Capítulo I - O Fermento da Malícia

A Gnose Simoniana

O primeiro dos gnósticos, o fundador da Escola, é sem contestação possível Simão, o Mago. Foi ele quem traçou as grandes linhas do pensamento gnóstico, especialmente no que diz respeito à essência da divindade e à natureza do mundo dos espíritos. Cada novo líder subsequente apenas trouxe variações e complementos a esse quadro primitivo, principalmente no que se refere às origens do homem e às modalidades de sua salvação.

Simão, o Mago, nos é apresentado nos Atos dos Apóstolos com características que se tornaram proverbiais:

"Na cidade de Samaria, havia um homem chamado Simão, que praticava a magia e maravilhava o povo da Samaria, apresentando-se como alguém de grande importância... Vendo Simão que o Espírito Santo era concedido pela imposição das mãos dos Apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: Dai-me também esse poder, para que aquele a quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo. Mas Pedro lhe disse: Que teu dinheiro pereça contigo, pois pensaste que o dom de Deus se obtém por dinheiro! Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus." (Atos VIII, 9-21)

No auge de sua teologia, que é, como veremos, uma verdadeira mitologia onde a invenção é soberana, Simão, o Mago, coloca um Princípio universal. Este princípio é uma espécie de fogo espiritual que se manifesta externamente, dando nascimento, por emanação, a espíritos chamados éons. Esta noção de éon não é rara no pensamento antigo. Pertencia, naquela época, ao patrimônio filosófico corrente.

Esses éons procedem aos pares: um éon masculino agindo em cooperação com um éon feminino. Cada casal de éons forma uma sizígia. A sizígia é uma espécie de andrógino angélico. Vemos reaparecer na gnose, e por muito tempo, a velha lenda hermafrodita que circula no paganismo há tantos séculos.

O Princípio universal produz primeiro por emanação três sizígias, cada uma com dois éons, que constituem com ele o "mundo superior" ou "mundo divino".

Abaixo deste mundo divino, Simão, o Mago, coloca o "mundo do meio", que é formado principalmente por novos éons que surgem, sempre por emanação, dos éons superiores ou divinos. Mas encontramos também, no mundo do meio, outros personagens: Epinoia, os anjos, as potências e o Demiurgo.

Epinoia é o nome dado ao pensamento divino. Inexplicavelmente, essa Epinoia abandona o princípio universal do qual ela saiu e, voltando sua predileção para os seres inferiores, chama à existência os anjos e as potências, que são mantidos, não se sabe por quê, na ignorância do Princípio imutável, ignorância inicial e fatal que leva os anjos a uma série de erros. O pecado original é, portanto, um pecado de ignorância. A essa ignorância primordial, a gnose vai agora opor o "conhecimento" que deve restabelecer tudo em ordem.

O Demiurgo é o artífice do universo físico. Ele molda uma "materia prima" eternamente pré-existente. Ele não faz surgir o cosmos do nada; ele apenas precisa organizá-lo; é por isso que é chamado de "artífice", demiurgo em grego. Reconhece-se aí a origem do "Grande Arquiteto do Universo" que a maçonaria aceita e "tolera" como divindade.

O papel respectivo de Epinoia, dos anjos, das potências e do Demiurgo não é claramente definido nos textos simonianos, que nos chegaram apenas por meio das citações dos Padres e dos "Philosophoumena". De qualquer forma, da colaboração, das rivalidades e da revolta deles, vai nascer o mundo inferior, assim como a humanidade que o habita. Em resumo, o homem (e isso é o essencial a ser retido) é o produto da ignorância, da inépcia e até da malícia dos criadores angélicos do "mundo do meio".

Por ser obra dos anjos prevaricadores, o homem é viciado em sua natureza e em sua origem. Ele está submetido ao poder tirânico dos anjos que o formaram e manifesta uma tendência incoercível de se emancipar.

A Intuição Contemplativa

Estes são os primeiros marcos do que foi muito justamente chamado de gnose simoniana, a manifestação inicial de uma Escola semi-soterrada que se perpetuou por mais de três séculos.

Simão, o Mago, foi auxiliado na pregação e até na elaboração de sua doutrina por sua companheira, Helena, uma cortesã que ele havia encontrado em Tiro e que também possuía dons proféticos. Ela era, sem dúvida, habitada pelo pensamento divino, Epinoia em pessoa, o que fazia dela, para o mago Simão, uma inspiradora ideal.

É comum notar que a teogonia simoniana toma seus elementos constitutivos simultaneamente das Escrituras Sagradas da Sinagoga, dos primeiros textos da Igreja nascente e das teorias filosóficas de Platão e Filon. Portanto, constitui uma síntese devida à cultura e à ciência de Simão, que era um "gnóstico", ou seja, um "sábio". É uma construção intelectual. Mas não é apenas isso; é muito importante compreender isso claramente.

