Anexos

Anexo 1 - Lista das 40 proposições de Rosmini condenadas pelo Papa Leão XIII

Decreto do Santo Ofício "Post obitum", 14 de dezembro de 1887.

Erros de Antonio ROSMINI-SERBATI[33]

3201
1 - Na ordem das coisas criadas se manifesta imediatamente à inteligência humana algo que é divino em si, tal como pertence à natureza divina.

3202
2 - Quando falamos do divino na natureza, essa palavra ‘divino’ não a tomamos como significando um efeito não divino de uma causa divina; e não é nossa intenção falar de algo que seria divino por participação.

3203
3 - Na natureza do universo, ou seja, nas inteligências que nele existem, há, portanto, algo a que se aplica a denominação de divino, não no sentido figurado, mas no sentido próprio. - É uma realidade que não é distinta do restante da realidade divina.

3204
4 - O ser indeterminado, que sem dúvida é conhecido por todas as inteligências, é este divino que é manifestado ao homem na natureza.

3205
5 - O ser, objeto da intuição humana, é necessariamente algo do ser necessário e eterno, da causa criadora, determinante e final de todos os seres contingentes e isso é Deus.

3206
6 - No ser que abstrai de suas criaturas e de Deus, ou seja, o ser indeterminado, e em Deus o ser não indeterminado, mas absoluto, a essência é a mesma.

3207
7 - O ser indeterminado da intuição, o ser inicial, é algo do Verbo, que a inteligência do Pai distingue do Verbo não realmente, mas segundo a razão.

3208
8 - Os seres finitos, dos quais o mundo é composto, resultam de dois elementos, ou seja, do termo real finito e do ser inicial que confere a esse termo a forma do ser.

3209
9 - O ser, objeto da intuição, é o ato inicial de todos os seres. - O ser inicial é o começo tanto do que é cognoscível quanto do que existe: ele é também o começo de Deus, tal como O concebemos, e das criaturas.

3210
10 - O ser virtual e sem limites é a primeira e mais simples de todas as entidades, de tal modo que toda outra entidade é composta, e que o ser virtual é sempre e necessariamente um dos seus componentes. - (O ser inicial) é a parte essencial de todas as entidades sem exceção, qualquer que seja a maneira como elas são divididas pelo pensamento.

3211
11 - A quididade (o que é uma coisa) do ser finito não é constituída pelo que ele compreende de positivo, mas por seus limites. A quididade do ser infinito é constituída pela entidade, e é positiva; a quididade do ser finito, por outro lado, é constituída pelos limites da entidade, e é negativa.

3212
12 - A realidade finita não é, mas Deus a faz existir ao adicionar a limitação à realidade infinita. - O ser inicial torna-se a essência de todo ser real. - O ser que atua as naturezas finitas, estando unido a elas, é tomado de Deus.

3213
13 - A diferença entre o ser absoluto e o ser relativo não é a mesma que existe entre uma substância e outra, mas uma diferença muito maior; um, de fato, é absolutamente ser, o outro é absolutamente não-ser. Mas este outro é relativo. Logo, quando se posita um ser relativo, o ser que é absolutamente não é multiplicado; por isso, o ser absoluto e o ser relativo não são uma substância única, mas um ser único; e nesse sentido não há diversidade de ser, mas unidade de ser.

3214
14 - Pela abstração divina é produzido o ser inicial, primeiro elemento dos seres finitos; mas pela imaginação divina é produzido o real finito, ou seja, todas as realidades das quais é feito o mundo.

3215
15 - A terceira operação do ser absoluto criando o mundo é a síntese divina, ou seja, a união dos dois elementos que são o ser inicial, começo comum de todos os seres finitos, e o real finito, ou melhor: as diversas realidades finitas, os termos diferentes do mesmo ser inicial. É por essa união que são criados os seres finitos.

3216
16 - O ser inicial, relacionado pela inteligência por meio da síntese divina, não como inteligível, mas como pura essência, com os termos finitos reais, faz com que os seres finitos existam subjetivamente e realmente.

3217
17 - Tudo o que Deus faz ao criar é positar o ato inteiro da existência das criaturas; esse ato, portanto, não é propriamente feito, mas posito.

3218
18 - O amor com que Deus se ama igualmente nas criaturas, e que é a razão pela qual Ele se determina a criar, constitui uma necessidade moral que, no ser mais perfeito, produz sempre seu efeito: é apenas na maioria dos seres imperfeitos que esse tipo de necessidade deixa intacta a liberdade bilateral.

3219
19 - O Verbo é essa matéria invisível da qual, como diz em Sb 11, 18, todas as coisas do universo foram criadas.

3220
20 - Não repugna que a alma se multiplique por geração, de modo a ser concebida como progredindo do imperfeito, ou seja, do grau sensitivo, ao perfeito, ou seja, ao grau intelectual.

3221
21 - Quando o ser se torna objeto de intuição para o princípio sensitivo, por esse único contato, por essa única união, esse princípio que antes somente sentia e que agora compreende é elevado a um estado mais nobre, muda de natureza e se torna inteligente, subsistente e imortal.

3222
22 - Não é impossível conceber que pela potência divina possa ocorrer que a alma intelectual se separe do corpo animado, e que este continue a ser animal; em efeito, permaneceria nele, como base do puro animal, o princípio animal que anteriormente estava nele como um apêndice.

3223
23 - No estado natural, a alma do falecido existe como se não existisse; dado que ela não pode exercer reflexão sobre si mesma, nem ter consciência de si mesma, pode-se dizer que sua condição é semelhante ao estado das trevas perpétuas e do sono eterno.

3224
24 - A forma substancial do corpo é, antes, o efeito da alma e o termo interior de sua operação: por isso a forma substancial do corpo não é a própria alma. - A união da alma e do corpo consiste propriamente na percepção imediata pela qual o sujeito que tem a intuição de uma ideia afirma o sensível após ter intuitado a essência.

3225
25 - Uma vez que o mistério da Trindade é revelado, sua existência pode ser demonstrada por argumentos puramente especulativos, certamente negativos e indiretos, mas tais, no entanto, que por eles essa verdade é reduzida às disciplinas filosóficas e se torna uma proposição científica como as outras: pois, se fosse negada, a doutrina teosófica da pura razão não apenas permaneceria incompleta, mas seria aniquilada por obscuridades que surgiriam de toda parte.

3226
26 - As três formas supremas do ser, a saber, subjetividade, objetividade e santidade, ou realidade, idealidade e moralidade, se transferidas ao ser absoluto, não podem ser concebidas de outra forma senão como pessoas subsistentes e vivas; - O Verbo, na qualidade de objeto amado e não na qualidade de Verbo, ou seja, objeto subsistente em si conhecido por si, é a pessoa do Espírito Santo.

3227
27 - Na humanidade de Cristo, a vontade humana foi tão elevada pelo Espírito Santo a aderir ao ser objetivo, ou seja, ao Verbo, que ela cedeu-lhe totalmente o governo do homem, e que o Verbo assumiu este de forma pessoal ao unir-se assim à natureza humana. Com isso, a vontade humana deixou de ser pessoal no homem, e enquanto ela é pessoal nos outros homens, ela permanece natureza em Cristo.

3228
28 - Segundo a doutrina cristã, o Verbo, caráter e face de Deus, é impresso na alma daqueles que recebem com fé o batismo de Cristo. - O Verbo, ou seja, o caráter impresso na alma, é, segundo a doutrina cristã, o ser real (infinito) manifesto por si mesmo, e que nós reconhecemos ser a segunda pessoa da santíssima Trindade.

3229
29 - Não pensamos que seja uma conjectura estranha à doutrina católica, que é a única verdade, afirmar que no sacramento eucarístico a substância do pão e do vinho se torna a verdadeira carne e o verdadeiro sangue de Cristo quando Cristo fazem do sacramento o termo de seu princípio sensitivo e o vivifica por sua vida, quase da maneira como o pão e o vinho são transubstanciados em nossa carne e nosso sangue, uma vez que se tornam o termo de nosso princípio sensitivo.

3230
30 - Após a transubstanciação completada, pode-se pensar que no corpo glorioso de Cristo alguma parte incorporada a ele, não separada (dele) e igualmente gloriosa, lhe é unida.

3231
31 - No sacramento da eucaristia, em virtude (as palavras, o corpo e o sangue de Cristo estão presentes apenas na medida que corresponde à quantidade (aquel tanto) da substância do pão e do vinho que é transubstanciada: o restante do corpo de Cristo está presente por concomitância.

3232
32 - Porque aquele que "não come a carne do Filho do homem e não bebe seu sangue não tem a vida em si" Jo 6, 54 e que, no entanto, aqueles que morrem com o batismo de água, de sangue ou de desejo obtêm de forma certa a vida eterna, deve-se dizer que àqueles que nesta vida não comeram o corpo de Cristo, esse alimento celestial é administrado na vida futura, no instante mesmo da morte. - É por isso que, quando desceu ao inferno, Cristo pôde também se comunicar sob as espécies do pão e do vinho aos santos do Antigo Testamento para torná-los aptos à visão de Deus.

3233
33 - Quando os demônios tomaram posse do fruto, pensaram que entrariam no homem se dele comessem; a comida, ao ser transformada em corpo animado do homem, poderia permitir-lhes entrar livremente na animalidade, ou seja, na vida subjetiva desse ser, e assim dispor dela como haviam planejado.

3234
34 - Para preservar a bem-aventurada Virgem Maria do pecado original, bastava que permanecesse não corrompida uma minúscula semente de homem, talvez negligenciada pelo demônio, e que dessa semente não corrompida, transmitida de geração em geração, surgisse em seu tempo a Virgem Maria.

3235
35 - Quanto mais se está atento à ordem da justificação no homem, mais justo parece o discurso das Escrituras segundo o qual Deus cobre ou não imputa certos pecados. - Segundo o Salmista Sl XXXII,1, há uma diferença entre as iniquidades que são perdoadas e os pecados que são cobertos; aquelas são faltas atuais e livres; estes, por outro lado, são os pecados não livres daqueles que pertencem ao povo de Deus e que por isso não recebem nenhum dano.

3236
36 - A ordem sobrenatural é constituída pela manifestação do ser na plenitude de sua forma real; o efeito de sua comunicação ou manifestação é o sentimento (sentimento) deiforme que, começando nesta vida, constitui a luz da fé e da graça, e que, completado na outra vida, constitui a luz da glória.

3237
37 - A primeira luz que torna a alma inteligente é o ser ideal; a segunda primeira luz é também o ser, não apenas ideal, mas subsistente e vivo: este oculta sua personalidade e mostra apenas sua objetividade; mas aquele que vê a segunda (que é o Verbo), embora como em um espelho e em enigma, vê Deus.

3238
38 - Deus é o objeto da visão beatífica na medida em que é o autor das obras ad extra.

3239
39 - As marcas da sabedoria e da bondade que brilham nas criaturas são necessárias para aqueles que contemplam (no céu); reunidas de fato no exemplar eterno, elas são essa parte dele que pode ser vista por eles (que é acessível a eles), e fornecem o assunto dos louvores que os bem-aventurados cantam a Deus por toda a eternidade.

3240
40 - Visto que Deus não pode, nem mesmo pela luz da glória, se comunicar totalmente aos seres finitos, Ele só pôde revelar e comunicar sua essência àqueles que contemplam (no céu) segundo o modo que é conveniente para inteligências finitas, ou seja, que Deus se manifesta a eles na medida em que é em relação a eles como seu criador, sua providência, seu redentor, seu santificador.

3241
(A censura confirmada pelo sumo pontífice: o Santo Ofício) julgou que as propostas... devem ser proscritas e reprovadas segundo o sentido do autor, e por este decreto geral as reprova, as condena, as proíbe...


[33] http://www.catho.org/9.php?d=bxb#eur

Anexo 2 - Artigo de Sodalitium n°52 de janeiro de 2002 denunciando a reabilitação de Rosmini, este sacerdote condenado pela Igreja sob o pontificado de Leão XIII

O caso Rosmini: o “in proprio Auctoris sensu

contra “uma distinção astuciosa” do cardeal Ratzinger

(extrato de Sodalitium n°52 de janeiro de 2002)

Monsenhor Benigni relata em sua Storia sociale della Chiesa [História social da Igreja] sobre os arianos: “O grupo em que se destacava o exilado Eusébio de Nicomédia (daí a denominação de grupo dos eusébicos) retratava sua subscrição não à doutrina de Nicéia, mas à condenação de Ário: isto é, afirmava que não era a doutrina ariana que o Concílio havia condenado. Esta astuciosa distinção criou escola: e entre tantos outros, encontra-se o exemplo notório das distinções jansenistas nas condenações papais da doutrina do bispo de Ipres” (1).

As notas históricas do “Denzinger” explicam o episódio ao qual Monsenhor Benigni faz alusão: “depois que foram condenadas as cinco proposições de Jansênio, seus partidários, sob a liderança de Antônio Arnauld, distinguiram entre a ‘quæstio facti’ e a ‘quæstio iuris’: a condenação não se referiria a uma heresia fictícia, mas sim à verdadeira concepção de Jansênio” (2). O Papa Alexandre VII teve então que, pela Constituição Ad sanctam beati Petri sedem (16 de outubro de 1656), refutar a “astuciosa distinção”: “Uma vez que … para grande escândalo dos fiéis de Cristo, certos filhos da iniqüidade não temem afirmar que as cinco propostas (…) ou não se encontram no livro mencionado de Cornelius Jansen, mas foram montadas de forma fictícia e arbitrária, ou não foram condenadas segundo o sentido visado por este, Nós (…) declaramos e definimos que estas cinco proposições foram tiradas do livro do mencionado Cornelius Jansen, bispo de Ipres, que tem o título ‘Augustinus’, e que foram condenadas segundo o sentido visado por este mesmo Cornelius Jansen (“in sensu ab eodem Cornelio Jansenio intento, DS 2010-2012). Esta Constituição de Alexandre VII demonstra como a Igreja tem autoridade para definir não apenas que a doutrina de tal autor é errônea, mas também que foi de fato sustentada por este autor no sentido que a Igreja lhe atribuiu; ao contrário, o exemplo dos arianos primeiro e dos jansenistas depois demonstra, por sua vez, que negar que uma doutrina condenada pela Igreja tenha sido realmente sustentada por seu autor é uma escapatória típica dos hereges.

Uma velha escapatória volta à atualidade

Nihil novi sub sole... [Nada de novo sob o sol] A velha escapatória utilizada no passado pelos arianos e jansenistas (entre outros), tornou-se mais atual do que nunca com o Vaticano II e o “magistério” que se seguiu. De um lado, de fato, o Vaticano II sustentou - em vários pontos - uma doutrina e uma prática contrárias à doutrina e à prática da Igreja. Do outro, a menos que renunciem a toda legitimidade, não é possível aos partidários do Vaticano II admitir explicitamente a existência dessa contradição e a realidade dessa ruptura. Para os partidários da nova doutrina e da nova prática conciliar, o principal problema consiste, portanto, em apresentar uma nova doutrina sem renegar explicitamente o passado.

No que diz respeito à prática, mais ligada ao contingente, a tática escolhida é a do “mea culpa”, ou seja, de pedidos incessantes de perdão, através dos quais se pode denunciar todo o passado da Igreja. A escapatória utilizada consiste em pedir perdão não pelas “faltas da Igreja”, mas pelas faltas dos “filhos da Igreja” (como se, em muitos casos, esses “filhos da Igreja” não tivessem atuado na qualidade de autoridade suprema da Igreja).

No que diz respeito à doutrina oficial, as coisas são mais difíceis (mesmo que menos evidentes). Pensou-se em relativizar os documentos do passado, diminuindo sua autoridade (não infalíveis, mas sim apenas prudenciais) e historicizando-os (válidos apenas para uma época dada e um contexto determinado) etc.

É essa tática que foi utilizada, como veremos, no caso que tomamos aqui em consideração.

Existe uma outra tática: a de afirmar que o magistério passado da Igreja - sempre válido, claro! - não tem mais atualmente nenhuma eficácia: os anátemas solenes do Concílio de Trento sobre a justificação, por exemplo, atingiriam protestantes imaginários, ou no máximo protestantes falecidos, pois os protestantes de hoje não sustentariam mais a doutrina condenada. Trata-se de uma sutil variação da escapatória ariano-jansenista da qual falávamos acima. No caso que eu examino aqui, a escapatória é, por outro lado, reapresentada tal como é, e é o que veremos...

Reabilitar Rosmini, e além...

