Capítulo III - A Metafísica da Esfinge

O Aprendizado Maçônico de Guenon

Queimando, portanto, as etapas, transportemo-nos para a véspera da Grande Guerra de 1914-1918. Havia então em Paris muitos magos, mas o mais majestoso desses magos, o mais pontífice, era Papus, com sua barba negra e seus olhos negros sem fundo. Ele havia fundado, em 1888, na Rua Séguier, 13, uma instituição à qual dera o nome de Escola Hermética.

Foi na Escola Hermética que René Guénon, jovem professor de filosofia e matemática, foi um dia se inscrever como ouvinte. Rapidamente, ele obteve uma cátedra. Entre os outros professores, ele estabeleceu contato com os últimos representantes de uma "Ordem Martinista" que gravitava em torno de Papus. René Guénon também ingressou nela e recebeu o grau de "superior desconhecido".

Muito inteligente, muito estudioso e muito ativo, ele participou, em 1908, da organização do congresso espiritualista e maçônico que se realizou em Paris sob os auspícios da revista "Le Voile d'Isis", à qual já colaborava. Essa revista deveria, em 1933, mudar de nome para "Les Études Traditionnelles". Ela permaneceu, até os dias de hoje, um dos principais órgãos de expressão das doutrinas guenonianas.

Tudo leva a crer que René Guénon procurou deliberadamente fazer o tour completo das congregações iniciáticas em atividade naquela época. Ele se deleitava, certamente, entre os intelectuais de todas essas escolas. Foi assim que ele entrou em uma loja do "Rito Primitivo Swedenborguiano" na qual não tardou a receber o cordão de seda preta dos cavaleiros Kadosch (kadosch significa santo). Simultaneamente, ele também se fez receber em uma loja parisiense pertencente a uma obediência espanhola, a loja "Humanidad". Na sequência de uma reformulação, essa simples loja se tornou a "Loja-Mãe do Rito de Mênfis-Misraim". Foi lá que R. Guénon foi ele mesmo promovido ao trigésimo grau maçônico.

Não contente com essa dupla pertença à maçonaria, e para enriquecer ainda mais uma experiência que ele quer a mais vasta possível, ele obtém sua adesão a uma terceira loja, a loja "Thébah" que dependia da Grande Loja da França. Ele deu uma palestra notável sobre o tema do ensino iniciático que foi publicada na revista "Le Symbolisme".

Na mesma época e ainda em busca de novas experiências, R. Guénon entrou também na "Igreja Gnóstica" sob o nome de Palingenius (o que significa "renascido", ou seja, René). Ele se tornou "bispo gnóstico" e fundou até mesmo uma revista "La Gnose" onde escreveu importantes artigos, alguns dos quais foram posteriormente reformulados para se tornarem livros. René Guénon assinava geralmente seus artigos com seu próprio nome. Mas ocasionalmente acontecia de ele usar pseudônimos. Ele assinava às vezes "o Esfinge", nome que combina muito bem com o claro-obscuro enigmático de seus desenvolvimentos metafísicos. É por isso que intitulamos este capítulo: a metafísica do Esfinge.

A Extensão às Religiões Orientais

Em resumo, o barco de R. Guénon já navega em pleno mar gnóstico. Ele não tardará a perceber que este mar, do lado do Oriente, está largamente aberto para o Oceano Índico. Assim como os árabes haviam amalgamado a alquimia à gnose primitiva quando a propagaram novamente no Ocidente, assim como Martinez Pasqualis havia incorporado a cabala medieval, R. Guénon também fará entrar as doutrinas orientais na gnose ainda ampliada em que ele trabalha. Esse fenômeno de extensibilidade da gnose, em nossa opinião, merece ser notado. O cristão conhece a aplicação desse fenômeno, pois a Igreja já fez a experiência no momento das grandes perseguições. Reside no fato de que todas as tradições não cristãs são miscíveis entre si. A única religião que não é miscível com as outras é o Cristianismo, porque ele provém de uma origem totalmente diferente. Ele mesmo rejeita as outras religiões e é rejeitado por elas.