Pois seus dons de magos davam a Simão e Helena acesso a outra fonte, a da intuição contemplativa. Eles tinham a pretensão de profetizar. Não apenas como um sábio, mas também como um vidente, Simão era visto pelo povo da Samaria:

"Todos o ouviam, desde o menor até o maior, e diziam: Este homem é a virtude de Deus, aquela que se chama a Grande." (Atos VIII, 10).

Assim, desde o início, o conhecimento gnóstico é não apenas especulativo e "discursivo", como se diz, mas também intuitivo. Ele se reivindica de uma certa inspiração celestial diretamente percebida. Claro, essa inspiração não é realmente de Deus, como São Pedro afirmava com veemência:

"Não tens parte nem sorte neste ministério, pois o teu coração não é reto diante de Deus" (Atos VIII, 21).

A mística da gnose nunca será outra coisa senão a falsa mística, contra a qual os mestres cristãos da vida espiritual sempre nos advertiram.

No estado em que Simão, o Mago, a deixou para seus sucessores, essa primeira gnose é incompleta, certamente; veremos sua evolução e proliferação. Mas ela já contém algumas noções essenciais que manterão uma certa constância, e aqui estão as principais: o Princípio universal - a emanação como modalidade geral de surgimento dos seres - o Demiurgo como organizador da matéria eterna - o homem dotado de uma natureza viciada da qual ele tenta se libertar - a contemplação mística como fonte de conhecimento.

Mas só poderemos definir o espírito gnóstico após termos assistido ao conjunto de sua manifestação histórica.

O Docetismo de Basílides

É evidentemente na Samaria que se encontra o primeiro foco gnóstico. Após a morte do casal fundador, os adeptos honraram estatuetas de Simão com as características de Júpiter e de Helena com as de Minerva.

Também é na Samaria que encontramos Menandro, o primeiro sucessor de Simão. Temos informações sobre ele, como sempre em questões de gnose, por meio de São Irineu, bispo de Lyon, e de uma compilação muito antiga conhecida como "Philosophoumena". Menandro exigia de seus discípulos a recepção de um batismo especial que ele havia instituído (uma espécie de iniciação) e a prática da magia. Magia que ele elevava ao nível de um meio necessário de salvação. Em seu ensino geral, ele insistia especialmente na formação da humanidade pelos anjos.

Por sua vez, Menandro da Samaria teve dois discípulos: Saturnino, que fundou uma escola gnóstica em Antioquia, e Basílides, que levou a gnose para Alexandria.

Saturnino, fundador da "gnose síria", se limitou a transmitir os ensinamentos de Simão e de Menandro. Mas ele deu um destaque maior a um ponto de doutrina que mais tarde seria amplamente desenvolvido, a tese chamada de antinomia.

É a teoria segundo a qual o Deus dos judeus, o Yahweh da Bíblia, não é outro senão o mais poderoso dos anjos que criaram o homem desajeitadamente tal como o vemos, infeliz e ignorante; e Jesus Cristo vem precisamente combater o Deus dos judeus e salvar o homem trazendo-lhe a centelha divina que seus criadores não lhe deram.

É nisso que consiste a "antinomia" de Saturnino, ou seja, o antagonismo entre o Deus dos judeus e Jesus. Essa teoria será retomada mais tarde por Cerdon e Marcião, que dela tirarão consequências extremas.

O sistema de Saturnino também contém a condenação da instituição do casamento, com o argumento de que ele perpetua uma raça má e infeliz. Deve-se abster de procriar.

Basílides, o segundo discípulo de Menandro, veio se instalar em Alexandria e logo se tornou o chefe da "gnose egípcia", a mais brilhante de todas. Ele não abandona, pelo contrário, a prática mágica de seus predecessores. Quanto ao seu ensino propriamente dito, ele introduz muitas noções filosóficas que vêm enriquecer sua teogonia. Ele admite, como já fazia Simão, o Mago, a existência de três mundos sobrepostos: um mundo hipercósmico ou divino, um mundo intermediário ou supralunar, e um mundo sublunar que é o dos homens.

No mais elevado desses três mundos, Basílides colocava o Deus-Nada, o "nada que existe", o "Deus-Devir" que contém todos os germes. Este Deus é mais um princípio abstrato do que um ser vivo. No entanto, a noção de "Pai Celestial", que o cristianismo impunha cada vez mais, não é abandonada; embora não tenha um ponto de aplicação muito preciso nesta teogonia, ela reaparece em várias circunstâncias do raciocínio gnóstico.