Nesse contexto, parece previsível e necessário reabilitar Rosmini, condenado post mortem, em 1887, pelo Decreto do Santo Ofício Post obitum. Este sacerdote da cidade de Rovereto é, antes de tudo, um representante eminente do pensamento católico liberal que o Vaticano II adotou (o cardeal Ratzinger ele mesmo o admitiu). Além disso, ele foi “vítima” - conjuntamente - do Santo Ofício e da filosofia e teologia tomistas, vitimas por sua vez do Vaticano II. Um “mea culpa” sobre o caso Rosmini era previsível, e até mais. De fato, existe uma nova maneira de enterrar o passado da Igreja sem deixá-lo à mostra; consiste em beatificar e canonizar personagens outrora afastados; já para lançar sombra sobre a santidade de São Pio X, João XXIII desejou a beatificação do cardeal Ferrari e a quis com todas as suas forças. A canonização de Rosmini, já prevista, ofuscará ainda mais a Igreja “pré-conciliar” e dará aos liberais um novo patrono.

Uma “Nota” da Congregação para a Doutrina da Fé “reabilita” Rosmini e abre o caminho

para sua “beatificação”

Em 1° de julho de 2001, o cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e Monsenhor Bertone, o secretário, assinaram uma Nota “sobre o valor dos Decretos doutrinais concernentes ao pensamento e às obras de Antonio Rosmini Serbati”. (L’Osservatore Romano, 1-2 de julho de 2001; La Doc. Cath., 5-19 de agosto de 2001, n° 2253, p. 725-726).

A Nota, como lembra a Postulação de Rosmini, “responde ao texto apresentado pelo Postulador Geral em dezembro de 1999 no intuito de esclarecer a ‘questão rosminiana’ (com referência particular ao Decreto ‘Post obitum’) como foi pedido no decreto de 22 de fevereiro de 1994, quando o Prefeito da Congregação para as causas dos santos da época concedia o ‘nihil obstat’ da parte do Santo Sé à abertura da Causa de Beatificação do Servo de Deus Antonio Rosmini. O decreto em questão assinalava que ‘…a Congregação para a Doutrina da Fé deveria ser novamente interpelada a respeito do julgamento doutrinal definitivo sobre este assunto’” (3).

De qualquer forma, a resposta positiva da Congregação para a Doutrina da Fé não poderia faltar depois que João Paulo II, no mesmo ano de 1999, tivesse publicado a encíclica Fides et ratio, na qual Rosmini se encontra “incluso entre os pensadores mais recentes em que se realiza um encontro fecundo entre saber filosófico e Palavra de Deus” (8). João Paulo II deve, portanto, ser considerado responsável por esta reabilitação de Rosmini, tanto por tê-la solicitado pela encíclica Fides et ratio, quanto por ter pessoalmente aprovado a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé (4).

A reabilitação era, portanto, necessária; mas como realizá-la?

A “astuciosa distinção” resgatada para reabilitar Rosmini e enterrar - sem dizer - o magistério da Igreja

Isso estabelecido, peço ao leitor que se lembre do que é dito no início deste artigo sobre a tática dos hereges para despojar um decreto de condenação da Igreja de todo valor: essa tática consiste em afirmar que esse decreto condena uma heresia fictícia, imaginária, que nunca foi realmente sustentada pelo autor ao qual é atribuída essa doutrina. E isso foi o que fez a Congregação para a Doutrina da Fé...

Aqui está, de fato, o argumento essencial da Nota, expresso nos números 6 e 7 do documento: “Além disso, deve-se reconhecer que um estudo científico global, sério e rigoroso do pensamento de Antonio Rosmini, que se expressou no âmbito católico por teólogos e filósofos pertencentes a diversas escolas de pensamento, demonstrou que essas interpretações contrárias à fé e à doutrina católica não correspondem, de fato, à posição autêntica de Rosmini. A Congregação para a Doutrina da Fé, após um exame aprofundado dos dois decretos doutrinais promulgados no século XIX, e considerando os resultados fornecidos pela historiografia e pela pesquisa científica e teórica das últimas décadas, chegou à seguinte conclusão:

Atualmente, pode-se considerar que os motivos de preocupação e as dificuldades doutrinárias e prudenciais que determinaram a promulgação do Decreto ‘Post obitum’ de condenação das “quarenta proposições” extraídas das obras de Antonio Rosmini estão agora superados. E isso se deve ao fato de que o sentido das proposições, tal como foi compreendido e condenado por esse Decreto, não pertence, na realidade, à posição autêntica de Rosmini, mas sim a conclusões possíveis da leitura de suas obras”.

Essa é a substância da Nota sobre Rosmini: as 40 proposições foram condenadas porque compreendidas “numa ótica idealista, ontológica e em um sentido contrário à fé e à doutrina católica” (n. 7). Mas, na realidade, esse não era o pensamento do autor, Antonio Rosmini Serbati.

O decreto de condenação de Rosmini afirma o contrário do que sustenta a Nota de reabilitação, a qual contradiz, portanto, o magistério da Igreja

Mas o Santo Ofício - solicitado e aprovado por Leão XIII - realmente condenou 40 teses extraídas das obras de Rosmini sem comprometer sua própria autoridade sobre o fato de que essas teses refletem o pensamento de Rosmini?

Lembremos ao leitor que, segundo a Constituição Ad Sanctam de Alexandre VII citada acima, é certo que a Igreja pode não apenas condenar proposições, mas também definir que essas proposições estão realmente contidas nessa obra e mesmo que as proposições em questão foram condenadas no sentido entendido pelo autor. A autoridade da Igreja, envolvida em um decreto desse tipo, se estende também ao fato de que as teses condenadas foram condenadas justamente e precisamente no sentido entendido e desejado pelo autor, e não no sentido atribuído por terceiros ou pela Igreja.

Ora, aqui estão as palavras do famoso decreto Post obitum, qualificado de “ultrapassado” pela Nota da Congregação para a Doutrina da Fé:

“A Santidade de Nosso Senhor Leão XIII Papa, por divina providência, a quem é caro acima de tudo que o depósito da doutrina católica seja conservado puro e isento de erro, incumbiu o Sagrado conselho dos Muito Eminentes Cardeais, Inquisitores gerais em toda a república cristã, de examinar as proposições denunciadas. A Suprema Congregação, portanto, como é de costume, iniciou um exame dos mais diligentes e procedeu à confrontação dessas proposições com as outras doutrinas do autor, especialmente aquelas que se destacam claramente dos livros póstumos; a Suprema Congregação julgou que devem ser reprovadas, condenadas, segundo o sentido visado pelo Autor, as seguintes proposições que este decreto geral [Post obitum] reprova, condena e proscreve efetivamente: sem que isso permita a quem quer que seja deduzir que as outras doutrinas do mesmo Autor, que não são condenadas por este decreto, sejam de qualquer forma aprovadas. Após isso, um relatório cuidadoso de tudo isso sendo apresentado à Santidade de N.S.

Leão XIII, Sua Santidade aprovou, confirmou o decreto dos Eminentes Padres e ordenou que fosse observado por todos” (5).

Essa citação mostra, evidentemente, que as 40 proposições de Rosmini foram condenadas não apenas em si mesmas (ou no sentido que lhe foi dado “fora do contexto do pensamento rosminiano em uma ótica idealista, ontológica e em um sentido contrário à fé e à doutrina católica”, como afirma a Nota, no n. 7) mas “in proprio Auctoris sensu, no sentido mesmo do Autor”. Essa é a mesma fórmula utilizada em 1656 para reafirmar que as teses de

Jansênio haviam sido condenadas “segundo o sentido visado por esse mesmo …, in sensu ab eodem… intento” (6).

A contradição entre um texto indiscutível do magistério eclesiástico aprovado pelo Papa Leão XIII e a Nota do cardeal Ratzinger aprovada por João Paulo II é absolutamente evidente e inegável.

Tentativa vã de negar a contradição ao invocar o precedente de 1854, quando as obras

rosminianas foram “retiradas do processo”

a) a influência dos fatores culturais

A Nota da Congregação para a Doutrina da Fé lembra (à sua maneira, como veremos) os precedentes que dizem respeito à “questão rosminiana”. “O Magistério da Igreja (…) interessou-se várias vezes, ao longo do século XIX, pelos resultados do trabalho intelectual do padre Antonio Rosmini Serbati (1797-1855). Ele colocou no Índice duas de suas obras em 1849, depois declarou isentas de todo suspeita [o texto original diz: ‘dimettendo poi dal esame’, o que pode ser traduzido mais corretamente por ‘retirando do processo’, nt], por Decreto doutrinal da Sagrada Congregação do Índice em 1854, a opera omnia, e condenou mais tarde, em 1887, quarenta proposições extraídas de obras na maioria póstumas e de algumas obras publicadas de sua vida, por Decreto doutrinal da Sagrada Congregação do Santo Ofício, intitulado ‘Post obitum’ (Denz 3201-3241). Uma leitura aproximada e superficial dessas diversas intervenções poderia fazer pensar em uma contradição intrínseca e objetiva por parte do Magistério na interpretação do conteúdo do pensamento rosminiano e sua avaliação diante do povo de Deus”_ (nn. 1 e 2). De fato, segundo a versão apresentada pela Nota, “o Decreto de 1854, pelo qual as obras de Rosmini foram lavadas de todo suspeita [o texto original diz ‘vennero dimesse’, mesma observação acima], atestam a reconhecimento da ortodoxia de seu pensamento e de suas intenções declaradas…”. De fato, se um Decreto de 1854 tivesse atestado a ortodoxia do pensamento de Rosmini, enquanto um Decreto de 1887 havia condenado 40 proposições (como a Nota pretende fazer crer), seria difícil negar a existência de certa contradição “intrínseca e objetiva”, e isso, precisamente no Magistério mais “tradicional”! A Nota, que nega essa contradição para poder sustentar que ela mesma não contradiz o decreto de condenação de 1887 (“está na mesma linha que se situa a presente Nota sobre o valor doutrinário desses decretos”_, n. 2), a Nota, dizíamos, se deleita quase em assinalar uma presunta incerteza da Igreja que, em 1854, atesta a ortodoxia do pensamento de Rosmini e, em 1887, atesta sua heterodoxia. Como explicar essa aparente contradição? A Nota a explica ‘à maneira modernista’:

“Uma leitura atenta, não apenas dos textos, mas também do contexto e da situação de sua promulgação” (n. 2) permitirá a Ratzinger explicar a “contradição” inventada por ele: a condenação de 1887 é devida às mudanças dos “fatores de ordem histórico-cultural” (n. 4), ou seja, ao renascimento do tomismo promovido por Leão XIII. Assim, uma condenação de ordem doutrinária é reduzida a uma simples questão entre diversas escolas teológicas; a atual conclusão do neotomismo explica como teses percebidas na época como erradas, não o são mais hoje. A Nota historiciza e, portanto, relativiza o Magistério por meio de uma operação que poderia ser aplicada a qualquer texto do Magistério - mesmo ao mais solene - que, devido às mudanças dos “fatores de ordem histórico-cultural”, se tornaria, assim, “ultrapassado” (7).

b) omissões e falsificações sobre o Decreto de 1854

Se a “contradição” entre os dois decretos (aquele de 1854 sob Pio IX e aquele de 1887 sob Leão XIII) não é resolvida pela nebulosa explicação do contexto cultural, como solucioná-la? Deveríamos admitir – como os partidários mais ferrenhos de Rosmini no século passado? – que a contradição existe e que Leão XIII… não era Papa!? (8). De jeito nenhum. Na realidade, é a Nota do cardeal Ratzinger que, com suas omissões e suas falsificações, impõe ao leitor um problema que não existe.

Aqui está a falsificação: afirmar que o Decreto de 1854 reconheceu a ortodoxia do pensamento de Rosmini. Quanto à omissão, ela consiste em não falar minimamente sobre esses documentos do Magistério que negam explicitamente essa falsa interpretação.

Um pouco de história esclarecerá as ideias do leitor. Após a inclusão de duas obras de Rosmini no Índice em 1849, muitos católicos denunciaram à Congregação do Índice sua opera omnia editada até então. “Após os censores terem examinado suas obras durante três anos, os cardeais decidiram na sessão de 3 de julho de 1854, presidida por Pio IX: ‘dimittantur’ [retirar da consideração]” (9). Mas que interpretação dar a essa fórmula? “Os amigos de Rosmini e o teólogo da cúria papal interpretaram a decisão dos cardeais no sentido de uma aprovação tácita. A Civiltà Cattolica e L’Osservatore Romano negaram que houvesse aprovação:

A obra de Rosmini é simplesmente não proibida” (nota 9). A Sagrada Congregação do Índice, a mesma que “retirou da consideração” (absolveu) a obra de Rosmini em 1854, teve então - forçada pelas falsas interpretações dos rosminianos - que intervir pela primeira vez em 21 de junho de 1880 (e deste decreto a Nota do cardeal Ratzinger não faz menção): “A Sagrada Congregação do Índice … declarou que a fórmula ‘a retirar’ [dimittantur] significa somente que uma obra que é retirada não é proibida” (10). Assim, ficou evidente que a Congregação dava razão aos adversários de Rosmini e erro a seus discípulos. Mas estes insistiram. “O desacordo – escrevia a Civiltà Cattolica – não cessou, porque os discípulos de Rosmini entenderam esse ‘não proibidas’ como se, devido à sua qualidade e ortodoxia notórias, não poderiam ser proibidas e, portanto, que os filósofos e teólogos nada poderiam encontrar para censurá-las nem filosoficamente nem teologicamente”

(11). Não é essa a tese do cardeal Ratzinger: o decreto de 1854 garantiu a ortodoxia das obras rosminianas? Mas essa pretensão (e hoje a de Ratzinger e da sua Nota) foi mais uma vez desmentida pela Congregação do Índice, à qual foram feitas as seguintes perguntas: “1. Obras que foram denunciadas à Sagrada Congregação do Índice e que foram retiradas por ela do processo, ou que não foram proibidas, devem ser consideradas como isentas de todo erro contra a fé e os costumes?

2. Se a resposta for sim, as obras que foram retiradas pela Sagrada Congregação do Índice ou que não foram proibidas podem ser atacadas tanto filosoficamente quanto teologicamente sem incorrer no reproche [sic] de temeridade?

No dia 5 de dezembro de 1881, a Congregação do Índice respondeu negativamente à primeira pergunta (os livros retirados do processo não são, portanto, necessariamente isentos de todo erro contra a fé e os costumes) e afirmativamente à segunda (pode-se, assim, criticar as obras em questão sem temeridade, ou seja, sem estar em oposição ao decreto de 1854). O Papa Leão XIII aprovou essa resposta em 28 de dezembro (12). Também não há registro dessa segunda decisão da Congregação do Índice na Nota da Congregação para a Doutrina da Fé que, no entanto, afirma ter praticado uma “exame aprofundado”. O motivo é evidente: referir-se a esses dois decretos significaria destruir totalmente a falsa interpretação que se queria dar ao decreto de 1854: este não “atestou” [não] _a reconhecimento da ortodoxia de sua [de Rosmini] pensamento e de suas intenções” (n. 2), como se pretende fazer crer na Nota, mas concede apenas uma absolvição “por insuficiência de provas” a Rosmini (13).

Dessa forma, entre os dois Decretos, o de 1854 e o de 1887, não existe mesmo uma aparência de contradição intrínseca e objetiva, como pretende fazer crer a Nota: “sob Pio IX – escrevia na época a Civiltà Cattolica – ficou definido que mesmo nas obras de Rosmini retiradas da consideração poderiam existir proposições condenáveis, porque contrárias à fé e aos costumes, e que sob Leão XIII ficou definido que nelas existiriam de fato. Se eu digo que pode chover e, em seguida, chove efetivamente, onde estaria a contradição? A existência de algo não se opõe à sua possibilidade, ela a inclui” (l.c., p. 274).

