Capítulo II - O Broto Martinista
A Letra G
Bem pregados e cuidadosamente prevenidos que somos contra qualquer tentação de triunfalismo, e convencidos de que o lugar normal da religião cristã nesta terra é o enterro, temos dificuldade em representar o brilho da vitória da ortodoxia, após as dez grandes perseguições e o entusiasmo que ela provocou em todo o Mediterrâneo. A vitória dos mártires havia sido celebrada em 313, no momento do Edito de Milão, promulgado pelo Imperador Constantino para conceder solenemente a liberdade jurídica à Igreja. E a vitória dos Doutores havia seguido de perto; ela foi definitiva no Concílio de Calcedônia, quarto ecumênico, em 451.
As objeções levantadas pela gnose, pelas heresias que são suas filhas e pelo maniqueísmo e o neoplatonismo que são seus irmãos, desapareceram como a névoa ao sol. Os grandes dogmas trinitários, as duas naturezas na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, a maternidade divina de Maria, a criação ex-nihilo, o pecado original, o cânon das Escrituras, a liturgia sacrificial, o ciclo sacramental... todo o edifício do cristianismo se impunha à admiração pública com tanta evidência e realidade quanto as grandes basílicas constantinianas que vieram dominar o velho fórum. É próprio da verdade triunfar.
Doravante, os apócrifos gnósticos, os hermetica, os hinos de Menandro e de Valentim já não interessavam a ninguém. Não se encontrou mais ninguém para preservar esses grimórios errôneos e maliciosos que tanto perturbaram os espíritos. Eles foram queimados e, acima de tudo, esquecidos. Daí a escassez de vestígios gnósticos de que os historiadores se queixam. Os papiros da gnose sobreviveram apenas nas fronteiras orientais do Império Romano, na Pérsia, na Mesopotâmia, no Alto Egito, onde os reencontramos hoje.
É nessas regiões fronteiriças que os Maometanos os trarão à luz a partir do século VIII. Não tendo as mesmas razões que os cristãos para desprezá-los, eles se interessaram por eles e finalmente os transmitiram ao Ocidente. Mas foi sob uma nova forma, pois eles os misturaram com noções alquímicas e as produções de seu próprio misticismo.
Não estudaremos aqui o lento caminho e a germinação, no território ocidental, da gnose assim veiculada e remodelada pelos árabes. É um assunto complexo que nos atrasaria muito. Após um grande salto sobre os cátaros e os Rosa-Cruz, cheguemos imediatamente, em meados do século XVIII, sob o reinado de Luís XV, no momento em que vemos aparecer, de maneira muito sintomática, as primeiras letras G nos frontispícios das lojas maçônicas. Sabe-se que as doutrinas das lojas se alimentam principalmente das fontes da gnose, do hermetismo, da alquimia, da cabala, da rosa-cruz e, mais recentemente, das religiões orientais. Mas é a gnose que é a fonte mais importante, pois ela serve de canal coletor para todas as outras. A letra G dos brasões maçônicos simboliza essa gnose que assim acaba de reaparecer na Europa nos tempos modernos.
Sob o impulso ao mesmo tempo inventivo e persistente das diversas obediências maçônicas, a contaminação gnóstica da sociedade cristã começará. Mas é impossível, no âmbito destes poucos artigos, traçar a história completa dessa contaminação. Teremos que nos contentar em relatar algumas de suas manifestações características.
O Tratado da Reintegração
O primeiro episódio típico que escolhemos é o aparecimento das teorias martinistas. Dois doutrinários contribuíram para dar nome ao martinismo: são Martinez-Pasqualis e Louis-Claude de Saint Martin. Façamos notar, para os puristas, que o nome "martinismo" deveria ser reservado mais especialmente à doutrina de L-C. de Saint Martin, enquanto a de Martinez-Pasqualis deveria ser chamada de "martinezismo". E é exatamente o que fazem os especialistas nessas questões.
Mas as duas doutrinas são próximas e, vistas de longe, elas podem responder à mesma denominação de "martinismo".
Martinez-Pasqualis (às vezes também escrito M. de Pasqually) é o fundador da Ordem dos Eleitos Coens e o autor de uma obra de grande influência intitulada "O Tratado da Reintegração" que contém tanto a doutrina religiosa quanto o regulamento da Ordem.
A doutrina religiosa é baseada nesse mesmo emanatismo que mostramos nos antigos gnósticos. Todos os seres do Universo são emanados da Divindade, por um fluxo de sua própria substância. A alma humana, em particular, pertence aos espíritos emanados. Ela é, portanto, divina em sua natureza. Todas as almas foram formadas ao mesmo tempo e elas esperam, na morada celestial, serem, uma após a outra, unidas a um corpo, à medida das necessidades. Antes de ser aprisionada em um corpo material, a alma levou uma vida "supraceleste". Após a morte desse corpo, ela está normalmente destinada à reintegração, ou seja, à recuperação dessa vida supraceleste.