O mundo intermediário, segundo Basílides, englobava 365 céus, dos quais o mais elevado era a ogdóade (construída sobre o número oito) e o mais inferior a hebdómada (sobre o número sete). Cada um desses céus possui um chefe chamado Arconte (em lembrança dos Arcontes da cidade grega). Todos esses céus são povoados por éons emanados do Deus-Nada.

Mas, coisa estranha, o grande Arconte da ogdóade desconhece a existência do Deus-Nada e transmite essa ignorância para os céus abaixo dele. Quanto ao Arconte da hebdómada, ele não é outro senão o Deus dos judeus, o criador do mundo sublunar e, portanto, da humanidade. É ele que está na origem da ignorância em que a humanidade se encontra: ele não podia, de fato, transmitir um conhecimento superior que ele próprio não possuía.

Basílides introduz em seu sistema a ideia de redenção, que ele obviamente toma emprestada do cristianismo e que não pode mais ser ignorada. Um Salvador, curiosamente chamado "Evangelho", nasce no mundo divino hipercósmico e desce, de céu em céu, através do mundo intermediário. Ele chega ao mundo sublunar e traz à humanidade o conhecimento do Deus-Nada, do qual ela estava até então privada. Este é a salvação. A salvação é "gnóstica" pois consiste em um conhecimento.

Um dos primeiros, Basílides fez uso do docetismo, tese segundo a qual Jesus Cristo não se encarnou realmente. Ele se manifestou apenas em aparência, mas não na realidade. O docetismo tornou-se um dos elementos doutrinários mais constantes da gnose. Ele aparece até mesmo em algumas heresias. Era uma maneira astuta de sugerir que Nosso Senhor não sofreu durante a Paixão, a qual foi apenas fictícia. Mas então, se a Paixão foi sem dor, também é sem méritos. Vê-se que o docetismo destrói completamente o culto do Redentor.

A gnose alexandrina (ou egípcia), que Basílides fundou, vai produzir um rebento de audácia particular: Carpócrates. Ele vai tomar emprestado de Saturnino (da escola síria) sua tese antinomista, e de Pitágoras sua metempsicose.

E aqui está o resultado desse amálgama: Jesus, filho de Maria e José, lembrando-se do que viu em uma vida anterior (metempsicose), eleva-se acima dos outros homens e empreende lutar contra o Deus de Moisés, que criou o homem ignorante (antinomia); mas então, desprezando o Deus de Moisés, ele também despreza a lei de que ele é autor. Violar a lei torna-se um dever e até mesmo um meio de salvação. Os adeptos de Carpócrates se destacaram, como se pode entender, por suas "ágapes fraternas", que se tornaram orgias. Mas esses mesmos desvios também se encontram em todos os grupos gnósticos que professavam a antinomia, e não apenas entre os discípulos diretos de Carpócrates.

O Pleroma Valentiniano

Com Valentim, chegamos ao auge da "gnose histórica". Egípcio de nascimento, ele frequentou a Escola de Alexandria, onde se familiarizou não apenas com as teorias gnósticas, mas também com a filosofia neoplatônica e até com as doutrinas pagãs do antigo Egito, sem contar, é claro, com o cristianismo ortodoxo que todos estudavam com afinco. Valentim era, portanto, uma pessoa de grande cultura.

De aluno, tornou-se professor e logo ensinava em Alexandria. Depois, mudou-se para Roma, onde permaneceu por muito tempo. Ele morreu em Chipre, onde, segundo São Epifânio, teria se convertido à verdadeira Religião in articulo mortis. Mas seus discípulos permaneceram na gnose e se dividiram em duas escolas: a escola oriental e a escola itálica, cujas doutrinas não diferem essencialmente.

Não parece que Valentim tenha escrito muito. Conhecemos suas teorias através de seus discípulos, assim como dos escritores da Igreja que as citavam para refutá-las.

Valentim adota o sistema dos três mundos já exposto por seus predecessores, Menandro, Saturnino, Basílides: um mundo divino, um mundo intermediário e um mundo humano. Mas ele o enriquece com complementos tirados certamente de suas leituras, mas também de sua mística, a famosa "apreensão intuitiva" dos gnósticos. E ele chega a uma construção brilhante que exerceu uma verdadeira fascinação sobre as mentes.

O mundo superior, ou mundo divino, é por ele chamado de Pleroma, que significa "plenitude". Mas já é, como veremos, um meio extremamente complexo.

No topo do Pleroma, reside o Deus-Princípio, que é a unidade global. Esse Deus-Uno, no entanto, se multiplica por emanação. Ele gera primeiramente uma díade: o casal "Nous-Alétheia" (Espírito-Verdade). Deste primeiro casal, ainda por emanação, surge um segundo: "Logos-Zoé" (Verbo-Vida). Deste segundo casal emana um terceiro: "Anthropos-Ecclesia" (Homem-Igreja). Observa-se que essa série de casais, emanados uns dos outros, está diretamente relacionada ao sistema de sízígias que já observamos na gnose simoniana.