Para a Nota, a culpa da condenação de 1887 reside no neotomismo. Mas a aversão à Escolástica é um sinal distintivo do modernismo

Segundo a Nota, como vimos, o Decreto de 1887 se enganou ao atribuir a Rosmini erros que ele não professava: “o sentido das propostas, assim entendido e condenado por esse mesmo Decreto, não pertence, na realidade, à posição autêntica de Rosmini” (n. 7). Mas a que se deve esse suposto erro? Para a Nota, o “primeiro fator” de “ordem histórico-cultural” que “coloca as premissas de um julgamento negativo em relação a uma posição filosófica e especulativa como a posição rosminiana” foi o “projeto de renovação dos estudos eclesiásticos promovido pela encíclica Æterni Patris (1879) de Leão XIII, na linha da fidelidade ao pensamento de Santo Tomás de Aquino”. O segundo fator foi a dificuldade de compreender o pensamento de Rosmini, agora falecido, por aqueles que o liam “na perspectiva neotomista” (n. 4). Sem dúvida, a condenação de Rosmini amadureceu no clima da restauração da teologia escolástica e tomista promovida por Leão XIII... Mas nos questionamos: que valor os redatores da Nota, e João Paulo II que a aprovou, atribuem aos muito numerosos documentos do Magistério a favor da escolástica e da doutrina de Santo Tomás? (14). Suponhamos que, como o Decreto Post obitum, eles também devem ser considerados como “ultrapassados”, uma vez que a Nota não parece reconhecer-lhes valor doutrinal e disciplinar para o tempo presente (caso contrário, os princípios tomistas que levaram à condenação de Rosmini em 1887 teriam levado novamente à sua condenação em 2001). Isso é particularmente grave porque não é “especialmente (...) contra o risco do ecletismo” como afirma a Nota (n. 4), que a Igreja recomendou a escolástica e o tomismo, mas também e especialmente contra os erros modernos, proclamando que o fato de se afastar deles traz um grave e perigoso prejuízo à Fé (nota 14). É principalmente ao modernismo que a filosofia escolástica e a doutrina tomista representam um obstáculo, como recordava Santo Pio X na Encíclica Pascendi: “três coisas, eles sentem bem, barram seu caminho: a filosofia escolástica, a autoridade dos Pais e a tradição, o magistério da Igreja. A essas três coisas eles fazem uma guerra feroz. (...)

E é um fato que, com o amor às novidades, vai sempre a par a aversão ao método escolástico; e não há indício mais seguro de que o gosto pelas doutrinas modernistas começa a aparecer em um espírito do que vê nascer o desgosto por este método”. A Nota, de um só golpe, declara “ultrapassados” os três obstáculos ao modernismo: escolástica, tradição e magistério.

Outras inexatitudes da Nota

Até agora, expusemos os erros mais graves da Nota sobre Rosmini. Contudo, ainda haveria muito a dizer: vamos abordar dois pontos.

a) O Decreto de 1887 teria sido apenas a expressão de uma preocupação!

O constrangimento da Nota transparece também na tentativa de minimizar a condenação (reconhecida como tal) de 1887. Ela é apresentada como “uma tomada de distância” (n. 4), um “julgamento negativo” (n. 4), expressando “as preocupações reais do Magistério” (n. 5) e “os motivos de preocupação e as dificuldades doutrinárias e prudenciais” (n. 7). A Nota afirma em particular que a profunda coerência do julgamento do Magistério em suas diversas intervenções sobre o assunto é verificada pelo fato de que este mesmo Decreto doutrinal Post obitum não contém um julgamento que concerne a uma negação formal de verdades de fé por parte do autor, mas trata, antes, do fato de que o sistema filosófico-teológico de Rosmini era considerado como insuficiente e inadequado para guardar e expor certas verdades da doutrina católica, reconhecidas e confessadas pelo próprio autor” (n. 5). No entanto, se lermos o Decreto Post obitum, não encontraremos nada disso. Se não diz explicitamente (mas isso não é excluído) que as proposições condenadas são heréticas, diz-se, no entanto, que elas não são conformes à verdade católica e que, como tais, são condenadas, proscritas e reprovadas: não há vestígio de insuficiência, inadequação ou simples dificuldade doutrinária, e ainda menos de caráter prudencial. Da mesma forma que exagera a importância da “absolvição” das obras feita em 1854, fazendo-a passar por um certificado de ortodoxia, a Nota diminui da mesma maneira a relevância da condenação de 1887, disfarçando-a como uma simples preocupação prudencial por uma doutrina insuficiente. Isso certamente não denota grande honestidade intelectual…

b) As interpretações heterodoxas do pensamento rosminiano seriam atribuídas a não-católicos

Ainda para atenuar a gravidade dos erros de Rosmini e a gravidade de sua condenação, a Nota atribui as “interpretações errôneas e desviantes do pensamento rosminiano” em oposição à fé católica “em uma perspectiva idealista, ontológica e subjetivista” aos “pensadores não católicos” e aos “setores intelectuais da cultura filosófica laicista, marcada pelo idealismo transcendental ou pelo idealismo lógico ou ontológico” (n. 5). Mas o autor do livro Le Rosminianisme, synthèse du Panthéisme et de l’Ontologisme, escrito e publicado em 1881 – com a aprovação do Mestre da sagrada Cúria (teólogo do Papa) – era católico ou não? É possível que católicos e não católicos tenham se enganado ao considerar a pensamento de Rosmini como heterodoxo?

As ambigüidades de Rosmini, ou como “embelezar a pílula”

A Nota admite, de fato, que o pensamento de Rosmini contém ambigüidades e equívocos. Mas se se acredita que assim é, como pode ser considerada a canonização de um pensador que permanece ambiguo e equívoco na Fé? Portanto, tem-se o receio de que essas concessões (o pensamento de Rosmini contém ambigüidades) tenham sido feitas para “embelezar a pílula”, para que logo sejam esquecidas e se tornem, posteriormente, “ultrapassadas”, enquanto permanecem na memória a reabilitação e a próxima beatificação de Rosmini.

Conclusão: um documento de importância aparentemente “menor”, na realidade grave e simbólico

Alguns pensarão que a questão que acabamos de abordar é de importância menor, e que, portanto, perdemos nosso tempo. Rosmini não era um ímpio, mas um sacerdote piedoso; muitos outros erros, muito mais graves do que a reabilitação de Rosmini, nos são continuamente infligidos. É verdade, existem fatos e documentos que em si são mais graves e escandalosos; mas – embora este seja um documento de importância aparentemente menor – ele continua a representar uma realidade grave e sintomática do aniquilamento progressivo e sorrateiro do magistério da Igreja.

Após o Decreto Post obitum, qual será a próxima vítima do “aggiornamento”?

Notas

  1. Mgr Umberto Benigni, Storia sociale della Chiesa, vol. II, tomo I, p. 216, Vallardi, Milão 1912.

  2. Heinrich Denzinger, Símbolos e definições da Fé católica..., editado por Peter Hünermann para a edição original e por Joseph Hoffman para a edição francesa, Ed. do Cerf, Paris 1996, p. 513.

  3. “As dificuldades doutrinárias em relação aos escritos de nosso Pai Fundador podem ser consideradas como superadas”, carta da Postulação da Causa de Beatificação de Rosmini datada de 1º de julho de 2001, assinada pelo Preposto geral do Instituto da Caridade, pela Superiora geral das Irmãs da Providência, pelo Postulador Geral e pelo Vice-Postulador da Causa.

  4. “O Soberano Pontífice João Paulo II, durante a audiência de 8 de junho de 2001, concedida ao subscrito cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovou esta Nota sobre o valor dos decretos doutrinais concernentes ao pensamento e às obras do sacerdote Antonio Rosmini Serbati, decidida em sessão ordinária, e ordenou sua publicação.”

  5. Nossa tradução francesa do decreto Post obitum publicado por La Civiltà Cattolica, ano XXXIX, vol. X, série XIII, 1888, pp. 63-64.

  6. Os Padres de La Civiltà Cattolica também não deixaram de ressaltar esse ponto do Decreto de condenação de Rosmini: “O mesmo conselho [dos Cardeais] afirma que teve conhecimento do sentido em que Rosmini empregou as proposições em questão, e julgou que é no sentido mesmo empregado pelo autor que elas deveriam ser reprovadas, condenadas e proscritas; e é nesse sentido que ela as reprova, condena e proscreve, propositiones quæ sequuntur, in proprio auctoris sensu reprobandas, damnandas, ac proscribendas esse iudicaverit, prout hoc generali decreto reprobat, damnat, proscribit” (La Civiltà Cattolica, ano 39, vol. X, série 13, 1888, pp. 269-270: Soluzione della questione rosminiana [Solução da questão rosminiana]).

  7. Certamente, não queremos negar a existência de certa influência do contexto histórico sobre os textos doutrinários em geral, e, neste caso particular da condenação de Rosmini, a influência da promoção do tomismo por Leão XIII, assim como não queremos negar a utilidade de conhecer o contexto histórico de um documento para sua melhor compreensão. Mas negamos categoricamente que o exame do contexto histórico e cultural de um documento do Magistério (ou da Escritura Sagrada) possa autorizar a considerá-lo como “ultrapassado” em outro contexto, como se as fórmulas doutrinárias e/ou dogmáticas não tivessem um valor em si, e fossem apenas um produto sociocultural de uma época dada. A posição insinuada pela Nota destrói, de fato, radicalmente o próprio conceito e a permanência do Magistério eclesiástico (e mesmo da Revelação divina).

  8. O fato é autêntico, e eu o encontrei consultando os velhos números de La Civiltà Cattolica, “Soluzione della questione rosminiana”, l.c., p. 273.

  9. Denzinger, op. cit. pp. 703-704.

  10. ASS 13 [1880/81] 92. Denzinger, op. cit., p. 704.

  11. La Civiltà Cattolica, “Solução da questão rosminiana”, l.c., p. 261.

  12. Denzinger, nn. 3154-3155; ASS 14 [1981/82] 288.

  13. É claro que, se sua culpabilidade tivesse sido demonstrada com certeza, ele deveria ser condenado; se sua culpabilidade não tivesse sido demonstrada, ele deveria ser absolvido, ou seja, solto; (…) A certeza prévia é necessária à condenação, porque é uma regra de direito que nemo præsumitur reus nisi legitime probetur; o que vale para qualquer tribunal.” Leia a esse respeito toda a p. 260 de La Civiltà Cattolica, l.c.

  14. Por exemplo, Leão XIII, Enc. Æterni Patris, DS 3139-3140 e a carta ao ministro geral da OFM de 27 nov. 1878; S. Pio X, Enc. Pascendi, m.p. Sacrorum antistitum, m.p. Doctoris angelici, e as 24 Teses, DS 3601-3624; Código de Direito Canônico, cann. 580§1 e 1366§2; Pio XI, c.ap. Deus scientiarum Dominus e Enc. Studiorum ducem, DS 3665-3667; Pio XII, Enc.

3. Anexo 3 - Artigo de « Trinta Dias», mensal italiano modernista (órgão vinculado à igreja conciliar), retratando a história da 'beatificação' de Rosmini, condenado pelo Papa Leão XIII

ANTONIO ROSMINI BEATO[34]

História de uma causa tumultuada

O postulador da causa de beatificação retrata os passos que levaram Rosmini aos altares

por Claudio Massimiliano Papa
do Instituto da Caridade

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Vista da abadia beneditina da Sacra di San Michele, no Vale de Susa, que foi confiada aos rosminianos em 1836

A reputação de homem de Deus que acompanhou Antonio Rosmini desde sua juventude é ainda reforçada por algumas graças obtidas por sua intercessão. O padre Francesco Paoli, seu primeiro biógrafo, vê nessas graças e na devoção crescente a ele a oportunidade de introduzir a causa de beatificação imediatamente após sua morte; ele consulta diversas pessoas, mas logo encontra aqueles que freiam sua iniciativa. Em contrapartida, os cardeais Hohenlohe e Bartolini, assim como os bispos piemonteses de Casale e Turim, se pronunciam a favor da causa de beatificação.

Lorenzo Gastaldi, em particular, bispo de Turim, não se contenta em apenas aprovar a iniciativa, mas oferece seus conselhos e apoio. Em uma carta ao padre geral Luigi Lanzoni, ele o pressiona escrevendo: «Você deve apresentar sem demora seu pedido à cúria de Novara para que o processo seja aberto...».

E este mesmo prelado apoia os padres rosminianos, enviando uma carta ao bispo de Novara na qual se diz certo de que ele aceitará «o pedido mais do que legítimo desses excelentes Pais, à oração dos quais acrescento a minha»; em seguida, declarando-se disposto a dar à causa toda a ajuda possível, conclui que «trata-se de cooperar para a glória de um dos personagens que mais iluminou a Igreja e o clero neste século».

No dia 22 de abril de 1882, o padre Paolo solicita ao bispo de Trento a permissão para coletar em seu diocesano testemunhos extrajudiciais sobre as virtudes do servo de Deus, com a intenção de abrir um processo informativo. A pesquisa foi iniciada, mas o processo não começou: não parecia prudente ao padre Lanzoni abrir «a grande causa de beatificação» naquele momento, quando as obras de Rosmini estavam sendo examinadas pelo Santo Ofício.

Foi exatamente com base nessa nova informação que o padre Lanzoni, no início de 1882, havia dirigido ao Papa Leão XIII o seguinte pedido: «... que pela graça, me sejam comunicadas (caso as notícias privadas fossem verdadeiras), pelo meio que Vossa Santidade encontrar mais adequado, as propostas que eventualmente poderiam ter sido incriminadas nas ditas obras, a fim de esclarecer as obscuridades, ou seja, refutar as objeções que parecessem eventualmente ofender a santa doutrina da Igreja e da Sé apostólica». Durante os dois anos seguintes, Paoli prossegue seu incansável trabalho, escrevendo a segunda parte do livro Della vita di Antonio Rosmini-Serbati, sob o título Delle sue virtù.

Nesta obra, ele não se limita a demonstrar as virtudes heróicas praticadas por Antonio Rosmini, mas acrescenta cerca de trezentos testemunhos sobre as virtudes e a santidade deste último, apresentados por pessoas do mundo eclesiástico e laico que o haviam conhecido. Embora o material provando sua santidade de vida tenha se tornado considerável, os superiores do Instituto religioso acharam melhor adiar o pedido de abertura do processo de beatificação, especialmente após o decreto Post obitum de 1887 que indicava possíveis erros doutrinários em quarenta propostas extraídas das obras de Rosmini. O eventual pedido de abertura do processo de beatificação é, portanto, momentaneamente colocado de lado e não é mais mencionado por quarenta anos.

Foi em 1928 que o padre geral Balsari considerou oportuno tentar abrir a causa de beatificação de Antonio Rosmini. Além das curas miraculosas que haviam surgido justamente naquele ano, que são a razão principal, também foi o ano do centenário da fundação do Instituto da Caridade e ao se engajar a favor de Rosmini, dava-se novo ânimo ao Instituto, enfraquecido e humilhado pelo fato de ter sido fundado por um homem que ainda não havia sido compreendido. E também era necessário evitar a perda dos poucos testemunhos de visão ainda existentes e garantir os testemunhos de auditu.

A iniciativa de Balsari é incentivada não apenas pelas palavras do Papa, mas também pelo parecer do cardeal Gamba, arcebispo de Turim, e de Dom Mariani, secretário da Sagrada Congregação dos Ritos. O pedido feito aos bispos de Novara e Trento recebe um parecer favorável. Em 13 de janeiro, recebe sem dificuldades da Sagrada Congregação dos Ritos o mandato de procuração para o padre Giuseppe Sannicolò e para os dois vice-postuladores, com o nihil obstat emitido pela Chancelaria da mesma Congregação e assinado pelo substituto, Dom Di Fava. Com base nos cânones 2038 e 2939, então em vigor, os bispos podiam, iure proprio, instituir o processo informativo sobre a fama de santidade e o processo de não-culto. Enquanto o bispo de Trento leva isso em consideração, instituindo o Tribunal e celebrando a primeira sessão, o de Novara escreve em 6 de janeiro de 1928 ao secretário de Estado, o cardeal Gasparri, uma carta para solicitar informações. Como isso não era da sua competência, Dom Gasparri encaminha a carta ao procurador geral da fé, Dom Salotti. Após suas considerações sobre o caso Rosmini, ele responde ao bispo de Novara desaconselhando a introdução da causa de beatificação para «não reavivar antigas polêmicas, incitar discussões nem oportunas nem úteis, e despertar entre os clérigos e os leigos essas divisões que a caridade e a prudência aconselham a evitar».

No dia 5 de fevereiro seguinte, o padre Balsari, armado desses testemunhos, escreve ao Papa uma longa carta, em parte para informá-lo e em parte para suplicá-lo, pedindo que o processo de beatificação seja aberto no diocese de Novara e que seja continuado naquele de Trento, onde já tinha começado. Mas nenhuma ação é tomada e tudo é interrompido.

Várias outras tentativas foram feitas posteriormente para introduzir a causa. Com exceção de Lanzoni, que é o homem da obediência humilde e silenciosa ao Post obitum, nenhum padre geral do Instituto da Caridade abandonou a tentativa de introduzir a causa de beatificação de seu fundador.

