intermediário. É então que, para reparar o erro de Sophia (em suma, os infortúnios de Sophia), o casal celestial "Espírito-Verdade" (que pertence ao Pléroma) produz um novo casal de éons: Christos-Pneuma, que realiza uma espécie de redenção do mundo intermediário afastando o aborto ectroma.
Quanto ao mundo terrestre de Valentim, ele não difere radicalmente daquele de seus antecessores. Ele é produzido pelo Demiurgo, sempre organizador de uma "matéria prima" eterna e preexistente. No entanto, no sistema valentiniano, a humanidade é obra de vários demiurgos porque há vários tipos de homens que não poderiam ter sido feitos pelo mesmo "artesão".
Um demiurgo produziu os homens hílicos (hulé = matéria), ou seja, os materialistas grosseiros cuja alma é totalmente animal. Um segundo demiurgo formou os homens psíquicos (psiqué = alma), cujas almas, desta vez, são mais sutis, mas ainda ignorantes; são os cristãos, por exemplo. Um terceiro demiurgo finalmente criou os homens pneumáticos (pneuma = espírito), que são os espirituais possuindo o "conhecimento do Pléroma", como os gnósticos.
O mundo terrestre é o cenário de uma indiscutível redenção (esta é uma ideia que não pode mais ser evitada), mas no sistema de Valentim, ela é obra de um segundo Jesus, bem diferente do "Christos-Pneuma" que reparou o erro de Sophia afastando o ectroma do mundo intermediário. O segundo Jesus, aliás, veio à terra, não de verdade, mas em aparência, segundo o docetismo agora constante entre os gnósticos.
Não terminaríamos nunca se quiséssemos expor o mecanismo dessas duas redenções. É uma verdadeira mitologia tão complicada quanto a de Hesíodo. Onde Valentim buscava todas essas noções e todos esses episódios simbólicos? Ele se baseava em suas leituras, certamente, pois era um erudito (gnóstico significa erudito). E entre essas leituras, não devemos esquecer os hermética. Os "hermética" eram as traduções e adaptações gregas de antigos papiros egípcios dos quais Hermes Trismegisto era considerado o autor; eles transmitiam um paganismo ao mesmo tempo filosófico e lírico, que fazia enorme sucesso nos círculos intelectuais.
Mas Valentim também se baseava, como faziam todos os gnósticos desde Simão e Helena, na meditação filosófica intensa, que era considerada capaz de fornecer um "conhecimento intuitivo direto" das coisas do Pléroma divino. É evidente, para um cristão, que tal método de inspiração, praticado fora da Fé e da disciplina eclesiástica, não estava isento de uma séria influência demoníaca, influência que se reconhece na heterodoxia manifesta de todas essas cogitações gnósticas.
A Antinomia de Marcião
Enquanto os grupos valentinianos prosperavam na Itália e no Egito, uma nova forma de gnose surgia em certos círculos de Roma. O sírio Cerdão começou a desenvolver um ponto de doutrina que havia sido professado antes dele e que já mencionamos: a tese da "antinomia". Saturnino havia ensinado que o Deus da Bíblia e o Deus do Evangelho não eram o mesmo Deus e que existia entre eles uma antinomia, ou seja, em última análise, um antagonismo. O Deus da Bíblia judaica é o demiurgo, o organizador desajeitado e malévolo da matéria e o artesão do universo visível; é um deus mau, duro e rancoroso; ele é combatido pelo Deus bom e redentor do Evangelho. Portanto, o princípio da salvação é se elevar contra o Deus dos judeus e, assim, contra o decálogo, que é sua obra.
Um discípulo de Cerdão, chamado Marcião, dará a essa doutrina da antinomia uma extensão considerável. Ele a associará a um docetismo radical e a uma doutrina de austeridade que impressionará profundamente seus contemporâneos e atrairá muitos seguidores.
Marcião foi chamado por Tertuliano de "o lobo do Ponto", aludindo ao seu país de origem, à margem do Mar Negro, e ao seu papel devastador na Igreja. Ele havia sido cristão inicialmente e se destacou em Roma por doações consideráveis feitas à caixa eclesiástica. Sua cultura filosófica e até mesmo religiosa era vasta. Ele havia aprendido a usar a exegese, ou seja, a interpretação das Escrituras, e a utilizava com talento, mas contra a Igreja. Ele procurava justificar seu "antinomismo" usando a parábola evangélica do vinho novo que não se deve colocar em odres velhos para não fazê-los romper. Ele explicava que o vinho novo era o Evangelho e que os odres velhos representavam a Lei de Moisés; era necessário, portanto, abandonar a Lei de Moisés que o Evangelho veio ab-rogar. Finalmente, Marcião, o "lobo do Ponto", foi expulso da Igreja junto com suas doutrinas.
No entanto, deve-se notar que a gnose de Marcião foi de longe a mais bem organizada de todas. Ele criou espécies de dioceses que galvanizou com seu ascetismo rigoroso e espetacular. Ele eliminou completamente o Antigo Testamento e, entre os Evangelhos, manteve apenas o de São Lucas, e ainda assim após tê-lo censurado. Essas igrejas marcionitas sobreviveram por muito tempo após a morte de seu fundador, havendo ainda vestígios importantes delas no século V.
Mas ao redor do Mestre, suas doutrinas de desprezo pela lei mosaica resultaram em uma mistura de cinismo e fanatismo. Durante as perseguições imperiais, alguns marcionitas preferiram se deixar martirizar como os verdadeiros cristãos, em vez de serem considerados maniqueus.
Diz-se que quando São Policarpo, o venerável bispo de Esmirna, "Pai Apostólico", pois havia conhecido São João, veio em visita a Roma, Marcião ousou se apresentar diante dele e perguntar: "Você me reconhece?" O bispo respondeu: "Eu reconheço o primogênito de Satanás". Essa era a opinião de um pai apostólico sobre a verdadeira natureza desse ensinamento gnóstico extraído da falsa contemplação.
A Confecção dos Apócrifos
Antes de testemunharmos a entrada em cena da gnose moderna, é necessário responder, em relação à gnose antiga, a algumas perguntas que nos permitirão compreender melhor sua filiação. Perguntemo-nos primeiro como os gnósticos podiam se declarar cristãos, eles cuja filosofia permanecia tão impregnada de panteísmo, politeísmo e mitos emanatistas. Para se passarem por cristãos, utilizavam documentos recentemente constituídos por eles, mas que apresentavam todas as aparências da autenticidade cristã.
As doutrinas gnósticas sempre se apresentavam como provenientes tanto de um raciocínio filosófico, visto que a gnose era a "ciência por excelência", quanto de uma revelação sobre-humana, ou seja, de um "conhecimento intuitivo" e direto dos mistérios celestes que ultrapassam o entendimento humano ordinário. Esta inspiração mística, os visionários da gnose a consignavam em uma multitude de pequenos tratados, supostamente revelados, e que se atribuía, para lhes conferir peso, a redatores ilustres, universalmente conhecidos por seu comércio com o além.
Alguns desses tratados eram supostamente compostos por Zoroastro, o fundador do mazdeísmo na Pérsia, pouco antes do reinado de Dario. Outros se apresentavam como escritos por Manés, o restaurador, então contemporâneo, do velho dualismo persa, sob o nome de maniqueísmo. Outros emanavam, dizia-se, do próprio Orfeu. Outros só poderiam ter como autor Buda. Outros ainda, os mais numerosos, eram devidos ao estilete do "secretário dos deuses", Hermes Trismegisto, o antigo sábio do Egito; esses constituíam o que se chamava os "Hermetica".
Como os gnósticos se comportariam em relação aos livros sagrados do cristianismo? Certamente utilizariam aqueles que a Igreja reconhece como verdadeiros. Mas, para fazê-los coincidir com suas doutrinas, teriam que se entregar a interpretações violentamente tendenciosas, que não seriam muito convincentes. O melhor, portanto, seria redigir pseudo-livros sagrados cristãos como já se fazia para as outras religiões: esses seriam os famosos "apócrifos", apresentados como revelados e dos quais alguns chegaram até nós.
Vê-se assim germinar, na penumbra da floresta gnóstica, "evangelhos", "epístolas" e "apocalipses" que a Igreja não reconhece como autênticos, mas que, não obstante, possuem títulos prestigiosos. Certamente circulou um grande número desses textos, pois as nomenclaturas fornecidas pelos Padres diferem notavelmente umas das outras. Existem muitas coletâneas de apócrifos, mas todas são incompletas, pois ainda hoje se descobrem novos textos, como veremos.
Um dos apócrifos mais conhecidos é a "Pistis Sophia", que é um suposto diálogo, totalmente romanesco, entre Jesus Cristo e Seus apóstolos após a Ressurreição, continuado mesmo após a Ascensão, diálogo durante o qual Ele lhes teria ensinado, como era de se esperar, uma doutrina secreta que a Igreja não conhece e à qual apenas os gnósticos têm acesso.
Citam-se também alguns "evangelhos apócrifos", por exemplo, o de Tomé, o de Filipe, o de Matias e o chamado "dos Egípcios", cujo exemplar foi recentemente encontrado em Nag-Hammadi, no alto Egito.
As "epístolas apócrifas" são menos numerosas: conhecemos a de Pedro a Filipe e a chamada "de Eugnosto". Em contrapartida, os "apocalipses" são abundantes: o de Nicoteu, o de Adão, o de Abraão, a de Elias, etc. Citam-se ainda "assunções apócrifas", como a de Paulo e a de Isaías. Também possuímos "paráfrases", como a de Sete, texto que deu seu nome a uma das seitas gnósticas, os setianos, que atribuíam a esta paráfrase uma importância maior.
Este método dos apócrifos atraiu inicialmente um grande número de adeptos para a gnose porque, naquela época, os tratados que se apresentavam como cristãos e, a fortiori, como apostólicos (ou seja, como tendo um dos apóstolos por autor) eram cercados de um enorme prestígio. Graças aos apócrifos, os gnósticos se faziam passar por cristãos, pois exibiam documentos aparentemente idênticos aos da Igreja.
O magistério eclesiástico teve de empreender uma luta árdua para livrar as Escrituras Sagradas de toda essa vegetação parasitária e para fixar definitivamente a lista dos Livros autenticamente inspirados, ou seja, "o cânone das Escrituras". Esta foi uma das operações mais delicadas e necessárias que o magistério romano teve de realizar durante os primeiros séculos.
Ora, hoje precisamente, assistimos a um reaparecimento dos apócrifos. Esse reaparecimento é um dos sintomas do retorno ofensivo da gnose. Consulte, por exemplo, a bibliografia de um desses livros esotéricos dos quais estamos sobrecarregados, e você encontrará, na maioria das vezes, uma lista abundante de apócrifos, geralmente citados sob a rubrica "Escrituras Sagradas", juntamente com as referências bíblicas.
O sinal desse renascimento foi dado por Papus quando ele publicou uma tradução da "Pistis Sophia" acompanhada de seus comentários. Coletâneas de apócrifos circulam novamente, com destaque para os "Evangelhos da Infância", que constituem, reconheçamos, um dos apócrifos menos nocivos.
Os Padres da Contra-Igreja
Resta-nos perguntar por que os historiadores da Igreja não classificam a gnose entre as heresias, mas sempre a tratam como uma manifestação de um gênero especial. Depois de responder a essa pergunta, compreenderemos melhor a gnose de hoje.
Os heresiarcas, isto é, os líderes das heresias, rejeitam um número restrito de proposições dogmáticas, mas continuam a aceitar as outras. Eles se defendem de colocar em questão o conjunto da Fé e das instituições. Recusam apenas alguns artigos da Fé. Por exemplo, Ário nega a divindade de Jesus Cristo. Pelágio contesta a necessidade da graça e afirma que o homem pode se salvar por meios naturais. Nestório não quer admitir que haja em Jesus Cristo duas naturezas em uma única pessoa. Êutiques não reconhece a natureza humana de Nosso Senhor; ele considera que ela é totalmente absorvida pela natureza divina.
Mas todos eles pretendem conservar os dogmas que não atacam expressamente. Tanto quanto sua posição aventureira lhes permite, mantêm os sacramentos, a moral, a disciplina clerical, as circunscrições territoriais e o conjunto das instituições eclesiásticas.
A gnose, ao contrário, questiona toda a ortodoxia para edificar um sistema completo e diferente. Ela busca em outras fontes; admite outras revelações que se somam à Revelação de Cristo e naturalmente a transformam. Assim, ela não constitui uma heresia definida, mas as engendra todas. Pode-se chamar a gnose de "a mãe das heresias", pois ela contém todas em germe.
Em plena época patrística, e em face dos "Padres da Igreja", constituiu-se verdadeiramente um colégio antagonista de "Padres da Contra-Igreja". Pois é assim que se pode chamar personagens como Menandro, Basílides, Valentim, Marcião e outros. A gnose é comparável a um vasto micélio rastejante do qual as heresias surgiram como enormes cogumelos. Gerando as heresias, a gnose desempenhou incontestavelmente um papel de maternidade.
Mas o que é ainda mais grave, é que ela também se pretende suplantadora. Unificando o politeísmo, a filosofia, o judaísmo e o Evangelho, ela quer tirar da Igreja sua catolicidade, ou seja, sua universalidade.
Ela ambiciona suplantá-la, dominá-la. Ela lhe opõe uma universalidade mais ampla. A Igreja é assim reduzida a não ser mais que um caso particular da gnose universal.