Mas o Pleroma de Valentim ainda não está completo; faltam-lhe a década e a dodecada. Aqui está como elas vêm a existir. O casal "Espírito-Verdade" produz dez éons que formam a década. Depois, o segundo casal "Verbo-Vida" produz doze éons que constituem a dodecada. Esta aritmética do mundo pleromático, ou seja, do mundo divino, impõe a comparação com as dez sefirotes, esses "números-criadores" que se tornarão, muito mais tarde, um dos temas favoritos da mística judaica, sobre a qual tanto se fala hoje. Aqui, Valentim precedeu a Cabala.

Os Hílicos, os Psíquicos e os Pneumáticos

Abaixo do Pléroma divino, Valentim coloca, como os outros gnósticos, o mundo intermediário. Nele, encontramos dois grupos de éons que Basílides já nos apresentou: os oito éons da Ogdoade e os sete éons da Hebdomade. Portanto, neste nível médio, prevalece o mesmo simbolismo numérico que acabamos de encontrar no Pléroma.

O que é curioso na gnose valentiniana é a importância dada à personagem de Sophia. A Sabedoria, Sophia, é um dos éons femininos da Hebdomade. De natureza ardente, ela deseja gerar sozinha. Mas, não sendo incriada como o Pai, ela só consegue produzir um ser informe chamado ectroma, que é, portanto, fruto de sua ignorância. Esta espécie de aborto causa um profundo distúrbio entre todos os éons do mundo intermediário. É então que, para reparar o erro de Sophia (em suma, os infortúnios de Sophia), o casal celestial "Espírito-Verdade" (que pertence ao Pléroma) produz um novo casal de éons: Christos-Pneuma, que realiza uma espécie de redenção do mundo intermediário afastando o aborto ectroma.

Quanto ao mundo terrestre de Valentim, ele não difere radicalmente daquele de seus antecessores. Ele é produzido pelo Demiurgo, sempre organizador de uma "matéria prima" eterna e preexistente. No entanto, no sistema valentiniano, a humanidade é obra de vários demiurgos porque há vários tipos de homens que não poderiam ter sido feitos pelo mesmo "artesão".

Um demiurgo produziu os homens hílicos (hulé = matéria), ou seja, os materialistas grosseiros cuja alma é totalmente animal. Um segundo demiurgo formou os homens psíquicos (psiqué = alma), cujas almas, desta vez, são mais sutis, mas ainda ignorantes; são os cristãos, por exemplo. Um terceiro demiurgo finalmente criou os homens pneumáticos (pneuma = espírito), que são os espirituais possuindo o "conhecimento do Pléroma", como os gnósticos.

O mundo terrestre é o cenário de uma indiscutível redenção (esta é uma ideia que não pode mais ser evitada), mas no sistema de Valentim, ela é obra de um segundo Jesus, bem diferente do "Christos-Pneuma" que reparou o erro de Sophia afastando o ectroma do mundo intermediário. O segundo Jesus, aliás, veio à terra, não de verdade, mas em aparência, segundo o docetismo agora constante entre os gnósticos.

Não terminaríamos nunca se quiséssemos expor o mecanismo dessas duas redenções. É uma verdadeira mitologia tão complicada quanto a de Hesíodo. Onde Valentim buscava todas essas noções e todos esses episódios simbólicos? Ele se baseava em suas leituras, certamente, pois era um erudito (gnóstico significa erudito). E entre essas leituras, não devemos esquecer os hermética. Os "hermética" eram as traduções e adaptações gregas de antigos papiros egípcios dos quais Hermes Trismegisto era considerado o autor; eles transmitiam um paganismo ao mesmo tempo filosófico e lírico, que fazia enorme sucesso nos círculos intelectuais.

Mas Valentim também se baseava, como faziam todos os gnósticos desde Simão e Helena, na meditação filosófica intensa, que era considerada capaz de fornecer um "conhecimento intuitivo direto" das coisas do Pléroma divino. É evidente, para um cristão, que tal método de inspiração, praticado fora da Fé e da disciplina eclesiástica, não estava isento de uma séria influência demoníaca, influência que se reconhece na heterodoxia manifesta de todas essas cogitações gnósticas.

A Antinomia de Marcião

Enquanto os grupos valentinianos prosperavam na Itália e no Egito, uma nova forma de gnose surgia em certos círculos de Roma. O sírio Cerdão começou a desenvolver um ponto de doutrina que havia sido professado antes dele e que já mencionamos: a tese da "antinomia". Saturnino havia ensinado que o Deus da Bíblia e o Deus do Evangelho não eram o mesmo Deus e que existia entre eles uma antinomia, ou seja, em última análise, um antagonismo. O Deus da Bíblia judaica é o demiurgo, o organizador desajeitado e malévolo da matéria e o artesão do universo visível; é um deus mau, duro e rancoroso; ele é combatido pelo Deus bom e redentor do Evangelho. Portanto, o princípio da salvação é se elevar contra o Deus dos judeus e, assim, contra o decálogo, que é sua obra.