Após o padre Balsari, a petição apresentada pelo padre geral Giuseppe Bozzetti durante o pontificado de Pio XII terá o mesmo resultado que a de 1928. Ali também, tudo estava pronto para a abertura do processo informativo no diocese de Novara, e o postulador já estava nomeado na pessoa do padre John Hichey. Mas no dia 4 de julho de 1947, o padre provincial recebe uma carta de Novara: ela é assinada por Dom Giovanni Cavigioli, que «com uma alma profundamente consternada» comunica a resposta negativa da Sagrada Congregação dos Ritos. É o próprio cardeal Salotti, na qualidade de prefeito da Congregação, que a redigiu e que reafirma o “não” com base nas mesmas motivações dadas em 1928.

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Uma foto de época do Colle Rosmini com o santuário onde está sepultado o padre de Rovereto e onde se encontra o Colégio que lhe é dedicado.

No tempo de João XXIII, a partir de 1962, o padre geral da época, Giovanni Gaddo, começa a recolher uma série de informações para verificar a oportunidade de uma nova tentativa. Os contatos com o cardeal Larraona, prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos, com Dom Antonelli, promotor da Fé, e com o cardeal Ottaviani, secretário do Santo Ofício, têm todos uma saída positiva. O cardeal Larraona, em cujas mãos a causa é depositada (pois, segundo a vontade explícita de seu fundador, o Instituto não tem um cardeal protetor) mostra-se particularmente benevolente.

O próprio Papa, em sua prudência e solicitude, se interessa pela causa de Rosmini com a intenção declarada de lidar com ela assim que o Concílio fosse concluído, desejando que a causa de Rosmini fosse uma causa histórica e não doutrinária. O novo ambiente é encorajador e o pedido de obtenção do nihil obstat por parte da Sagrada Congregação dos Ritos parte em 17 de setembro de 1962, mas o ímpeto de esperança de alcançar o objetivo é aniquilado pela morte do papa, em junho de 1963.

Enquanto isso, os Padres conciliares discutem os problemas relacionados à liturgia, e o procurador geral julga bom enviar como homenagem ao cardeal Larraona o livro Les cinq plaies, que aborda essas questões. Ele acompanha seu presente com reflexões sobre as razões históricas e políticas pelas quais esse livro foi colocado no Index, expressando o desejo de que «essa proibição possa ser levantada no momento oportuno».

Em março de 1965, os contatos para abrir a causa de Rosmini são retomados. Em um encontro com o cardeal Ottaviani, Secretário da Congregação do Santo Ofício, o padre geral ouve: «Vamos começar agora mesmo. Prepare todas as objeções e já adicione respostas a elas, de modo que, quando o processo nos chegar, tudo esteja preparado para uma boa solução. Precisamos buscar pessoas muito competentes».

A petição é enviada em meados de dezembro e é comunicada por meio de Dom Angelo Dell’Acqua para obter o consentimento do Papa para a abertura do processo. Por volta de novembro de 1966, o padre Bolla, rosminiano, procurador do Instituto da Caridade, lembra ao cardeal Larraona que nenhuma resposta ainda foi recebida, enquanto o padre geral, durante um encontro com Dom Dell’Acqua, portador da petição, questiona sobre esse atraso e recebe como resposta apenas que «são coisas que precisam ser bem refletidas», com o conselho de solicitar uma audiência ao Santo Padre. Mas algum tempo depois, ele faz entender que é melhor desistir. As novas esperanças, alimentadas por essas vozes favoráveis, se apagam como as anteriores, e as razões para esse silêncio permanecem vagas.

Existem nos arquivos gerais rosminienses documentos datados dos primeiros meses de 1971 que comprovam a intenção de reativar a causa de beatificação de Rosmini. Em 19 de maio, encontra-se de fato um Relatório sobre o problema das “quarenta propostas”, apresentado a Dom Giuseppe Del Ton com um Memorando em anexo, enviado ao cardeal Franjo Seper, prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no qual se solicita o Nihil obstat. Também no dia 20 de maio, há uma Petição ao papa por parte do padre geral. A resposta do cardeal Seper a Dom Del Ton é datada de 9 de junho e informa que «este Dicastério não concede um Nihil obstat desse tipo em nível preventivo; é por isso que esta Sagrada Congregação se reserva para tratar com a maior imparcialidade a questão da eventual beatificação assim que uma requisição oficial for recebida por parte da Congregação para as causas dos santos».

Os contatos informais para uma nova tentativa são retomados no final do verão de 1971. Dom Del Ton e o cardeal Nasalli Rocca di Corneliano reafirmam ao padre rosminiano Clemente Riva que os círculos do Vaticano, inclusive o Papa, estão favoráveis. Esse mesmo padre recebe orientações precisas sobre o procedimento a seguir por parte de Dom Frutaz, subscrutador da Congregação para as Causas dos Santos. É necessário: a Petição ao Papa por parte do padre geral em nome do Instituto, de amigos e especialistas de Rosmini, que enfatizam a personalidade e a utilidade atual da vida santa e do pensamento rosminiano, o Perfil de sua vida e de suas virtudes, a alusão explícita às “quarenta propostas”, o Nihil obstat e um Ponente (um cardeal ou mesmo o superior geral) que apresente ao Papa a petição com todo o material.

Em 24 de maio de 1972, uma Petição é apresentada ao Santo Padre por meio de Dom Pasquale Macchi. Os signatários são o padre Francesco Berra, procurador do Instituto, e o padre Clemente Riva, vigário do padre geral. No final do mês de maio, Dom Macchi informa que a Petição e a documentação que a acompanha foram corretamente encaminhadas. Em 18 de novembro de 1972, a Congregação para a Doutrina da Fé se dirige ao padre Cornelio Fabro, estigmatino, e ao padre rosminiano Clemente Riva (em 7 de dezembro de 1973) para obter a opinião deles sobre a questão rosminiana.

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O bispo de Novara, Renato Corti (o segundo da esquerda), e o padre Claudio Massimiliano Papa (o segundo da direita), postulador da causa de beatificação, durante a coletiva de imprensa de apresentação da cerimônia de beatificação de Rosmini.

Dada a complexidade da questão, uma comissão é constituída em abril de 1974 junto à Congregação para a Doutrina da Fé para estudar a questão rosminiana e apresentar as conclusões aos membros do dicastério. Fabro e Riva fazem parte dessa comissão. O trabalho continua até meados de 1976 e é apresentado na sessão plenária do dicastério; um grande número de membros parece favorável à abolição do Post obitum, enquanto outros são contrários. O padre rosminiano Clemente Riva deixará a comissão ao ser eleito bispo auxiliar de Roma alguns meses antes da conclusão dos trabalhos.

A Congregação para a Doutrina da Fé, após examinar o caso, não emite um parecer negativo, mas, como relata a Dom Riva Dom Hamer, secretário da Congregação, decide o non expedit nunc devido à disparidade de julgamento dos consultores. Além disso, convida os especialistas a aprofundar seu conhecimento sobre Rosmini para encontrar uma interpretação que permita levantar a censura.

Há nesta resposta um sério problema: um autor pode ser e permanecer condenado quando a “suprema autoridade” mesmo duvida que esse autor possa estar certo e que possa haver uma interpretação favorável a ele? Essas dúvidas atormentam os especialistas e admiradores de Rosmini.

Com base em novas pesquisas, em 5 de junho de 1990, o padre geral Giovanni Zantedeschi envia à Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé a documentação relativa a «novos elementos de avaliação que podem esclarecer a posição exata de Antonio Rosmini em relação às “quarenta propostas” condenadas no decreto Post obitum».

No mês seguinte, o padre Remo Bessero Belti é nomeado como especialista do Instituto, com a intenção de instituir uma comissão de estudos encarregada de reexaminar a questão rosminiana. A procedure seguida pela Sagrada Congregação é a seguinte: numa primeira fase, é apresentada ao especialista rosminiano as dificuldades e as reservas levantadas sobre o pensamento de Rosmini durante a análise anterior, realizada em 1976; em seguida, sua resposta por escrito a essas dificuldades e questionamentos; finalmente, convoca-se a Comissão de estudos, da qual o padre Bessero Belti é membro, com a tarefa de discutir e expressar um parecer sobre o assunto.

O resultado da análise é positivo e permite a redação da Declaratio de 19 de fevereiro de 1994 com o non obstare no sentido de que “se possa abrir a causa de beatificação do servo de Deus Antonio Rosmini, padre fundador do Instituto da Caridade e das Irmãs da Providência”. Pode-se ler, ao final do documento, que a “Congregação da fé deverá ser de novo chamada a se pronunciar sobre o julgamento doutrinal definitivo a esse respeito”.

No dia 18 de fevereiro seguinte, o superior geral comunica a Dom Renato Corti, bispo de Novara, no diocese do qual começará o processo informativo. O bispo procede à nomeação dos três teólogos e da Comissão histórica para o diocese de Novara, onde Rosmini viveu e morreu, e sugere a constituição de uma comissão idêntica para o diocese de Trento, onde Rosmini nasceu e foi educado. Em 10 de março de 1994, o decreto de non obstare é notificado a todos os bispos da Conferência Episcopal piemontesa.

Em 1º de julho de 1997, é constituído o Tribunal diocesano para o processo informativo sobre a fama de santidade do servo de Deus Antonio Rosmini e eu, religioso rosminiano, sou nomeado novo postulador geral do Instituto da Caridade e das Irmãs da Providência. A irmã Carla Cattoretti, religiosa das Irmãs da Providência, é nomeada vice-postuladora. Ela deixará esse cargo em 2001, quando for eleita superiora geral. Em 20 de fevereiro de 1998, conclui-se o processo diocesano e o Transunto é comunicado à Congregação para as Causas dos Santos. Em março de 1999, o padre Ambrogio Eszer, op, me convoca imediatamente e me fornece instruções precisas sobre como conduzir o estudo para compor a Positio.

Na Instrução comunicada pelo padre Eszer, é indicado que deverão constar como documento, entre os capítulos da bibliografia documental, as “quarenta propostas” condenadas pelo Santo Ofício em 1887, com uma introdução que prove que as doutrinas condenadas não são as do servo de Deus. Este capítulo será apresentado separadamente à Congregação para a Doutrina da Fé, de acordo com o que foi estabelecido pelo excelentíssimo arcebispo Alberto Bovone, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, na carta de 19 de janeiro de 1994 enviada a Sua Excelência Reverendíssima Dom Giovanni Battista Re, substituto na Secretaria de Estado.

É com esse objetivo que em 2 de dezembro de 1999, submeto ao relator o capítulo da Positio que examina as circunstâncias históricas e as conclusões teológicas que levaram ao Post obitum. Este estudo, completamente preparado por mim, busca demonstrar que «o sentido das “propostas” condenadas não pertence de fato à posição autêntica do autor».

Em 1º de julho de 2001, L’Osservatore Romano publica a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a "valoração dos decretos doutrinais relativos ao pensamento e às obras do reverendo padre Antonio Rosmini Serbati". A Nota é assinada por quem era então o prefeito da Congregação, o cardeal Joseph Ratzinger.

Em 1º de julho de 2001, dia do centésimo quadragésimo sexto aniversário da morte do servo de Deus Antonio Rosmini, L’Osservatore Romano publica a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a «valoração dos decretos doutrinários relativos ao pensamento e às obras do reverendo padre Antonio Rosmini Serbati». Na Nota, após uma investigação histórica e um cuidadoso estudo do contexto, é declarado: «Pode-se considerar que os motivos de preocupação e dificuldades doutrinárias e prudenciais que determinaram a promulgação do decreto Post obitum de condenação das “quarenta propostas” extraídas das obras de Antonio Rosmini estão, hoje, ultrapassados. E isso se deve ao fato de que o sentido das propostas, conforme entendido e condenado por este mesmo decreto, não pertence, na realidade, à posição autêntica de Rosmini, mas a conclusões possíveis da leitura de suas obras». O documento é assinado por quem era então o prefeito da Congregação, o cardeal Joseph Ratzinger. Posteriormente, o Santo Padre Bento XVI autoriza a Congregação para as Causas dos Santos, dirigida pelo prefeito, o cardeal José Saraiva Martins, a promulgar, em 26 de junho de 2006, o decreto sobre o exercício heróico das virtudes testemunhadas por Antonio Rosmini, e um ano depois, em 1º de junho de 2007, o decreto sobre o milagre ocorrido por intercessão do venerável Antonio Rosmini.

Hoje, finalmente, após todo o trabalho realizado, primeiramente pelo diocese de Novara, ao qual agradeço ao bispo Monseigneur Renato Corti e sua cúria diocesana, e depois pela congregação para as Causas dos Santos, à qual expresso sempre minha gratidão, começando por seu prefeito já citado, assim como pelo atual secretário Dom Michele Di Ruberto, e a todos que trabalharam para levar a cabo esta difícil causa, ao oferecer ao Santo Padre Bento XVI a documentação necessária para promulgar o decreto de beatificação, cujo anúncio será feito no dia 18 de novembro próximo no diocese de Novara, conforme os novos procedimentos para os ritos de beatificação.

Claudio Massimiliano Papa (modernista da igreja conciliar)


[34] http://www.30giorni.it/fr/articolo.asp?id=15819

http://www.30giorni.it/fr/articolo_stampa.asp?id=15819

Anexo 4 - Nota de Ratzinger reabilitando Rosmini (30 de junho de 2001)

NOTA DA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ [35]

SOBRE O VALOR DOS DECRETOS DOUTRINAIS RELACIONADOS AO PENSAMENTO E ÀS OBRAS

DO REV. PADRE ANTONIO ROSMINI SERBATI,

30.06.2001

  1. O magistério da Igreja, que tem o dever de promover e guardar a doutrina da fé, e de preservá-la das ameaças recorrentes de alguns correntes de pensamento e práticas determinadas, se interessou várias vezes durante o século XIX pelos resultados do trabalho intelectual do Rev. Padre Antonio Rosmini Serbati (1797-1855), colocando no Índice duas de suas obras em 1849, depois excluindo desse exame a opera omnia em 1854, por um Decreto doutrinal da Santa Congregação do Índice, e, em seguida, condenando em 1887 quarenta proposições, extraídas em sua maioria de obras póstumas, e de outras obras inéditas durante a vida, pelo Decreto doutrinal, chamado Post Obitum, da Santa Congregação do Santo Ofício (Denz 3201-3241).

  2. Uma leitura aproximativa e superficial dessas diversas intervenções poderia levar a pensar em uma contradição intrínseca e objetiva por parte do Magistério na interpretação dos conteúdos do pensamento rosminiano, e em sua avaliação diante do povo de Deus. No entanto, uma leitura atenta, não apenas dos textos, mas também do contexto e da situação em que foram promulgados, ajuda a compreender, e mais ainda em um necessário desenvolvimento, uma apreciação ao mesmo tempo vigilante e coerente, considerando, como sempre, que em qualquer circunstância, deve-se proteger a fé católica e se mostrar determinado a não consentir em suas interpretações desviantes ou redutivas. É nesta linha que se insere a presente Nota sobre o valor dos mencionados decretos.

  3. O Decreto de 1854, pelo qual foram excluídas as obras de Rosmini, atesta o reconhecimento da ortodoxia de seu pensamento e de suas intenções declaradas, quando, a respeito da inclusão de duas de suas obras no Índice em 1849, escrevia ao Bem-aventurado Pio IX: “Quero me apoiar em tudo na autoridade da Igreja, e quero que todos saibam que é a essa autoridade apenas que adiro”¹. No entanto, o Decreto em si não pretendia significar a adoção, por parte do Magistério, do sistema de pensamento rosminiano como instrumento filosófico-teológico de mediação da doutrina cristã, nem pretendia expressar qualquer opinião sobre a plausibilidade especulativa e teórica das posições do autor.

  4. Os eventos ocorridos após a morte do Rovérétain exigiram que se tomasse distância de seu sistema de pensamento, e particularmente de algumas de suas formulações. É necessário esclarecer os principais fatores de ordem histórico-cultural que influenciaram tal distância, que culminou com a condenação das “Quarenta proposições” do decreto Post Obitum de 1887.

Um primeiro fator refere-se ao projeto de renovação dos estudos eclesiásticos promovido na Encíclica Aeterni Patris (1879) de Leão XIII, na linha da fidelidade ao pensamento de São Tomás de Aquino. A necessidade reconhecida pelo Magistério pontifício de fornecer um instrumento filosófico e teórico, fixado no tomismo, apto a garantir a unidade dos estudos eclesiásticos, principalmente na formação dos padres nos seminários e nas Faculdades teológicas, contra o risco do ecletismo, colocava as premissas de um julgamento negativo em relação a uma posição filosófica e especulativa, como a posição rosminiana, que diferia pela linguagem e por todo o aparato conceitual da elaboração filosófica e teológica de São Tomás de Aquino.