E é precisamente essa mesma ambição que vamos encontrar na gnose moderna à qual estamos chegando. Mas, antes, é preciso examinar como a ideia sincrética também foi desenvolvida por outro movimento de pensamento, que não é positivamente gnóstico e que se chama a escola de Alexandria ou escola neoplatônica.
A Escola de Alexandria
Quatro nomes resumem a escola neoplatônica: Plotino, Porfírio, Jâmblico e Proclo. Eles constituem como uma única e mesma entidade. Não se pode separá-los. Eles formam, entre os quatro, um dos marcos mais bem definidos da história da filosofia da escola de Alexandria.
O fundador da escola é Plotino. Ele deve ser bem distinguido de Filon o Judeu, também filósofo de língua grega, que nasceu em Alexandria 200 anos antes, mas que não pertence à escola neoplatônica, embora seja alexandrino de nascimento. Plotino, portanto, é um filósofo eclético do século III depois de Cristo. Entre as doutrinas que ele se esforça para conciliar, o platonismo, como era de se esperar, desempenha o papel principal. Mas Plotino traz ao platonismo uma modificação que nos interessa em primeiro lugar porque vamos vê-la reaparecer na gnose moderna. Platão havia colocado no topo de sua construção metafísica o "Soberano Bem"; essa era sua etapa final; ele não imaginava nada além disso. Plotino, por sua vez, não se detém aí. Ele retoma a ideia do "Princípio ígneo universal" de Simão o Mago e lhe dá uma definição filosófica mais precisa.
Acima do Soberano Bem de Platão, ele concebe ainda a "Unidade Total", mais abrangente que o Soberano Bem, e na qual todas as distinções são neutralizadas, compensadas e apagadas. E ele acrescenta que essa hiperessência, esse Hypertheos pode ser apreendida pelo homem. Pode-se alcançá-la através da meditação filosófica intensa e particularmente pela êxtase, que é sua fase paroxística. Assim, Plotino, como os gnósticos, faz da contemplação mística um dos meios de aquisição do conhecimento metafísico.
O primeiro discípulo de Plotino é Porfírio. Ele organiza os cinquenta e quatro tratados deixados por seu mestre e os publica em seis volumes, cada um com nove tratados, sob o nome de Eneadas, ou seja, "novenas". Porfírio dá à contemplação mística menos importância do que Plotino havia dado. Seu método é mais filosófico e discursivo.
O sucessor de Porfírio como chefe da escola de Alexandria é Jâmblico. Impressionado pela teologia trinitária ensinada pela Igreja e à qual se torna impossível escapar, ele edifica, utilizando os elementos neoplatônicos de seus dois predecessores, uma metafísica trinitária cuja constituição é a seguinte. Na origem de tudo encontra-se o UNO ou Monade; depois vem a inteligência ou diade; finalmente aparece o demiurgo ou tríade. É o demiurgo que formou o mundo, como também dizem os gnósticos. O universo criado representa a década que contém o conjunto das emanações da monade primordial. Encontramos aqui, novamente, o emanatismo dos gnósticos.
Aquele que dá à escola neoplatônica seu último brilho é Proclo. Ele se faz o defensor, bastante tardio, do paganismo, cujos mitos ele tenta coordenar. Mas, ao mesmo tempo, ele cultiva o espírito eclético da escola alexandrina. Sua máxima era que uma filosofia deve abraçar todas as religiões, impregnando-se do seu espírito. Ele se dizia o Hierofante universal. Nós diríamos o sacerdote da religião universal. Como Plotino, ele acreditava na virtude reveladora da contemplação intensa e do êxtase filosófico. Ele compunha hinos aos deuses do paganismo e dizia-se honrado por suas aparições.
Os quatro e inseparáveis "Alexandrinos", Plotino, Porfírio, Jâmblico e Proclo, são portanto ao mesmo tempo sincretistas, panteístas emanatistas e místicos. Mas também incluem em seus sistemas, deformando-os, é claro, alguns dogmas cristãos. Portanto, temos o direito de nos perguntar em que eles realmente diferem dos gnósticos. Bem, justamente, eles não diferem muito. E, no entanto, a história nos ensina que os alexandrinos não queriam de maneira alguma ser considerados gnósticos, que, aliás, não deixavam de atacar.
Por que tanta hostilidade quando eram filosoficamente tão próximos? Enquanto os neoplatônicos eram estudiosos respeitados, os gnósticos de base recrutavam-se mais frequentemente entre uma população bem menos instruída e davam, em seus ensinamentos e práticas rituais, um espaço muito maior para a astrologia e a magia. Compreende-se que os neoplatônicos, que eram autênticos eruditos, não quisessem ser confundidos com eles, apesar da semelhança de suas doutrinas fundamentais.
O Ramo Maniqueísta
A escola neoplatônica é uma irmã ou uma filha da gnose? É muito difícil dizer. O que é certo é que elas têm uma proximidade muito grande. Os gnósticos recrutaram uma clientela mais popular, à qual deram hábitos mais religiosos e mais ritualísticos. Os neoplatônicos ensinaram uma gnose muito refinada, que interessou apenas aos grandes intelectuais. Mas, na mesma época, também encontramos outra filha (ou se preferirmos, outra irmã) da gnose; é a religião de Mani.
Mani (ou Maniqueu), o fundador do funesto maniqueísmo, era gnóstico de formação. Ele ensinava que o universo é obra de dois princípios opostos, um bom, outro mau, ambos eternos e independentes. Esse dualismo, renovado do mazdeísmo de Zoroastro, é igualmente apenas a radicalização dos temas gnósticos sobre a imperícia do demiurgo e a nocividade essencial da matéria e, consequentemente, do corpo humano.
O maniqueísmo é, também, um fungo nascido sobre o micélio gnóstico. Mas ele se distinguiu historicamente pelo menos por uma vitalidade particularmente longa, já que é ele que encontramos na origem das doutrinas cátaras, na Idade Média.
Um Cristianismo de Fantasia
Se acreditarmos nos neognósticos de hoje e na sua literatura exuberante, a gnose histórica teria preservado o depósito da suprema inteligência e da "suprema conhecimento" contra o autoritarismo limitado do clero romano. Fazem tanto alarde que seríamos tentados a nos deixar meio convencidos.
A realidade é bem menos brilhante. Dois testemunhos nos mostrarão isso. O primeiro é o de Ernest Renan, no entanto cético e inimigo de posições firmes; é surpreendente o julgamento severo que ele faz da gnose. Eis o que ele diz em "A Igreja Cristã":
«Tudo isso era inconciliável com o cristianismo. Essa metafísica de sonhadores, essa moral de solitários, esse orgulho bramânico que teria trazido de volta, se deixado agir, o regime de castas, teriam matado a Igreja, se a Igreja não tivesse tomado a dianteira...
«O que havia de realmente grave era a destruição do cristianismo que era o fundo de todas essas especulações. Suprimia-se na realidade o Jesus vivo; deixava-se apenas um Jesus fantasma sem eficácia para a conversão dos corações: substituía-se o esforço moral por uma pretensa ciência; colocava-se o sonho no lugar das realidades cristãs, cada um se dando o direito de moldar um cristianismo de fantasia, nos dogmas e nos livros anteriores. Isso não era mais cristianismo, era um parasita estrangeiro que buscava se passar por um ramo da árvore da vida».
O segundo testemunho que invocamos é o de Jean Doresse, estudioso totalmente atual ao qual devemos precisamente livros sobre os papiros gnósticos de Nag-Hammadi, descobertos durante os anos 50 no alto Egito, um pouco ao norte de Luxor. Eis como ele se expressa em "O Livro Secreto dos Gnósticos do Egito":
«O cristianismo não teria sido ele mesmo, em seus primórdios, próximo da gnose? Mas logo, diante da luminosa simplicidade dos grandes Evangelhos, diante do claro e profundo pensamento de São Paulo, diante até mesmo das visões do apocalipse joanino, é surpreendente a diferença entre os dois ensinamentos. Ler primeiro os escritos gnósticos, depois retomar o Novo Testamento é uma experiência a se fazer: sente-se a incomparável superioridade desses textos acessíveis a todos em suas imagens e em seu sentido. Surpreende-se que as gnoses tenham podido por tanto tempo competir com eles; e compreende-se que os sectários tenham preferido, frente a uma tal Religião, guardar o segredo de seu próprio dogma e se esconder nas trevas».
Capítulo II - O Broto Martinista
A Letra G
Bem pregados e cuidadosamente prevenidos que somos contra qualquer tentação de triunfalismo, e convencidos de que o lugar normal da religião cristã nesta terra é o enterro, temos dificuldade em representar o brilho da vitória da ortodoxia, após as dez grandes perseguições e o entusiasmo que ela provocou em todo o Mediterrâneo. A vitória dos mártires havia sido celebrada em 313, no momento do Edito de Milão, promulgado pelo Imperador Constantino para conceder solenemente a liberdade jurídica à Igreja. E a vitória dos Doutores havia seguido de perto; ela foi definitiva no Concílio de Calcedônia, quarto ecumênico, em 451.
As objeções levantadas pela gnose, pelas heresias que são suas filhas e pelo maniqueísmo e o neoplatonismo que são seus irmãos, desapareceram como a névoa ao sol. Os grandes dogmas trinitários, as duas naturezas na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, a maternidade divina de Maria, a criação ex-nihilo, o pecado original, o cânon das Escrituras, a liturgia sacrificial, o ciclo sacramental... todo o edifício do cristianismo se impunha à admiração pública com tanta evidência e realidade quanto as grandes basílicas constantinianas que vieram dominar o velho fórum. É próprio da verdade triunfar.
Doravante, os apócrifos gnósticos, os hermetica, os hinos de Menandro e de Valentim já não interessavam a ninguém. Não se encontrou mais ninguém para preservar esses grimórios errôneos e maliciosos que tanto perturbaram os espíritos. Eles foram queimados e, acima de tudo, esquecidos. Daí a escassez de vestígios gnósticos de que os historiadores se queixam. Os papiros da gnose sobreviveram apenas nas fronteiras orientais do Império Romano, na Pérsia, na Mesopotâmia, no Alto Egito, onde os reencontramos hoje.
É nessas regiões fronteiriças que os Maometanos os trarão à luz a partir do século VIII. Não tendo as mesmas razões que os cristãos para desprezá-los, eles se interessaram por eles e finalmente os transmitiram ao Ocidente. Mas foi sob uma nova forma, pois eles os misturaram com noções alquímicas e as produções de seu próprio misticismo.
Não estudaremos aqui o lento caminho e a germinação, no território ocidental, da gnose assim veiculada e remodelada pelos árabes. É um assunto complexo que nos atrasaria muito. Após um grande salto sobre os cátaros e os Rosa-Cruz, cheguemos imediatamente, em meados do século XVIII, sob o reinado de Luís XV, no momento em que vemos aparecer, de maneira muito sintomática, as primeiras letras G nos frontispícios das lojas maçônicas. Sabe-se que as doutrinas das lojas se alimentam principalmente das fontes da gnose, do hermetismo, da alquimia, da cabala, da rosa-cruz e, mais recentemente, das religiões orientais. Mas é a gnose que é a fonte mais importante, pois ela serve de canal coletor para todas as outras. A letra G dos brasões maçônicos simboliza essa gnose que assim acaba de reaparecer na Europa nos tempos modernos.
Sob o impulso ao mesmo tempo inventivo e persistente das diversas obediências maçônicas, a contaminação gnóstica da sociedade cristã começará. Mas é impossível, no âmbito destes poucos artigos, traçar a história completa dessa contaminação. Teremos que nos contentar em relatar algumas de suas manifestações características.
O Tratado da Reintegração
O primeiro episódio típico que escolhemos é o aparecimento das teorias martinistas. Dois doutrinários contribuíram para dar nome ao martinismo: são Martinez-Pasqualis e Louis-Claude de Saint Martin. Façamos notar, para os puristas, que o nome "martinismo" deveria ser reservado mais especialmente à doutrina de L-C. de Saint Martin, enquanto a de Martinez-Pasqualis deveria ser chamada de "martinezismo". E é exatamente o que fazem os especialistas nessas questões.
Mas as duas doutrinas são próximas e, vistas de longe, elas podem responder à mesma denominação de "martinismo".
Martinez-Pasqualis (às vezes também escrito M. de Pasqually) é o fundador da Ordem dos Eleitos Coens e o autor de uma obra de grande influência intitulada "O Tratado da Reintegração" que contém tanto a doutrina religiosa quanto o regulamento da Ordem.
A doutrina religiosa é baseada nesse mesmo emanatismo que mostramos nos antigos gnósticos. Todos os seres do Universo são emanados da Divindade, por um fluxo de sua própria substância. A alma humana, em particular, pertence aos espíritos emanados. Ela é, portanto, divina em sua natureza. Todas as almas foram formadas ao mesmo tempo e elas esperam, na morada celestial, serem, uma após a outra, unidas a um corpo, à medida das necessidades. Antes de ser aprisionada em um corpo material, a alma levou uma vida "supraceleste". Após a morte desse corpo, ela está normalmente destinada à reintegração, ou seja, à recuperação dessa vida supraceleste.