Atraído, portanto, pelo Oriente, R. Guénon começa por se informar com notável aplicação, junto aos orientalistas franceses mais competentes na época. Ele se dirige a Léon Champrenaud e Albert de Pouvourville.

Léon Champrenaud pertencia à Ordem Martinista (mais ou menos autenticamente reconstituída) que se reunia na Escola Hermética. Ele escrevia em publicações ocultistas e simbólicas e era redator-chefe da revista "L'initiateur". Mais tarde, como Guénon, ele abraçaria a religião islâmica. Ele começou por introduzir Guénon nos meios orientalistas de Paris.

Albert de Pouvourville não é outro senão o famoso Matgioï, o autor de dois livros que causaram a mais duradoura impressão em Guénon: "La Voie rationnelle" e, sobretudo, "La Voie métaphysique". Parte da terminologia guenoniana vem desses dois livros. Matgioï também havia escrito outra obra em colaboração com confrades: "Les enseignements secrets de la Gnose". Ele era versado principalmente no Taoísmo e nas sociedades secretas chinesas.

Esses dois orientalistas franceses ensinaram muito a R. Guénon, mas seu ensino não conseguiu satisfazer sua curiosidade. Ele acabou, não se sabe muito bem como, por estabelecer contato em Paris com Orientais que seus biógrafos concordam em proclamar "autênticos". Quem eram, então, essas personagens? Eis a resposta de Paul Chacornac em "La Vie simple de R. Guénon" (1958):

"Guénon, portanto, teve um mestre ou mestres hindus. Foi-nos impossível ter a menor precisão sobre a identidade desse ou desses personagens, e tudo o que se pode dizer com certeza é que se tratava, em todo caso, de um ou de representantes da escola Vedanta "advaita" (advaita significa não dualista), o que não exclui que houve outros".

O que é certo é que R. Guénon adotou imediata e definitivamente a filosofia advaita, ou seja, o "não-dualismo". Essa filosofia é assim denominada porque não é monista. Ela não é nem materialista, nem idealista. Para ela, a realidade suprema transcende tanto a matéria quanto o espírito, e ela reúne todas as oposições. É essa metafísica não-dualista que R. Guénon expõe a partir de então em todos os seus livros: "Introdução ao Estudo das Doutrinas Hindus", "O Homem e seu Devir segundo o Vedanta", "A Metafísica Oriental"...

Mas Guénon não para por aí. Simultaneamente, ele entra em contato com o Islã por intermédio de um pintor sueco chamado Aguéli. Ele se converte à religião muçulmana em 1912, mantendo sua nova filiação em segredo de seu entorno. Ele só praticará abertamente o Islã após sua instalação no Egito, em 1930.

Ele vai, no entanto, retardar seus contatos com os meios católicos? De forma alguma. Aqui, somos obrigados a remeter aos livros muito documentados de Marie-France James "Cristianismo e Esoterismo" (Nouvelles Éditions Latines). Eles descrevem a colaboração de R. Guénon em várias publicações católicas, como a revista "Regnabit". Eles provam que ele se infiltrava nos meios de devoção ao Sagrado Coração, onde pensava implantar gradualmente seu hinduísmo. Essa penetração foi felizmente denunciada pelos neotomistas que gravitavam em torno de Jacques Maritain. E finalmente, R. Guénon compreendeu que os meios tradicionais ainda não estavam maduros para aceitar o esoterismo oriental. Adiando a manobra para mais tarde, ele se retirou para o Egito em 1930, praticando ali o Islã ao qual havia se convertido secretamente desde 1912.