Um discípulo de Cerdão, chamado Marcião, dará a essa doutrina da antinomia uma extensão considerável. Ele a associará a um docetismo radical e a uma doutrina de austeridade que impressionará profundamente seus contemporâneos e atrairá muitos seguidores.

Marcião foi chamado por Tertuliano de "o lobo do Ponto", aludindo ao seu país de origem, à margem do Mar Negro, e ao seu papel devastador na Igreja. Ele havia sido cristão inicialmente e se destacou em Roma por doações consideráveis feitas à caixa eclesiástica. Sua cultura filosófica e até mesmo religiosa era vasta. Ele havia aprendido a usar a exegese, ou seja, a interpretação das Escrituras, e a utilizava com talento, mas contra a Igreja. Ele procurava justificar seu "antinomismo" usando a parábola evangélica do vinho novo que não se deve colocar em odres velhos para não fazê-los romper. Ele explicava que o vinho novo era o Evangelho e que os odres velhos representavam a Lei de Moisés; era necessário, portanto, abandonar a Lei de Moisés que o Evangelho veio ab-rogar. Finalmente, Marcião, o "lobo do Ponto", foi expulso da Igreja junto com suas doutrinas.

No entanto, deve-se notar que a gnose de Marcião foi de longe a mais bem organizada de todas. Ele criou espécies de dioceses que galvanizou com seu ascetismo rigoroso e espetacular. Ele eliminou completamente o Antigo Testamento e, entre os Evangelhos, manteve apenas o de São Lucas, e ainda assim após tê-lo censurado. Essas igrejas marcionitas sobreviveram por muito tempo após a morte de seu fundador, havendo ainda vestígios importantes delas no século V.

Mas ao redor do Mestre, suas doutrinas de desprezo pela lei mosaica resultaram em uma mistura de cinismo e fanatismo. Durante as perseguições imperiais, alguns marcionitas preferiram se deixar martirizar como os verdadeiros cristãos, em vez de serem considerados maniqueus.

Diz-se que quando São Policarpo, o venerável bispo de Esmirna, "Pai Apostólico", pois havia conhecido São João, veio em visita a Roma, Marcião ousou se apresentar diante dele e perguntar: "Você me reconhece?" O bispo respondeu: "Eu reconheço o primogênito de Satanás". Essa era a opinião de um pai apostólico sobre a verdadeira natureza desse ensinamento gnóstico extraído da falsa contemplação.

A Confecção dos Apócrifos

Antes de testemunharmos a entrada em cena da gnose moderna, é necessário responder, em relação à gnose antiga, a algumas perguntas que nos permitirão compreender melhor sua filiação. Perguntemo-nos primeiro como os gnósticos podiam se declarar cristãos, eles cuja filosofia permanecia tão impregnada de panteísmo, politeísmo e mitos emanatistas. Para se passarem por cristãos, utilizavam documentos recentemente constituídos por eles, mas que apresentavam todas as aparências da autenticidade cristã.

As doutrinas gnósticas sempre se apresentavam como provenientes tanto de um raciocínio filosófico, visto que a gnose era a "ciência por excelência", quanto de uma revelação sobre-humana, ou seja, de um "conhecimento intuitivo" e direto dos mistérios celestes que ultrapassam o entendimento humano ordinário. Esta inspiração mística, os visionários da gnose a consignavam em uma multitude de pequenos tratados, supostamente revelados, e que se atribuía, para lhes conferir peso, a redatores ilustres, universalmente conhecidos por seu comércio com o além.

Alguns desses tratados eram supostamente compostos por Zoroastro, o fundador do mazdeísmo na Pérsia, pouco antes do reinado de Dario. Outros se apresentavam como escritos por Manés, o restaurador, então contemporâneo, do velho dualismo persa, sob o nome de maniqueísmo. Outros emanavam, dizia-se, do próprio Orfeu. Outros só poderiam ter como autor Buda. Outros ainda, os mais numerosos, eram devidos ao estilete do "secretário dos deuses", Hermes Trismegisto, o antigo sábio do Egito; esses constituíam o que se chamava os "Hermetica".

Como os gnósticos se comportariam em relação aos livros sagrados do cristianismo? Certamente utilizariam aqueles que a Igreja reconhece como verdadeiros. Mas, para fazê-los coincidir com suas doutrinas, teriam que se entregar a interpretações violentamente tendenciosas, que não seriam muito convincentes. O melhor, portanto, seria redigir pseudo-livros sagrados cristãos como já se fazia para as outras religiões: esses seriam os famosos "apócrifos", apresentados como revelados e dos quais alguns chegaram até nós.