Para poder desfrutar, no além, da reintegração, a alma deve já nesta terra passar pela reconciliação. E essa reconciliação é operada por "espíritos reconciliadores". É exatamente o trabalho dos Eleitos Coens proceder a essas reconciliações preparatórias à reintegração supraceleste e definitiva. Coen, em hebraico, significa sacerdote. A função dos Eleitos Coens é uma função sacerdotal. Ela consiste em "reconciliar" os adeptos da Ordem.
No fim dos tempos, quando todas as reintegrações individuais tiverem sido realizadas, todo ser emanado, toda existência distinta, retornará a se perder na fonte primeira. Toda emanação será reabsorvida na Divindade que lhe deu origem. Há aí uma noção, aparentada ao nirvana, que deixa pressentir uma abertura da gnose moderna em direção às doutrinas orientais.
O Tratado da Reintegração dedica amplos desenvolvimentos às disposições psicológicas nas quais o eleito-coen deve se colocar, tanto durante o período que precede a cerimônia da reconciliação quanto posteriormente, quando ele prepara sua reintegração supraceleste. A prática da meditação intensa lhe é recomendada.
A mística de Martinez-Pasqualis decorre logicamente dos princípios da gnose. Sabe-se que a gnose não é uma doutrina de "comportamento", mas uma doutrina de "conhecimento". Que quer dizer isso? O mundo terrestre é devido à ignorância do demiurgo e da Sophia que são seus criadores, como vimos, e é por isso que ele é mau. Ele é mau porque é uma morada de ignorância. Não se liberta deste mundo mau por um "comportamento" qualquer que seja. Liberta-se dele fazendo cessar a ignorância que é a causa do mal. O que é necessário é compensar a ignorância original pelo conhecimento. E como se obtém o conhecimento? Pela intuição mística, ou seja, pelo contato direto da alma com o mundo transcendente. Tal é, com variantes, a posição de todos os gnósticos e tal é também a base da mística martinista.
As posições relativas do homem, da alma e da divindade assim definidas por tudo o que acabamos de dizer, elas vão implicar nos gnósticos uma atitude contemplativa particular. A alma do gnóstico é considerada divina em sua natureza e ela busca reintegrar o estado "supraceleste" do qual ela desfrutava antes de sua descida à Terra. Dado este objetivo, a contemplação martinista pode ser considerada como pertencendo às "místicas da essência", já que ela dirige a alma humana para a recuperação de sua suposta essência original.
Na doutrina da Igreja, não é assim de modo algum. A alma humana não é emanada de Deus, mas criada por Ele. De sua própria natureza, ela não tem nada de divino, pois, precisamente, Deus a criou do nada. Mas se a provação terrestre lhe for favorável, a alma está destinada a participar da vida divina. Trata-se de uma participação sem perda de identidade. Mesmo no auge da bem-aventurança, a alma nunca se confunde com a substância espiritual de Deus. Poderá haver uma infusão de Deus nela; nunca haverá confusão com Deus.
O Tratado da Reintegração dedica longos trechos aos métodos contemplativos pelos quais a alma do eleito-coen pode recuperar o lugar arquetípico que ocupava na essência divina antes de se dela destacar por emanação. Ele fala da "Coisa" que deve ser evocada e invocada com perseverança, a "Coisa" que acaba por "passar" acima da assistência, provocando, no espírito dos candidatos à reconciliação, imagens, cores, sons e toda sorte de fenômenos psicológicos.
O católico que toma conhecimento desses ritos martinistas de encantação tem o direito de se perguntar quais eram então os espíritos que podiam bem responder assim, nos ateliês dos Eleitos-Coens, a essas evocações. Certamente não eram anjos do céu.
A síntese gnóstica contida no Tratado da Reintegração é extremamente completa. Martinez-Pasqualis retirou seus elementos tanto do pitagorismo quanto das doutrinas de Zoroastro, da cabala quanto dos rosacruzes do século XVII. Ela é o fruto de uma cultura muito vasta. Sua influência foi profunda. Haveria muito a colher nela, mas não podemos nos demorar nessa obra apesar de sua importância. Escolhemos reter apenas os trechos relativos à mística, pois ela está no coração de toda a gnose, tanto da moderna quanto da antiga.
Ramificação do velho micélio gnóstico, o broto martinista não é o único que desabrochou nas férteis estufas das lojas do século XVIII. Houve muitos outros. Mas, obrigados a nos limitar a episódios marcantes, nós o escolhemos, talvez um pouco arbitrariamente, como um dos mais típicos. O que é certo é que O Tratado da Reintegração exerceu, por mais de um século, uma influência considerável.
Capítulo III - A Metafísica da Esfinge
O Aprendizado Maçônico de Guenon
Queimando, portanto, as etapas, transportemo-nos para a véspera da Grande Guerra de 1914-1918. Havia então em Paris muitos magos, mas o mais majestoso desses magos, o mais pontífice, era Papus, com sua barba negra e seus olhos negros sem fundo. Ele havia fundado, em 1888, na Rua Séguier, 13, uma instituição à qual dera o nome de Escola Hermética.
Foi na Escola Hermética que René Guénon, jovem professor de filosofia e matemática, foi um dia se inscrever como ouvinte. Rapidamente, ele obteve uma cátedra. Entre os outros professores, ele estabeleceu contato com os últimos representantes de uma "Ordem Martinista" que gravitava em torno de Papus. René Guénon também ingressou nela e recebeu o grau de "superior desconhecido".
Muito inteligente, muito estudioso e muito ativo, ele participou, em 1908, da organização do congresso espiritualista e maçônico que se realizou em Paris sob os auspícios da revista "Le Voile d'Isis", à qual já colaborava. Essa revista deveria, em 1933, mudar de nome para "Les Études Traditionnelles". Ela permaneceu, até os dias de hoje, um dos principais órgãos de expressão das doutrinas guenonianas.
Tudo leva a crer que René Guénon procurou deliberadamente fazer o tour completo das congregações iniciáticas em atividade naquela época. Ele se deleitava, certamente, entre os intelectuais de todas essas escolas. Foi assim que ele entrou em uma loja do "Rito Primitivo Swedenborguiano" na qual não tardou a receber o cordão de seda preta dos cavaleiros Kadosch (kadosch significa santo). Simultaneamente, ele também se fez receber em uma loja parisiense pertencente a uma obediência espanhola, a loja "Humanidad". Na sequência de uma reformulação, essa simples loja se tornou a "Loja-Mãe do Rito de Mênfis-Misraim". Foi lá que R. Guénon foi ele mesmo promovido ao trigésimo grau maçônico.
Não contente com essa dupla pertença à maçonaria, e para enriquecer ainda mais uma experiência que ele quer a mais vasta possível, ele obtém sua adesão a uma terceira loja, a loja "Thébah" que dependia da Grande Loja da França. Ele deu uma palestra notável sobre o tema do ensino iniciático que foi publicada na revista "Le Symbolisme".
Na mesma época e ainda em busca de novas experiências, R. Guénon entrou também na "Igreja Gnóstica" sob o nome de Palingenius (o que significa "renascido", ou seja, René). Ele se tornou "bispo gnóstico" e fundou até mesmo uma revista "La Gnose" onde escreveu importantes artigos, alguns dos quais foram posteriormente reformulados para se tornarem livros. René Guénon assinava geralmente seus artigos com seu próprio nome. Mas ocasionalmente acontecia de ele usar pseudônimos. Ele assinava às vezes "o Esfinge", nome que combina muito bem com o claro-obscuro enigmático de seus desenvolvimentos metafísicos. É por isso que intitulamos este capítulo: a metafísica do Esfinge.
A Extensão às Religiões Orientais
Em resumo, o barco de R. Guénon já navega em pleno mar gnóstico. Ele não tardará a perceber que este mar, do lado do Oriente, está largamente aberto para o Oceano Índico. Assim como os árabes haviam amalgamado a alquimia à gnose primitiva quando a propagaram novamente no Ocidente, assim como Martinez Pasqualis havia incorporado a cabala medieval, R. Guénon também fará entrar as doutrinas orientais na gnose ainda ampliada em que ele trabalha. Esse fenômeno de extensibilidade da gnose, em nossa opinião, merece ser notado. O cristão conhece a aplicação desse fenômeno, pois a Igreja já fez a experiência no momento das grandes perseguições. Reside no fato de que todas as tradições não cristãs são miscíveis entre si. A única religião que não é miscível com as outras é o Cristianismo, porque ele provém de uma origem totalmente diferente. Ele mesmo rejeita as outras religiões e é rejeitado por elas.
Atraído, portanto, pelo Oriente, R. Guénon começa por se informar com notável aplicação, junto aos orientalistas franceses mais competentes na época. Ele se dirige a Léon Champrenaud e Albert de Pouvourville.
Léon Champrenaud pertencia à Ordem Martinista (mais ou menos autenticamente reconstituída) que se reunia na Escola Hermética. Ele escrevia em publicações ocultistas e simbólicas e era redator-chefe da revista "L'initiateur". Mais tarde, como Guénon, ele abraçaria a religião islâmica. Ele começou por introduzir Guénon nos meios orientalistas de Paris.
Albert de Pouvourville não é outro senão o famoso Matgioï, o autor de dois livros que causaram a mais duradoura impressão em Guénon: "La Voie rationnelle" e, sobretudo, "La Voie métaphysique". Parte da terminologia guenoniana vem desses dois livros. Matgioï também havia escrito outra obra em colaboração com confrades: "Les enseignements secrets de la Gnose". Ele era versado principalmente no Taoísmo e nas sociedades secretas chinesas.
Esses dois orientalistas franceses ensinaram muito a R. Guénon, mas seu ensino não conseguiu satisfazer sua curiosidade. Ele acabou, não se sabe muito bem como, por estabelecer contato em Paris com Orientais que seus biógrafos concordam em proclamar "autênticos". Quem eram, então, essas personagens? Eis a resposta de Paul Chacornac em "La Vie simple de R. Guénon" (1958):
"Guénon, portanto, teve um mestre ou mestres hindus. Foi-nos impossível ter a menor precisão sobre a identidade desse ou desses personagens, e tudo o que se pode dizer com certeza é que se tratava, em todo caso, de um ou de representantes da escola Vedanta "advaita" (advaita significa não dualista), o que não exclui que houve outros".
O que é certo é que R. Guénon adotou imediata e definitivamente a filosofia advaita, ou seja, o "não-dualismo". Essa filosofia é assim denominada porque não é monista. Ela não é nem materialista, nem idealista. Para ela, a realidade suprema transcende tanto a matéria quanto o espírito, e ela reúne todas as oposições. É essa metafísica não-dualista que R. Guénon expõe a partir de então em todos os seus livros: "Introdução ao Estudo das Doutrinas Hindus", "O Homem e seu Devir segundo o Vedanta", "A Metafísica Oriental"...
Mas Guénon não para por aí. Simultaneamente, ele entra em contato com o Islã por intermédio de um pintor sueco chamado Aguéli. Ele se converte à religião muçulmana em 1912, mantendo sua nova filiação em segredo de seu entorno. Ele só praticará abertamente o Islã após sua instalação no Egito, em 1930.
Ele vai, no entanto, retardar seus contatos com os meios católicos? De forma alguma. Aqui, somos obrigados a remeter aos livros muito documentados de Marie-France James "Cristianismo e Esoterismo" (Nouvelles Éditions Latines). Eles descrevem a colaboração de R. Guénon em várias publicações católicas, como a revista "Regnabit". Eles provam que ele se infiltrava nos meios de devoção ao Sagrado Coração, onde pensava implantar gradualmente seu hinduísmo. Essa penetração foi felizmente denunciada pelos neotomistas que gravitavam em torno de Jacques Maritain. E finalmente, R. Guénon compreendeu que os meios tradicionais ainda não estavam maduros para aceitar o esoterismo oriental. Adiando a manobra para mais tarde, ele se retirou para o Egito em 1930, praticando ali o Islã ao qual havia se convertido secretamente desde 1912.
Tal é o personagem, impregnado de maçonaria, hinduísmo e islamismo, que agora se quer nos fazer aceitar como o doutrinador que melhor compreendeu o âmago da religião cristã. Seria preciso ser o último dos ingênuos para subscrever à gnose guenônica. Eis, de fato, quais são suas grandes linhas.
O Princípio Supremo
A teologia de R. Guénon é dominada por um "princípio supremo" chamado Brahma. É um princípio abstrato que ele define como sendo a possibilidade universal. Este princípio pertence à essência e não à existência. Não tem nada de pessoal. É uma entidade de raciocínio.
Abaixo deste Hipérteos ou supremo Brahma, coloca-se um segundo princípio, menos geral e já mais próximo da existência real. Ele recebe o nome de Ishwara. Define-se como a virtualidade particular do mundo presente.
Abaixo de Ishwara, encontra-se uma espécie de trindade, chamada Trimurti, que reúne três divindades: Brahma, Vishnu e Shiva. Este segundo Brahma é o reflexo divino e existencial do supremo Brahma e representa, na Trimurti, o fator de produção. Vishnu é o fator de conservação e Shiva é o fator de evolução. Tal é, pelo menos, a descrição de R. Guénon. Mas não garantimos que seja realmente o pensamento antigo da Índia.
Depois vem o universo concreto. Ele não é chamado de "criação", mas de Manifestação. Ele realiza, na existência diferenciada, a "virtualidade particular" contida abstratamente em Ishwara. A Manifestação não é produzida "ex nihilo". Ela resulta de um processo do tipo emanatista. Compreende-se que Guénon tenha querido evitar a palavra criação e preferido a de Manifestação, que se distingue claramente da terminologia cristã.