Tal é o personagem, impregnado de maçonaria, hinduísmo e islamismo, que agora se quer nos fazer aceitar como o doutrinador que melhor compreendeu o âmago da religião cristã. Seria preciso ser o último dos ingênuos para subscrever à gnose guenônica. Eis, de fato, quais são suas grandes linhas.

O Princípio Supremo

A teologia de R. Guénon é dominada por um "princípio supremo" chamado Brahma. É um princípio abstrato que ele define como sendo a possibilidade universal. Este princípio pertence à essência e não à existência. Não tem nada de pessoal. É uma entidade de raciocínio.

Abaixo deste Hipérteos ou supremo Brahma, coloca-se um segundo princípio, menos geral e já mais próximo da existência real. Ele recebe o nome de Ishwara. Define-se como a virtualidade particular do mundo presente.

Abaixo de Ishwara, encontra-se uma espécie de trindade, chamada Trimurti, que reúne três divindades: Brahma, Vishnu e Shiva. Este segundo Brahma é o reflexo divino e existencial do supremo Brahma e representa, na Trimurti, o fator de produção. Vishnu é o fator de conservação e Shiva é o fator de evolução. Tal é, pelo menos, a descrição de R. Guénon. Mas não garantimos que seja realmente o pensamento antigo da Índia.

Depois vem o universo concreto. Ele não é chamado de "criação", mas de Manifestação. Ele realiza, na existência diferenciada, a "virtualidade particular" contida abstratamente em Ishwara. A Manifestação não é produzida "ex nihilo". Ela resulta de um processo do tipo emanatista. Compreende-se que Guénon tenha querido evitar a palavra criação e preferido a de Manifestação, que se distingue claramente da terminologia cristã.

Desse emanatismo, mais tácito, aliás, do que claramente expresso, resulta que a alma humana não difere da divindade senão pelo grau, mas não pela natureza. Este ponto doutrinário acarretará consequências na conduta da contemplação. Ele nos reconduzirá ao tipo de contemplação já descrito no Tratado da Reintegração de Martinez-Pasqualis.

Qual será, com efeito, o objetivo do adepto que medita intensamente? Obviamente, ele vai dirigir sua alma em direção ao Princípio Supremo, do qual ela emana em última instância. Ele vai tentar fazer com que ela "reintegre" a virtualidade essencial que contém seu arquétipo e cuja manifestação existencial ela é.

A Via Metafísica

Compreende-se muito bem que, para atingir este objetivo, um certo método de contemplação seja particularmente adaptado. Não se trata mais, de fato, de dilatar sua alma para receber o "hóspede divino" que deve vir ocupá-la, como é o caso na mística praticada na Religião do verdadeiro Deus. Trata-se aqui, para a alma, por um mecanismo mental apropriado, de retornar ao seu princípio: a mola psicológica que vai entrar em jogo não será mais o amor de Deus, mas uma tendência natural à auto-realização.

Que nome R. Guénon dá à operação intelectual que deve levar a esta "identificação" da alma com seu arquétipo? Ele a chama de "a via metafísica". Esta via, ou seja, este método de meditação, é praticada, diz ele, nas religiões orientais.

Para compreender bem este termo "via metafísica", é preciso saber que R. Guénon, durante o período em que elaborava sua doutrina, hesitou por muito tempo antes de dar-lhe um nome. Ele teria desejado chamá-la de "teosofia", palavra cuja etimologia correspondia muito bem ao que ele pedia que ela designasse: a sabedoria divina. Infelizmente, este termo estava, naquela época, monopolizado pelos adeptos da Sra. Blavatzki e de Annie Besant, com os quais R. Guénon estava em muito maus termos por razões complexas que seria muito longo examinar agora. Ele não podia, portanto, dar o nome de teosofia a seu sistema. Era preciso que ele encontrasse outra denominação.