Vê-se assim germinar, na penumbra da floresta gnóstica, "evangelhos", "epístolas" e "apocalipses" que a Igreja não reconhece como autênticos, mas que, não obstante, possuem títulos prestigiosos. Certamente circulou um grande número desses textos, pois as nomenclaturas fornecidas pelos Padres diferem notavelmente umas das outras. Existem muitas coletâneas de apócrifos, mas todas são incompletas, pois ainda hoje se descobrem novos textos, como veremos.

Um dos apócrifos mais conhecidos é a "Pistis Sophia", que é um suposto diálogo, totalmente romanesco, entre Jesus Cristo e Seus apóstolos após a Ressurreição, continuado mesmo após a Ascensão, diálogo durante o qual Ele lhes teria ensinado, como era de se esperar, uma doutrina secreta que a Igreja não conhece e à qual apenas os gnósticos têm acesso.

Citam-se também alguns "evangelhos apócrifos", por exemplo, o de Tomé, o de Filipe, o de Matias e o chamado "dos Egípcios", cujo exemplar foi recentemente encontrado em Nag-Hammadi, no alto Egito.

As "epístolas apócrifas" são menos numerosas: conhecemos a de Pedro a Filipe e a chamada "de Eugnosto". Em contrapartida, os "apocalipses" são abundantes: o de Nicoteu, o de Adão, o de Abraão, a de Elias, etc. Citam-se ainda "assunções apócrifas", como a de Paulo e a de Isaías. Também possuímos "paráfrases", como a de Sete, texto que deu seu nome a uma das seitas gnósticas, os setianos, que atribuíam a esta paráfrase uma importância maior.

Este método dos apócrifos atraiu inicialmente um grande número de adeptos para a gnose porque, naquela época, os tratados que se apresentavam como cristãos e, a fortiori, como apostólicos (ou seja, como tendo um dos apóstolos por autor) eram cercados de um enorme prestígio. Graças aos apócrifos, os gnósticos se faziam passar por cristãos, pois exibiam documentos aparentemente idênticos aos da Igreja.

O magistério eclesiástico teve de empreender uma luta árdua para livrar as Escrituras Sagradas de toda essa vegetação parasitária e para fixar definitivamente a lista dos Livros autenticamente inspirados, ou seja, "o cânone das Escrituras". Esta foi uma das operações mais delicadas e necessárias que o magistério romano teve de realizar durante os primeiros séculos.

Ora, hoje precisamente, assistimos a um reaparecimento dos apócrifos. Esse reaparecimento é um dos sintomas do retorno ofensivo da gnose. Consulte, por exemplo, a bibliografia de um desses livros esotéricos dos quais estamos sobrecarregados, e você encontrará, na maioria das vezes, uma lista abundante de apócrifos, geralmente citados sob a rubrica "Escrituras Sagradas", juntamente com as referências bíblicas.

O sinal desse renascimento foi dado por Papus quando ele publicou uma tradução da "Pistis Sophia" acompanhada de seus comentários. Coletâneas de apócrifos circulam novamente, com destaque para os "Evangelhos da Infância", que constituem, reconheçamos, um dos apócrifos menos nocivos.

Os Padres da Contra-Igreja

Resta-nos perguntar por que os historiadores da Igreja não classificam a gnose entre as heresias, mas sempre a tratam como uma manifestação de um gênero especial. Depois de responder a essa pergunta, compreenderemos melhor a gnose de hoje.

Os heresiarcas, isto é, os líderes das heresias, rejeitam um número restrito de proposições dogmáticas, mas continuam a aceitar as outras. Eles se defendem de colocar em questão o conjunto da Fé e das instituições. Recusam apenas alguns artigos da Fé. Por exemplo, Ário nega a divindade de Jesus Cristo. Pelágio contesta a necessidade da graça e afirma que o homem pode se salvar por meios naturais. Nestório não quer admitir que haja em Jesus Cristo duas naturezas em uma única pessoa. Êutiques não reconhece a natureza humana de Nosso Senhor; ele considera que ela é totalmente absorvida pela natureza divina.

Mas todos eles pretendem conservar os dogmas que não atacam expressamente. Tanto quanto sua posição aventureira lhes permite, mantêm os sacramentos, a moral, a disciplina clerical, as circunscrições territoriais e o conjunto das instituições eclesiásticas.

A gnose, ao contrário, questiona toda a ortodoxia para edificar um sistema completo e diferente. Ela busca em outras fontes; admite outras revelações que se somam à Revelação de Cristo e naturalmente a transformam. Assim, ela não constitui uma heresia definida, mas as engendra todas. Pode-se chamar a gnose de "a mãe das heresias", pois ela contém todas em germe.