Desse emanatismo, mais tácito, aliás, do que claramente expresso, resulta que a alma humana não difere da divindade senão pelo grau, mas não pela natureza. Este ponto doutrinário acarretará consequências na conduta da contemplação. Ele nos reconduzirá ao tipo de contemplação já descrito no Tratado da Reintegração de Martinez-Pasqualis.
Qual será, com efeito, o objetivo do adepto que medita intensamente? Obviamente, ele vai dirigir sua alma em direção ao Princípio Supremo, do qual ela emana em última instância. Ele vai tentar fazer com que ela "reintegre" a virtualidade essencial que contém seu arquétipo e cuja manifestação existencial ela é.
A Via Metafísica
Compreende-se muito bem que, para atingir este objetivo, um certo método de contemplação seja particularmente adaptado. Não se trata mais, de fato, de dilatar sua alma para receber o "hóspede divino" que deve vir ocupá-la, como é o caso na mística praticada na Religião do verdadeiro Deus. Trata-se aqui, para a alma, por um mecanismo mental apropriado, de retornar ao seu princípio: a mola psicológica que vai entrar em jogo não será mais o amor de Deus, mas uma tendência natural à auto-realização.
Que nome R. Guénon dá à operação intelectual que deve levar a esta "identificação" da alma com seu arquétipo? Ele a chama de "a via metafísica". Esta via, ou seja, este método de meditação, é praticada, diz ele, nas religiões orientais.
Para compreender bem este termo "via metafísica", é preciso saber que R. Guénon, durante o período em que elaborava sua doutrina, hesitou por muito tempo antes de dar-lhe um nome. Ele teria desejado chamá-la de "teosofia", palavra cuja etimologia correspondia muito bem ao que ele pedia que ela designasse: a sabedoria divina. Infelizmente, este termo estava, naquela época, monopolizado pelos adeptos da Sra. Blavatzki e de Annie Besant, com os quais R. Guénon estava em muito maus termos por razões complexas que seria muito longo examinar agora. Ele não podia, portanto, dar o nome de teosofia a seu sistema. Era preciso que ele encontrasse outra denominação.
Ele se decidiu por "metafísica", o que não era ruim também, dado que seu Princípio supremo não é uma pessoa viva, mas uma entidade global, a Unidade por excelência, a Virtualidade universal. Portanto, o termo metafísica, para designar tal doutrina, correspondia bastante bem a seu objeto. Em seguida, querendo ser chefe de escola, ele permaneceu fiel a este termo cuidadosamente escolhido.
E muito naturalmente, ele vai dar o nome de "via metafísica" ao esforço de meditação e abstração que conduz a alma a se identificar com o Princípio supremo, objeto da ciência metafísica assim definida. Quais serão as características desta via e em que ela vai se distinguir da mística cristã?
Nada de Mística Devocional
R. Guénon precisa incansavelmente em todos os seus livros que a via metafísica é "puramente intelectual". Ele entende com isso que ela não é, sobretudo, devocional e sentimental. Não é uma atitude religiosa, é uma atitude filosófica. De fato, em seu sistema (do qual ele declara que é aquele da Índia imemorial, o que nós tomamos cuidado para não confirmar), não se trata de dilatar sua alma, por um sentimento de amor, para receber o hóspede divino; trata-se apenas de um esforço especulativo que consiste em se identificar a si mesmo com seu próprio princípio. É, portanto, um procedimento de intelectual, e não de devoto.
Ele consagrará, então, numerosos capítulos para explicar a posição relativa da "via metafísica" que é a sua e da simples mística religiosa. Eis a substância de seu raciocínio.
A via metafísica, própria às disciplinas esotéricas, está tão acima da "mística religiosa" quanto o Princípio supremo está acima do Deus pessoal. A "via mística" é praticada nas religiões populares, devocionais e exotéricas, em particular no catolicismo. Mas ela tem como objetivo apenas o Deus pessoal e criador, o qual não é senão uma "determinação particular" do Princípio supremo.
Para compreender bem os desenvolvimentos de R. Guénon, é preciso ter apreendido esta relação de subordinação entre as duas vias contemplativas. A via mística não é, segundo ele, senão uma exaltação sentimental completamente subjetiva, enquanto a via metafísica conduz a um ponto de observação que domina ao mesmo tempo a criação e o criador.
O cristão que examina uma tal doutrina só pode rejeitá-la. E isso por duas razões.
Primeiro, é falso que o Princípio Supremo domine o Deus Criador e Pessoal. O Deus que se revelou é ao mesmo tempo existente e infinito. Ele não está subordinado a nenhum princípio externo a Ele, pois é Ele quem estabelece os princípios. Não há princípios, por mais abstratos que sejam, que estejam acima de Deus. Ele não é escravo de nenhuma lógica, pois é Ele quem a elabora e a dá como regra aos nossos espíritos humanos. Portanto, devido ao objeto a que ela conduz, é a via mística que é superior e ao mesmo tempo a via mais realista, pois ela conduz ao verdadeiro Deus.
Enquanto isso, "a via metafísica" é uma via ilusória, pois conduz, no melhor dos casos, a uma abstração. Dizemos no melhor dos casos, porque de fato o hálito gelado de Lúcifer se mistura, na maioria das vezes, a todas essas especulações, por mais intensas e extáticas que sejam.
Uma segunda razão justifica a desconfiança dos cristãos. A "via metafísica" de R. Guénon está longe de ser tão "puramente intelectual" quanto ele gostaria de dizer. Ele mesmo explica longamente que ela é baseada nos princípios do yoga. Ora, o yoga consiste na ascensão da "Kundalini". Definida em termos simples e evitando as palavras hindus, a Kundalini é um nó de sensibilidade psíquica que normalmente reside na região lombar e que o yoga tem o efeito de fazer subir, em etapas sucessivas, ao longo da coluna vertebral, até a região cervical.
R. Guénon admite que o treinamento realizado pelo yoga é uma excelente preparação para "a via metafísica", a qual, consequentemente, está longe de ser tão "puramente intelectual" quanto ele afirma.
Portanto, não se deve deixar impressionar pelos raciocínios do "Esfinx". Sua terminologia induz à confusão. Devemos lembrar que sua "metafísica" e a "via" pela qual ela é completada não são uma filosofia. Elas constituem uma mística, mas uma mística que não conduz ao verdadeiro Deus. Ela conduz ao nirvana e representa, na realidade, uma das formas mais características do que os mestres cristãos da vida espiritual chamam de "falsa mística".
Se Sobrepor Sem se Opor
R. Guénon contribuiu muito para divulgar a noção dupla de esoterismo e exoterismo, que certamente não inventou, mas que, graças ao seu impulso, incorporou-se de maneira indelével à gnose moderna. Na terminologia que ele acabou impondo, o exoterismo designa o conjunto de formulações oficiais e populares em uma determinada religião. O exoterismo é a parte exterior e visível da religião. É a expressão devocional e sentimental da religião para o grande público.
Quanto ao esoterismo, ele é a versão ao mesmo tempo supereminente e subjacente da religião oficial. Supereminente porque pretende apreendê-la em sua essência mais elevada, em vez de se ater à superfície e às aparências. Mas, ao mesmo tempo, versão subjacente porque permanece oculta aos fiéis comuns, que não a compreenderiam; só pode ser revelada às pessoas que possuem as "qualificações" necessárias. O Islã possui seu esoterismo, o judaísmo possui o seu; quanto ao cristianismo, também possui um, mas não lhe presta atenção; por negligenciá-lo, chegou a ignorá-lo.
Ora, acontece, sempre de acordo com Guénon, que os esoterismos de todas as religiões coincidem, de modo que se pode falar de um esoterismo universal. Esperamos então que nos indiquem, pelo menos em suas linhas gerais, o conteúdo conceitual dessa religião essencial. Infelizmente, aprendemos que o esoterismo se confunde com o "conhecimento". Chegamos ao cerne do problema, pois o "conhecimento" é propriamente a gnose, ou seja, o contato experimental, pessoal e intuitivo da alma com "a divindade", para usar a palavra da moda.
Você deseja obter esse contato intuitivo e, portanto, adquirir o conhecimento? Isso só é possível, dir-lhe-ão, através dos métodos contemplativos em uso nas congregações iniciáticas.
Em resumo, para conhecer o esoterismo comum a todas as religiões, é necessário receber a iniciação. Somente então, graças à dupla fonte do ensino iniciático e da contemplação pessoal, você obterá o conhecimento esotérico e compreenderá a essência profunda de todas as religiões. E assim, você poderá se sobrepor discretamente à Igreja exotérica da qual faz parte nominalmente.
Essa é, muito precisamente, a orientação que R. Guénon dava a seus discípulos católicos. Não abandonem o catolicismo. Pratiquem-no, ao contrário, "com sinceridade" e, pelo conhecimento do esoterismo, vocês poderão se sobrepor à Igreja sem se opor a ela. Não podemos deixar de notar que essas são também as orientações da maçonaria: "se sobrepor sem se opor".
A Tradição Universal
Segundo R. Guénon e seus discípulos, as doutrinas orientais não seriam outra coisa senão a antiga tradição primordial, também chamada de "tradição universal". É no Oriente, dizem-nos, que ela foi conservada com o máximo de pureza. Eles acrescentam que a tradição cristã, não só é de elaboração muito mais recente, mas também constitui um ramo desviado. Este desvio, ou melhor, esta série de desvios, alegam eles, afasta a Igreja Católica da tradição primordial e universal.
Um católico trairia verdadeiramente sua religião se aderisse a tal doutrina. A Igreja, de fato, sempre ensinou que a tradição primordial, ou adâmica, está incluída na Tradição apostólica da qual ela é guardiã. A tradição primordial constitui, portanto, parte essencial da Tradição apostólica. Já examinamos isso em artigos anteriores, mas não é ruim repeti-lo, porque é muito importante.
O texto do Cânon da Missa contém até uma oração particularmente probatória a este respeito. É a oração "Supra quæ propitio" que o celebrante recita imediatamente após o "Unde et memores". O "Supra quæ propitio" designa solenemente "os presentes do justo Abel" como o protótipo do sacrifício que acaba de ser oferecido no altar. Não é possível ser mais claro e mais formal. Não é possível remontar mais longe. A Igreja não é absolutamente um "ramo desviado" da Revelação e da tradição primordiais. Pelo contrário, é ela a detentora mais autêntica e mais autorizada. E ela tem perfeita consciência disso.
Qual é então o verdadeiro lugar das tradições orientais? São elas que se desviaram. Qual é, de fato, sua origem? Elas provêm de Babel. São a continuação de uma religião que Deus não quis. Ele não a quis quando dispersou as nações para impedir a edificação da Torre que a teria definitivamente consagrado. E não a quis quando suscitou Abraão precisamente para transmitir as antigas tradições messiânicas esquecidas pelas nações. Consequentemente, o famoso teorema da "tradição universal" e o da "unidade transcendente das religiões" que é seu corolário, são ambos falsos. Não existe uma única tradição universal. Na realidade, há duas tradições, das quais uma é fiel e a outra é desviada. A tradição fiel é a da Igreja que ainda oferece o sacrifício do qual o de Abel era a figura. E a tradição desviada é a tradição oriental, é a gnose de antes e depois de Jesus Cristo.
O Discurso de Compatibilidade
É uma pretensão muito antiga da gnose aquela de sua compatibilidade com o Cristianismo - Êmulo de Basílides e Valentim. René Guénon reivindica a mesma compatibilidade para a gnose enriquecida de Hinduísmo e Islã que nos inunda hoje e para cuja elaboração ele contribuiu poderosamente. Ele declara possível, e até desejável, que um cristão que pratica sua religião em nível exotérico, adira ao mesmo tempo à gnose em nível esotérico.
Olhando mais de perto, não se trata de uma simbiose, mas de uma subordinação da Religião à gnose e até mesmo de uma suplantação da Religião pela gnose. O que acontece, de fato, na mente daqueles que são capazes dessa duplicidade? Sua religião se torna para eles um caso particular da gnose. A teologia cristã se torna um caso particular da teosofia universal. A mística cristã se torna um caso particular da mística universal (ou via metafísica na terminologia propriamente guenoniana). A tradição apostólica se torna um caso particular da tradição universal. Esta é a situação que o guenonismo pretende atribuir à Igreja. Mas esta não é a posição que N.S.J.C. lhe deu. Na realidade, não há compatibilidade alguma, nenhuma simbiose possível entre a gnose e a Religião de Jesus Cristo.
A gnose de Guénon veicula ainda muitas outras noções. Seria preciso citar sobretudo aquela do "mundo intermediário" que acarreta tantas e tão graves consequências em matéria de demonologia. Mas devemos parar aqui nossa enumeração e nosso estudo para concluir rapidamente.
R. Guénon, escritor ao mesmo tempo encantador e arrogante, soube dar à sua gnose hinduísta e islâmica uma extraordinária força de expansão. Seus discípulos, próximos ou distantes, são inumeráveis. Nenhum deles segue o mestre de maneira incondicional, pois todos lhe fazem algumas críticas. Mas todos o apresentam de comum acordo como chefe de Escola. Ele já tem seus biógrafos e comentadores. Ele criou uma das famílias mais ativas da gnose moderna.