Um segundo fator a ser mantido em mente é que as proposições são extraídas em grande parte de obras póstumas do autor, cuja publicação se encontrava desprovida de um aparato crítico capaz de explicar o sentido preciso das expressões e dos conceitos que haviam adotado. Assim se favoreceu uma interpretação em um sentido heterodoxo do pensamento rosminiano, o que se deve também à dificuldade objetiva em interpretar suas categorias, principalmente se fossem lidas na perspectiva neotomista.

  1. Além de tais fatores determinados pela contingência histórico-cultural e eclesial da época, deve-se reconhecer que o sistema rosminiano contém conceitos e expressões às vezes ambíguos e equívocos que exigem uma interpretação vigilante e que podem ser esclarecidos apenas à luz do contexto mais geral da obra do autor. A ambiguidade, a equívoca, e a difícil compreensão de certas expressões e categorias, presentes nas proposições condenadas, explicam, entre outras coisas, as interpretações em um sentido idealista, ontologista e subjetivista, que foram aquelas dos pensadores não católicos, contra as quais o Decreto Post Obitum se opunha objetivamente. O respeito pela verdade histórica exige, por outro lado, que se destaque e se confirme o papel importante do Decreto de condenação das “Quarenta proposições”, na medida em que não apenas expressava as reais preocupações do Magistério contra os erros e as interpretações desviantes do pensamento rosminiano, em oposição à fé católica, mas também prevenia contra o fato atestado da recepção do rosminianismo no campo intelectual da cultura filosófica laica, marcada pelo idealismo transcendental ou pelo idealismo lógico e ontológico. A profunda coerência da escolha do Magistério em suas diversas intervenções a esse respeito se verifica no fato de que o mesmo Decreto doutrinal Post Obitum não se referia ao julgamento sobre a negação formal da verdade da fé por parte do autor, mas sim ao fato de que o sistema filosófico-teológico de Rosmini era considerado insuficiente e inadequado para preservar e explorar certas verdades da doutrina católica, que no entanto o próprio autor reconhecia e confessava.

  2. Por outro lado, deve-se reconhecer que uma leitura científica ampla, séria e rigorosa do pensamento de Antonio Rosmini, particularmente no campo católico de teólogos e filósofos pertencentes a diversas escolas de pensamento, mostrou que tais interpretações contrárias à fé e à doutrina católica não correspondiam, na realidade, à posição autêntica do Rovérétain.

  3. A Doutrina para a Doutrina da Fé, após um exame aprofundado dos dois decretos doutrinais, promulgados no século XIX, e com base nos resultados da historiografia e da pesquisa científica e teórica das últimas décadas, chegou à seguinte conclusão:

Pode-se atualmente considerar como ultrapassados os motivos de preocupações e de dificuldades doutrinárias e prudenciais que determinaram a promulgação do Decreto Post Obitum que condenava as “Quarenta proposições” extraídas das obras de Antonio Rosmini. E isso porque o sentido das proposições, assim compreendidas e condenadas pelo mesmo Decreto, não pertence de fato à posição autêntica de Rosmini, mas a possíveis conclusões da leitura de suas obras. Contudo, permanece a questão da plausibilidade do sistema rosminiano em si, de sua consistência especulativa e das teorias ou hipóteses filosóficas e teológicas por ele expressas, ainda a ser debatida teoricamente.

Ao mesmo tempo, a validade objetiva do Decreto Post Obitum permanece, no que diz respeito à prescrição das proposições condenadas, para quem as lê fora do contexto do pensamento rosminiano, sob uma ótica idealista, ontológica, e em um sentido contrário à fé e à doutrina católica.

  1. Ademais, a própria Carta Encíclica de João Paulo II Fides et ratio, enquanto situa Rosmini entre os pensadores mais recentes nos quais se realiza a união fecunda do saber filosófico e da Palavra de Deus, indica ao mesmo tempo que, por essa expressão, não se pretende “avalizar todos os aspectos de seu pensamento, mas apenas propor exemplos significativos de um caminho de pesquisa que se beneficiou consideravelmente da confrontação com os dados da f锲.

  2. Deve-se também afirmar que a empreitada especulativa e intelectual de Antonio Rosmini, caracterizada por grande audácia e coragem, mesmo que testemunhe uma certa ousadia arriscada, especialmente em algumas formulações, ao tentar oferecer novas oportunidades à doutrina católica em relação aos desafios do pensamento moderno, se desenvolveu em um horizonte ascético e espiritual, reconhecido também por seus mais ferrenhos adversários, e encontrou sua expressão nas obras que acompanharam a fundação do Instituto da Caridade e das Irmãs da Providência Divina.

O Sumo Pontífice João Paulo II, durante a audiência de 8 de julho de 2001, concedida ao abaixo-assinado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovou esta Nota, decidida em Sessão Ordinária, sobre o valor dos decretos doutrinais referentes ao pensamento e às obras do Rev. Antonio Rosmini Serbati, e ordenou sua publicação.

Roma, Sede da Congregação para a Doutrina da Fé,

1 de julho de 2001-08-18.

JOSÉ Card. RATZINGER
Prefeito

TARCÍSIO BERTONE, S.D.B.
Arcebispo emérito de Vercelli
Secretário

¹ ANTONIO ROSMINI, "Carta ao Papa Pio IX", em Epistolário completo, Casale Monferrato, tip. Pane 1892, vol. X, 541; (lett. 6341).

² GIOVANNI PAOLO II, Lett. Enc. Fides et ratio, n.74, em AAS, XCL, 1999 – I, 62.


[35] http://www.philosophiedudroit.org/note%20congregation%20trad%20francaise.htm

ANEXO 5 - A missão rosminiana na Inglaterra

Terence WATSON, i.c.

Casa Rosmini

Durham (Inglaterra).

1- Rosmini e a Inglaterra

Antonio Rosmini nutria uma afeição especial pela Inglaterra. Ele rapidamente reconheceu algumas qualidades dessa nação, como sua estabilidade política e o equilíbrio de sua constituição. Além disso, aceitou o espírito religioso do povo. Ele escreve: "Os católicos ingleses ocupam um lugar especial no meu coração. Não sei o que faria se pudesse ajudá-los em alguma coisa. Quanto a mim, penso em não negligenciar de forma alguma tudo o que a Divina Providência me convidaria a fazer em benefício deles; eu gostaria de dar até mesmo meu sangue pela glória do nosso Senhor, embora meu sangue não tenha nenhum valor." Em sua grande obra, a Filosofia do Direito, ele escreve que a Inglaterra é "uma nação onde não se pode negar que o sentimento de moralidade e justiça é grande e popular." Pode-se ver que Antonio Rosmini já estava preparado, pelo menos mentalmente, para uma obra apostólica na Grã-Bretanha.

2- A situação católica na Inglaterra.

Na Grã-Bretanha, desde o reinado do rei Henrique VIII até o século XIX, a Igreja Católica não tinha nenhum direito legal de existir. No entanto, no início do século, os católicos podiam praticar sua religião sem muito assédio, desde que não realizassem atos públicos. Não lhes era permitido construir igrejas. Mas as coisas mudaram quando o governo passou o Ato de Emancipação em 1829. Então, dentro de uma seção da Igreja Anglicana, desenvolveu-se uma espécie de renovação que se chamou de Movimento de Oxford. Muitos anglicanos se converteram à fé católica, e o resultado geral foi um entusiasmo vibrante e zeloso pela conversão de toda a Inglaterra. Falava-se de uma nova primavera para a fé católica, "the Second Spring", ou seja, o segundo primavera. Assim, durante esse período, alguns anglicanos se converteram: John Henry Newman, Lord Shrewsbury, F.W. Faber, Nicholas Wiseman (que se tornaria o primeiro cardeal de Westminster), Henry Manning (também se tornou cardeal de Westminster), Augustus Welby Pugin (que, como arquiteto, projetou dezenas de novas igrejas para os católicos, após a Emancipação), e também um certo William Lockhart, amigo e discípulo de Newman e, posteriormente, discípulo de Rosmini, tanto religiosamente quanto filosoficamente.

Pode-se realmente dizer que o terreno religioso na Inglaterra estava pronto para receber uma nova evangelização e que a Igreja Católica deveria desempenhar um papel na vida pública da nação. A Providência estava preparando uma contribuição italiana a essa Segunda Primavera.

3- Bispo Baines.

Um católico inglês que acolheu a Emancipação da Igreja com muita energia cristã foi Augustine Baines. Homem de caráter excêntrico, ele era um monge beneditino, anteriormente o subprior de um mosteiro no norte da Inglaterra. Ele deixou esse mosteiro para trabalhar na missão beneditina de Bath, uma cidade histórica procurada pela alta sociedade inglesa. Entre seus projetos, ele desejava fundar um colégio, um seminário e, de maneira otimista, uma universidade católica, pois mesmo após a Emancipação, nenhum católico podia frequentar as duas universidades de Oxford e Cambridge. Baines, para realizar sua ambição, precisava de assistentes. Ele, então, retornou ao seu mosteiro com sete monges (e também com vacas!) para ocupar um grande e esplêndido castelo chamado Prior Park, localizado perto de Bath. Mais tarde, ele se tornou bispo e foi nomeado Vigário apostólico dessa região. No entanto, após todas essas peregrinações e seus relacionamentos difíceis com várias pessoas, sua saúde não conseguiu mais suportar, e ele precisou descansar: foi para Roma, sem perder contudo seu entusiasmo, e durante sua estadia, se dedicou a recrutar professores para seu colégio.

3-Ambrose Philips Delisle.

Entre os convertidos ao catolicismo, havia um jovem chamado Ambrose Delisle. De uma família anglicana, Delisle se converteu quando tinha apenas dezesseis anos. Imediatamente, ele se entregou totalmente à sua nova Fé e desejava trabalhar pela conversão de toda a Inglaterra. Assim, três anos depois, quando tinha dezenove anos, cheio de zelo apostólico, ele converteu um sacerdote anglicano chamado Spencer, que era um antepassado da atual Princesa de Gales. Delisle se casou com uma jovem de uma antiga família católica inglesa e, para esse casamento, recebeu de seu pai a mansão e a propriedade que levam o nome francês de "Grâce à Dieu". Assim, ele se tornou proprietário de uma importante terra no condado de Leicestershire, no centro da Inglaterra. Finalmente, seguindo o costume de muitos convertidos, ele quis visitar a capital do mundo católico e chegou a Roma em 1830.

4-Antonio Rosmini.

No desenrolar dessa história, um terceiro personagem desempenhou um papel decisivo: Antonio Rosmini. Em 1828, ele foi a Roma para obter a aprovação papal da obra que havia empreendido em Monte Calvario, no vale de Ossola, não longe da fronteira suíço-italiana: um novo instituto religioso chamado Instituto da Caridade. No entanto, seus negócios se prolongaram, e durante essa estadia forçada, ele publicou o livro que apresenta a fundação de todo o seu sistema filosófico: a Origem das Ideias. Além disso, em 1830, ele conheceu um jovem romano, estudante em vista do sacerdócio, Luigi Gentili.

6-Luigi Gentili.

Luigi Gentili, um verdadeiro romano, tinha diploma em direito civil e canônico, e nutria a grande ambição de se tornar membro do "set" social e aristocrático de Roma. Cheio de confiança e energia, ele buscou e obteve um título de nobreza e aprendeu a tocar piano, pois tinha uma voz forte e melodiosa e sabia cantar bem. Assim, conseguiu se introduzir nas classes altas da sociedade romana. Frequentava os salões das famílias aristocráticas e ricas e, para ajudar nesse propósito, começou a falar fluentemente inglês. Um dia, conheceu uma jovem inglesa da qual se apaixonou. Ele lhe propôs casamento, o que ela aceitou. Mas, infelizmente, o guardião da jovem era o bispo Baines de Bath, que não considerava Gentili um marido adequado para sua pupila! Sem perder mais tempo, Baines levou a pobre jovem apressadamente para longe de Roma. Para Gentili, o mundo desmoronou. Ele se tornou desencantado com a vida da sociedade e começou a cultivar não mais as coisas do mundo, mas as de Deus, e começou a trabalhar para seu sacerdócio. Durante esse período, o encontro com Rosmini o impressionou tanto que ele desejou se tornar membro do novo instituto religioso fundado por Rosmini.

7-As origens da missão.

Devemos, portanto, voltar nossa atenção para Roma, pois é lá que as origens da missão rosminiana inglesa encontram suas raízes.

Embora o Monsenhor Baines não quisesse Gentili como o esposo de sua pupila, ele percebeu suas notáveis qualidades. Evidentemente, Gentili, como sacerdote, seria um bom professor. Ele o convidou, portanto, a vir para Prior Park. Gentili, sempre pronto para fazer algo pelo bem da Inglaterra, respondeu positivamente.

Ambrose Delisle, também durante sua visita a Roma, buscava um sacerdote "zelozo e bem preparado" que evangelizasse os inquilinos de suas terras em Leicestershire, cuja pobreza era extrema. Ele se dirigiu ao Colégio Irlandês, onde conheceu Gentili, e os dois discutiram a possibilidade de uma missão inglesa. Novamente, Gentili se mostrou muito entusiasmado com a empreitada. Mas ele não poderia mais tomar nenhuma decisão porque já havia se submetido à obediência a Rosmini.

Em 1831, Rosmini retornou a Monte Calvario. Gentili lhe escreveu para informá-lo das solicitações dos dois ingleses. Rosmini mostrou o mesmo entusiasmo que Gentili, mas primeiro queria que ele completasse seu noviciado em Monte Calvario e se preparasse para a missão. Enquanto isso, Delisle partira de Roma para começar sua viagem de retorno à Inglaterra. Ele ficou alguns dias em Milão e lá fez conhecimento pessoal com Antonio Rosmini. Os dois homens estabeleceram uma amizade íntima. Naturalmente, Delisle falou entusiasticamente sobre seus planos de evangelização, e Rosmini mais uma vez expressou seu próprio entusiasmo, disposto a cooperar com o projeto do jovem.

Monsenhor Baines, por sua vez, se dirigira diretamente e pessoalmente a Rosmini para obter professores para seu colégio em Prior Park. Portanto, era necessário que Rosmini decidisse entre Baines e Delisle, mas a solução do problema já estava escrita nas Constituições do Instituto da Caridade: deve-se dar preferência aos pedidos dos bispos. De qualquer forma, Baines havia persuadido Delisle a retirar seu pedido. Então, decidiu-se que os missionários rosminianos iriam ensinar no colégio de Prior Park.

8 - Os missionários.

No noviciado de Monte Calvario, havia um jovem francês, de Carpentras, na Savoia, chamado Émile Belisy, e parece que Rosmini já o considerava adequado para a missão inglesa. Mais tarde, outro francês, Antoine Rey, também savoyardo, ingressou no Instituto, e Rosmini o destinou para ser o terceiro membro da missão. O número dos primeiros missionários ficou, assim, em três: um padre italiano que falava fluentemente inglês e dois franceses que, naquele momento, não falavam nada.

O período de preparação para essa missão durou quatro anos. Durante esse tempo, além da vida religiosa, os dois franceses deveriam aprender inglês, e Rosmini, que havia sido escolhido para se tornar pároco da sua cidade natal, Rovereto, levou Gentili consigo para aprofundar seu sistema filosófico.

Todos os três missionários deveriam se reunir em Prior Park, prontos para começar o ano letivo de 1835.

Neste ponto da história, é importante mencionar a relação entre Rosmini e o Papa Gregório XVI. Rosmini, em sua primeira visita a Roma em 1823, conheceu o Padre Mauro Capellari, e ambos se tornaram bons amigos. Rosmini havia solicitado conselhos e direção sobre a fundação do novo instituto, e Capellari o apoiou e encorajou. Além disso, Capellari apreciava o talento filosófico do jovem padre. Essa troca de ideias e o apoio permaneceram sólidos e cordiais quando o padre se tornou cardeal e, finalmente, foi eleito papa, adotando o nome de Gregório XVI. Rosmini desejava que seu Instituto permanecesse sempre fiel e vinculado à Santa Sé. Assim, no momento em que a missão inglesa parecia se tornar uma realidade, ele buscou primeiro a aprovação do Papa, que lhe enviou um Breve (dezembro de 1834) no qual indicava que deixava "à sua prudência aceitar ou não a missão proposta por Monsenhor Baines". Uma vez decidido, Rosmini enviou Gentili e seus dois confrades a Roma para receberem a bênção pessoal do Papa. O Papa recebeu os peregrinos calorosamente em 15 de maio: informou-os de que havia apenas dezesseis padres em Londres, apesar de uma população católica tão grande quanto a de Roma. Assim, os encorajou: "Que o Senhor lhes abra um amplo campo. Apeguem-se a princípios sadios e ensinem a doutrina sã. Que Deus os abençoe, ajude e faça prosperar." Uma semana depois, os viajantes deixaram a Cidade Eterna para pegar o barco em Gênova, mas antes da partida, o Papa subiu a bordo para abençoá-los mais uma vez. Eles viajaram via Paris, onde Gentili, a pedido de Rosmini, fez uma visita de cortesia ao filósofo Victor Cousin.