Ele se decidiu por "metafísica", o que não era ruim também, dado que seu Princípio supremo não é uma pessoa viva, mas uma entidade global, a Unidade por excelência, a Virtualidade universal. Portanto, o termo metafísica, para designar tal doutrina, correspondia bastante bem a seu objeto. Em seguida, querendo ser chefe de escola, ele permaneceu fiel a este termo cuidadosamente escolhido.

E muito naturalmente, ele vai dar o nome de "via metafísica" ao esforço de meditação e abstração que conduz a alma a se identificar com o Princípio supremo, objeto da ciência metafísica assim definida. Quais serão as características desta via e em que ela vai se distinguir da mística cristã?

Nada de Mística Devocional

R. Guénon precisa incansavelmente em todos os seus livros que a via metafísica é "puramente intelectual". Ele entende com isso que ela não é, sobretudo, devocional e sentimental. Não é uma atitude religiosa, é uma atitude filosófica. De fato, em seu sistema (do qual ele declara que é aquele da Índia imemorial, o que nós tomamos cuidado para não confirmar), não se trata de dilatar sua alma, por um sentimento de amor, para receber o hóspede divino; trata-se apenas de um esforço especulativo que consiste em se identificar a si mesmo com seu próprio princípio. É, portanto, um procedimento de intelectual, e não de devoto.

Ele consagrará, então, numerosos capítulos para explicar a posição relativa da "via metafísica" que é a sua e da simples mística religiosa. Eis a substância de seu raciocínio.

A via metafísica, própria às disciplinas esotéricas, está tão acima da "mística religiosa" quanto o Princípio supremo está acima do Deus pessoal. A "via mística" é praticada nas religiões populares, devocionais e exotéricas, em particular no catolicismo. Mas ela tem como objetivo apenas o Deus pessoal e criador, o qual não é senão uma "determinação particular" do Princípio supremo.

Para compreender bem os desenvolvimentos de R. Guénon, é preciso ter apreendido esta relação de subordinação entre as duas vias contemplativas. A via mística não é, segundo ele, senão uma exaltação sentimental completamente subjetiva, enquanto a via metafísica conduz a um ponto de observação que domina ao mesmo tempo a criação e o criador.

O cristão que examina uma tal doutrina só pode rejeitá-la. E isso por duas razões.

Primeiro, é falso que o Princípio Supremo domine o Deus Criador e Pessoal. O Deus que se revelou é ao mesmo tempo existente e infinito. Ele não está subordinado a nenhum princípio externo a Ele, pois é Ele quem estabelece os princípios. Não há princípios, por mais abstratos que sejam, que estejam acima de Deus. Ele não é escravo de nenhuma lógica, pois é Ele quem a elabora e a dá como regra aos nossos espíritos humanos. Portanto, devido ao objeto a que ela conduz, é a via mística que é superior e ao mesmo tempo a via mais realista, pois ela conduz ao verdadeiro Deus.

Enquanto isso, "a via metafísica" é uma via ilusória, pois conduz, no melhor dos casos, a uma abstração. Dizemos no melhor dos casos, porque de fato o hálito gelado de Lúcifer se mistura, na maioria das vezes, a todas essas especulações, por mais intensas e extáticas que sejam.

Uma segunda razão justifica a desconfiança dos cristãos. A "via metafísica" de R. Guénon está longe de ser tão "puramente intelectual" quanto ele gostaria de dizer. Ele mesmo explica longamente que ela é baseada nos princípios do yoga. Ora, o yoga consiste na ascensão da "Kundalini". Definida em termos simples e evitando as palavras hindus, a Kundalini é um nó de sensibilidade psíquica que normalmente reside na região lombar e que o yoga tem o efeito de fazer subir, em etapas sucessivas, ao longo da coluna vertebral, até a região cervical.

R. Guénon admite que o treinamento realizado pelo yoga é uma excelente preparação para "a via metafísica", a qual, consequentemente, está longe de ser tão "puramente intelectual" quanto ele afirma.