Formou-se uma verdadeira rede guenoniana que possui suas publicações, seus livros, sua estratégia, seus encontros, como por exemplo o "Colóquio de Cérisy-la-Salle de julho de 1973" que reuniu cerca de trinta escritores de valor. Esta rede, para cuja constituição Guénon trabalhou toda sua vida, mesmo quando residia no Cairo, é hoje perfeitamente operacional.
Capítulo IV - Os Gurus de Laboratórios
A Gnose de Princeton
Raymond Ruyer, professor da Universidade de Nancy, sinalizou em 1974 a existência de um grupo gnóstico americano que ele considerava muito influente. Ele declarava compartilhar as ideias deste grupo e até mesmo as fazer inteiramente suas. Essas ideias, ele as expõe em dois livros que marcaram época, ambos publicados pela Éditions Fayard: "A Gnose de Princeton" (1974) e "Os cem próximos séculos" (1977) com o subtítulo: "O destino histórico do homem segundo a nova gnose americana".
Ele apresenta esta doutrina, explicitamente e com insistência, como sendo uma gnose e, portanto, como aparentada à gnose dita histórica, isto é, aquela dos séculos II e III de nossa era, da qual se afasta apenas em certos pontos que não são essenciais.
Esta gnose modernizada consiste principalmente, sob a pena de Raymond Ruyer, em uma futurologia de ampla amplitude que se estende por uma duração de cem séculos, ou seja, dez milênios. E é uma futurologia unicamente científica, já que não recorre a nenhum dado profético proveniente da Escritura ou da Tradição. Aliás, o lugar da religião cristã neste sistema é praticamente nulo. Ela é considerada como ultrapassada e como tendo feito seu tempo. E é precisamente para substituí-la, já que está moribunda e até mesmo morta, que é necessária uma gnose científica. Reconhece-se aí as disposições de espírito de Auguste Comte em sua religião positivista.
«Este sistema cristão, abandonado de fato pelo clero, escreve R. Ruyer, não ressuscitará tal qual. Mas será necessário algo análogo que unifique, como o sistema cristão, a preocupação com a imortalidade pessoal, familiar, e a preocupação com a longa duração do povo». ("Os cem próximos séculos", p. 292).
O Politeísmo Moderno
O Professor Ruyer esclarece que se trata realmente de uma gnose e não de uma simples futurologia. E, de fato, encontramos nela traços de parentesco com a gnose histórica. Existe primeiro, no sistema de Princeton, um "Princípio Supremo" muito semelhante ao "Princípio Universal" de Simão, o Mago, e ao de R. Guénon. É a consciência cósmica à qual R. Ruyer dá diferentes nomes, muito esclarecedores sobre a concepção que ele faz dela: "a grande consciência", "o gênio misterioso da vida", "a lei sobre-humana", "a norma invisível", "a norma todo-poderosa", "a consciência total do espaço-tempo".
A grande consciência de Princeton possui todos os atributos do Princípio Supremo do hinduísmo? Talvez não. Mas ainda assim ela exerce a função de divindade, pois é objeto de contemplação por parte de alguns contemplativos mais ou menos especializados.
A produção de "consciências coletivas" é dada como um fenômeno absolutamente geral. Ela ocorre em todos os agregados e em todas as massas feitas de unidades reunidas, sejam essas unidades elementares materiais ou espirituais. Inobserváveis nos agregados de pouca importância, as consciências coletivas adquirem um valor enorme quando se trata de povos inteiros ou de constelações siderais. Haveria assim, no universo, não apenas uma grande consciência total, mas consciências coletivas subdivididas, espécies de pulsões gregárias parciais se impondo aos indivíduos. Elas desempenhariam o papel de divindades subalternas. Inevitavelmente, pensamos não apenas nos deuses do politeísmo antigo, mas também nos Eones e Arcontes das teogonias gnósticas e platônicas. Compreende-se que R. Ruyer tenha dado ao sistema de Princeton o nome de gnose, não obstante sua aparência "científica" ultramoderna.
Mais uma vez os Grandes Iniciados
Esse sistema também é gnóstico pelo sincretismo que forma sua estrutura. Ele apresenta todas as religiões como equivalentes e miscíveis. Portanto, não é surpreendente ver reaparecer a teoria dos Grandes Iniciados, tornada célebre em nossos dias por Édouard Schuré, mas que é muito mais antiga que ele.
Na verdade, encontramo-la formulada já no século III d.C. por Mani, primo dos gnósticos, nos primeiros parágrafos de seu Shapourakan:
"A sabedoria e as obras sempre foram reveladas ao mundo pelos enviados de Deus. Assim, em determinada época, elas foram trazidas à Índia pelo enviado chamado Buda, em outra, por Zoroastro à Pérsia, em outra ainda por Jesus ao Ocidente. Finalmente, esta revelação presente desceu, esta profecia se manifestou nesta idade suprema para mim, Mani, o mensageiro do deus da verdade no país da Babilônia". (Mani, século III d.C.).
Em "Os cem próximos séculos", R. Ruyer mostra por sua vez sua inclinação por esta doutrina:
"...os fundadores religiosos não batizam simplesmente um século, eles abrem uma nova era, como Moisés, Buda, Jesus Cristo, Maomé. Assim, vemos neles deuses, enviados de deus e pelo menos "grandes iniciados" aos segredos dos deuses, e não simples mortais ou simples super-homens". (página 110)
Os Participantes Profetas
Outro traço de parentesco da gnose de Princeton com a gnose antiga é o modo de aquisição do conhecimento religioso pela via do misticismo. Reconhecendo o peso psicológico da "grande consciência", constatando a atração, quase mágica, exercida por ela sobre todo espírito, os sábios da sociedade futura se colocarão à sua escuta para transmitir aos homens os grandes impulsos que ela gera.
Entre os gnósticos de Princeton, alguns, por sua aptidão à contemplação, se tornarão os mediadores da "norma invisível":
"Pode-se prever", escreve R. Ruyer, "novas religiões" gnósticas-científicas "cujos cleros não serão constituídos por sábios enquanto tais, mas por todos os participantes dos grandes seres do cosmos". (página 289)
Esses participantes serão místicos que transmitirão à humanidade as inspirações extraídas da contemplação dos grandes seres. E se nos perguntarmos que forma tomará esse neo-misticismo científico, R. Ruyer nos responderá:
"Essa participação poderá tomar todas as formas, desde a eventual comunicação por rádio com outras humanidades ou espécies inteligentes, até a participação psíquica por consciência transcendente, por transe ou outros processos psíquicos ou orgânicos com a consciência da espécie ou com a consciência total do espaço-tempo". (página 289)
R. Ruyer especifica mesmo os poderes que se poderá conceder a esses novos videntes gnósticos, esses homens ao mesmo tempo sábios e místicos. Ele os chama de "participantes-profetas" e eis o que ele diz a respeito:
"Os participantes-profetas estarão em condições, ou se julgarão em condições, de dar à humanidade e aos poderes temporais, cuja docilidade será intermitente, missões e direções. Seus discípulos, constituídos em um clero mais institucional, comentarão e explicarão aos fiéis as instruções sobre-humanas e as comunicações sagradas". (página 289)
Assim, a futura religião gnóstica será alimentada pelo misticismo. Mais ainda, as almas dos falecidos participarão dessa alimentação permanente:
"O novo sistema poderá ser uma crença na reencarnação, uma crença na transformação da alma dos falecidos em espíritos protetores, capazes de se comunicar pessoalmente com os vivos, ao mesmo tempo que participam das comunicações sagradas com os grandes seres sobre-humanos" (Os cem próximos séculos).
Vemos que o espiritismo de Allan Kardec também faz parte desse amálgama.
A Gnose Anexa a Ciência
Já se percebe, em R. Ruyer, uma metamorfose que deve chegar a seu pleno florescimento com R. Abellio: a saber, a espiritualização gnóstica da ciência quantitativa. Uma vez que apreende o espírito cósmico, a ciência atinge a divindade e se torna religião:
"A fé possível para o futuro é mais a fé em uma ciência além da ciência positiva, em uma ciência reencontrando os grandes seres vivos por si mesmos em uma natureza animada, misteriosa, mágica e participável, natureza ou antes cosmos vivo, onde o homem, como indivíduo e como espécie, desempenha um papel obscuro, mas que ele pode pressentir e aprender a conhecer cada vez melhor, comunicando-se com os grandes seres do cosmos". (Os Cem Próximos Séculos, página 288).
Não se encontra explicitamente nos escritos de R. Ruyer o emanatismo que forma o fundamento da teologia gnóstica. Nele, ao contrário, os "grandes seres" parecem não ser produtores do universo, mas antes produzidos pelo universo, do qual eles personificam o automatismo, já que são chamados de "normas invisíveis". Mas como entender que o universo tenha produzido seus próprios legisladores? Tudo isso é de uma teologia bastante simplista.
Quanto à escatologia, ou seja, a ciência das "últimas coisas", ela não é claramente definida como cíclica, como é geralmente a escatologia gnóstica. A gnose de Princeton é uma futurologia indefinidamente prolongada, em um tempo sem limite, onde se distingue apenas uma vaga alternância de civilizações e barbáries. Obviamente, não há nesta construção toda, nem juízo final, nem inferno, nem reino eterno.
O professor Ruyer não engana seus leitores quando dá o nome de gnose ao sistema que ele expõe. Encontra-se ali, de fato, em um sincretismo muito amplo, o princípio supremo: os eões, os arcontes, e na terra, os "participantes" contemplativos dedicados à escuta dos grandes seres e aos quais o cristão pode dar de antemão e sem risco de se enganar, os nomes de falsos místicos e de falsos profetas.
Capítulo V - Abel e Belial
A Gnose de Raymond Abellio
Diante da impossibilidade de descrever em detalhes o percurso da contaminação gnóstica, escolhemos apenas assinalar os marcos mais característicos. É assim que chegamos à obra de Raymond Abellio. Ele é um dos escritores contemporâneos que melhor transmitem a profundidade e a extensão dessa contaminação.
Não examinaremos o conjunto de sua obra: ela é muito diversificada, estendendo-se da filosofia ao romance, e já é objeto de uma crítica geralmente bastante elogiosa. Examinaremos aquele de seus livros que o torna um dos porta-vozes mais autorizados da gnose moderna: "bordagens da nova gnose" (Gallimard, 1981).
Essa obra é composta de maneira bastante singular. O autor reuniu nela uma quinzena de prefácios que escreveu, em diferentes épocas, para livros variados, mas que têm todos em comum pertencer eles mesmos à gnose moderna, de tal forma que essa coletânea apresenta uma incontestável unidade e um precioso valor de síntese.
Encontram-se ali os componentes clássicos de toda gnose, como por exemplo a alquimia e a mística filosófica, também chamada "natural", mas também contribuições recentes, o que não nos surpreende, pois, como já constatamos várias vezes, é o destino do grande rio gnóstico receber, de século em século, novos afluentes.
A Loucura de Louis Lambert
R. Abellio não pode deixar de encontrar a mística natural entre os novos gnósticos; ela caminha lá, como já caminhava no tempo de Menandro, Basílides e Valentim. Ele a examina principalmente no prefácio que compôs para uma reedição de "Louis Lambert" de Balzac. Este romance é autobiográfico, esta é a opinião unânime. Balzac nos fala de si mesmo sob o nome de Louis Lambert. O herói é apresentado como discípulo de Swedenborg, o que equivale a dizer que Balzac também o era. Ora, Louis Lambert, no romance, dedica-se, sob a direção póstuma, e livresca é claro, de seu mestre sueco, a experiências não apenas meditativas, mas também evocatórias, e isso com tanto ardor que no final ele sucumbe à loucura. Este é o tema do romance.
O prefaciador, R. Abellio, não tem dificuldade em reconhecer que se o herói Louis Lambert, no romance, enlouquece, é porque o romancista Balzac, na realidade, não esteve longe de enlouquecer ele próprio, que sentiu o abismo se abrir sob seus pés e que deve sua salvação unicamente à interrupção de suas experiências. Este perigo é bem conhecido. O próprio Swedenborg não o esconde, pois escreve: "Cuidado, é um caminho que leva ao hospital dos loucos". Notemos ainda que encontramos advertências análogas em muitos autores esotéricos, particularmente em René Guénon.
Em suma, Louis Lambert, o herói do romance, enlouquece, e Balzac revela a causa de seu desequilíbrio mental; ele meditou com muita intensidade, explica, e colocou muita insistência em suas evocações. Mas esta explicação balzaquiana não serve de forma alguma para R. Abellio porque desacredita a mística natural à qual ele se apega em primeiro lugar; é ela, de fato, que é a fonte do famoso "conhecimento" gnóstico, já que a gnose é em grande parte uma ciência intuitiva; sem mística, não há gnose.
Ele vai, portanto, opor outra explicação à de Balzac. Ele considera, por sua parte, que Louis Lambert enlouqueceu, não por causa de um excesso e uma saturação, mas por causa de uma falta e uma insatisfação. Se sua mente divagou, é porque girou no vazio. E se girou no vazio, é porque não teve tempo de se preencher e se alimentar; ele ainda não tinha feito a experiência do "conhecimento" que lhe teria trazido um alimento, uma regularidade de funcionamento e, por fim, uma plenitude.