Chegaram a Londres no dia 16 de junho de 1835. Sua primeira impressão foi sombria e melancólica. Gentili escreveu a Rosmini: "Parecia que estávamos entrando na cidade de Plutão: casas escuras, barcos negros, marinheiros sujos, tudo coberto de sujeira. As águas do Tâmisa eram de uma cor amarelada e exalavam um fedor muito agressivo. Em terra, tudo era ruído e confusão: cavalos, carroças, homens de todas as classes, que corriam e se cruzavam - em resumo, o diabo estava lá, entronizado, exercendo seu domínio tirânico sobre os miseráveis mortais."

9 - Prior Park.

Assim, no outono de 1835, os três missionários começaram a ensinar no colégio de Prior Park: Gentili ensinava filosofia e italiano, Rey teologia e Belisy francês. Mas desde o início, as coisas não foram bem. Além das dificuldades de adaptação aos costumes e ao modo de vida dos ingleses, sem mencionar o estado precário da religião católica (de acordo com a opinião de Gentili), eles precisavam combater as peculiaridades e a dominação de Monsenhor Baines, assim como o mau tempo inglês! Baines começou a exercer certa autoridade sobre a pequena comunidade religiosa, que ameaçava sua independência de ação. Além disso, faltava aos três religiosos essa união de espírito tão desejada e recomendada por Rosmini. Uma das queixas era que Gentili só permitia que os outros se barbeassem duas vezes por semana! Rosmini os encorajava constantemente e os aconselhava de acordo com o espírito de sua vocação. Contudo, apesar dessas dificuldades e das reclamações contra os "costumes romanos" introduzidos por Gentili na prática da religião, o empreendimento prosperava, e o bispo estava tão satisfeito que nomeou Gentili Presidente do Colégio.

No entanto, o comportamento do bispo afastou alguns dos professores, e para substituí-los, ele solicitou a ajuda do Instituto da Caridade. Assim, Rosmini enviou generosamente mais cinco membros da jovem ordem: um desses homens chamava-se Giovanni Batista Pagani, sacerdote e ex-diretor espiritual no seminário de Novara. Infelizmente, Antoine Rey não conseguiu superar suas dificuldades pessoais e, posteriormente, deixou a ordem, embora continuasse a ensinar no colégio. Contudo, os distúrbios e dificuldades envolvendo Monsenhor Baines aumentavam. Além disso, ele intervinha na disciplina. Mas a maior dificuldade para o pobre bispo era que um dos monges que o acompanhavam no mosteiro havia entrado na ordem de Rosmini. Baines temia que todo o pessoal se tornasse rosminiano e decidiu enviar Gentili para outro lugar! Pagani então se tornou o superior da comunidade em Prior Park.

10 - Loughborough, Grâce à Dieu e Ratcliffe.

Mas a Providência não descansava. Pois foi nesse momento que Ambrose Delisle reiterou seu pedido a Rosmini para acolher Gentili, a fim de que este cumprisse missões nas proximidades de Grâce à Dieu, em Leicestershire. Gentili chegou a Grâce à Dieu em junho de 1840. Agora, ele estava em posição de iniciar um trabalho que traria muitos benefícios à Igreja católica na Inglaterra. E em poucos anos, de fato, ele converteu à Fé centenas de pessoas em Leicestershire. Passava o dia inteiro visitando as aldeias ao redor de Grâce à Dieu, pregando corajosamente a palavra de Deus a um povo protestante ou quase sem religião. Naturalmente, seus esforços geraram uma oposição acirrada: nas ruas, lançavam-lhe imundícies, barro, queimavam sua efígie... Mas ele, sem interrupções, continuava seu apostolado de evangelização. No mesmo ano, Delisle entregou a Rosmini a primeira paróquia rosminiana na Inglaterra, na pequena cidade de Loughborough, não longe do casarão de Grâce à Dieu, e pela primeira vez (1841) a ordem possuía uma casa estável no país.

Rosmini sempre desejou que o Instituto fundasse um noviciado na Inglaterra. Inicialmente, um noviciado foi estabelecido na casa paroquial de Loughborough, mas era muito pequena. Dom Luigi, ou "Doctor Gentili" (como os ingleses o chamavam) buscava um lugar mais adequado onde fosse possível construir um noviciado. Finalmente, ele conseguiu comprar (secretamente, é claro, por medo dos vizinhos protestantes) um terreno situado a 10 quilômetros de Loughborough, bem perto da aldeia de Ratcliffe, e ali foi edificado o noviciado. Além disso, Gentili queria abrir um colégio para meninos e pensava em construir um edifício suficientemente grande para as duas funções. Rosmini aprovou. Assim, o noviciado começou em 1844 e, quatro anos depois, os primeiros alunos do Ratcliffe College se estabeleceram. Pode-se realmente dizer que a missão rosminiana na Inglaterra agora estava bem enraizada.

No entanto, em Prior Park, os relacionamentos entre os rosminiados e o bispo continuavam a se deteriorar. Após alguns desentendimentos com Baines (três ingleses haviam ingressado no Instituto), Pagani e outros dois rosminiados deixaram o colégio para se fixar em Loughborough. Os rosminiados que permaneceram em Prior Park também não conseguiam encontrar paz e harmonia: Baines havia começado a usar alguns deles fora do colégio. Finalmente, em 1842, o Instituto deixou Prior Park, o primeiro estágio do trabalho rosminiano na Grã-Bretanha.

11 - As missões nas paróquias.

Os trabalhos apostólicos e zelosos de Luigi Gentili produziram grandes frutos nas proximidades de Grâce à Dieu. Como mencionei anteriormente, centenas de protestantes se converteram à Igreja Católica. Assim, sua reputação e influência começaram a se espalhar por todo o reino. Seu modo de vida ascético e sua total aplicação do Evangelho causaram uma grande impressão. As solicitações para seu ministério se multiplicavam. O resultado foi que ele e outro rosminiano inglês iniciaram, em 1843, um novo ministério, o de pregar missões nas paróquias. Até então, essa forma de ministério não era conhecida na Inglaterra. Também pediram a Dom Luigi para pregar exercícios espirituais ao clero. Ele passava muito tempo abordando questões confessionais; introduziu novas devoções, especialmente o culto da Mãe de Deus no mês de maio; se dedicava totalmente o dia inteiro, comendo e dormindo pouco. Os fiéis vinham em grande número às missões para ouvir esse orador italiano. Em 1848, seu ministério foi solicitado na Irlanda, mas durante uma missão em um bairro pobre de Dublin, ele contraiu tifo e morreu em 26 de setembro. Dom Luigi Gentili foi a primeira oferta da missão inglesa.

12 - As irmãs da Providência (rosminianas).

É preciso mencionar, mesmo em um relato muito breve como este, a outra ramificação da família rosminiana, as irmãs da Providência, irmãs rosminianas. Depois que o Instituto se estabeleceu em Loughborough, em 1843, Rosmini enviou três irmãs italianas para fundar uma escola. Essa empreitada foi bem-sucedida e jovens garotas inglesas se juntaram posteriormente à congregação, que continuou a crescer e promover obras de caridade.

13 - Conclusão

Antonio Rosmini, seguindo as orientações da Providência e confiando completamente em Deus, lançou a missão na Inglaterra na época da Segunda Primavera, e a dirigiu pessoalmente, prudentemente e corajosamente, por meio de uma intensa correspondência, sem nunca colocar os pés em solo inglês. Essa grande empresa que ele pôs em marcha por meio dos missionários italianos e franceses e das irmãs, hoje se identifica completamente com a Igreja católica inglesa (e galesa!). O colégio de Ratcliffe ainda existe, um colégio coeducacional do qual os alunos vêm de Hong Kong, Singapura, Níger, Espanha e até da França. A mansão de Ambrose Delisle tornou-se a escola preparatória de Ratcliffe. A paróquia de Loughborough permanece sempre sob o ministério dos filhos espirituais de Rosmini. E me agrada pensar que, em 1985, durante a celebração do centésimo quinquagésimo aniversário da missão rosminiana, na catedral de Canterbury (um local muito histórico para a religião cristã na Inglaterra), estavam presentes em espírito Antonio Rosmini, Luigi Gentili, Giovanni Batista Pagani e muitos outros homens e mulheres rosminiados que trabalharam com dedicação na vinha do Senhor.

Letters, vol. 3, p. 589

A biografia de Rosmini foi traduzida para o francês no final do século XIX pelas Edições Perrin.

Giorni Antichi, vol. 3, p. 14.


[36] http://www.philosophiedudroit.org/watson,%20mission%20anglaise.htm

Anexo 6 - Um filósofo italiano do século XIX – Obras de Rosmini traduzidas para o francês

Documento do site da Biblioteca de Filosofia Comparada e do Centro Francês de Estudos Rosminianos[37]:

http://www.philosophiedudroit.org/

ANTONIO ROSMINI

Um filósofo italiano do século XIX

Nascido em 1797 em uma família aristocrática em Rovereto, província italiana do Trentino, então sob ocupação austríaca, Antonio Rosmini estuda filosofia e teologia na universidade de Pádua. Ordenado sacerdote em 1821, estabelece-se no Piemonte em 1829, em Domodossola, onde funda uma ordem religiosa, o Instituto da Caridade.

Mas a Itália é abalada pelo grande movimento de restauração nacional, alimentado por influências diversas e eventos às vezes contraditórios, o Risorgimento. Rosmini será frequentemente chamado a participar dele, apesar de si mesmo. Cheio de modéstia, ele paga muito caro por suas tentativas diplomáticas junto ao Santo Sé, a fim de negociar, para o Reino do Piemonte, uma confederação dos estados italianos. Durante os violentos confrontos romanos de 1848, acompanha Pio IX em sua fuga para Gaeta, mas lá se depara com a hostilidade do círculo do papa e retorna ao Piemonte, em Stresa, onde continuará até o fim de sua vida (1855) sua obra apostólica e filosófica.

Pois Rosmini é, acima de tudo, um filósofo com uma obra surpreendentemente abundante: toda a sua vida foi dedicada a uma intensa reflexão e sua produção é extremamente rica, incluindo nos domínios mais específicos, como a filosofia moral, jurídica e política, a lógica e as matemáticas, a economia, a medicina, as artes e a literatura (sua amizade por Manzoni o mergulha nas agitações linguísticas e poéticas da Itália nascente). Tanto percurso a serviço da inteligência metafísica, conduzida em suas aplicações mais concretas, em uma época conturbada onde a filosofia nunca deixou de ser atacada e na qual ele se preocupa em restituí-la ao mesmo tempo em uma perspectiva cristã. Com uma reflexão sutil e rigorosa, Rosmini eleva-se acima dos conflitos pós-revolucionários gerados pela hegemonia do racionalismo positivista, para redefinir o valor ontológico da concepção clássica do saber. Longe de todo ecletismo, Rosmini rejeita com força as teorias empiristas e se empenha em integrar as filosofias de seu tempo, como o idealismo alemão de Kant a Hegel, mas superando-as, dentro de uma concepção dinâmica das formas dialéticas do ser.

Retomando Platão e S. Agostinho, atendo-se ao método universalista de S. Tomás de Aquino, ele consegue, portanto, sintetizar na philosophia perennis elementos de uma nova filosofia, continuando assim um movimento filosófico interrompido após a crise nominalista medieval e prefigurando amplamente a fenomenologia, as filosofias da vida e da existência.

Finalmente, Rosmini, fundador de ordem, deve ser também inscrito na linhagem dos grandes espirituais. Sua obra aqui é igualmente considerável, desde as Constituições de sua ordem até os exercícios espirituais. Além disso, Rosmini se mostra incansável em sua correspondência, não deixando nenhuma carta sem resposta, com 8.319 reunidas em 13 volumes! Adicionemos os diários onde Rosmini narra memórias marcantes de uma existência voltada para o que ele denomina caridade intelectual.

A obra de Rosmini conta com cerca de 120 volumes, dos quais muitos ainda estão por editar, e muito poucos foram traduzidos para o francês. E, no entanto, não foi ele eleito por unanimidade, em 1843, para a Academia de Ciências Morais e Políticas, a pedido de Victor Cousin, e traduzido pela livraria acadêmica Perrin?

É difícil resumir essa produção intensa. Aqui nos referiremos aos livros em língua francesa:

Obras sobre Rosmini:

Contribuições diversas, ver a bibliografia dada por J.-M. T. em sua tradução da Introdução à filosofia de Rosmini, p. 27 ss.

Tradução das obras de Rosmini:

Traduções mais antigas:

Outras traduções, ver a bibliografia dada por J.-M. T. em sua tradução da Introdução à filosofia de Rosmini, p. 26.

Para as obras na língua original e em inglês, assim como os diferentes sites, cf. nossos links.


[37] http://www.philosophiedudroit.org/antonio%20rosmini.htm

Anexo 7 - Entrevista do ‘cardeal’ durante a beatificação de Rosmini (texto em inglês) pelo jornal modernista conciliar ‘Trente Jours’ – N°9 – Ano XXV – Setembro de 2007

Um grande cristão[38]

Entrevista do cardeal José Saraiva Martins, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos:

«O homem que está sendo beatificado é uma personalidade sacerdotal límpida, que se ofereceu por inteiro a Jesus e à sua Igreja, que sofreu por isso, uma personalidade que foi um guia e um conforto para muitos cristãos que vieram depois dele»

Entrevista do cardeal José Saraiva Martins por Gianni Cardinale

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A igreja São Marco em Rovereto, onde Rosmini foi batizado em 25 de março de 1797; de 1834 a 1835, Rosmini foi o pároco dessa mesma igreja, onde proferiu, em setembro de 1823, o Panegírico à santa e gloriosa memória de Pio VII

«Estou realmente contente que Antonio Rosmini seja finalmente elevado à glória dos altares. Estou feliz pela Igreja e, se posso me permitir, por mim pessoalmente. Desde a época em que eu era professor na Universidade Pontifícia Urbaniana, sempre citei com prazer os escritos iluminadores desse grande pensador, lúcido e profético». O cardeal José Saraiva Martins já está preparando com grande cuidado a homilia que pronunciará em novembro próximo em Novara, quando presidirá à celebração na qual o grande filho de Rovereto tomará seu lugar na lista dos bem-aventurados. Ele não oculta sua satisfação por finalmente chegarmos a este importante encontro eclesial, ainda que isso não aconteça todos os dias, de fato, que um eclesiástico cujas certas propostas foram formalmente condenadas pelo Santo Ofício seja objeto de uma reabilitação tão completa.

Eminência, por que você parece tão feliz por poder presidir a beatificação de Rosmini?

JOSÉ SARAIVA MARTINS: Porque se trata de uma personalidade sacerdotal límpida, que se ofereceu por inteiro a Jesus e à sua Igreja, que sofreu por isso, uma personalidade que foi um guia e um conforto para muitos cristãos que vieram depois dele. Cristãos que pertencem ao meio intelectual, porque Rosmini era um grande pensador, mas também simples fiéis, que foram tocados pelo testemunho dos religiosos e religiosas das congregações fundadas pelo padre de Rovereto. Rosmini é realmente um cristão que viveu da maneira mais elevada as virtudes humanas e cristãs.

E, no entanto, para Rosmini, não foi fácil obter que essas virtudes fossem reconhecidas...

SARAIVA MARTINS: De fato, a causa de beatificação – imagino que é a isso que você se refere – foi particularmente complexa, por muitas razões.

Por razões doutrinárias, antes de tudo.

SARAIVA MARTINS: De fato, os escritos de Rosmini foram alvo de críticas por parte de outros eclesiásticos, críticas que culminaram com o decreto Post obitum, emitido pelo Santo Ofício da época, no qual foram condenadas quarenta propostas extraídas de suas obras. Mas tratava-se de uma condenação póstuma, que ocorreu após sua morte – como bem diz o termo post obitum –. Rosmini não pôde, portanto, se defender; e, além disso, tratava-se de propostas extrapoladas de seu contexto e, portanto, interpretadas de maneira arbitrária.

Os jesuítas estavam entre os “inimigos” históricos de Rosmini...