Portanto, não se deve deixar impressionar pelos raciocínios do "Esfinx". Sua terminologia induz à confusão. Devemos lembrar que sua "metafísica" e a "via" pela qual ela é completada não são uma filosofia. Elas constituem uma mística, mas uma mística que não conduz ao verdadeiro Deus. Ela conduz ao nirvana e representa, na realidade, uma das formas mais características do que os mestres cristãos da vida espiritual chamam de "falsa mística".

Se Sobrepor Sem se Opor

R. Guénon contribuiu muito para divulgar a noção dupla de esoterismo e exoterismo, que certamente não inventou, mas que, graças ao seu impulso, incorporou-se de maneira indelével à gnose moderna. Na terminologia que ele acabou impondo, o exoterismo designa o conjunto de formulações oficiais e populares em uma determinada religião. O exoterismo é a parte exterior e visível da religião. É a expressão devocional e sentimental da religião para o grande público.

Quanto ao esoterismo, ele é a versão ao mesmo tempo supereminente e subjacente da religião oficial. Supereminente porque pretende apreendê-la em sua essência mais elevada, em vez de se ater à superfície e às aparências. Mas, ao mesmo tempo, versão subjacente porque permanece oculta aos fiéis comuns, que não a compreenderiam; só pode ser revelada às pessoas que possuem as "qualificações" necessárias. O Islã possui seu esoterismo, o judaísmo possui o seu; quanto ao cristianismo, também possui um, mas não lhe presta atenção; por negligenciá-lo, chegou a ignorá-lo.

Ora, acontece, sempre de acordo com Guénon, que os esoterismos de todas as religiões coincidem, de modo que se pode falar de um esoterismo universal. Esperamos então que nos indiquem, pelo menos em suas linhas gerais, o conteúdo conceitual dessa religião essencial. Infelizmente, aprendemos que o esoterismo se confunde com o "conhecimento". Chegamos ao cerne do problema, pois o "conhecimento" é propriamente a gnose, ou seja, o contato experimental, pessoal e intuitivo da alma com "a divindade", para usar a palavra da moda.

Você deseja obter esse contato intuitivo e, portanto, adquirir o conhecimento? Isso só é possível, dir-lhe-ão, através dos métodos contemplativos em uso nas congregações iniciáticas.

Em resumo, para conhecer o esoterismo comum a todas as religiões, é necessário receber a iniciação. Somente então, graças à dupla fonte do ensino iniciático e da contemplação pessoal, você obterá o conhecimento esotérico e compreenderá a essência profunda de todas as religiões. E assim, você poderá se sobrepor discretamente à Igreja exotérica da qual faz parte nominalmente.

Essa é, muito precisamente, a orientação que R. Guénon dava a seus discípulos católicos. Não abandonem o catolicismo. Pratiquem-no, ao contrário, "com sinceridade" e, pelo conhecimento do esoterismo, vocês poderão se sobrepor à Igreja sem se opor a ela. Não podemos deixar de notar que essas são também as orientações da maçonaria: "se sobrepor sem se opor".

A Tradição Universal

Segundo R. Guénon e seus discípulos, as doutrinas orientais não seriam outra coisa senão a antiga tradição primordial, também chamada de "tradição universal". É no Oriente, dizem-nos, que ela foi conservada com o máximo de pureza. Eles acrescentam que a tradição cristã, não só é de elaboração muito mais recente, mas também constitui um ramo desviado. Este desvio, ou melhor, esta série de desvios, alegam eles, afasta a Igreja Católica da tradição primordial e universal.

Um católico trairia verdadeiramente sua religião se aderisse a tal doutrina. A Igreja, de fato, sempre ensinou que a tradição primordial, ou adâmica, está incluída na Tradição apostólica da qual ela é guardiã. A tradição primordial constitui, portanto, parte essencial da Tradição apostólica. Já examinamos isso em artigos anteriores, mas não é ruim repeti-lo, porque é muito importante.