Esta é a explicação que R. Abellio dá para a loucura de Louis Lambert, mostrando assim que está profundamente convencido da excelência da "mística natural", pois, segundo ele, se pode acontecer de pecar por falta, não se deve temer pecar por excesso. Nunca se mergulha profundamente demais nela.
A Carne se fará Verbo
Embora R. Abellio conteste as explicações de Balzac quanto à origem da loucura de Louis Lambert, ele, no entanto, não lhe retira a sua confiança gnóstica e continua a considerá-lo um verdadeiro vidente. Ele dá como prova dessa inspiração uma frase que Balzac faz seu herói dizer e que reproduzimos aqui sem alteração, apesar de sua sintaxe um pouco desordenada:
"Também talvez um dia, o sentido inverso de 'et Verbum caro factum est' será o resumo de um novo evangelho que dirá: 'e a carne se fará Verbo', ela se tornará a Palavra de Deus".
Trata-se, como se vê, de uma inversão completa da fórmula evangélica. Balzac evoca aqui um tempo futuro em que a carne se fará Verbo, ou seja, em que o homem se fará Deus. Diante dessa profecia balzaquiana, bastante gnóstica, de fato, R. Abellio inclina-se com admiração; e eis, em substância, o comentário que ele lhe dedica.
Certamente, ele não o nega, houve "uma encarnação do espírito a serviço da vida, uma descida do espírito na matéria". E ele faz algumas alusões, nebulosas, aliás, para permanecer no estilo gnóstico, à Natividade e ao Pentecostes. Então ele dá a essa encarnação e a essa descida do espírito o lugar que lhes cabe na perspectiva esotérica: elas constituem os "pequenos mistérios", ou seja, os mistérios que a Igreja cristã exotérica compreendeu bem e dos quais ela se contenta.
Mas além desses pequenos mistérios, há os "grandes mistérios", ou seja, a revelação do fenômeno inverso da encarnação, a saber, o fenômeno da assunção da matéria no espírito, assunção que se traduz pela transfiguração da carne e a espiritualização da matéria. Claro, os cristãos exotéricos não atingem essas alturas. Os "grandes mistérios" são propriamente gnósticos.
Em resumo, os cristãos sabem que o espírito desceu na matéria, o que não é falso (pequenos mistérios) e os gnósticos sabem que, ao mesmo tempo, a matéria é "assunta" no espírito, o que é ainda mais fundamental (grandes mistérios). Essa é a opinião de Abellio.
Assim, nossos dois gnósticos, Balzac e Abellio, concordam em anunciar um "novo evangelho", o da carne que se torna palavra de Deus por suas próprias forças. Bravo! Nada poderia ser melhor escolhido para fazer os verdadeiros cristãos se sobressaltarem. Eles não podem deixar de reagir vigorosamente contra uma pretensão tão grande. É bem evidente que, se lhes falam de um "novo evangelho", sua desconfiança é imediatamente despertada, advertidos como estão pelas exortações de São Paulo:
"...mesmo que um anjo vindo do céu vos anuncie um evangelho diferente daquele que vos anunciamos, seja ele anátema". (Gal. I, 8)
A Sublimação Universal
A síntese de R. Abellio também abrange outro componente indelével da gnose: a alquimia. Lembramos que esta constitui um de seus temas favoritos. Ele se compraz em notá-la em muitos autores modernos. Ele próprio é um adepto fervoroso e, aliás, muito competente: ele sabe do que está falando. Em sua coletânea "Aproximações da nova gnose", ele reproduziu o prefácio que havia escrito para outro romance de Balzac: "A Busca do Absoluto". Um romance alquímico, se os há, e cujo tema é o seguinte:
"Um rico flamengo se apaixona pela química e pela alquimia e quer descobrir o segredo do absoluto, ou seja, a unidade da matéria".
Toda a obra de R. Abellio mostra que ele está muito interessado no problema da constituição da matéria e de suas virtualidades de transmutação. Sempre que pode, ele se empenha em sugerir que, se conhecesse a textura última da substância material, o homem poderia acelerar a transfiguração do universo. Infelizmente, ele se expressa à maneira habitual dos alquimistas, ou seja, por uma sucessão de símbolos enigmáticos e líricos, e como sua língua é muito rica e muito imagética, somos levados a uma espécie de vertigem e precisamos nos convencer para não nos deixar convencer. É assim que ele sugere (mais do que demonstra) o nascimento de um "outro mundo" sob o efeito da alquimia. Elogiando o "profetismo balzaquiano", ele o comenta assim:
"Pode-se discutir este ou aquele ponto, mas a matéria romanesca é aqui levada a tal grau de pureza e intensidade que só conta a magia do conjunto, essa visão projetiva, extremista e de certa forma ideal que, no mundo real, faz nascer um outro mundo". (Aproximações..., página 107).
É esse "nascimento de um outro mundo" que apaixona R. Abellio: a assunção do universo, sua transmutação, sua metamorfose, sua transfiguração... Ele é assombrado por essas noções e retorna a elas constantemente em seus livros. Esse é também o ideal dos alquimistas: a sublimação da matéria, ou seja, a liberação da faixa espiritual que, a seus olhos, ela esconde secretamente.
Queremos saber quais serão as modalidades da transfiguração universal que o alquimista vislumbra e prepara? O prefaciador de Balzac nos ensina que, longe de exigir o poder criador de Deus, essa assunção geral será de tipo mágico:
"Então entrará em jogo a transposição, a transfiguração, ou seja, um deslocamento, uma desorientação em que as articulações e as leis não são mais da realidade, mas daquilo que se deve chamar de magia".
E não imaginemos que a alquimia transfigurativa de R. Abellio seja um simples tema folclórico e romanesco. Pelo contrário, ele a leva muito a sério e reconhece-lhe uma eficácia transcendente:
"Também não se lerá A Busca do Absoluto como um documento de época mais ou menos descritivo, mas como uma evocação simbólica de certos cumes e de certas abismos fora do tempo" (página 107)
Aproximando essas sugestões diversas, obtemos, sem grande risco de erro, a síntese a seguir: o mundo seria o palco de um processo "mágico" e permanente (fora do tempo) de sublimação, processo que pertence às virtualidades naturais da matéria e que os alquimistas aspiram a conhecer para cooperar com ele; tratar-se-ia, portanto, em última análise, de uma espécie de glorificação por via natural e automática, de uma passagem espontânea do mundo a esse novo estado que a Igreja designa pelo nome de estado de glória, mas de uma glória obtida sem a intervenção da onipotência de Deus.
Quando procede a essas sugestões, com sua linguagem premente e sua autoridade, R. Abellio torna-se o porta-voz de toda uma intelectualidade alquímica que proliferou, desde a guerra de 1939-1945, a um ritmo prodigioso, e que conta hoje, é preciso reconhecer, com muito hábeis divulgadores. Mas como um cristão poderia aderir a uma doutrina tão grande?
A metamorfose alquímica do universo não é senão um pálido sucedâneo daquele grandioso episódio que a Fé nos faz esperar na passagem final ao estado de glória:
"Et expecto résurrectionem mortuorum et vitam venturi sæculi... Espero a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro...".
Mas assim como a criação do mundo, surgindo do nada (ex nihilo), necessitou do poder divino, sua glorificação, ou seja, sua elevação a um novo estado, também requer o poder divino. O próprio dinamismo da natureza é incapaz de lhe proporcionar esse novo estado. No entanto, os alquimistas pretendem ajudá-la nisso. Mas é uma ambição totalmente ridícula. Surpreende-nos até que eles tenham podido concebê-la. Esperariam eles ressuscitar os mortos e provocar a descida da Jerusalém celeste? A Sagrada Escritura é formal e seu sentido nunca foi contestado: no momento da passagem ao estado de glória, é Deus quem intervém por uma manifestação solene de seu poder.
"Eis que faço novas todas as coisas". (Apoc. XXI, 5)
Um Imenso Cérebro
R. Abellio também destaca outro elemento constitutivo da gnose, talvez menos usual que os outros: a astrologia. Ele inseriu em sua coletânea três prefácios que lhe pediram para escrever para três livros tratando de astrologia: "Não queime a bruxa", de Élisabeth Teissier, "A Astrologia encontra a ciência", de Jean Barets, e "Retorno ao zodíaco das Estrelas", de Jacques Dorsan.
Ele acredita que se obtém muitos benefícios ao fazer da astrologia uma disciplina gnóstica plena. Retomaremos apenas dois deles.
O primeiro benefício que a astrologia proporciona à gnose é servir-lhe de terreno de entendimento com a ciência quantitativa. De fato, a astrologia trata precisamente da influência imponderável, e no entanto determinante, dos astros sobre o comportamento humano; ela mostra que o homem responde a estímulos que são ao mesmo tempo materialmente observáveis, sem contestação possível, e no entanto não quantificáveis. A astrologia, concluiu ele, é portanto em parte científica, embora não quantitativa em seus efeitos materiais. E ao mesmo tempo, em sua qualidade de antiga disciplina tradicional e indemonstrada, ela também é uma matéria gnóstica e "iniciática" (página 169). A astrologia, por ser ao mesmo tempo científica e gnóstica, constitui o ponto de encontro designado da ciência e da gnose.
Portanto, R. Abellio convida a ciência a estudar a astrologia, a incorporá-la e assim realizar sua própria espiritualização (página 157). A ciência quantitativa se tornará então verdadeiramente uma disciplina gnóstica. Aliás, uma evolução irreversível já está se operando nesse sentido:
"Na medida em que desconhecem o alcance dessa revolução espiritual, os detratores da astrologia são apenas atrasados". (p. 157)
A astrologia também proporciona à gnose um segundo benefício ao trazer uma confirmação ao velho panteísmo, que é um de seus componentes mais antigos. A astrologia se baseia, de fato, segundo R. Abellio, em um postulado que lhe é caro, o da interdependência universal. Para ele, essa interdependência é absoluta; não apenas o universo age sobre o homem, mas o homem age sobre o universo:
"Minha menor emoção, meu menor pensamento, ficam inscritos para sempre no tecido infinito da interdependência global". (p. 157)
Só que o homem não está incorporado a um universo mecânico e morto: "Esse universo prodigioso das interações e correspondências globais", R. Abellio não quer mais que o consideremos como uma imensa máquina. Ele é, na verdade, segundo ele, um imenso cérebro. E esse imenso cérebro é realmente vivo:
"Se os astros, como dizia Swedenborg, também são seres, não obedecem eles também ao dinamismo de toda a vida?" (p. 171).
Ora, precisamente "a astrologia restaura ao homem suas relações com o universo". (p. 156)
Um universo que tem consciência de si mesmo e que vive. Reencontramos aqui a consciência universal sobre a qual R. Ruyer nos falou em "A gnose de Princeton" e que não é outra coisa senão o elemento central do antigo panteísmo.
A Estrutura Absoluta
A elaboração de uma nova lógica ocupa um lugar muito importante nos trabalhos dos gnósticos de hoje. Todos pensam que a lógica antiga não atende mais às necessidades do raciocínio científico moderno. Todos a criticam por sua rigidez. Todos questionam o "princípio da identidade" que constitui uma de suas bases, princípio segundo o qual uma coisa não pode ser ao mesmo tempo o que ela é e seu contrário; os novos lógicos querem se livrar desse princípio. Todos fazem à lógica antiga a acusação de manter a distinção fundamental entre o sujeito e o objeto. Todos consideram que ela foi construída sobre critérios que a ciência reconhece hoje como arbitrários.
Mais genericamente, a crítica que fazem à lógica antiga é seu dualismo. Este dualismo, dizem eles, conduz a filosofia e a ciência a uma série de situações de dúvida. A palavra da moda para designar tal situação é aporia, que significa "sem saída"; certamente não é nova, mas tem um ressurgimento de uso entre os Gnósticos da moda. Em resumo, todos querem se livrar da velha lógica para estabelecer outra que não será mais dualista, mas que será mais flexível, mais polivalente e que finalmente admitirá a "coincidentia oppositorum" da qual esperam maravilhas.
R. Abellio se preocupa muito com esta questão e a tratou em profundidade naquele que ele mesmo apresentou como a mais importante de suas obras, "A Estrutura Absoluta", obra que não deve ser confundida com "A Busca do Absoluto", romance de Balzac do qual acabamos de falar. É em "A Estrutura Absoluta" que R. Abellio coloca o postulado que já conhecemos dele, o da interdependência universal. Deste postulado, ele deduz um certo número de consequências e, em particular, uma crítica à lógica dualista e sua substituição por um esquema de raciocínio de quatro termos, esquema ao qual ele naturalmente dá o nome de "quaternidade" e que justifica da seguinte maneira.
Toda observação científica é uma percepção sensorial que não coloca em jogo apenas os dois termos aos quais era reduzida antigamente, a saber, o olho do observador e o objeto observado. Pois basta tomar um pouco de distância para constatar que o olho do observador pertence a um corpo humano que também tem sua parte na elaboração global da percepção. Consequentemente, na formulação desta percepção, participam não apenas o olho no sentido estrito, mas o corpo do observador inteiro. Este é o primeiro ponto, que diz respeito ao sujeito observador.
Se agora considerarmos o objeto que foi observado, constatamos que ele também pertence a um universo do qual não se pode dissociá-lo, porque esse objeto é impressionado e como que impregnado de vibrações provenientes do universo inteiro. Este é o segundo ponto. Não é difícil encontrar, nos dois pontos assim estabelecidos, a aplicação do postulado da interdependência universal.