SARAIVA MARTINS: Trata-se de algumas figuras da Companhia de Jesus da época. Mas os jesuítas já mudaram de opinião há muito tempo. O atual prepósito geral, Kolvenbach, escreveu um artigo na revista Filosofia oggi (f. IV/1997) no qual antecipa Rosmini como um profeta do terceiro milênio. Nesse artigo, Kolvenbach escreve: «Durante sua vida, alguns jesuítas, e para ser sincero, “não os melhores”, publicaram libelos contra ele... é oportuno lembrar que esses jesuítas, que haviam infringido a regra da obediência, foram desaprovados pelo prepósito geral, o reverendo padre Jan Roothaan». E, há vários anos, a Civiltà Cattolica chegou a abrir suas colunas a um artigo “reparador” do falecido bispo rosminiano Clemente Riva, o que é bastante raro, já que essa revista bimestral publica exclusivamente artigos assinados por padres jesuítas.

O padre Cornelio Fabro, crítico não arrependido de Rosmini, escreveu que a evolução do julgamento dos jesuítas se deve a um «complexo de culpa excessivo».

SARAIVA MARTINS: É verdade que o falecido padre Fabro manteve seu julgamento negativo sobre Rosmini, um julgamento respeitável, mas agora mais do que minoritário.

A verdade é que, de qualquer forma, no final, o decreto Post obitum foi revogado.

SARAIVA MARTINS: De fato, a Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida pelo cardeal Ratzinger, reconsiderou a questão rosminiana e acabou estabelecendo que, apesar do decreto Post obitum, nada impedia a beatificação do religioso.

A causa de Rosmini também sofreu de um aspecto político, devido ao seu ativismo em favor de uma unidade política da Itália e à sua aversão, aliás compartilhada, à dominação austríaca...

SARAIVA MARTINS: As ideias e opiniões políticas não são, em si, determinantes para a beatificação. O fato é que a Igreja já elevou à glória dos altares o papa Pio IX que, após inicialmente compartilhar, precisamente no campo político, as ideias de Rosmini, distanciou-se posteriormente. O que podemos dizer é que, a partir de então, a história tomou um rumo que Rosmini mesmo havia, de certa forma, imaginado.

Na Positio apresentada pelo padre Papa, menciona-se alguns testemunhos que poderiam sugerir várias tentativas de envenenamento de Rosmini, mas faltam provas certas a esse respeito. Não é surpreendente, no entanto, que o padre possa ter sido alvo de tentativas de eliminação física.

A relação de Rosmini com Pio IX é um aspecto importante de sua vida. Em um primeiro momento, parece que o papa queria criá-lo cardeal, mas depois a relação teve que ser rompida...

SARAIVA MARTINS: Existem, de fato, testemunhos segundo os quais Pio IX tinha Rosmini em grande estima, querendo criá-lo cardeal e até mesmo nomeá-lo seu secretário de Estado. Mas as turbulências políticas e a criação da República Romana de 1849 sepultaram essa hipótese. Como algumas fontes históricas destacam, as inimizades e antipatias de certos cardeais mais próximos da Áustria, começando pelo influente Giacomo Antonelli, não favoreceram Rosmini.

De forma mais geral, qual foi a atitude dos diferentes pontífices em relação à personalidade de Rosmini?

SARAIVA MARTINS: Em geral, de grande estima. A Positio citou muitos documentos e testemunhos a esse respeito; permito-me mencionar particularmente as palavras proferidas na época por Paulo VI em diferentes discursos e o fato de que João Paulo II o tenha citado positivamente na encíclica Fides et ratio. E, além disso, a relação com João Paulo I foi singular.

Ou seja?

SARAIVA MARTINS: O servo de Deus Albino Luciani, quando era jovem padre, escreveu uma tese muito crítica sobre Rosmini e foi um jovem rosminiano, Clemente Riva, que se tornou depois auxiliar de Roma, quem lhe respondeu. Em 1978, quando Luciani se tornou papa, ele quis encontrar-se com o cardeal vigário e seus auxiliares. Quando chegou a vez de Riva, João Paulo I disse a Poletti: «Ele, eu o conheço...». Mas ele fez isso com um grande sorriso. Assim, Dom Riva – ele mesmo conta – que tinha uma certa apreensão sobre esse encontro, se sentiu muito aliviado. É importante acrescentar que existem testemunhos dignos de fé segundo os quais João Paulo I expressou o desejo de reabilitar pessoalmente Rosmini.

A obra mais famosa de Rosmini é certamente Delle cinque piaghe della santa Chiesa [Das cinco chagas da santa Igreja, nota do tradutor]. Colocada no Índice, ela foi plenamente reabilitada antes mesmo de que o Índice dos livros proibidos fosse abolido...

SARAIVA MARTINS: Trata-se em certos aspectos de um livro profético, antecipador, talvez até demais para a sua época. Contudo, o destino dos profetas, na Bíblia, mas também, infelizmente, na história da Igreja, é frequentemente ser mal interpretado e perseguido.

Uma das cinco chagas apontadas por Rosmini é a das nomeações episcopais...

SARAIVA MARTINS: A questão das nomeações episcopais é sempre um ponto extremamente delicado na vida da Igreja. Eu percebo isso especialmente porque sou membro da Congregação para os Bispos há anos. Rosmini queria erradicar a influência, já prejudicial, que os poderes mundanos exerciam na escolha dos pastores e ele propôs, para isso, o retorno à antiga prática segundo a qual os bispos eram escolhidos pelo clero e pelo povo.

É realmente possível voltar a essa prática?

SARAIVA MARTINS: Não sendo de direito divino, as normas segundo as quais se escolhem os bispos são sempre aperfeiçoáveis. Mas o envolvimento direto, quase eletivo, dos fiéis leigos na escolha de um bispo seria impensável hoje. Basta pensar, entre outras coisas, no papel que os meios de comunicação social poderiam desempenhar nesse sentido. A televisão não existia na época de Rosmini...

Outra das chagas apontadas por Rosmini é a que diz respeito à liturgia...

SARAIVA MARTINS: Rosmini compreendia o drama de uma liturgia que não era mais compreendida pelo povo e, muitas vezes, nem mesmo pelos próprios celebrantes. Aqui também, suas intuições anteciparam o movimento de renovação litúrgica e as exigências expressas na Constituição Sacrosanctum Concilium do Concílio Vaticano II.

Permita-me uma pergunta que pode parecer um tanto impromptu. Qual seria a atitude que Rosmini teria hoje em relação ao motu proprio Summorum Pontificum?

SARAIVA MARTINS: Não se faz história com "se". Mas não acredito que, se Rosmini vivesse hoje, ele se opusesse ao motu proprio em questão, nem que fosse porque ele tinha um elevado senso de liberdade e teria apreciado muito o gesto do papa que concede aos fiéis que o pedem a liberdade de poder assistir ao que foi, de qualquer forma, a liturgia oficial da Igreja por séculos. Além disso, é necessário levar em conta o fato de que Rosmini desejava que o clero e o povo pudessem compreender e amar a liturgia, e afirmava assim a necessidade de aprofundar o estudo da liturgia e não apenas – como alguns acreditam – traduzi-la para a língua corrente.

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Vista panorâmica da localidade do Monte Calvário de Domodossola.

Quais são os outros aspectos do Vaticano II que Rosmini antecipou?

SARAIVA MARTINS: Um dos aspectos precoces do Concílio que Rosmini certamente percebeu foi o da liberdade religiosa. Sobre essa questão, Rosmini realmente foi um antecipador incompreendido. A declaração Dignitatis Humanæ lhe deve muito.

Quando Rosmini morreu, ele tinha sessenta anos. É verdade que se falou em envenenamento?

SARAIVA MARTINS: De fato, na Positio apresentada pelo padre Papa, alude-se a certos testemunhos que sugerem várias tentativas de envenenamento de Rosmini, mas faltam provas certas a esse respeito. Não é surpreendente, no entanto, que o padre pudesse ter sido alvo de tentativas de eliminação física: ele era uma personalidade incômoda, especialmente para alguns centros de poder político.

O postulador da causa de Rosmini revelou que o custo da causa em si e da cerimônia de beatificação é bastante elevado. Perdoe minha formulação um pouco irreverente: custa muito caro se tornar santo?

SARAIVA MARTINS: Não existe uma tabela de preços para se tornar beato ou santo. Certamente, todo processo inevitavelmente custa dinheiro: para papel, para impressão, para os justos honorários dos especialistas leigos e eclesiásticos e para os postuladores e seus colaboradores. Devo, no entanto, acrescentar que existem fundos dos quais se pode recorrer para as causas que se pode chamar de “necessitadas”.


[38] http://www.30giorni.it/fr/articolo.asp?id=15816

Anexo 8 - Rosmini, profeta da liberdade religiosa do Vaticano II - pelo jornal modernista conciliar Trente Jours - Nº 9 - Ano XXV - Setembro de 2007

O profeta da liberdade católica[39]

Ele dialogou com os grandes de sua época; lutou a batalha desse catolicismo liberal que acabaria por vencer a guerra na democracia ocidental típica da segunda metade do século XX; escreveu milhares de páginas de filosofia. Mas nada disso o teria salvo do esquecimento geral se os rosminianos não estivessem lá.

por Giuseppe De Rita

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A folha de rosto do ensaio Delle cinque piaghe della santa Chiesa, a obra publicada pela primeira vez por Rosmini em 1846 e que seria incluída no Index em junho de 1849

É um mestre que, sem seus discípulos, não teria escapado ao ostracismo cultural e eclesial. É aí que reside o misterioso mecanismo que levou, após um século e meio, à decisão da Igreja de beatificar Antonio Rosmini.

Este dialogou ao longo da vida com os grandes de sua época, de Carlos Alberto da Sardenha a Pio IX e a Manzoni; travou vigorosamente a batalha desse catolicismo liberal que acabaria por vencer a guerra na democracia ocidental típica da segunda metade do século XX; e, sobretudo, escreveu milhares de páginas de filosofia, cultura religiosa e reflexão social. Mas nenhum desses três aspectos (a amizade com os grandes, o fato de ter profetizado “a liberdade católica” e o de ter escrito milhares de páginas) jamais teria salvo Rosmini do esquecimento e do ostracismo. Seus inimigos eram numerosos, especialmente entre os membros da Igreja; seu pensamento era e é difícil de entender; muitos entre os professores e clérigos preferiram julgá-lo “inteligente demais” para as pobres mentes dos fiéis. E, além disso, o santo Ofício o havia punido, e isso forneceu um álibi a todos.
Se escapou ao esquecimento generalizado, deve-o essencialmente aos rosminianos, aos seus discípulos do Instituto da Caridade que ele fundou, tenazmente fiéis à sua pertença à Igreja, contra todos os ostracismos. São os rosminianos que, com suas escolas, formaram dezenas de milhares de jovens segundo uma filosofia de tipo personalista e liberal, implicitamente oposta à pedagogia estatal totalizante ou à pedagogia jesuítica militante (à qual devo, aliás, a minha maneira de raciocinar). São os rosminianos que, com constância, mas sem ostentação pública, continuaram durante décadas a levantar a questão da qualidade estrutural da Igreja, resgatando Le cinque piaghe [As cinco chagas da santa Igreja, obra de Antonio Rosmini, ndr] e, sobretudo, propondo a primazia espiritual da liberdade da Igreja em relação ao poder temporal. São os rosminianos que optaram por dialogar com essa parte da elite cultural italiana que, durante décadas, cultivou o espírito democrático, o sentido de convivência coletiva, o entusiasmo diário pela caridade espiritual ao longo dos anos; posso testemunhar ao prestígio “elitista” que cercava o pai Bozzetti nos anos do pós-guerra, e muitos podem atestar a forte influência exercida por Clemente Riva sobre grande parte da classe dirigente italiana de hoje.

Portanto, são os rosminianos, tenazmente convencidos de estarem em seu direito mesmo nas épocas de maior frustração, que salvaram Rosmini de um possível esquecimento (e mesmo desejado e provocado por muitas pessoas). Honra, portanto, aos rosminianos. Mas honra também a seu fundador, se é verdade que os líderes se reconhecem por seus discípulos: afinal, é a profundidade de seu pensamento (inesgotável para aqueles que o frequentaram) que deu tal força à vontade dos rosminianos de testemunharem. Como dizia Buber, "É a raiz que sustenta".

É difícil fazer uma escolha de importância relativa entre os componentes dessa “raiz”, mas para o “afiliado diletante” que sou, parece que Rosmini e os rosminianos estiveram certos em quatro grandes temas: primeiro, ao insistir neles e depois ao fazê-los entrar na consciência coletiva, sem se colocar em destaque ou tocar tambores midiáticos.

O primeiro é o da liberdade religiosa. Após o Concílio Vaticano II, isso parece uma evidência. Mas pensemos na época de Rosmini, quando ainda existiam o Estado Pontifício e o Soberano Pontífice e que ninguém se escandalizava porque estava escrito no Estatuto Albertino que o catolicismo era “religião de Estado”. O único que reagiu duramente foi Rosmini, que escreveu: «A religião católica não precisa de proteções dinásticas, mas de liberdade. Ela precisa que sua liberdade seja protegida, e nada mais». A Igreja, sendo uma sociedade natural e espontânea, não se condensa no poder, mas filtra e penetra em toda parte como o ar e a água; e só precisa não ser impedida. A fé entra nos corações sem passar pelos poderes do alto. Raros são aqueles que, ao longo das décadas marcadas pelo Concílio Vaticano I, tiveram a coragem de fazer afirmações desse tipo.

O segundo grande tema rosminiano foi a liberdade do papado em relação ao seu poder temporal. Já mencionei em outro contexto uma carta de Rosmini ao cardeal Castracane em 1848, na qual ele escrevia: «Se a unidade federativa da Itália ocorrer, o Soberano Pontífice permanecerá um príncipe totalmente pacífico e enviará núncios para os assuntos espirituais; e os enviará, além disso, não para os príncipes, mas para as Igrejas do mundo». Ele estava certo e os fatos lhe deram razão, pois hoje correspondem à sua opção. Ora, essa opção, repito, remonta a 1848, ou seja, mais de vinte anos antes da unificação nacional de 1870.

Os dois temas mencionados até aqui (liberdade religiosa e distanciamento do poder temporal) estão subterraneamente ligados a outro grande tema rosminiano: a recusa da dominação do poder político, a grande escolha que fez de Rosmini o paladino italiano do catolicismo liberal, e – a menos que alguns se sintam incomodados com esse termo – do catolicismo democrático. Sempre apreciei muito sua recusa à “senhoria que não cria sociedade, mas dominação e servidão”, porque também associo essa frase a outra que destaca que “a construção da sociedade é um conjunto de atos e uma pluralidade de pessoas”, na qual percebemos o início da temática do pluralismo cultural e político e deste “desenvolvimento do povo” que caracterizou a democracia italiana das últimas décadas.

O primeiro tema é o da liberdade religiosa. Após o Concílio Vaticano II, isso parece uma evidência. Mas pensemos na época de Rosmini, quando ainda existiam o Estado Pontifício e o Soberano Pontífice e que ninguém se escandalizava porque estava escrito no Estatuto Albertino que o catolicismo era “religião de Estado”.

Portanto, eu associo espontaneamente e naturalmente essa fé no desenvolvimento operado por uma pluralidade de pessoas a outra consideração, segundo a qual uma sociedade composta por tantos sujeitos não pode crescer e não pode explorar serenamente todas as suas possibilidades apenas se respeitar e fizer respeitar todos os direitos, e o livre uso de todos os direitos. O liberalismo de Rosmini, que lhe trouxe tantos problemas, a ele e à sua congregação, não é outra coisa: a sociedade deve ser construída de tal forma que cada um possa ter o livre uso de seus próprios direitos. Esse é o bem comum que transparece de sua complexa reflexão sociopolítica: a centralidade do sujeito, enquanto permanecendo fechada sobre si mesma, é privada de vitalidade, tornando-se vital apenas quando entra em relação com os outros e “conspira com os outros para a criação de uma sociedade que tenha como fim comum o livre uso dos direitos”.

Podemos imaginar, neste ponto, quanto eu gostaria de continuar nas vias abertas por essas temáticas: o valor da subjetividade individual como grande motor social, quando não se deixa levar pelo subjetivismo ético; o valor da relação como percurso de vidas que não se encerram na autocensura, seja em termos de narcisismo e/ou depressão; o valor da relação com os outros, com “o outro de você” como a verdadeira rota que permite chegar ao Outro absoluto. Mas esses caminhos seriam longos demais, obrigariam a entrar em questões e disputas que animam o debate filosófico e sociológico de nossa época. Portanto, obrigo-me a evitá-los porque quero permanecer fiel à intenção com a qual comecei a escrever: a de demonstrar que Rosmini foi certamente um grande homem, mas que teve a sorte de que seus rosminianos defenderam suas ideias (a liberdade religiosa, o fim do poder temporal, a opção pelo pluralismo democrático, a fé em um desenvolvimento multisujeitos) durante décadas, desenvolvendo-as, acompanhando-as ao longo do tempo e fazendo delas não mais questões de uma minoria reprovada, mas de uma ala combativa da Igreja em sua evolução histórica nos últimos cento e sessenta anos. Foram humildemente fiéis à Igreja e a seu fundador e profeta; merecem todos, mesmo aqueles que já partiram, considerar o fato de terem chegado a esta beatificação como sua vitória pessoal.