O texto do Cânon da Missa contém até uma oração particularmente probatória a este respeito. É a oração "Supra quæ propitio" que o celebrante recita imediatamente após o "Unde et memores". O "Supra quæ propitio" designa solenemente "os presentes do justo Abel" como o protótipo do sacrifício que acaba de ser oferecido no altar. Não é possível ser mais claro e mais formal. Não é possível remontar mais longe. A Igreja não é absolutamente um "ramo desviado" da Revelação e da tradição primordiais. Pelo contrário, é ela a detentora mais autêntica e mais autorizada. E ela tem perfeita consciência disso.

Qual é então o verdadeiro lugar das tradições orientais? São elas que se desviaram. Qual é, de fato, sua origem? Elas provêm de Babel. São a continuação de uma religião que Deus não quis. Ele não a quis quando dispersou as nações para impedir a edificação da Torre que a teria definitivamente consagrado. E não a quis quando suscitou Abraão precisamente para transmitir as antigas tradições messiânicas esquecidas pelas nações. Consequentemente, o famoso teorema da "tradição universal" e o da "unidade transcendente das religiões" que é seu corolário, são ambos falsos. Não existe uma única tradição universal. Na realidade, há duas tradições, das quais uma é fiel e a outra é desviada. A tradição fiel é a da Igreja que ainda oferece o sacrifício do qual o de Abel era a figura. E a tradição desviada é a tradição oriental, é a gnose de antes e depois de Jesus Cristo.

O Discurso de Compatibilidade

É uma pretensão muito antiga da gnose aquela de sua compatibilidade com o Cristianismo -  Êmulo de Basílides e Valentim. René Guénon reivindica a mesma compatibilidade para a gnose enriquecida de Hinduísmo e Islã que nos inunda hoje e para cuja elaboração ele contribuiu poderosamente. Ele declara possível, e até desejável, que um cristão que pratica sua religião em nível exotérico, adira ao mesmo tempo à gnose em nível esotérico.

Olhando mais de perto, não se trata de uma simbiose, mas de uma subordinação da Religião à gnose e até mesmo de uma suplantação da Religião pela gnose. O que acontece, de fato, na mente daqueles que são capazes dessa duplicidade? Sua religião se torna para eles um caso particular da gnose. A teologia cristã se torna um caso particular da teosofia universal. A mística cristã se torna um caso particular da mística universal (ou via metafísica na terminologia propriamente guenoniana). A tradição apostólica se torna um caso particular da tradição universal. Esta é a situação que o guenonismo pretende atribuir à Igreja. Mas esta não é a posição que N.S.J.C. lhe deu. Na realidade, não há compatibilidade alguma, nenhuma simbiose possível entre a gnose e a Religião de Jesus Cristo.

A gnose de Guénon veicula ainda muitas outras noções. Seria preciso citar sobretudo aquela do "mundo intermediário" que acarreta tantas e tão graves consequências em matéria de demonologia. Mas devemos parar aqui nossa enumeração e nosso estudo para concluir rapidamente.

R. Guénon, escritor ao mesmo tempo encantador e arrogante, soube dar à sua gnose hinduísta e islâmica uma extraordinária força de expansão. Seus discípulos, próximos ou distantes, são inumeráveis. Nenhum deles segue o mestre de maneira incondicional, pois todos lhe fazem algumas críticas. Mas todos o apresentam de comum acordo como chefe de Escola. Ele já tem seus biógrafos e comentadores. Ele criou uma das famílias mais ativas da gnose moderna.

Formou-se uma verdadeira rede guenoniana que possui suas publicações, seus livros, sua estratégia, seus encontros, como por exemplo o "Colóquio de Cérisy-la-Salle de julho de 1973" que reuniu cerca de trinta escritores de valor. Esta rede, para cuja constituição Guénon trabalhou toda sua vida, mesmo quando residia no Cairo, é hoje perfeitamente operacional.