Em toda observação científica, portanto, R. Abellio não distingue apenas dois termos, mas quatro. Os quatro termos da "quaternidade" são: o olho, o corpo, o objeto e o mundo. Esses quatro termos obviamente reagem uns sobre os outros e formam um todo orgânico. É arbitrariamente, estima nosso filósofo, que os separaríamos.
Após definir os quatro termos da "quaternidade", é preciso evidenciar as relações que eles têm entre si. Para tornar essas relações mais visíveis, R. Abellio recorre a um gráfico. Ele coloca o olho e o corpo nas extremidades opostas do diâmetro de uma esfera. Então, da mesma forma, dispõe o objeto e o mundo nas duas extremidades de outro diâmetro perpendicular ao primeiro. Esses dois diâmetros têm seu ponto de intersecção no centro da esfera e formam entre si uma cruz que representa a "quaternidade" e que vai concretizar suas relações.
Este esquema de quatro termos é, ao que parece, de uso muito mais universal do que a estéril dualidade da lógica antiga. R. Abellio não espera dele nada menos que a unificação da ciência e da gnose. Pois é utilizável tanto nas disciplinas mais quantitativas quanto nas especulações mais espirituais. Ele abole as separações entre observadores e objeto observado; entre matéria e espírito, entre tudo o que estava separado; e finalmente coloca em comunicação os abismos de baixo com os abismos de cima, o que é provavelmente o objetivo da manobra.
R. Abellio pensa, graças à "quaternidade", não apenas ter encontrado um instrumento lógico totalmente geral, mas também poder explicar a constituição última da matéria. Daí o nome de "estrutura absoluta" que ele dá à sua obra.
Aqueles que gostariam de ter detalhes sobre a "quaternidade" universal são convidados a consultar os capítulos 1 e 2 de A Estrutura Absoluta e o capítulo 2 de O Fim do Esoterismo. A demonstração, de fato, está longe de ser simples e nós apenas a resumimos aqui para dar uma primeira ideia.
De nossa parte, não estamos convencidos pela "quaternidade" polivalente de R. Abellio. Será difícil nos afastar do preceito lógico contido no Evangelho de São Mateus, preceito que todo católico conhece de cor, tão claro ele é:
«Sit autem sermo vester : est, est ; non, non. Quod autem his abundantius est, a malo est». «Que o vosso discurso seja: o que é, é; o que não é, não é; e tudo o que for além disso vem do Maligno». (Mat. V, 37)
E achamos que há muitas "coisas a mais" nos raciocínios "lógicos" de R. Abellio.
Uma Beleza Tenebrosa
O romancista-filósofo se chama na realidade Georges Soullès. Afirma-se que ele forjou o pseudônimo de Abellio condensando Abel e Belial. Diz-se também que ele escolheu o prenome Raymond por causa de sua semelhança com Ammon-Raa, nome do Júpiter egípcio. Não haveria nada de surpreendente nisso.
Concorda-se em reconhecer em R. Abellio um grande talento de escritor. Não discordaremos disso. Ele colocou, na exposição de toda essa gnose, um frêmito romântico totalmente fascinante ao qual não se pode ficar indiferente. É até permitido detectar nela uma espécie de religiosidade intelectual. Mas a riqueza e a elegância da forma encobrem um conteúdo cheio de erros. As páginas são belas, de fato, mas de uma beleza tenebrosa.
A heterodoxia desses desenvolvimentos vibrantes é imediatamente manifesta aos olhos de um cristão. Nem a transfiguração alquímica do universo, nem o determinismo astrológico, nem "o outro evangelho", nem o misticismo cósmico, nem mesmo a inclusão do cristianismo na pluralidade da gnose conseguirão convencer uma alma verdadeiramente católica.
O cristão fiel tem muito melhor do que essa gnose, por mais cintilante que seja, para alimentar as reflexões de sua inteligência e as meditações de seu coração. Basta-lhe considerar os serenos esplendores da verdadeira Religião.
Capítulo VI - A Gnose Religião de Estado
O G.R.A.C. de Perpignan
Avançando a grandes passos, tivemos que negligenciar muitos episódios secundários que teriam sido, no entanto, muito instrutivos. Nossa última etapa será o G.R.A.C. de Perpignan. O "Grupo de Pesquisa de Antropologia Criacional", fundado na universidade de Perpignan em 1982, publica uma revista intitulada "Epignosis", cujo primeiro número apareceu em junho de 1983.
A antropologia de que se trata é dita "criacional", porque o homem é considerado, pelos pesquisadores do G.R.A.C., como sendo de natureza divina e, consequentemente, como detentor de certo poder criador, não apenas sobre si mesmo para fazer eclodir nele o deus que ele é na realidade, mas também para colaborar na transfiguração do universo e na produção de uma humanidade de um novo tipo.
De onde vem a palavra "Epignosis"? Y. A. Dauge, o membro mais ativo da equipe fundadora, explica que ela foi escolhida na Epístola de São Paulo aos Colossenses, onde se encontra no texto grego:
"...revesti-vos do homem novo, aquele que caminha para o verdadeiro conhecimento (eis epignosia) renovando-se à imagem de seu Criador" (Col. III, 9-11).
Epignosis é, portanto, o conhecimento que faz do homem um criador. É pelo menos o que o contexto nos faz entender.
Essa etimologia escriturística não nos surpreende. Já constatamos muitas vezes o hábito dos gnósticos de extrair sua terminologia da Escritura ou do dogma para depois desviá-la de seu sentido cristão. É o que acontece aqui. A etimologia assim exposta mostra claramente que o Cristianismo fará parte da síntese que nos será apresentada. A revista Epignosis permanece fiel à linha dos velhos gnósticos que associam o paganismo, a filosofia, o judaísmo e o cristianismo. Ela acrescenta as religiões orientais, já que tal é a "abertura" atual, elaborando assim uma espécie de Sabedoria universal, que não é outra senão o primeiro rudimento, ainda nebuloso, da religião universal. Dizemos rudimento porque falta toda a parte sacramental que deve comportar uma religião completa, mas na qual Epignosis não toca, pelas razões que evocaremos em seguida.
O G.R.A.C. e sua revista multiplicam as declarações de pertencimento à gnose imemorial. Não somos nós, portanto, que os classificamos arbitrariamente entre os gnósticos. Eles próprios se classificam assim.
Três brilhantes universitários formam a equipe fundadora do G.R.A.C.: Yves-Albert DAUGE, Jean BIES e Joël THOMAS. Os colaboradores que posteriormente atraíram também são, em sua maioria, universitários. Cada número da revista reproduz a lista de trinta e um membros e colaboradores do G.R.A.C. Mencionemos apenas aqueles que têm mais chances de serem conhecidos por nossos leitores: Raymond Abellio, filósofo e romancista, Jacques d'Arès, diretor da revista "Atlantis", Jean-Gaston Bardet, urbanista e ao mesmo tempo especialista em cabala, Bernard Besret, doutor em teologia, ex-prior da abadia de Boquen, Robert Linssen, diretor do Instituto de ciência e filosofia novas de Bruxelas. Limitemo-nos a esses poucos nomes.
A equipe universitária de Perpignan está longe de esconder suas fontes doutrinárias. Pelo contrário, ela estabeleceu um inventário extremamente bem feito, sob a forma de uma bibliografia comentada, classificada por assuntos, cuja compilação é muito interessante. Mas os escritores, antigos e modernos, que devem ser mais diretamente considerados como seus "mestres de pensamento" foram reunidos desde o primeiro número de Epignosis. Eles são vinte e quatro, eis os principais:
C.G. Jung, G. Bachelard, R. Guénon, Fr. Schuon, R. Abellio, H. Corbin, St Lupasco, G. Durand, M. Eliade, G. Scholem, R. Linssen.
A simples leitura dessa lista de mestres do pensamento nos faz pressentir que a síntese da Epignosis será muito ampla, pois vemos nela figurar escritores pertencentes a tendências até agora bastante distintas, como por exemplo a tendência guenoneana, que é de espírito muito religioso, e a tendência do círculo Eranos de Ascona, com seu "Sagrado sem Deus".
O lançamento em flecha do G.R.A.C. de Perpignan exige imperiosamente a comparação com os começos estrondosos do G.R.E.C.E.: método análogo, segurança na manobra, federações de agrupamentos pré-existentes, viés pluridisciplinar marcado, terminologia sobreposta em muitos pontos. Trata-se de uma filiação real ou de um simples mimetismo involuntário, devido a circunstâncias análogas? J. A. Dauge seria o "Alain de Benoist" da "Nova Gnose"? Colocamos essa questão sem ter, hoje, nenhum indício decisivo para respondê-la.
O Saber e o Poder
A ideia de transfiguração é uma das que aparecem com mais frequência nas páginas da Epignosis. Ela nunca é claramente definida, o que é quase uma regra nas exposições gnósticas. A transfiguração designa a "passagem a um modo de ser inédito da existência terrestre". E o agente dessa passagem será obviamente o homem, pois ele também é co-criador. O homem é um ser "mutal" submetido a uma dinâmica de transformação; ele possui "um estatuto ontológico fundado na mutação, uma capacidade evolutiva indefinida".
"O objetivo prático do esoterismo é transformar o homem e aperfeiçoar a criação. Trata-se, portanto, de uma energética da metamorfose universal, tendo tantos pontos de partida quanto há pessoas envolvidas no processo, pois é sempre preciso partir de si mesmo. A justa compreensão e a utilização correta das energias criadoras (humanas, cósmicas, divinas) permitem um desenvolvimento integral de nossas possibilidades. Elas nos conferem a todo-poderosa benéfica: a capacidade de estar acima do mundo e, simultaneamente, de viver dentro do mundo, agindo como artifex através de tudo". (Nº 1, 1º caderno, p. 31)
Essa transfiguração geral, nós a encontramos frequentemente, particularmente em R. Ruyer e em R. Abellio. Ela leva ao advento de uma super-humanidade. Mas, como nos fazem notar, "não esqueçamos que cada um de nós carrega em si o germe de sua divindade". Também devemos lembrar "do caráter teândrico da natureza humana". Daí a super-humanidade cuja chegada nos é anunciada será uma humanidade de deuses:
"a antropologia bem compreendida conduz, portanto, à teogênese" (p. 9).
A teogênese, de acordo com a etimologia da palavra, é a arte de fabricar deuses. Esse é precisamente o papel do "conhecimento gnóstico".
A ambição de superar as gnoses anteriores obviamente não é alheia à empreitada do G.R.A.C. O nome Epignosis indica claramente que se visa a uma super-gnose. A síntese empreendida, de fato, se pretende absolutamente geral. Ela abrange todas as religiões, incluindo a religião cristã, é claro, e todas as ciências; ela também compreende todas as místicas e todas as filosofias. Trata-se, diz-se, "da união do materialismo espiritual e da física gnóstica". Compreende-se que essa síntese não possa se realizar sob o modo sincrético, que exigiria uma amálgama homogênea impossível de ser elaborada com constituintes tão numerosos e tão díspares. Ela é concebida sob a forma da unidade transcendente (à maneira de Schuon), ou seja, da unidade esotérica deixando subsistir, na base, um certo pluralismo.
O G.R.A.C. conseguirá impor sua super-gnose? Isso é pouco provável, pois ele próprio não está situado no topo da hierarquia esotérica. Um sintoma mostra isso quase com certeza. Nos desenvolvimentos sobre a vida interior e a contemplação, os autores da Epignosis chegam naturalmente a falar da iniciação e a apresentam como o desfecho normal do treinamento meditativo. E o que é muito claro é que eles a recomendam, mas não a conferem.
Ora, para todos os espíritos que frequentam o mundo iniciático, existe uma distinção clássica entre o círculo do "saber" e o círculo do "poder". Como eles recomendam a iniciação sem conferí-la, isso significa que o G.R.A.C. (enquanto tal) pertence ao "círculo do saber" e não ao "círculo do poder". Ele não constitui, portanto, uma congregação iniciática. Ele ensina uma gnose a uma elite ampla destinada a sua vez a ensinar o grande público. Mas existe indubitavelmente, acima dele, uma congregação iniciática que confere poderes e da qual o G.R.A.C. é apenas o aparelho de ressonância, voltado para o exterior.
Temos aqui a resposta à questão que colocávamos anteriormente. Por que o G.R.A.C. se contenta em elaborar e difundir uma "sabedoria universal" capaz de inspirar uma "religião universal" e por que não toca na parte sacramental? É simplesmente porque ele pertence ao círculo do saber e não dispõe dos poderes que lhe permitiriam conferir a iniciação. Epignosis é uma revista ainda muito jovem para que possamos discernir o que constitui sua superestrutura. Trata-se de uma rede iniciática oriental? É possível, mas não certo. Ou então não seria simplesmente a maçonaria?
A Epignose
Todos os números da revista Epignosis são de alta qualidade em termos literários. Eles são escritos por acadêmicos que sabem escrever e que são profundos conhecedores dos temas que abordam. É essencial reconhecer-lhes o mérito, antes de manifestarmos nosso total desacordo com as conclusões que tiram e com o espírito que os anima.