[39] http://www.30giorni.it/fr/articolo.asp?id=15818

Anexo 9 - Antonio Rosmini: um sacerdote filósofo nos altares - pela revista modernista conciliar ‘Liberté politique’ – Novembro de 2007

Antonio Rosmini: um sacerdote filósofo nos altares[40]

Bertrand de Belval

No dia 18 de novembro, o filósofo italiano Antonio Rosmini (1797-1855) será beatificado em Novara (Itália). Ou seja, um desconhecido para o público francês. Afinal, quem conhece esse intelectual brilhante, cuja obra é a de um precursor e cuja vida, marcada pela busca da verdade e da liberdade política, foi inteira a expressão da caridade?

Rosmini não é uma figura irrelevante. Marie-Catherine Bergey-Trigeaud, sua biógrafa francesa, o apresenta como “o mais importante filósofo italiano e um dos principais mestres da história da filosofia católica”. Chaix-Ruy o considerava “um dos maiores espíritos de todos os tempos”. Na sua encíclica Fides et Ratio (n. 74), João Paulo II fala dele como um mestre. Bento XVI o cita frequentemente. E João XXIII fez de um de seus livros, Maximes de perfection chrétienne, sua leitura de cabeceira durante o Concílio Vaticano II. Para os italianos esclarecidos, Rosmini é indispensável...

A beatificação de Rosmini é, acima de tudo, a de um sacerdote filósofo a serviço da Igreja, um observador exigente que, em seu tempo, denunciou as falhas (especialmente do clero) (cf. sua obra Les Cinq Plaies de l’Église). Era para amá-la melhor, para proclamar melhor sua Santidade, convidando seus servos a estarem mais próximos dela. Mas, como veremos, Rosmini era, antes de tudo, um espírito universal, sempre alerta. Ele foi um verdadeiro filósofo, buscando abranger tudo. Liberal, seu engajamento o levou a servir a causa da unidade italiana e do rei Carlos Alberto (a Itália estava então sob domínio austríaco).

Se sua abordagem o aproximava de Deus, ela passava necessariamente pelo homem ou pela pessoa. É isso que torna sua atualidade extraordinária: como advogado de Deus, ele pleiteou pela pessoa humana e sua liberdade, sinal e caminho do Criador. Como filósofo, interpretou as palavras de Cristo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Para ele, cada “ovelha” é única. Rosmini era, em essência, um contemplativo ativo: de uma fé fervente e de uma ação transbordante, para sempre melhor penetrar o rosto de Cristo no coração de cada pessoa.

Um filósofo injustamente desconhecido

Portanto, sua ocultação parece ainda mais injusta. Na verdade, isso não foi sempre assim. Os espíritos superiores, em nosso país, perceberam sua potência. Em seu curso de Filosofia do Direito, Boistel, no final do século XIX em Paris, falava de Rosmini nestes termos: “Eu já conhecia esse eminente filósofo e, sem compartilhar todas as suas doutrinas, admirava a potência de concepção, a vigorosa argumentação e a riqueza de argumentação que caracterizam suas obras, notadamente seu tratado fundamental, Nouvel Essai sur l’Origine des idées”. Podemos mencionar também, em Lyon, o Monsenhor Régis Jolivet, que frequentemente mencionou Rosmini em seus escritos e até lhe dedicou uma notável introdução em sua Antologia filosófica. Mas é forçoso constatar que esses pensadores também caíram no esquecimento e não conseguiram estabelecer o pensamento rosminiano no panorama intelectual francês.

Por isso, deve-se esperar que a beatificação de Rosmini tire o filósofo de uma confidencialidade totalmente injustificada. A esse respeito, é importante destacar o trabalho salutar e muito importante do professor Jean-Marc Trigeaud (Bordeaux) e de sua esposa Marie-Catherine Bergey que, há muitos anos, na aridez do deserto francês, se dedicam a reabilitar Rosmini, por meio de publicações, traduções e um centro francês de estudos rosminienses.

Em 2000, devemos a Mme Bergey a primeira biografia de Rosmini, La Robe pourpre, vie d’Antonio Rosmini (Ed. Bière). A leitura dessa rica biografia perfeitamente controlada é um pré-requisito para descobrir um pensamento que não é uma construção intelectual dissociada de sua vida concreta. O que dá força a Rosmini é fundamentalmente a participação de sua vida em sua obra, a encarnação de seu pensamento. Rosmini fez corpo com sua obra. Não se pode compreender seu pensamento sem conhecer sua vida.

Uma vida atormentada

Muito brevemente, lembramos que Rosmini esteve envolvido em eventos, às vezes muito violentos, que conduziram à unidade italiana. Ele estava próximo dos papas, a quem aconselhou. Fundador de uma congregação religiosa (o Instituto da Caridade), ele tinha relações com Lamennais, Cousin, na França. Admirador de Tocqueville, ele chegou até a ser membro da Academia de Ciências Morais e Políticas (o que indica que sua notoriedade não foi total na época na França). O padre teve uma vida tudo menos tranquila, por assim dizer, pois nunca renunciou a correr riscos pelo que considerava justo.

Ele se dedicou intensamente ao trabalho (cerca de 80.000 páginas escritas), enfrentando as intrigas de outros clérigos que tentaram comprometer suas obras, algumas das quais foram provisoriamente colocadas no índice (sendo consideradas demasiado liberais), mas cujos principais escritos foram salvos pelo próprio Papa alguns tempos antes de sua morte. Isso não o impediu de ser contestado novamente algumas décadas após sua morte. Contudo, ao longo do tempo, as críticas feitas a Rosmini derreteram-se como neve ao sol, não conseguindo resistir à crítica. Como Santo Tomás de Aquino, Rosmini teve, de certo modo, o “erro” de estar certo antes dos outros!

Homem plenamente enraizado na realidade, ator de seu tempo, com conhecimentos enciclopédicos, Rosmini era um moderno voltado para o futuro, esse eterno presente, para retomar a expressão agostiniana. As obras que nos legou aparecem proféticas. Para se convencer disso, e como primeira abordagem, sugerimos a leitura das magistral introduções redigidas pelo Professor Trigeaud de duas obras-primas de Rosmini, Introdução à filosofia e Filosofia da política (aguardando a próxima publicação de sua Teodicéia).

A experiência do ser e a comunhão das pessoas

A força da filosofia rosminiana reside em seu reflexo da experiência do ser. Enquanto seu tempo estava, para expressar de forma ampla, estirado entre o idealismo e a escolástica que havia “petrificado” (Prof. Trigeaud) o tomista, Rosmini buscou transcender esses obstáculos revelando o substrato fundamental de toda filosofia: a pessoa humana. O que pode parecer comum era verdadeiramente original. A Ideia e o Método ofuscavam o fim da filosofia: a busca do ser, da verdade, de sua ontologia bem compreendida. Rosmini contribuiu para dar vida ao Logos, que havia derivado para uma lógica idealo-materialista. Ao fazer isso, ele mostrava que a filosofia é indissociável de uma teologia – ao menos cristã. O que é o Verbo encarnado, senão a participação do ser no Ser, como disse, entre outros, o padre Joseph de Finance? À sua maneira, Rosmini antecipou os existencialistas do século XX, em especial Gabriel Marcel, ao pleitear uma redescoberta da pessoa que, em sua humildade, vive e permanece um mistério.

Na hora da repetição dos direitos do “homem”, onde a pessoa humana é empunhada como um estandarte, a mensagem rosminiana é singularmente estimulante. Ela permite separar o bom grão da palha, evitando confundir a verdade da pessoa. Para Rosmini, a pessoa é o todo antes das partes, cada pessoa tem um fim próprio. Em outras palavras, a pessoa não deve ser assimilada à humanidade, que é um gênero. A pessoa integra o singular do “eu” e o universal do “nós” – que não é “nós”. Ela é única, ao mesmo tempo em que participa dessa humanidade.

Por isso, é preferível falar de comunhão das pessoas, em vez de alter ego, de pluralidade de pessoas — conceitos que apagam a singularidade de cada um. As pessoas parecem mais estar na ordem do reconhecimento – dignidade e respeito – do que na ordem da igualdade – todos iguais. Essa alteridade bem compreendida também era profética em relação ao que a história produziu: o choque entre o socialismo e o liberalismo. Rosmini saiu dessa dialética que muitas vezes leva ao erro, lembrando que a natureza da pessoa não opõe o um e o plural. Ela associa a liberdade e a sociedade, na medida em que a pessoa, cada pessoa, é singular e a pessoa remete à alteridade, a outras pessoas, como Pedro, Paulo e Tiago, etc., que assim se reconhecem. Isso implica não negar a sociedade invisível sob a sociedade visível, não reduzir a pessoa ao social, como faz Marx, nem conceber a liberdade como uma autonomia.

A serviço da verdade que se busca

Rosmini, portanto, combateu os sofismas de seu tempo, que são também os nossos. Ele os enfrentou através do testemunho de sua vida e do esforço intelectual, levando a reflexão até suas últimas consequências, diríamos hoje. Em outras palavras, ele se preocupava com a verdade, com a verdade que se busca e não com a que se fabrica. Era necessário, ao mesmo tempo, esse esforço que demanda muita energia, mas também coragem para combater os erros. Como escreve o Prof. Trigeaud, "os pensamentos falsos são pensamentos injustos".

Nestes tempos em que a democracia tende a se dissolver na lei do mais forte, Rosmini se apresenta como um guardião da razão que protege a verdade objetiva inscrita na natureza da pessoa da lei da maioria.

A beatificação de Rosmini aparece, portanto, como duplamente oportuna. Ela deve permitir tirar do esquecimento um pensamento rico e produtivo, e contribuir, sobretudo, para aproximar a fé e a razão, pelo modelo de vida que a Igreja oferece como exemplo para se comprometer ao serviço da verdade, o que não é uma missão desprovida de interesse hoje — basta lembrar o discurso de Ratisbona. O compromisso que a Igreja chama os cristãos a assumirem através do bem-aventurado Rosmini é um exercício da inteligência. Não há diálogo sem uma busca, sem uma autêntica dialética, sem um debate que mereça esse nome. E quando se sabe o quanto os desvios teológicos são o efeito de lacunas filosóficas, e o quanto a Igreja (notadamente na França) carece desesperadamente de filósofos, tendo negligenciado essa disciplina em favor da exegese e da própria teologia, mede-se o quanto a beatificação de um filósofo é sinal dos tempos. Rosmini será seguramente um companheiro neste trabalho de desbravar a verdade, desmascarar as falsas verdades, abrir o caminho do real e da vida.

Em suma, sejamos mais filósofos para sermos mais cristãos. Em seu leito de morte, Rosmini expirou deixando três instruções a seus amigos: « Adorare, tacere, gaudere — adorar, calar, alegrar-se». Essas foram suas últimas palavras.

Essa falta de filosofia…

“Essa falta de filosofia, dessa filosofia que considera o homem como um todo com as exigências de seu coração e os desejos de sua natureza, é uma das principais e mais profundas razões dos males das sociedades civis atuais.

O estado das coisas chegou a tal ponto que falar sobre as necessidades reais do homem inteiro e sua plena satisfação é considerado por muitos um argumento antigo e trivial; o escritor atual tem vergonha de abordá-lo: teme não parecer suficientemente progressista para seus leitores. É uma pena que ele não perceba que o primeiro passo realmente progressista que se dará depois dele mostrará sua ignorância!”

Antonio Rosmini,

Philosophie de la politique

Para saber mais:


[1] Citamos um autor da filosofia do direito italiano que o menciona, embora não compartilhe sempre de sua opinião: G. Del Vecchio_, Filosofia do direito_, Dalloz, reimpressão, 2003.

[2] A. Boistel, Curso de filosofia do direito, Paris, 1899, prefácio XI.

[3] Por ex. R. Jolivet, Tratado de filosofia, volume IV, Moral, Emmanuel Vitte, 1966, Antonio Rosmini, Antologia filosófica, sob a direção de R. Jolivet, Emmanuel Vitte, 1954.

[4] Cf. www.philosophiedudroit.org, link para o Centro francês de estudos rosminianos.

[5] Edições Bière, BP 27, 33023 Bordeaux cedex. Tel/fax: 05.56.72.91.88. M.-C. Bergey, A Robe Púrpura, Vida de Antonio Rosmini, Ed. Bière, coleção Biblio. Phil. Comp., Clássicos – 2, 2000.

[6] A. Rosmini, Introdução à filosofia, Ed. Bière, coleção Biblio. Phil. Comp., Clássicos – 1, 1992.

[7] A. Rosmini, Filosofia da política, Ed. Bière, coleção Biblio. Phil. Comp., Filosofia política – 2, 2000.

[8] J. de Finance, sj, Conhecimento do Ser, tratado de ontologia, DDB, 1966.

[9] J.-M. Trigeaud, na introdução, Filosofia da política, op. cit., p. 23.

[10] Cf. a obra coletiva reunindo notadamente Maritain, Journet, De Corte, De Greef, Vignaux, Reuter, e G. Marcel, Os homens são iguais?, Edições carmelitanas, 1939. Ver notadamente a contribuição de G. Marcel, Considerações sobre a igualdade, p. 161 sq, espec. p. 168. O autor indica que « o termo que expressa mais fielmente essa interdependência ativa [n.e.d.l.r.: das pessoas] e mesmo criadora não é o termo igualdade, mas sim o termo fraternidade » [nós sublinhamos]. Citamos outra passagem com acentos rosminianos de G. Marcel, p. 170: « Os sujeitos entre os quais se pretende instaurar uma igualdade metafísica ou originária não são, portanto, mais sujeitos que nominalmente, uma vez que estão ipso facto despojados do índice metafísico que é um índice de criatividade, do qual se reduzem a dados, à inércia, à morte. Se o igualitarismo se revela mortificante em suas consequências, é porque repousa sobre um ato de desvitilização inicial do sujeito. »

[11] Filosofia da política, op. cit., p. 20.


[40] http://www.libertepolitique.com/public/decryptage/article-2043-Antonio-Rosmini-:-un-pretre-philosophe-sur-les-autels.html

Anexo 10 - Wikipedia – Biografia de Mellerio

Um artigo da Wikipédia, a enciclopédia livre.[41]

Os Mellerio ditos Meller formam uma famosa dinastia da alta joalheria parisiense e francesa.

Desde o início do século XVI, três ourives-joalheiros, os Mellerio, originários de Craveggia, deixaram seu vale no norte da Itália, o Val Vigezzo (localizado perto de Domodossola), para se instalar na França, a fim de exercer sua profissão. Eles fizeram a viagem a pé, como muitas pessoas na época, atravessando os Alpes com sua caixa de amostras — a marmotte — nas costas.

Os Mellerio obtiveram privilégios da parte da regente Maria de Médici, que lhes concedeu a autorização para exercer livremente sua atividade em todo o reino, protegendo-os das hostilidades das Corporações.

Esse status privilegiado se confirmou posteriormente, e seus descendentes se tornaram os fornecedores oficiais dos grandes da corte. A joalheria, propriamente dita — a arte de montar as pedras preciosas para fazer joias — realmente nasceu sob o reinado de Luís XIII. O Cardeal Mazarin desenvolveu o gosto por isso, adquirindo os mais belos diamantes de seu tempo, fazendo-os montar em joias, e legando-os à Coroa da França. Sob o rei Luís XIV, diz-se que a Sra. de Montespan tinha um conjunto de joias combinado com a cor de cada um de seus vestidos. Seus descendentes também trabalharam com a rainha Maria Antonieta, Napoleão I, a imperatriz Joséphine, e as irmãs do imperador, Pauline Borghèse e Caroline Murat.

Eles se instalaram na 9 Rue de la Paix (Paris), durante a escavação da rua, sob o Iº Império, dando sua marca a este bairro parisiense, que se prolonga pela Place Vendôme.

Eles sempre mantiveram o vínculo com Craveggia, onde retornam todo ano.

Hoje a décima quinta geração dos Mellerio continua sua atividade na Alta Joalheria francesa e estrangeira.


[41] http://fr.wikipedia.org/wiki/Mellerio