Para poder desfrutar, no além, da reintegração, a alma deve já nesta terra passar pela reconciliação. E essa reconciliação é operada por "espíritos reconciliadores". É exatamente o trabalho dos Eleitos Coens proceder a essas reconciliações preparatórias à reintegração supraceleste e definitiva. Coen, em hebraico, significa sacerdote. A função dos Eleitos Coens é uma função sacerdotal. Ela consiste em "reconciliar" os adeptos da Ordem.
No fim dos tempos, quando todas as reintegrações individuais tiverem sido realizadas, todo ser emanado, toda existência distinta, retornará a se perder na fonte primeira. Toda emanação será reabsorvida na Divindade que lhe deu origem. Há aí uma noção, aparentada ao nirvana, que deixa pressentir uma abertura da gnose moderna em direção às doutrinas orientais.
O Tratado da Reintegração dedica amplos desenvolvimentos às disposições psicológicas nas quais o eleito-coen deve se colocar, tanto durante o período que precede a cerimônia da reconciliação quanto posteriormente, quando ele prepara sua reintegração supraceleste. A prática da meditação intensa lhe é recomendada.
A mística de Martinez-Pasqualis decorre logicamente dos princípios da gnose. Sabe-se que a gnose não é uma doutrina de "comportamento", mas uma doutrina de "conhecimento". Que quer dizer isso? O mundo terrestre é devido à ignorância do demiurgo e da Sophia que são seus criadores, como vimos, e é por isso que ele é mau. Ele é mau porque é uma morada de ignorância. Não se liberta deste mundo mau por um "comportamento" qualquer que seja. Liberta-se dele fazendo cessar a ignorância que é a causa do mal. O que é necessário é compensar a ignorância original pelo conhecimento. E como se obtém o conhecimento? Pela intuição mística, ou seja, pelo contato direto da alma com o mundo transcendente. Tal é, com variantes, a posição de todos os gnósticos e tal é também a base da mística martinista.
As posições relativas do homem, da alma e da divindade assim definidas por tudo o que acabamos de dizer, elas vão implicar nos gnósticos uma atitude contemplativa particular. A alma do gnóstico é considerada divina em sua natureza e ela busca reintegrar o estado "supraceleste" do qual ela desfrutava antes de sua descida à Terra. Dado este objetivo, a contemplação martinista pode ser considerada como pertencendo às "místicas da essência", já que ela dirige a alma humana para a recuperação de sua suposta essência original.
Na doutrina da Igreja, não é assim de modo algum. A alma humana não é emanada de Deus, mas criada por Ele. De sua própria natureza, ela não tem nada de divino, pois, precisamente, Deus a criou do nada. Mas se a provação terrestre lhe for favorável, a alma está destinada a participar da vida divina. Trata-se de uma participação sem perda de identidade. Mesmo no auge da bem-aventurança, a alma nunca se confunde com a substância espiritual de Deus. Poderá haver uma infusão de Deus nela; nunca haverá confusão com Deus.
O Tratado da Reintegração dedica longos trechos aos métodos contemplativos pelos quais a alma do eleito-coen pode recuperar o lugar arquetípico que ocupava na essência divina antes de se dela destacar por emanação. Ele fala da "Coisa" que deve ser evocada e invocada com perseverança, a "Coisa" que acaba por "passar" acima da assistência, provocando, no espírito dos candidatos à reconciliação, imagens, cores, sons e toda sorte de fenômenos psicológicos.
O católico que toma conhecimento desses ritos martinistas de encantação tem o direito de se perguntar quais eram então os espíritos que podiam bem responder assim, nos ateliês dos Eleitos-Coens, a essas evocações. Certamente não eram anjos do céu.
A síntese gnóstica contida no Tratado da Reintegração é extremamente completa. Martinez-Pasqualis retirou seus elementos tanto do pitagorismo quanto das doutrinas de Zoroastro, da cabala quanto dos rosacruzes do século XVII. Ela é o fruto de uma cultura muito vasta. Sua influência foi profunda. Haveria muito a colher nela, mas não podemos nos demorar nessa obra apesar de sua importância. Escolhemos reter apenas os trechos relativos à mística, pois ela está no coração de toda a gnose, tanto da moderna quanto da antiga.
Ramificação do velho micélio gnóstico, o broto martinista não é o único que desabrochou nas férteis estufas das lojas do século XVIII. Houve muitos outros. Mas, obrigados a nos limitar a episódios marcantes, nós o escolhemos, talvez um pouco arbitrariamente, como um dos mais típicos. O que é certo é que O Tratado da Reintegração exerceu, por mais de um século, uma influência considerável.