Na já extensa produção da Epignosis (mais de 400 páginas), encontramos uma das características mais constantes da gnose desde as suas origens: a prolixidade. A riqueza de expressão dos escritores do G.R.A.C. é surpreendente. Os mesmos temas são retomados sob formas incrivelmente variadas. Os neologismos abundam, sem serem realmente necessários. O entusiasmo dos autores por sua tese provoca expressões exageradas que contribuem para a exuberância de todos esses desenvolvimentos. Somos arrebatados pela abundância da palavra que, em muitos lugares, se transforma em logomáquia. Essa hipertrofia verbal não é acidental. Ela pertence à pedagogia dos novos gnósticos, pois realiza inegavelmente um efeito de deslumbramento que é muito eficaz. Compreende-se facilmente que muitos intelectuais se deixem seduzir, graças à riqueza da forma, pelo que se pode considerar, de fato, uma cultura muito elevada.
A pertença do G.R.A.C. ao antigo movimento gnóstico é explicitamente e incansavelmente reivindicada. O título da revista Epignosis seria suficiente para prová-lo. Portanto, não somos nós que decidimos arbitrariamente dessa pertença após exame. É toda a equipe editorial que se reivindica dessa filiação.
Uma intensa religiosidade impregna todos os artigos da Epignosis. Mas trata-se de uma religiosidade gnóstica, evidentemente. O que é meditado com intensidade são os mitos indianos ou orientais que são retomados e reexaminados sob todos os seus aspectos para extrair deles um suco que é necessariamente gnóstico. Os mistérios cristãos também são meditados, mas em um sentido desviado, ou seja, em um sentido esotérico. A Fé, tal como definida pela Igreja, está totalmente ausente dessas meditações: estamos a léguas de distância dela.
Que imagem os redatores da Epignosis fazem da divindade? A noção de "Pai" certamente não é excluída. O cristianismo impôs essa noção e já não está ao alcance de ninguém evitá-la completamente. Os antigos gnósticos, como vimos, foram obrigados a se inclinar. Mas, ao admitir a pessoa divina do "Pai", pelo menos verbalmente, os doutrinários da revista Epignosis a fazem ser superada, como era de se esperar, por um princípio abstrato que lhe dita sua lógica. É assim que se nos fala de "a entidade transpessoal" e do "absoluto irredutível a quaisquer provas", entidade e absoluto que por vezes são simplesmente chamados de "a Energia".
A ciência desse deus abstrato, pode-se imaginar, vai se reduzir a uma "energética". Desde o primeiro número da Epignosis, Y.A. Dauge define essa teologia energética nestes termos:
"Quer se trate das disciplinas experimentais, da moral, da religião, da filosofia, da arte, dos problemas de química ou de alquimia, tudo isso pertence a uma única e mesma energética que é absolutamente necessário conceber em sua unidade. Imersos nessa dinâmica universal, na qual temos um papel essencial a desempenhar, devemos reconhecer em todo lugar e sempre os polos e as estruturas, as correntes ascendentes e descendentes, as concentrações e as irradiações. Devemos reconhecer e controlar todas as mutações energéticas desde o domínio da microfísica até o da teologia, desde as "emissões devidas às formas" até as modalidades do divino criador". (N° 1, 1º caderno)
A ciência da divindade, ou seja, em definitivo, da "Energia", estando assim definida, vamos agora receber uma definição do homem. Não nos surpreende saber que o homem é composto não apenas de um corpo e uma alma, mas de três elementos:
"Para escapar do confusionismo, é de fato indispensável distinguir o que pertence aos corpos, o que pertence à psique e o que se refere ao plano do espírito". (N° 1, 1º caderno, p. 75)
A Epignosis adota, portanto, a doutrina da "tripartição" que se encontra na quase totalidade dos gnósticos antigos e modernos. Já a encontramos. O corpo pertence ao mundo material, o espírito ao mundo espiritual, e entre os dois a psique pertence ao "mundo intermediário". Eis mais um ponto em que a gnose se distingue claramente da doutrina da Igreja, na qual o mundo intermediário é totalmente desconhecido. Há apenas dois mundos, o mundo dos espíritos e o mundo dos corpos. O homem é composto apenas de dois elementos, um corpo e uma alma. E a alma é uma substância espiritual homogênea; ela não é composta. Deus cria uma nova alma cada vez que há um corpo a ser animado.
Apenas a alma assume duas funções. Não há duas almas, mas apenas duas funções de uma única e mesma alma. Voltada para baixo, ela está infinitamente associada ao corpo cuja administração ela deve assegurar. Chama-se então "anima". E voltada para cima, ela é atraída por Deus como uma chama que sobe; chama-se então "spiritus". Essas duas funções da alma pertencem à tradição eclesiástica desde sempre. Elas são mencionadas nas Escrituras e figuram, em particular, no Magnificat, também chamado de cântico de Maria:
"Magnificat ANIMA mea Dominum e exultavit SPIRITUS meus in Deo salutari meo".
Mas, mais uma vez, trata-se das duas funções de uma mesma substância espiritual. Tal é o ensino da Igreja.
Depois de subscrever a antiga doutrina gnóstica da tripartição, a Epignosis adotará também a tese, muito antiga entre os gnósticos também, da participação do homem na natureza divina. O homem e Deus são co-criadores. As afirmações nesse sentido são absolutamente inequívocas. No primeiro caderno da Epignosis, página 42, deseja-se
"uma tomada de consciência pelo homem de sua vocação de criador, de Alter ego de Deus, participante do poder transmutador e iluminador do Verbo".
Mas então, a antropologia se confundirá com a cristologia. É exatamente isso que nos é dito:
"A cristologia torna-se autologia (isto é, ciência de si mesmo), aprofundamento de nossa dupla natureza divina e humana; ela é a apreensão do poder do Verbo criador que está em germe no coração, ela é via de deificação". (p. 21).
Ainda se precisa que "o ser humano é aliás um segundo deus". (p. 39). Os novos gnósticos devem, portanto, ocupar-se em "procurar como funciona essa complementaridade humano-divina". (p. 26). Essa co-naturalidade de Deus e do homem é formulada laconicamente por expressões como esta: "Ele-Deus-Pai, Eu-Deus-Filho". Em suma, somos pequenos Verbos encarnados.
Só que a Epignosis acabou de nos dizer que não há nenhuma distinção radical entre Deus e o universo. Também não há entre o homem e o universo. Tudo isso é um só. Deus, o homem e o universo são um só. O homem, diz-se-nos, "é um ser teândrico perfeito e um antropocosmo realizado". (p. 37). Expressão que ainda se condensa dizendo: "A chave da doutrina é realizar o teoantropolocosmo".
A essa forma gnóstica de teologia vai corresponder uma forma gnóstica de espiritualidade. O "conhece-te a ti mesmo" que é a base de toda vida interior e que a Epignosis retoma porque não é possível fazer de outro modo, esse "conhece-te a ti mesmo" transforma-se naturalmente em "torna-te o deus que tu és". E os redatores da Epignosis não se privam de nos repeti-lo sob formas infinitamente variadas com seu talento habitual. Mas como o deus que eu sou se confunde com o cosmos, a espiritualidade gnóstica vai se reduzir a uma comunhão cada vez mais íntima com o cosmos, reencontrando assim as espiritualidades orientais e islâmicas.
A equipe diretora do G.R.A.C. parece atribuir a maior importância à prática efetiva da contemplação. A espiritualidade dominante entre eles parece se assemelhar ao budismo. Mas a revista é ainda muito recente para que se possa formular um julgamento definitivo. Outros tipos de meditação podem vir a se somar a ela. Em suma, teologia inaceitável por derivar do "Princípio supremo" e conduzir ao panteísmo. Antropologia igualmente inaceitável por se basear na tripartição. Espiritualidade também inaceitável por resultar na comunhão cósmica.
Um Doutorado em Gnose?
A gnose, cujas grandes etapas relembramos, pode, no seu conjunto, ser definida como "a teologia da contra-igreja". Ora, nos dias de hoje, é um fato incontestável, a contra-igreja domina o Estado. Portanto, é lógico que ela busque impor sua teologia ao Estado. Pode-se, teoricamente ao menos, esperar uma oficialização progressiva da gnose. A revista Epignosis e o G.R.A.C. fornecem um sintoma desse começo de oficialização.
«Epignosis é o órgão do Grupo de Pesquisa de Antropologia Criacional, fundado na Universidade de Perpignan, em 1982».
Esta menção aparece no cabeçalho de todos os cadernos, desde o primeiro. Cada número traz também a seguinte menção:
«Este número foi produzido com o apoio da Universidade de Perpignan».
O "Copyright" também é registrado em nome do G.R.A.C. e da Universidade de Perpignan. Quanto às modalidades de pagamento, os assinantes são solicitados a enviar seu cheque ao Sr. agente contábil da Universidade de Perpignan. O patrocínio não poderia ser mais completo.
Existem, em todas as Universidades da França, e mesmo da Europa, "células gnósticas" semelhantes. Todos sabem que, em nossas faculdades, o que não é marxista é gnóstico. Isso significa que uma cátedra de gnose está sendo constituída em cada universidade? Não é apenas uma cátedra, pois a gnose, como vimos, se pretende pluridisciplinar. Os gnósticos, portanto, tendem a estender sua influência sobre uma série de disciplinas e até sobre todas: sobre as disciplinas que podemos chamar "qualitativas" assim como sobre as "quantitativas", já que se fala da "união do materialismo espiritual e da física gnóstica". O G.R.A.C. não esconde sua intenção de inspirar todo o ensino.
Epignosis se regozija em constatar que muitos organismos, tanto privados quanto públicos, militam nesse mesmo sentido. Alguns o precederam, outros o seguiram. Em posição de destaque vem, obviamente, a Fundação Etanos de Ascona, que reúne os discípulos de Jung e os partidários do "sagrado sem deus"; foi para reunir os membros dessa fundação em uma memorável sessão de trabalho que France-Culture organizou o Encontro de Córdoba.
Vem em seguida o "Centro Interdisciplinar de Estudos Filosóficos" da Universidade de Mons, na Bélgica. Na mesma linha, a revista menciona o "Grupo de Pesquisa sobre os Símbolos" da Universidade de Genebra e a "Sociedade Internacional de Simbolismo". Menção também ao muito ativo "Centro de Pesquisas sobre o Imaginário" de Chambéry-Grenoble. A "Universidade São João de Jerusalém" merece também, por parte de Epignosis, a saudação devida a um grande veterano. O "Grupo de Estudo Carl-Gustave Jung" faz parte desses organismos de inspiração gnóstica. Nota-se ainda a fundação, em Liège, em 1978, do "Instituto Nacional de Antropologia" (I.N.A.C.). Além disso, destaca-se a formação do "G.RE.CO 56", que coordena uma importante parte desse tipo de pesquisa sob os auspícios do C.N.R.S. E a enumeração termina, muito provisoriamente aliás, com a evocação dos "diversos institutos e laboratórios de pesquisas sobre o imaginário nas universidades francesas". Vê-se imediatamente que Perpignan não tem o monopólio da gnose.
Tais são os órgãos oficiais ou semi-oficiais que a revista Epignosis menciona como atuando, no meio universitário, na mesma direção que ela. Parece-nos que se pode ver aí o anúncio de uma oficialização do ensino da gnose em nossas faculdades. O futuro dirá se acertamos em nossa previsão.
Se essa eventualidade vier a ocorrer, os cidadãos dos Estados modernos terão direito, quanto à religião, a duas opções. Certamente terão o direito de ser ateus. Mas se forem religiosos, serão considerados oficialmente gnósticos; e assim será até mesmo para os cristãos, pois o cristianismo, como repetidamente nos dizem, não é senão um caso particular da gnose, que é a teologia da religião universal.
Conclusão
Esse retorno ofensivo da gnose, cujas fases mais características acabamos de relembrar, impõe um terrível perigo sobre o que nos resta de Fé. Os católicos que escaparam da armadilha progressista correm sério risco de cair na armadilha gnóstica porque esta está mascarada sob um cenário tradicional. E não vamos nos iludir pensando que podemos nos defender contra a má gnose ao mesmo tempo que aceitamos uma pretensa boa gnose, que na realidade não é mais que um gnosticismo melhor camuflado.
Quem nos defenderá da contaminação senão nós mesmos? Muitos sacerdotes estão secretamente atraídos pelo esoterismo, ao qual sucumbiram pelo seu encanto. Eles estão decididos a não lutar, acreditando na "conversa da compatibilidade" e achando mais conveniente abandonar ao fogo uma grande parte.
Esse não é o caminho que escolhemos. A alma cristã pertence ao Espírito da Verdade (Spiritus veritatis, dizem as ladainhas). A gnose é uma falsa sabedoria onde se misturam a verdade e o erro. Ora, Jesus e Belial não foram feitos para se abraçar, mas para se combater.
Os gnósticos de hoje opõem à Igreja as mesmas doutrinas errôneas que já lhe opunham os antigos gnósticos. A Igreja nasceu em terra pagã e a gnose não pode assustá-la, pois ela já triunfou sobre isso. Moisés, também ele, separou-se vitoriosamente do paganismo terrivelmente sutil dos egípcios. Antes dele, Abraão foi retirado por Deus do fogo pagão de Ur, na Caldeia, pois Deus não quer gnose, ou seja, qualquer entendimento com o paganismo.
E hoje, diante do mesmo inimigo, quem sabe se Nosso Senhor, após todas as derrotas aparentes que sofreu desde a época da Reforma, não está se preparando para finalmente conquistar uma nova vitória.
É isso que acreditamos.