Em plena época patrística, e em face dos "Padres da Igreja", constituiu-se verdadeiramente um colégio antagonista de "Padres da Contra-Igreja". Pois é assim que se pode chamar personagens como Menandro, Basílides, Valentim, Marcião e outros. A gnose é comparável a um vasto micélio rastejante do qual as heresias surgiram como enormes cogumelos. Gerando as heresias, a gnose desempenhou incontestavelmente um papel de maternidade.

Mas o que é ainda mais grave, é que ela também se pretende suplantadora. Unificando o politeísmo, a filosofia, o judaísmo e o Evangelho, ela quer tirar da Igreja sua catolicidade, ou seja, sua universalidade.

Ela ambiciona suplantá-la, dominá-la. Ela lhe opõe uma universalidade mais ampla. A Igreja é assim reduzida a não ser mais que um caso particular da gnose universal.

E é precisamente essa mesma ambição que vamos encontrar na gnose moderna à qual estamos chegando. Mas, antes, é preciso examinar como a ideia sincrética também foi desenvolvida por outro movimento de pensamento, que não é positivamente gnóstico e que se chama a escola de Alexandria ou escola neoplatônica.

A Escola de Alexandria

Quatro nomes resumem a escola neoplatônica: Plotino, Porfírio, Jâmblico e Proclo. Eles constituem como uma única e mesma entidade. Não se pode separá-los. Eles formam, entre os quatro, um dos marcos mais bem definidos da história da filosofia da escola de Alexandria.

O fundador da escola é Plotino. Ele deve ser bem distinguido de Filon o Judeu, também filósofo de língua grega, que nasceu em Alexandria 200 anos antes, mas que não pertence à escola neoplatônica, embora seja alexandrino de nascimento. Plotino, portanto, é um filósofo eclético do século III depois de Cristo. Entre as doutrinas que ele se esforça para conciliar, o platonismo, como era de se esperar, desempenha o papel principal. Mas Plotino traz ao platonismo uma modificação que nos interessa em primeiro lugar porque vamos vê-la reaparecer na gnose moderna. Platão havia colocado no topo de sua construção metafísica o "Soberano Bem"; essa era sua etapa final; ele não imaginava nada além disso. Plotino, por sua vez, não se detém aí. Ele retoma a ideia do "Princípio ígneo universal" de Simão o Mago e lhe dá uma definição filosófica mais precisa.

Acima do Soberano Bem de Platão, ele concebe ainda a "Unidade Total", mais abrangente que o Soberano Bem, e na qual todas as distinções são neutralizadas, compensadas e apagadas. E ele acrescenta que essa hiperessência, esse Hypertheos pode ser apreendida pelo homem. Pode-se alcançá-la através da meditação filosófica intensa e particularmente pela êxtase, que é sua fase paroxística. Assim, Plotino, como os gnósticos, faz da contemplação mística um dos meios de aquisição do conhecimento metafísico.

O primeiro discípulo de Plotino é Porfírio. Ele organiza os cinquenta e quatro tratados deixados por seu mestre e os publica em seis volumes, cada um com nove tratados, sob o nome de Eneadas, ou seja, "novenas". Porfírio dá à contemplação mística menos importância do que Plotino havia dado. Seu método é mais filosófico e discursivo.

O sucessor de Porfírio como chefe da escola de Alexandria é Jâmblico. Impressionado pela teologia trinitária ensinada pela Igreja e à qual se torna impossível escapar, ele edifica, utilizando os elementos neoplatônicos de seus dois predecessores, uma metafísica trinitária cuja constituição é a seguinte. Na origem de tudo encontra-se o UNO ou Monade; depois vem a inteligência ou diade; finalmente aparece o demiurgo ou tríade. É o demiurgo que formou o mundo, como também dizem os gnósticos. O universo criado representa a década que contém o conjunto das emanações da monade primordial. Encontramos aqui, novamente, o emanatismo dos gnósticos.

Aquele que dá à escola neoplatônica seu último brilho é Proclo. Ele se faz o defensor, bastante tardio, do paganismo, cujos mitos ele tenta coordenar. Mas, ao mesmo tempo, ele cultiva o espírito eclético da escola alexandrina. Sua máxima era que uma filosofia deve abraçar todas as religiões, impregnando-se do seu espírito. Ele se dizia o Hierofante universal. Nós diríamos o sacerdote da religião universal. Como Plotino, ele acreditava na virtude reveladora da contemplação intensa e do êxtase filosófico. Ele compunha hinos aos deuses do paganismo e dizia-se honrado por suas aparições.

Os quatro e inseparáveis "Alexandrinos", Plotino, Porfírio, Jâmblico e Proclo, são portanto ao mesmo tempo sincretistas, pan­teístas emanatistas e místicos. Mas também incluem em seus sistemas, deformando-os, é claro, alguns dogmas cristãos. Portanto, temos o direito de nos perguntar em que eles realmente diferem dos gnósticos. Bem, justamente, eles não diferem muito. E, no entanto, a história nos ensina que os alexandrinos não queriam de maneira alguma ser considerados gnósticos, que, aliás, não deixavam de atacar.

Por que tanta hostilidade quando eram filosoficamente tão próximos? Enquanto os neoplatônicos eram estudiosos respeitados, os gnósticos de base recrutavam-se mais frequentemente entre uma população bem menos instruída e davam, em seus ensinamentos e práticas rituais, um espaço muito maior para a astrologia e a magia. Compreende-se que os neoplatônicos, que eram autênticos eruditos, não quisessem ser confundidos com eles, apesar da semelhança de suas doutrinas fundamentais.

O Ramo Maniqueísta

A escola neoplatônica é uma irmã ou uma filha da gnose? É muito difícil dizer. O que é certo é que elas têm uma proximidade muito grande. Os gnósticos recrutaram uma clientela mais popular, à qual deram hábitos mais religiosos e mais ritualísticos. Os neoplatônicos ensinaram uma gnose muito refinada, que interessou apenas aos grandes intelectuais. Mas, na mesma época, também encontramos outra filha (ou se preferirmos, outra irmã) da gnose; é a religião de Mani.

Mani (ou Maniqueu), o fundador do funesto maniqueísmo, era gnóstico de formação. Ele ensinava que o universo é obra de dois princípios opostos, um bom, outro mau, ambos eternos e independentes. Esse dualismo, renovado do mazdeísmo de Zoroastro, é igualmente apenas a radicalização dos temas gnósticos sobre a imperícia do demiurgo e a nocividade essencial da matéria e, consequentemente, do corpo humano.

O maniqueísmo é, também, um fungo nascido sobre o micélio gnóstico. Mas ele se distinguiu historicamente pelo menos por uma vitalidade particularmente longa, já que é ele que encontramos na origem das doutrinas cátaras, na Idade Média.

Um Cristianismo de Fantasia

Se acreditarmos nos neognósticos de hoje e na sua literatura exuberante, a gnose histórica teria preservado o depósito da suprema inteligência e da "suprema conhecimento" contra o autoritarismo limitado do clero romano. Fazem tanto alarde que seríamos tentados a nos deixar meio convencidos.

A realidade é bem menos brilhante. Dois testemunhos nos mostrarão isso. O primeiro é o de Ernest Renan, no entanto cético e inimigo de posições firmes; é surpreendente o julgamento severo que ele faz da gnose. Eis o que ele diz em "A Igreja Cristã":

«Tudo isso era inconciliável com o cristianismo. Essa metafísica de sonhadores, essa moral de solitários, esse orgulho bramânico que teria trazido de volta, se deixado agir, o regime de castas, teriam matado a Igreja, se a Igreja não tivesse tomado a dianteira...

«O que havia de realmente grave era a destruição do cristianismo que era o fundo de todas essas especulações. Suprimia-se na realidade o Jesus vivo; deixava-se apenas um Jesus fantasma sem eficácia para a conversão dos corações: substituía-se o esforço moral por uma pretensa ciência; colocava-se o sonho no lugar das realidades cristãs, cada um se dando o direito de moldar um cristianismo de fantasia, nos dogmas e nos livros anteriores. Isso não era mais cristianismo, era um parasita estrangeiro que buscava se passar por um ramo da árvore da vida».

O segundo testemunho que invocamos é o de Jean Doresse, estudioso totalmente atual ao qual devemos precisamente livros sobre os papiros gnósticos de Nag-Hammadi, descobertos durante os anos 50 no alto Egito, um pouco ao norte de Luxor. Eis como ele se expressa em "O Livro Secreto dos Gnósticos do Egito":

«O cristianismo não teria sido ele mesmo, em seus primórdios, próximo da gnose? Mas logo, diante da luminosa simplicidade dos grandes Evangelhos, diante do claro e profundo pensamento de São Paulo, diante até mesmo das visões do apocalipse joanino, é surpreendente a diferença entre os dois ensinamentos. Ler primeiro os escritos gnósticos, depois retomar o Novo Testamento é uma experiência a se fazer: sente-se a incomparável superioridade desses textos acessíveis a todos em suas imagens e em seu sentido. Surpreende-se que as gnoses tenham podido por tanto tempo competir com eles; e compreende-se que os sectários tenham preferido, frente a uma tal Religião, guardar o segredo de seu próprio dogma e se esconder nas trevas».